Open-access As duas sacolas da Humanidade: Entre a tradição esópica e Fedro

Humankind’s Two Bags: Between the Aesopian tradition and Phaedrus

Resumo:

O gênero da fábula na cultura greco-romana tem raízes populares e orais, estabelecendo instigantes diálogos com tradições poéticas e filosóficas ao longo de sua história. Nosso artigo aborda duas fábulas que partilham certos elementos de uma história da criação humana: a primeira delas, escrita em grego e atribuída a Esopo, tem por título “Duas sacolas” [Πῆραι δύο]; a outra, composta em latim por Fedro, é intitulada “Sobre os vícios dos humanos” [De Vitiis Hominum]. Avançamos em bases filológicas para contextualizar historicamente cada um desses textos, a fim de sugerir os jogos de sentido estabelecidos por eles, especialmente com a tradição cínica (no primeiro caso) e com o contexto político romano (no segundo). Para isso, empreendemos uma leitura atenta a questões intertextuais e de recepção.

Palavras-chave:
Fábula; Esopo; Fedro; Prometeu; Cinismo

Abstract:

The fable genre in Greco-Roman culture has popular and oral roots, establishing curious dialogues with poetic and philosophical traditions throughout its history. Our article addresses two fables that share certain elements of a story of human creation: the first, written in Greek and attributed to Aesop, is entitled “Two Bags” [Πῆραι δύο]; the other, composed in Latin by Phaedrus, is entitled “On the Vices of Humans” [De Vitiis Hominum]. We advance on philological bases to contextualize in historical terms each of these texts, in order to understand the interplay of meaning established by them, especially with the Cynic tradition (in the first case) and with the Roman political context (in the second). To this end, we undertake a careful reading of intertextual and reception issues.

Keywords:
Fable; Aesop; Phaedrus; Prometheus; Cynicism

Introdução

A interpretação de um texto depende de uma série de variáveis que podem ser mais ou menos levadas em conta no momento da leitura, incluindo suas características formais e estruturais, seu gênero discursivo, sua autoria, seu contexto de composição, seus diferentes contextos de recepção, seus jogos intertextuais etc. No âmbito da tradição filológica oitocentista, é comum existir um cuidado com o texto enquanto forma de expressão de uma intenção autoral: nesse sentido, o estudo aprofundado da língua (gramática) vem complementado por um exercício de estabelecimento textual e um estudo de seu contexto histórico (crítica), para que seja possível propor uma interpretação daquilo que um autor quis dizer em sua obra ou em trechos específicos dela (hermenêutica). Desde o início do século XX, outras modalidades de leitura têm sido propostas, com diferentes ênfases, como as formalistas e as estruturalistas, as sociológicas, as psicológicas, as de estética da recepção e as intertextuais, por exemplo. Em cada uma delas, o polo reconhecido como o principal pela produção de sentido varia, podendo estar no próprio texto (como uma unidade fechada em si mesma), na sociedade em que esse texto foi produzido, na psiquê do autor que o produziu, na tradição literária em que se insere ou no processo de recepção dessa obra ao longo da história (incluindo suas leituras no presente). Acreditamos ser necessário ter essas referências preliminares em mente quando avançamos uma leitura, principalmente quando se trata da leitura de não apenas uma obra da Antiguidade, mas do cotejo de duas delas: uma fábula atribuída a Esopo, intitulada “Duas sacolas” [Πῆραι δύο], e outra da autoria de Fedro, “Sobre os vícios dos humanos” [De Vitiis Hominum]. Com o objetivo de apresentar essas figuras, interpretar uma de suas fábulas e propor um cotejo desses textos, procederemos em bases filológicas para, em seguida, avançarmos uma análise afim às práticas da intertextualidade e da recepção.

Apresentação dos textos

Comecemos com uma apresentação inicial dos textos aqui cotejados. O primeiro deles é o seguinte, com base na edição de Émile Chambry pela editora Les Belles Lettres (303 Chambry):

Πῆραι δύο. Προμηθεὺς πλάσας ποτὲ ἀνθρώπους δύο πήρας ἐξ αὐτῶν ἀπεκρέμασε, τὴν μὲν ἀλλοτρίων κακῶν, τὴν δὲ ἰδίων, καὶ τὴν μὲν τῶν ὀθνείων ἔμπροσθεν ἔταξε, τὴν δὲ ἑτέραν ὄπισθεν ἀπήρτησεν. Ἐξ οὖ δὴ συνέβη τοὺς ἀνθρώπους τὰ μὲν ἀλλότρια κακὰ ἐξ ἀπόπτου κατοπτάζεσθαι, τὰ δὲ ἴδια μὴ προορᾶσθαι. Τούτῳ τῷ λόγῳ χρήσαιτο ἄν τις πρὸς ἄνδρα πολυπράγμονα, ὅς ἐν τοῖς ἑαυτοῦ πράγμασι τυφλώττων τῶν μηδὲν προσηκόντων κήδεται.

Numa primeira proposta de tradução, temos o seguinte:

Duas sacolas. Prometeu, tendo plasmado os humanos, suspendeu deles duas sacolas: uma, dos males dos outros; a outra, dos próprios. Colocou a dos alheios na frente e dependurou a outra atrás. Disso aconteceu de os humanos perscrutarem os males alheios com o olhar, mas de não perceberem os próprios. Alguém poderia aplicar essa história ao homem intrometido, que, mostrando-se cego para as próprias coisas, ocupa-se daquelas em nada afins a ele.

Já o texto de Fedro, com base na edição de Alice Brenot, também publicada pela editora Les Belles Lettres, é o seguinte:

De Vitiis Hominum
Peras imposuit Iuppiter nobis duas:
propriis repletam uitiis post tergum dedit,
alienis ante pectus suspendit grauem.
Hac re uidere nostra mala non possumus;
alii simul delinquunt censores sumus.

Inicialmente, traduzimos a fábula para o português assim:

Dos vícios dos humanos
Duas sacolas Júpiter colocou para nós:
deu uma cheia com os próprios vícios atrás das
[costas,
a outra, pesada com os alheios, suspendeu diante
[do peito.
Por causa disso, não podemos ver nossos males,
mas, quando os outros delinquem, somos censores.

À primeira vista, alguém poderia ficar tentado a avançar uma interpretação direta dessas fábulas como se propusessem apenas uma admoestação à circunspecção, entendendo a narrativa em que Prometeu e Júpiter atuam no estabelecimento da condição humana como mero pretexto para uma “lição de moral”, principalmente no caso da fábula atribuída a Esopo, onde o epimítio pareceria oferecer uma espécie de controle interpretativo interno. É evidente que, em certas circunstâncias, essas fábulas poderiam ser reduzidas à “moral” principal contida em sua mensagem (em termos pragmáticos), como acontece também no emprego de expressões populares no âmbito de outras culturas. Um caso que salta à vista para alguém educado numa cultura cristã (ainda que tenha uma origem antiga comum), seria aquele que aparece no Evangelho de Mateus (7:3), quando Jesus afirma: “Por que vês o espinho no olho do teu irmão, mas não notas a trave no teu olho?”1

Em certos contextos, é possível imaginar que fábulas e provérbios dessa natureza fossem usados com o objetivo de dissuadir o interesse que alguém pudesse ter nos males alheios a fim de que cuidasse da própria vida. Contudo, as especificidades de formulação da fábula esópica - retomada e modificada depois por Fedro - apresentam aspectos que incitam o leitor a refletir com mais vagar sobre o que pode estar por trás da escolha de certas palavras, imagens e associações no âmbito da cultura greco-romana. Para avançar essa reflexão, propomos um trabalho preliminar de definição dos prováveis contextos de composição e circulação desses materiais na Antiguidade.

Apesar de o texto esópico ser transmitido no corpus de fábulas anônimas, o fato de que seja retomado - ainda que com formulações diferentes - nos conjuntos de Fedro (4.10) e Bábrio (66.8), constando também da chamada “paráfrase de Bodleian” (304), aponta para uma data de composição possivelmente recuada. Esse entendimento é reforçado porque a ideia básica dessa fábula aparece referida por autores da Antiguidade, como Catulo (22.20-1)2 e Horácio (Sat. 2.3.298-9),3 além de ser explicitamente relacionada ao nome de Esopo por autores eruditos como Plutarco (Crass. 32) e Temístio (21.262b). Ter essas referências em vista é fundamental para o estabelecimento de um terminus post quem para a data de composição de um texto atribuído a um autor cuja existência flerta com o lendário, como é o caso de Esopo.

Sem entrar em detalhes, talvez valha a pena avançar algumas reflexões preliminares sobre o gênero discursivo de um texto como o que acabamos de ver e o papel de Esopo como o pretenso criador desse gênero e de alguns de seus principais exemplos.

Esopo e a fábula na Antiguidade

A Antiguidade greco-romana elabora a imagem de Esopo como a de um homem nascido no século VI AEC, em alguma região oriental (como a Trácia ou a Frígia), de baixa extração social e características físicas repulsivas (incluindo uma notável feiura), o qual - depois de servir por um período como escravo - teria conquistado a liberdade e dado provas de sagacidade e eloquência por meio de fábulas contadas na ocasião precisa, vivendo muitas aventuras até eventualmente confrontar a população de Delfos e sofrer uma morte violenta na sequência de uma incriminação injusta (o que ocasiona, depois, necessidade de compensação por parte dos délficos). Esses são os dados gerais da biografia fantástica de Esopo, desenvolvida desde meados do século V até os primeiros séculos da Era Comum, e que recebe sua mais acabada formulação no conjunto de textos chamados de Romances de Esopo (escritos por volta do século II EC).4 Evidentemente, nem todos os dados “biográficos” relativos a Esopo têm o devido lastro histórico: como sabemos, os gregos antigos cultivam o hábito de eleger um prôtos heuretḗs [inventor] de suas principais instituições e práticas sociais, sem uma preocupação muito estrita com questões de história e cronologia. Trata-se precisamente disso no caso de Esopo e sua pretensa criação da fábula.5

Embora muitos estudiosos ainda apostem na existência histórica de uma figura chamada Esopo - com base nos testemunhos de Heródoto (2.134), Heráclides do Ponto (FHG II Didot) e um escoliasta de Aristófanes (Vespas 1446) -, é unanimemente reconhecido que a criação da fábula é muito anterior à vida de Esopo e mesmo às mais antigas manifestações poéticas da cultura grega. Sem aprofundar demais, podemos mencionar as investigações do assiriólogo Erich Ebeling, que, desde a década de 1920, tem provado a existência de fábulas antiquíssimas do repertório mesopotâmico com temas comuns a exemplares greco-romanos, como é o caso da fábula “A Serpente e a Águia”, que integra o poema acádio da Epopeia de Etana e aparece aludido na poesia jâmbica de Arquíloco (em estado fragmentário) (Adrados, 1979, p. 311). Outros estudiosos, como Gordon (1958) e Alster (1978), têm ampliado esse repertório de fábulas mesopotâmicas, evidenciando sua variedade e frequência em fontes do II milênio AEC, além de mostrarem a falta de especificidade terminológica para se referir ao gênero fabular no âmbito dessa cultura.

Para nossos propósitos, não seria preciso remontar tanto na história da Antiguidade a fim de colocar em questão o caráter pretensamente inaugural de Esopo para a tradição das fábulas. No âmbito dos materiais supérstites da própria cultura grega, sua precedência já seria contestável pelo fato de que, no poema Trabalhos e dias (atribuído a Hesíodo), existe um célebre aînos em que um gavião e um rouxinol são representados para tematizar as relações desiguais de poder entre reis e aedos (Trabalhos e dias 202-12). Trata-se do mais antigo exemplo daquilo que vai se consagrar como um gênero nos séculos seguintes, reunindo elementos fundamentais para a futura definição da fábula: animais antropomorfizados, um conflito entre personagens com diferentes visões de mundo e valores, além de uma lição extraída a partir da própria ação (isto é, uma espécie de “moral”).6

Em todo caso, exemplares do que posteriormente será reconhecido como fábula aparecem não apenas nos versos de Hesíodo, mas também nos de Arquíloco e Estesícoro - ainda que sob nomes tão diversos quanto aînos, mŷthos e lógos -, de modo que a precedência de Esopo não se confirma sequer entre nomes gregos. A esse respeito, contudo, convém notar alguns aspectos curiosos da história cultural envolvendo Esopo. Em observação a uma alusão que o poeta cômico Aristófanes faz a uma fábula da autoria de Arquíloco, “A Raposa e a Águia”, como se fosse de Esopo, um escoliasta (Aves 651-3) dirá o seguinte: “Eles claramente atribuíam esses relatos [lógous] a Esopo, mesmo esse que é contado em Arquíloco, ainda que ele fosse mais antigo”.7 Como temos sugerido, entre os testimonia antigos (de fins do século V AEC em diante), Esopo aparece como o fabulista por excelência e, mais do que isso, como o prôtos heuretḗs [inventor] do gênero. Séculos mais tarde, Teão em seus Progymnasmata (3.73), oferece uma explicação para essas estranhas associações, ao dizer que a prática de atribuição a Esopo de um sem-número de fábulas ocorre não por ele ter sido o primeiro, mas sim o que fez um emprego mais amplo (katakórōs) e mais hábil (déxiōs) do gênero fabular, da mesma forma como certos metros são chamados “aristofânicos”, “sáficos” ou “alcaicos”, ainda que os poetas de cujos nomes derivam tais adjetivos não tenham sido os primeiros a empregá-los (Gil, 2019, p. 29).8

Prometeu e a criação da humanidade

Todos esses fatos servem para nos alertar que, apesar das alusões de Catulo (22.20-1) e Horácio (Sat. 2.3.298-9), ou mesmo das atribuições de Plutarco (Crass. 32) e Temístio (21.262b), nada garante que essa fábula tenha sido composta por Esopo no século VI AEC. Na verdade, seu conteúdo parece indicar justamente o contrário: trata-se de um desdobramento do mito de criação divina da humanidade e do papel de Prometeu nessa história, mas com detalhes muito diversos do que se encontra nos poemas atribuídos a Hesíodo (Teogonia 535-616 e Trabalhos e dias 42-105), ou mesmo em figurações posteriores do titã, como na peça Prometeu acorrentado, atribuída a Ésquilo, ou na versão que Protágoras teria compartilhado com seus aprendizes, segundo o diálogo homônimo de Platão (Protágoras 320c-322d). Em todas essas versões, Prometeu aparece não como o criador da humanidade, mas sim como um aliado que se esforça para favorecê-la de algum modo, atuando depois que Zeus - em geral com o apoio de outras divindades - já estabeleceu as bases da criação. Em todas essas versões do mito, apesar de diferenças consideráveis em questões de detalhe, existem dois pontos complementares que precisam ser destacados: Prometeu vale-se de astúcia para tentar beneficiar a humanidade, em detrimento de Zeus; seu plano tem sucesso apenas parcial, na medida em que a astúcia de Zeus sempre garante que sua vontade prevaleça sobre os estratagemas de Prometeu.9

O testemunho mais antigo da ideia de Prometeu como criador da humanidade é um fragmento de uma comédia de Filêmon (séc. IV AEC), conservado na Antologia de Estobeu (2.27), onde se lê:

τί ποθ’ ὁ Προμηθεύς, ὃν λέγουσ’ ἡμᾶς πλάσαι
και τἆλλα πάντα ζώια, τοίς μεν θηρίοις
ἔδωχ’ ἑκάστωι κατὰ γένη φύσιν μίαν;
Por que Prometeu, que afirmam ter plasmado a nós
assim como a todos os outros animais, deu uma
[natureza
para cada uma das criaturas segundo suas
[espécies?
(Filêmon fr. 93 Kassel-Austin)

Aparentemente, essa concepção ganha certa popularidade do período helenístico em diante porque aparece em trecho significativo da Biblioteca atribuída a Apolodoro (1.7.1), na obra de Pausânias (10.4.4) e em diferentes momentos do diálogo de Luciano intitulado Prometeu ou o Cáucaso (3, 13). Mesmo entre autores latinos, como Higino (Fábulas 142), Ovídio (Metamorfoses 1.82-8) e Juvenal (14.33-7), essa versão do mito prometeico ganha certo destaque. Isso é salientado pela grande quantidade de fábulas esópicas em que Prometeu figura como um personagem envolvido em diferentes aspectos da criação da humanidade e dos seres vivos em geral, como em: “Zeus, Prometeu, Atena, Momo” (124 Chambry), “Prometeu e os humanos” (322 Chambry), “O leão, Prometeu e o elefante” (210 Chambry), “Quando Prometeu plasmou o ser humano” (430 Perry), além de desempenhar papel preponderante na criação de mulheres linguarudas e homossexuais em duas fábulas de Fedro (4.15 e 4.16). Todos esses elementos sugerem que, a partir do século IV AEC, cada vez mais Prometeu deixa de figurar apenas como um benfeitor não muito bem-sucedido da humanidade para se tornar o principal responsável por sua criação. Além disso, o teor ridículo dessa atuação insinua-se em algumas das versões (principalmente nas de Fedro, mas também nas de Luciano e da maioria das fábulas esópicas).10

À luz desses esclarecimentos, voltemos a analisar o texto da fábula “Duas sacolas”. Ela contém uma elaboração que apresenta o mito da criação da humanidade como um ato de Prometeu, mas faz isso por meio de uma imagem curiosa: ao plasmar os humanos, o titã dependura de cada um deles duas sacolas. A palavra aqui traduzida como “sacola” é πήρα e, apesar de ter ocorrências que remontam a Homero (Od. 13.437), é a partir do período helenístico que passa a figurar como um verdadeiro símbolo de um grupo social. Vejamos a seguinte caracterização de Diógenes, o Cínico, segundo o testemunho de Diógenes Laércio (6.22):

Segundo alguns, Diógenes foi o primeiro a “duplicar” o manto (por causa da necessidade de vesti-lo e dormir com ele) e carregava uma sacola [pḗran], onde mantinha a comida consigo, servindo-se de todo lugar para tudo: comer, dormir e conversar.11

Como bem observado por Adrados (2003, p. 291), a πήρα é escolhida por Diógenes - e, depois dele, pelos cínicos de modo geral - como símbolo de sua autárkeia, ou seja, de sua autonomia: na passagem citada, Diógenes traz um manto e uma sacola consigo porque isso é quanto lhe basta para viver plenamente em qualquer lugar. Ideia semelhante aparece na sequência imediata da passagem, quando a velhice faz com que um cajado seja acrescentado às suas posses básicas. A mesma imagem volta a ser explicitada de forma veemente no seguinte trecho:

Diógenes dizia que “deficientes” [anapḗrous] deveriam ser chamados não os surdos e cegos, mas sim os que não tivessem uma sacola [pḗran]. (D.L. 6.33).12

O gracejo de Diógenes não tem nenhuma base etimológica, mas se fundamenta numa proximidade sonora entre as palavras para “sacola” [pḗra] e para “deficiente” [anápēros], sugerindo uma função negativa para o prefixo ana- (sonoramente próximo do emprego do “alfa privativo” em grego antigo) para indicar que realmente deficiente seria apenas a pessoa desprovida desse item fundamental para uma vida autônoma. Muitos outros testemunhos corroboram a centralidade que a “sacola” adquire na imagem filosófica dos cínicos, como poemas da Antologia Palatina (7.65-68; 11.158) e trechos da obra de Luciano, inclusive um em que uma coincidência vocabular com a fábula chama ainda mais atenção: “um homem esquálido do Mar Negro” (em clara alusão a Diógenes, natural de Sínope) é comicamente descrito como “dependurado na sacola” [οὗτος ὁ τὴν πήραν ἐξηρτημένος] (Leilão de filósofos 7). Parte da graça dessa descrição é que o cínico aparece não apenas como dependente da sacola (em termos figurados), mas também como quem fica literalmente dependurado nela. O verbo empregado aqui é ἐξαρτάω, que compartilha o mesmo radical do verbo usado na fábula esópica para descrever a ação de Prometeu ao dependurar as sacolas nos humanos plasmados por ele (ἀπαρτάω). Essa coincidência corrobora nossas sugestões.

A importância simbólica da πήρα para os cínicos pode ser reforçada aqui ainda pela menção ao poema de caráter pseudo-épico (satírico), atribuído ao filósofo cínico Crates por Diógenes Laércio (6.85). Essa composição louva uma certa cidade chamada de Πήρη [Pḗrē] (forma jônica da mesma palavra πήρα), valendo-se dos seguintes hexâmetros datílicos:

Uma certa cidade chamada Sacola está no meio do
[vapor vínheo,
bela e fértil, desasseada, nada possuindo.
Até ela não há homem tolo que navegue, nem
[parasita,
nem glutão rejubilante com nádegas de prostituta.
Mas timo, alho, figos e pães [esta cidade] produz,
sem que uns combatam contra os outros por eles
nem peguem em armas por dinheiro ou fama. 13

Diante de tantos testemunhos, podemos considerar bem estabelecido o valor simbólico da “sacola” que aparece na fábula esópica - e mesmo da ação de dependurá-la, como uma espécie de metonímia da conversão à filosofia cínica - desde meados do século IV AEC.14 O que ainda precisa ser esclarecido antes de propormos uma interpretação desse texto é a relação entre os cínicos e Prometeu, afinal, por que motivo o autor dessa fábula teria escolhido uma versão alternativa do mito de criação da humanidade, substituindo o papel tradicionalmente desempenhado por Zeus?15

Já foi observado que, embora os cínicos se valham com frequência de mitos para encenar suas lições e transmitir seus ensinamentos, isso geralmente se dá por meio de uma atitude irreverente face à tradição mitológica, uma vez que eles não costumam aceitar de forma cordata as narrativas tradicionais e seus valores.16 Segundo Troy Martin, as razões dos cínicos para depreciar Prometeu estariam baseadas no fato de que ele é apresentado pelos mitos como um grande benfeitor da humanidade, embora tenha introduzido as principais causas responsáveis pela corrupção dos humanos, com suas técnicas deturpadas para garantir uma vida de confortos e luxos supérfluos. Para defender essa ideia, o estudioso cita alguns trechos das “Epístolas Cínicas” (de autoria desconhecida), valendo a pena destacar aqui aquele em que Anacársis se dirige a Creso (Ep. 9 Malherbe 46f.) para comentar o seguinte:

Outrora, a terra era uma possessão comum aos deuses e comum aos humanos. Com o tempo, contudo, estes transgrediram o costume, dedicando aos deuses, como santuários particulares, aquelas propriedades comuns a todos. Em resposta a isso, os deuses retribuíram aos humanos com dons convenientes: disputa, desejo e mesquinharia. Das misturas e divisões disso, surgiram todos os males para todos os mortais: arados, semeaduras, metalurgias, guerras. Pois, embora introduzam muitos frutos, produzem pouca coisa e, embora operem com muitas técnicas, encontraram apenas uma luxúria efêmera. Explorando as cores da terra variadamente, fizeram coisas espantosas. E consideram como o mais bem-aventurado aquele que pela primeira inventou esse despropósito!17

Martin (1997, p. 88) parece ter razão em ver nessa referência a um “inventor das técnicas humanas” uma alusão direta a Prometeu. Acerca desse caráter antiprometeico do pensamento cínico, R. Bracht Branham (1996, p. 84, n. 9), chama atenção para passagens em que Dio Crisóstomo representa um posicionamento de Diógenes abertamente avesso à ideia de que a atuação de Prometeu tenha sido em benefício da humanidade. Depois da sugestão de que humanos têm vidas inferiores às dos outros animais, por causa da moleza [malakía] provocada por suas técnicas e instituições, aparece a seguinte afirmação acerca do filósofo cínico:

Em sua opinião, por essas razões o mito fala que Zeus pune Prometeu, isto é, por causa da invenção e entrega do fogo, entendendo isso como a origem e o meio de existência da moleza e da luxúria para os humanos. Pois Zeus certamente não odeia os humanos nem os inveja por algum tipo de bem. (Dio 6.25-6).18

E, na conclusão do mesmo raciocínio, vem o remate:

Diógenes dizia que a desonestidade humana para inventar muitas coisas e criar técnicas não tinha favorecido demais a vida daqueles que vieram depois. Afinal, os humanos não empregam sua sabedoria em prol da coragem ou da justiça, mas do prazer. Perseguindo então o que é prazeroso a todo custo sempre, vivem de forma cada vez mais desprazerosa e trabalhosa; e, embora pareçam meramente previdentes [promētheîsthai], arruínam-se da forma mais terrível por causa do excesso de cuidado e previdência [promḗtheian]. Sendo assim, com efeito, é com justiça que se conta que Prometeu - acorrentado ao rochedo - tem seu fígado dilacerado pela águia. (Dio 6.28-9).19

À luz desses testemunhos, o interesse dos cínicos pela figura de Prometeu parece justificar-se porque o titã simboliza para eles não apenas a origem das técnicas que visam a beneficiar o ser humano - na linha do que se encontra representado em Hesíodo, Ésquilo e Platão -, mas também as consequências negativas que a introdução dessas técnicas teria acarretado para o comportamento humano, com o estabelecimento de uma busca desenfreada por conforto e prazer. Trata-se de uma leitura da imagem mitológica tradicional de Prometeu, mas da perspectiva idiossincrática que os cínicos promovem.20

Com base nesses esclarecimentos, podemos enfim propor uma leitura do que se encontra em jogo na fábula esópica. Prometeu, no momento de criação da humanidade, viu-se diante da contingência de determinar onde colocar os males individuais e os males alheios. Como benfeitor tradicional dos humanos, buscou encontrar a solução que mais parecesse beneficiá-los: seguindo uma sugestão contida na versão dessa mesma fábula que propõe Bábrio (66.6), podemos sugerir que Prometeu resolveu colocar sobre as costas de cada ser humano a carga de males mais pesada para cada um deles - ou seja, a dos próprios males, na medida em que são os que mais pesadamente afetam a vida de cada indivíduo -, enquanto deixava a outra, mais leve, para ser levada à frente do peito. Essa decisão (ainda que bem-intencionada), contudo, acabou gerando uma série de complicações posteriores: carregando nas costas a sacola mais pesada para si, cada ser humano está na posição mais confortável para continuar a carregá-la assim por toda a vida, em vez de se incomodar e fazer o possível para se livrar dela; concomitantemente, o fato de que justamente esse peso maior esteja nas costas (e, portanto, longe da vista) dificulta que cada indivíduo se dê conta dele, limitando-se a perceber e detestar apenas os males no comportamento das outras pessoas. Nesse sentido, a fábula explica não apenas por que é tão difícil que alguém se dê conta dos próprios vícios (posto que a sacola com eles fica longe de sua vista), mas também o motivo de ser tão incomum que alguém se incomode com os próprios vícios (posto que os carrega da forma mais confortável e negligenciável possível). Ao mesmo tempo, o autor da fábula sugere que Prometeu, novamente tentando favorecer a humanidade com aquilo que parecia a melhor opção, acabou prejudicando-a com um problema muito mais grave do que se tivesse optado por privilegiar a solução verdadeira, ainda que mais difícil, da questão envolvendo os vícios próprios e os vícios alheios.

Essa interpretação não invalida o que havia sido proposto antes sobre o emprego mais direto dessa fábula com o objetivo de admoestar pessoas intrometidas a assumirem maior circunspecção, preocupando-se mais em corrigir os próprios erros do que os alheios. Contudo, ganha-se em profundidade ao compreender que as imagens empregadas para transmitir essa mensagem não são gratuitas: provavelmente composta por alguém identificado com ideais cínicos, essa fábula contém não apenas uma moral individual, mas também um posicionamento crítico face ao discurso prometeico de louvor da técnica e da cultura, indicando o que pode haver de ilusório nas empreitadas de quem não se dá conta do que mais imediatamente lhe diz respeito, isto é, seu próprio comportamento. Existe uma dimensão filosófica profunda nessa fábula, como soube reconhecer com razão um leitor da própria Antiguidade, quando anotou o seguinte:

Esopo, o fabulista, era um sábio. Ele dizia que os humanos carregavam, individualmente, duas sacolas: uma na frente, a outra atrás. Cada uma delas cheia de males, mas a da frente com os [males] alheios, a de trás com os [males] de quem a carrega. Por isso, os humanos não veem os males deles próprios, enquanto discernem com muita precisão os alheios. De minha parte, gostaria de inverter minhas sacolas, a fim de ver apenas meus próprios males e não ser capaz de ver os dos outros. Dizem que não há nada mais doce do que saber de tudo; mas eu digo: saber de tudo aquilo que é bom. (Temístio 21.262b Dindorf).21

Com esse testemunho da própria Antiguidade - que enriquece a presente exposição com uma estratégia cara à estética da recepção -, podemos considerar finalizadas nossas reflexões sobre a fábula esópica “Duas sacolas”, tendo levado em conta não apenas aspectos textuais, mas também da sociedade em que esse texto foi produzido, das possíveis motivações e interesses do autor que o produziu, da tradição literária em que se insere e de seu processo de recepção. Para concluirmos, falta apenas abordar aquilo que Fedro promove em sua reescrita dessa mesma fábula no contexto imperial romano.

Fedro e a manipulação da tradição esópica

No âmbito da tradição fabular e suas tendências a apagar a autoria do material coletado nos códices, Fedro delineia uma personalidade poética com vigor, apresentando-se de forma muito mais definida do que Esopo ou Bábrio. É preciso contentar-se praticamente apenas com as informações biográficas que o fabulista transmite em sua própria obra: referências externas a Fedro são poucas e sucintas - como aquela que faz outro fabulista, Aviano (no século IV EC) -, não aparecendo sequer onde seria de se supor alguma menção a ele e sua obra, como no trecho de Quintiliano sobre os usos retóricos da fábula (Instituições 5.11-2) ou em alguma das invectivas morais de Sêneca ou Juvenal. Ainda assim, é possível propor um quadro parcial da pessoa poética que se apresenta como Fedro em sua obra.22

Homem nascido na Macedônia, região de cultura grega sob dominação romana, de baixa extração social, vai como escravo para Roma, onde conquista a liberdade durante o Principado de Augusto, talvez com a intervenção de Lúcio Calpúrnio Pisão Frugi (por volta de 13-11 AEC). É possível que tenha atuado na casa de Augusto como pedagogo de seu neto Lúcio, tendo se tornado liberto apenas posteriormente. Escreve e publica fábulas de matéria relativamente tradicional, recorrendo ao senário jâmbico como um metro capaz de imprimir certo dinamismo e acabamento poético à sua expressão, mas de modo a atacar abertamente os vícios da sociedade romana de seu tempo, sobretudo a ganância, a hipocrisia e o abuso dos poderosos. Os temas e estruturas característicos da tradição esópica são retomados por Fedro,23 a partir do posicionamento crítico de um indivíduo que reivindica seu lugar nessa tradição e diversifica seus referenciais culturais com elementos filosóficos, sobretudo com o moralismo estoico. Além disso, temas cínicos ganham relevância em suas alusões constantes a aspectos da realidade romana contemporânea. Tudo indica que a franqueza e a argúcia de seus poemas suscitam problemas com os poderosos da época, em especial com Sejano - um dos favoritos de Tibério -, e que ele sofre algum tipo de punição. Depois disso, ele precisa esperar a morte de Sejano (em 31 EC) para publicar a continuação de seus dois livros anteriores, com outros três que ainda seriam dados a lume. Apesar dos esforços que ficam bem caracterizados nos prólogos e epílogos desses livros, a produção poética latina desse grego liberto não é muito apreciada pelos círculos eruditos de Roma, como parece sugerir a ausência de referências a ele entre autores de então.24

O jogo deliberado com a tradição esópica aparece desde o poema que provavelmente marca sua estreia na poesia latina:

Esopo é o autor que inventou a matéria;
esta eu poli em versos senários.
O dote do livrinho é duplo, pois provoca riso
e, com prudente conselho, instrui a vida.
Mas se alguém quiser caluniá-lo,
porque as árvores falam, não apenas os animais,
lembre-se de que brincamos com fábulas fictícias.
(Fedro I. prólogo).25

O prólogo desempenha uma função programática dentro do corpus de Fedro, cumprindo salientar o seguinte: Esopo é a palavra que inicia sua obra e isso não é fortuito. Na linha do que apontam os estudos de Gil (2019, p. 97), essa estratégia demarca a auctoritas do fabulista grego, enquanto oferece a ocasião ideal para a apresentação do que Fedro pretende inaugurar com seu trabalho no âmbito da tradição poética latina. Em seu trabalho de exploração e valorização de um gênero discursivo popular entre os gregos, esse autor apresenta seu esforço poético com uma modéstia que flerta com a captatio beneuolentiae, dissimulando muito bem o teor crítico dos versos que vêm na sequência. É como se sua reivindicação de provocar o riso apaziguasse o teor sério de aconselhamento para uma vida de prudência. A escolha do senário jâmbico, contudo, poderia indicar a mordacidade da crítica social que seu trabalho alcançaria - na linha de predecessores tão célebres quanto Arquíloco, Semônides e Hipônax, no âmbito da tradição jâmbica grega -, pois, sob a pena de Fedro, o riso não serve apenas para apaziguar a seriedade, mas se torna veículo mesmo do que há de mais sério em seu trabalho: a crítica moral.26

O estado fragmentário do corpus fedriano dificulta qualquer tentativa de propor uma leitura geral do conjunto: em primeiro lugar, porque seus cinco livros foram escritos em diferentes épocas, sob circunstâncias muito variadas (e pouco conhecidas), como indicam seus prólogos e epílogos; ao mesmo tempo, embora seja possível reconhecer um amadurecimento poético do autor - na forma como se distancia da ideia inicial de mero tradutor de uma matéria esópica em senários jâmbicos latinos, afirmando paulatinamente sua própria auctoritas -, nada garante que os poemas transmitidos dentro de um livro tenham sido compostos originalmente por Fedro para fazer parte daquele livro. Ainda assim, para o tipo de leitura proposta aqui, basta ter em vista alguns direcionamentos gerais sobre seu trabalho poético, incluindo o que fica sugerido em instigantes versos do prólogo a seu livro III:

Agora explicarei breve porque o gênero das fábulas
teria sido inventado: a escravidão obnóxia,
porque não ousava dizer o que queria,
transpôs os próprios sofrimentos para as fábulas
e esquivou-se da calúnia com jogos fictícios.
(Fedro III. Prólogo 33-37, trad. Gil).27

Fedro sugere que a origem da fábula está relacionada com a necessidade de expressão dos oprimidos, uma vez que seus sofrimentos precisariam encontrar uma forma de expressão sem que isso despertasse a fúria dos poderosos. Em termos autobiográficos, o autor joga aqui com a ideia de que tenha sido injustamente condenado por um poderoso ofendido com a crítica social de sua fábula. Ao mesmo tempo, flerta com a tradição biográfica esópica, que o apresenta como um escravo cuja argúcia e loquacidade possibilitam uma espécie de justiçamento pessoal contra os que abusam dele. Cumpre notar, portanto, que, mesmo nesse momento de afirmação madura da própria obra e da própria posição como autor, Fedro ainda recorre à estratégia de se apresentar em diálogo e diferença com Esopo e a tradição da fábula esópica.28

É precisamente o que se encontra em jogo na fábula “Dos vícios humanos”:

Duas sacolas Júpiter impôs sobre nós:
deu uma cheia com os próprios vícios para as
[costas,
a outra, pesada com os dos outros, suspendeu na
[frente do peito.
Por causa disso, não podemos ver nossos males,
mas, quando os outros delinquem, somos
[censores.
(Fedro IV.10).

Retomando a matéria esópica que relaciona a criação da humanidade à imposição de duas sacolas com os males a serem portados por cada indivíduo - uma com os males próprios, a outra, com os alheios -, Fedro abrevia e modifica alguns dos elementos contextuais da narrativa com o objetivo de demarcar sua poesia e seu contexto daquilo que dizia respeito à composição de “Duas sacolas”. O poeta parece apreciar o potencial moralizante dessa imagem, mas prefere evitar as querelas cínicas de viés anti-prometeico, apontando um Júpiter tradicional (de comportamento autoritário) como o responsável por impor essa condição de cegueira e parcialidade a que estão condenados os humanos. A dimensão filosófica da reflexão continua, ainda que com um matiz mais estoico do que cínico, sendo de se perguntar em que medida o autor pode ter jogado com o teor metalinguístico da fábula: afinal, uma denúncia de que os humanos censuram os vícios dos outros, sem se dar conta dos próprios, pode se voltar contra quem recorre à fábula para censurar sistematicamente os vícios alheios.

Independentemente disso, é preciso notar um deslocamento considerável que Fedro promove por meio da escolha de uma única palavra característica da língua latina. Ao terminar seu poema com a referência a censores, o poeta indica que sua crítica se volta principalmente contra aqueles que favorecem um sistema político hipócrita de denúncia dos adversários, ainda que sem a intenção de aceitar qualquer tipo de questionamento aos próprios comportamentos e valores. Como ninguém é eleito para ocupar o cargo público de censor desde 22 AEC, cabendo ao próprio Augusto e seus sucessores tratarem de questões públicas de ordem moral, a crítica de Fedro pode ter em vista ninguém menos que o próprio Imperador (provavelmente, Tibério). Se essa interpretação estiver correta, em sua releitura da tradição esópica, Fedro ridiculariza o sistema político romano, valendo-se do riso para avançar uma crítica moral extremamente séria.

Conclusão

Uma leitura filologicamente informada, atenta aos aportes da hermenêutica contemporânea, permite uma compreensão renovada de materiais antigos. A partir da presença de um motivo compartilhado por duas fábulas aparentemente simples do corpus atribuído a Fedro e a Esopo, isto é, a menção a duas sacolas na narrativa de criação da humanidade, desdobramos uma interpretação historicamente contextualizada desses textos para defender que suas relações com a tradição cínica (no primeiro caso) e com o contexto político romano (no segundo) são fundamentais para a compreensão de seu sentido. A permanência de um mesmo motivo em diferentes textos da cultura greco-romana pode esconder deslocamentos radicais a depender do contexto histórico de cada ocorrência. Em termos de uma prática da leitura, compreender isso salienta o potencial filosófico que uma abordagem filológica da Antiguidade ainda oferece ao mundo contemporâneo.

Bibliografia

  • ADRADOS, F. (1979). Historia de la fabula Greco-Latina Tomo I. Madrid: Ed. de la Univ. Complutense.
  • ADRADOS, F. (1999). History of Graeco-Latin Fables Vol I. Transl. L. A. Ray. Leiden; Boston; Koln: Brill.
  • ADRADOS, F.(2003). History of Graeco-Latin Fables . Vol III. Transl. L. A. Ray and F. Rojas del Canto. Leiden; Boston; Koln: Brill.
  • ALSTER, B. (1978). Sumerian proverb collection seven. Revue d’Assyriologie et d'archéologie orientale 72, no. 2, p. 97-112.
  • BRANHAM, R. B. (1996). Defacing the Currency: Diogenes’ Rhetoric and the Invention of Cynicism. In: BRANHAM, R. B.; GOULET-CAZÉ, M.-O. (ed.). The Cynics: The Cynic Movement in Antiquity and Its Legacy. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, p. 81-104.
  • BRENOT, A. (1924). Phèdre. Fables Paris: Les Belles Lettres.
  • CHAMBRY, É. (1985). Notice sur Ésope et les Fables Ésopiques. In: CHAMBRY, É. (ed.). Ésope. Fables Paris: Les Belles Lettres, p. ix-liv.
  • CHAMBRY, É. (ed.). (1985b) Ésope. Fables Paris: Les Belles Lettres.
  • COHOON, J. W. (1932). Dio Chrysostom. Discourses Vol. I. London: William Heinemann Ltd. ; New York: G. P. Putnam’s Sons.
  • DINDORF, W. (1832). Themistius. Orationes Lipsiae: C. Cnobloch.
  • DUARTE, A. S. (2017). Romance de Esopo In: MALTA, A.; DUARTE, A. S. (eds.). Esopo. Fábulas seguidas do Romance de Esopo São Paulo: Editora 34.
  • FLORES JÚNIOR, O. (2008). O cinismo antigo: problemas de transmissão e perspectivas de interpretação. In: DUARTE, A. S. et al (org.). Simpósio de Estudos Clássicos da USP III São Paulo: Humanitas, p. 29-58.
  • FLORES JÚNIOR, O. (2020). Lire et écrire dans les marges. Activité littéraire et mendicité chez les cyniques grecs. In: HELMER, É. (ed.). Mendiants et mendicité en Grèce ancienne Paris: Garnier, p. 235-273.
  • FLORES JÚNIOR, O. (2021). La vie facile: Une lecture du cynisme ancien. Paris: Vrin.
  • GIL, G. C. de A. (2019) Reformulações da auctoritas de Esopo no projeto poético de Fedro Dissertação. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • GORDON, E. (1958). Sumerian Animal Proverbs and Fables: Collection Five. Journal of Cuneiform Studies 12, n. 2, p. 43-75.
  • GOULET-CAZÉ, M.-O. (1995). Les premiers cyniques et la religion. In: GOULET-CAZÉ, M.-O.; GOULET, R. (eds.). Le cynisme ancient et ses prolongements Paris: Presses Universitaires de France, p. 117-158.
  • HARMON, A. M. (1960). Lucian. Lucian in Eight Volumes: II. London; Cambridge: William Heineman; Harvard University Press.
  • HICKS, R. D. (1972). Diogenes Laertius. Lives of Eminent Philosophers Cambridge: Harvard University Press.
  • KASSEL, R.; AUSTIN, C. (eds.) (1989). Poetae Comici Graeci (PCG) Vol. VII. Berlin; New York: Walter de Gruyter.
  • MALHERBE, A. J. (ed.) (1977). The Cynic Epistles: A Study Edition. Missoula: Scholars Press.
  • MARTIN, T. (1997). The Chronos Myth in Cynic Philosophy. Greek, Roman and Byzantine Studies 38, n. 1, p. 85-108.
  • NESTLE, W. (1937). Ein Pessimistischer Zug im Prometheusmythus. Archiv für Religionswissenschaft 34, p. 378-81.
  • ONELLEY, G. B.; PEÇANHA, S. F. G. de A. (2010). O relato fabulístico na Grécia antiga e em Roma. Politeía: História e Sociedade 10, n. 1, p. 175-185.
  • PATILLON, M. (1997). Aelius Théon. Progymnasmata Paris: Les Belles Lettres.
  • PENELLA, R. J. (2000). Themistius. The private orations of Themistius Berkeley; London: University of California Press.
  • PERRY, B. E. (1962). Demetrius of Phalerum and the Aesopic Fables. TAPA 93, p. 287-346.
  • PERRY, B. E. (ed.) (1965). Babrius and Phaedrus. Fables London: Harvard University Press.
  • RUTHERFORD, W. G. (ed.) (1896). Scholia Aristophanica. 3 Vol. I. London; New York: Macmillan and Co.
  • SILVA, R. G. T. da (2022). O Evangelho de Homero: Por uma outra história dos Estudos Clássicos. Tese. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • VAN DIJK, J. G. (1997). ΑΙΝΟΙ, ΛΟΓΟΙ, ΜΥΘΟΙ: Fables in Archaic, Classical, and Hellenistic Greek Literature. With a Study of the Theory and Terminology of the Genre. Leiden; New York; Köln: Brill.
  • 1
    No original: τί δὲ βλέπεις τὸ κάρφος τὸ ἐν τῷ ὀφθαλμῷ τοῦ ἀδελφοῦ σου, τὴν δὲ ἐν τῷ σῷ ὀφθαλμῷ δοκὸν οὐ κατανοεῖς; — Na tradução do texto para o latim da Vulgata: “quid autem vides festucam in oculo fratris tui et trabem in oculo tuo non vides?”
  • 2
    No original: “Suus cuique attribūtus est error;/ sed nōn vidēmus manticae quod in tergo est.” Na tradução: “A cada um foi atribuído o próprio erro,/ mas não vemos a sacola que está nas costas.”
  • 3
    No original: “dixerit insanum qui me, totidem audiet atque/ respicere ignoto discet pendentia tergo.” Na tradução: “Quem quer que me chamasse de insano, ouviria o mesmo e/ aprenderia a encarar as coisas que carrega em suas costas.”
  • 4
    Uma das versões desse texto foi traduzida para o português por Adriane da Silva Duarte e publicada num volume de fábulas de Esopo (Duarte, 2017).
  • 5
    Para discussões sobre Esopo e os principais testemunhos sobre sua vida e sua obra: Adrados, 1979; Chambry, 1985; Van Dijk, 1997; Onelley, Peçanha, 2010.
  • 6
    Para uma interpretação dessa passagem, com referências bibliográficas, ver: Silva, 2022, p. 189-191.
  • 7
    No original: ἐν Αἰσώπου λόγοις· ὅτι σαφῶς ἀνετίθεσαν Αἰσώπῳ τοὺς λόγους καὶ τοῦτον τὸν παρὰ Ἀρχιλόχῳ λεγόμενον καίτοι πρεσβυτέρῳ ὄντι.
  • 8
    O trecho no original é o seguinte: Αἰσώπειοι δὲ ὀνομάζονται ὡς ἐπίπαν, οὐχ ὅτι Αἴσωπος πρῶτος εὑρετὴς τῶν μύθων ἐγένετο, (Ὅμηρος γὰρ καὶ Ἡσίοδος καὶ Ἀρχίλοχος καὶ ἄλλοι τινὲς πρεσβύτεροι γεγονότες αὐτοῦ φαίνονται ἐπιστάμενοι, καὶ δὴ καὶ Κόννις ὁ Κίλιξ, καὶ Θοῦρος ὁ Συβαρίτης, καὶ Κυβισσὸς ἐκ Λιβύης, μνημονεύονται ὑπό τινων ὡς μυθοποιοί) ἀλλ’ ὅτι Αἴσωπος αὐτοῖς μᾶλλον κατακόρως καὶ δεξιῶς ἐχρήσατο· ὥσπερ Ἀριστοφάνειόν τι μέτρον καὶ Σαπφικὸν καὶ Ἀλκαϊκὸν καὶ ἄλλο ἀπʼ ἄλλου λέγεται, οὐχ ὡς τούτων τῶν ποιητῶν μόνων ἢ πρώτων ἐξευρηκότων τὰ μέτρα, ἀλλ ὅτι αὐτοῖς ἐπὶ τὸ πλεῖστον ἐχρήσαντο. Em tradução: “Usam o nome de ‘esópico’ de modo geral não porque Esopo tenha sido o primeiro inventor de fábulas — Homero, Hesíodo, Arquíloco e alguns outros mais antigos parecem ter conhecido a fábula; além disso, Cônis, o Ciliciano, Turo, o Sibarita, e Cibisso da Líbia são mencionados por alguns como criadores de fábulas —, mas porque Esopo empregou fábulas de modo mais amplo e habilidoso. Da mesma forma, um metro é chamado de aristofânico, sáfico, alcaico ou qualquer outro assim, não porque esses poetas tenham inventado sozinhos ou primeiro esses metros, mas sim porque eles os usaram mais.”
  • 9
    Uma investigação análoga sobre as diferentes versões do mito de Prometeu é proposta por Nestle (1937), com resultados corretamente questionados por Perry (1962, p. 305-7).
  • 10
    Sobre as relações entre a fábula e o mito, Adrados (1999, p. 33) esclarece o seguinte: “The fable tends to achieve a structure that is much shorter, more closed and clearly defined than the myth; and, whether it does or does not include ‘mythical’ elements, it tends to concentrate on the theme of nature and on satire and criticism, on the deterrent character.”
  • 11
    No original: τρίβωνα διπλώσας πρῶτος κατά τινας διὰ τὸ ἀνάγκην ἔχειν καὶ ἐνεύδειν αὐτῷ, πήραν τ᾽ἐκομίσατο, ἔνθα αὐτῷ τὰ σιτία ἦν, καὶ παντὶ τόπῳ ἐχρῆτο εἰς πάντα, ἀριστῶν τε καὶ καθεύδων καὶ διαλεγόμενος.
  • 12
    No original: Ἀναπήρους ἔλεγεν οὐ τοὺς κωφοὺς καὶ τυφλούς, ἀλλὰ τοὺς μὴ ἔχοντας πήραν.
  • 13
    Aplicando-se a divisão de versos que não se encontra na edição do texto grego de Diógenes Laércio, o original fica assim: Πήρη τις πόλις ἐστὶ μέσῳ ἐνὶ οἴνοπι τύφῳ,/ καλὴ καὶ πίειρα, περίρρυπος, οὐδὲν ἔχουσα,/ εἰς ἣν οὔτε τις εἰσπλεῖ ἀνὴρ μωρὸς παράσιτος,/ οὔτε λίχνος πόρνης ἐπαγαλλόμενος πυγῇσιν·/ ἀλλὰ θύμον καὶ σκόρδα φέρει καὶ σῦκα καὶ ἄρτους,/ ἐξ ὧν οὐ πολεμοῦσι πρὸς ἀλλήλους περὶ τούτων,/ οὐχ ὅπλα κέκτηνται περὶ κέρματος, οὐ περὶ δόξης.
  • 14
    Acerca dessa relação: Flores Júnior, 2020, p. 247-51.
  • 15
    Sobre a importância dos cínicos no desenvolvimento de certos aspectos da fábula esópica: Adrados, 1999, p. 607.
  • 16
    Para outras referências sobre a relação entre os cínicos e a tradição mitológica: Martin, 1997, p. 88; Flores Júnior, 2008, p. 56-8; Goulet-Cazé, 1995, p. 157-8; Flores Júnior, 2021, p. 106-7.
  • 17
    No original: κοινὸν δὲ θεῶν κτῆμα γῆ, κοινὸν καὶ ἀνθρώπων τὸ πάλαι ἦν. χρόνῳ δὲ παρηνόμησαν, ἴδια ἐπονομάζοντες τεμένη θεοῖς τὰ πάντων κοινά. θεοὶ δὲ ἀντὶ τούτων δῶρα πρέποντα ἀντεδωρήσαντο ἔριν καὶ ἡδονὴν καὶ μικροψυχίαν ἀνθρώποις· ἀπὸ τούτων μιγνυμένων τε καὶ διακρινομένων τὰ πάντα ἔφυ κακὰ τοῖς πᾶσι θνητοῖς· ἄροτοι, σπόροι, μεταλλεῖαι, πόλεμοι. καρπούς τε γὰρ ἐπεισενεγκόντες πολλαπλασίους ἀποφέρονται μικρά, τέχναις τε ποικίλλοντες ὀλιγόβιον εὕρηνται τρυφήν. γῆς τε χρώματα διαφόρως μαστεύοντες θαῦμα πεποίηνται. τόν τε πρῶτον εὑρόντα τὸ ὀλίγον τοῦτο μακαριστότατον ἄγουσι.
  • 18
    No original: διὰ ταῦτα δὲ δοκεῖν αὐτῷ καὶ τὸν μῦθον λέγειν ὡς τὸν Προμηθέα κολάζοι ὁ Ζεὺς διὰ τὴν εὕρεσιν καὶ μετάδοσιν τοῦ πυρός, ὡς ἀρχὴν τοῦτο καὶ ἀφορμὴν τοῖς ἀνθρώποις μαλακίας καὶ τρυφῆς. οὐ γὰρ δὴ τὸν Δία μισεῖν τοὺς ἀνθρώπους οὐδὲ φθονεῖν αὐτοῖς ἀγαθοῦ τινος.
  • 19
    No original: ἀλλὰ τὴν πανουργίαν τοῖς ὕστερον καὶ τὸ πολλὰ εὑρίσκειν καὶ μηχανᾶσθαι πρὸς τὸν βίον οὐ πάνυ τι συνενεγκεῖν. οὐ γὰρ πρὸς ἀνδρείαν οὐδὲ δικαιοσύνην χρῆσθαι τῇ σοφίᾳ τοὺς ἀνθρώπους, ἀλλὰ πρὸς ἡδονήν: διώκοντας οὖν τὸ ἡδὺ ἐξ ἅπαντος ἀεὶ ζῆν ἀηδέστερον καὶ ἐπιπονώτερον, καὶ δοκοῦντας προμηθεῖσθαι σφῶν αὐτῶν κάκιστα ἀπόλλυσθαι διὰ τὴν πολλὴν ἐπιμέλειάν τε καὶ προμήθειαν. καὶ οὕτως δὴ τὸν Προμηθέα δικαίως λέγεσθαι δεδεμένον ἐν πέτρᾳ κείρεσθαι τὸ ἧπαρ ὑπὸ τοῦ ἀετοῦ.
  • 20
    Para uma interpretação segundo a qual os elementos tradicionalmente entendidos como antiprometeicos no discurso cínico não seriam da ordem de uma oposição ao desenvolvimento técnico e civilizacional per se, mas sim ao fato de que a maioria dos humanos não sabe como aproveitá-lo da forma correta, ver: Flores Júnior, 2008, p. 43-58; 2021, p. 52-60.
  • 21
    No original: σοφὸς γὰρ ἦν Αἴσωπος ὁ μυθοποιός, ὃς ἔφη τοὺς ἀνθρώπους δύο πήρας ἕκαστον φέρειν, τὴν μὲν ἔμπροσθεν, τὴν δὲ ὄπισθεν· γέμειν δὲ κακῶν ἑκατέραν, ἀλλὰ τὴν μὲν ἔμπροσθεν τῶν ἀλλοτρίων, τὴν δὲ ὄπισθεν τῶν αὐτοῦ τοῦ φέροντος. καὶ διὰ τοῦτο οἱ ἄνθρωποι τὰ μὲν ἐξ αὑτῶν κακὰ οὐχ ὁρῶσι, τὰ δὲ ἀλλότρια πάνυ ἀκριβῶς θεῶνται. ἐγὼ δὲ ἐβουλόμην περιτετράφθαι μοι τὰς πήρας, ἵνα τὰ ἐμαυτοῦ μόνον ὁρῴην, τὰ τῶν ἄλλων δὲ μὴ δυναίμην. οὐκ ἔστι γάρ, φασί, γλυκερώτερον ἢ πάντ’ εἰδέναι· καὶ ἐγώ φημι τἀγαθά.
  • 22
    Com base nas proposições de Adrados (1999, p. 120-6) e Gil (2019, p. 12-20).
  • 23
    Segundo os cálculos de Perry (1965, p. lxxxv-xl), Fedro retoma pelo menos um terço dos temas de seu corpus da tradição esópica; algumas fábulas podem ter sido inspiradas em fontes diferentes, mas muitas devem ter sido compostas de forma original.
  • 24
    Na linha do que propõe um estudioso cujo trabalho é fundamental para a presente leitura da obra de Fedro: “Muito insistimos que o próprio fazer poético é o assunto mais caro ao poeta nos prólogos e epílogos, de tal modo que qualquer leitura que se proponha a um ‘deciframento’ alegórico da fábula deve minimamente se deter nas reflexões que Fedro apresenta em seus prólogos e epílogos, os umbrais da obra, como referências relevantes.” (GIL, 2019, p. 89).
  • 25
    No original: “Aesopus auctor quam materiam repperit,/ Hanc Ego poliui uersibus senariis./ Duplex Libelli dos est, quod risum mouet/ et quod prudenti uitam consilio monet./ calumniari siquis autem uoluerit,/ quod arbores loquantur, non tantum ferae,/ fictis iocari nos meminerit fabulis.”
  • 26
    A partir do que fica sugerido no prólogo do livro II (Fedro II. prólogo) e em outro poema do livro IV (Fedro IV.2), Gil trabalha com essa ideia de complementaridade entre estratégias próprias do iocus [jogo] e outras próprias do exemplum [exemplo], defendendo o seguinte: “Fedro se opõe a Esopo não como o valor da exemplaridade se opõe ao do jogo, mas como uma pura exemplaridade se opõe a um equilíbrio entre exemplaridade e ludicidade.” (Gil, 2019, p. 22).
  • 27
    No original: “Nunc, fabularum cur sit inventum genus,/ Brevi docebo. Servitus obnoxia,/ Quia quae volebat non audebat dicere,/ Affectus proprios in fabellas transtulit/ Calumniamque fictis elusit iocis.”
  • 28
    Na conclusão de seu trabalho, Gil (2019, p. 195) defende que a emancipação fedriana de Esopo depende de uma reiteração contínua ao longo de todo o corpus, jamais sendo alcançada de forma definitiva. Esse seria um dos motivos pelos quais, mesmo depois de se consolidar como auctor, Fedro continua a afirmar sua autonomia por meio da referência à memória de seu precursor. A estranha ironia de seu procedimento — e que parece constituir uma sina sentida pelo próprio Fedro, naquilo que sua poesia deixa registrado — é a de um autor que luta por se diferenciar de Esopo, mas que vê seus textos serem continuamente atribuídos a ele como a um modelo.
  • SILVA, R.; ANJOS, S. (2025). As duas sacolas da Humanidade. Entre a tradição esópica e Fedro. Archai 35, e03516.
  • Disponibilidade de Dados
    Não aplicável.

Editado por

  • Editora:
    Pilar Spangenberg

Disponibilidade de dados

Não aplicável.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2025
  • Aceito
    05 Maio 2025
location_on
Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra, Campus Darcy Ribeiro, Cátedra UNESCO Archai, CEP: 70910-900, Brasília, DF - Brasil, Tel.: 55-61-3107-7040 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: archai@unb.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro