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Mulheres, economia e finanças na Roma Antiga: desafios antigos e questões atuais

Women, Economics and Finance in Ancient Rome: Old Challenges and Current Issues

Resumo:

A imagem da mulher romana que chegou até nós e que se impôs quase como a única possibilidade de analisá-la no mundo antigo é a da domiseda: a dona de casa (boa esposa, mãe e fiandeira). Além do estudo dessa forma tradicional, que marcou as pesquisas em História Econômica sobre a mulher romana, as questões da atualidade e o avanço das pesquisas científicas nos trazem constantemente a renovação das perspectivas, abordagens e dos problemas em torno desse objeto de estudo. Isso nos leva, inevitavelmente, a questionar sobre o papel da mulher no mundo dos negócios e finanças na Roma Antiga. É possível escrever uma História econômica e financeira das mulheres romanas? Quais são os limites dessa empreitada? Partindo dessa preocupação, o objetivo desse artigo é o de apresentar a inserção da mulher no mundo dos negócios e das finanças e apresentar, também, algumas das múltiplas possibilidades de se escrever a história das mulheres a partir do ponto de vista da História Econômica e Social. O recorte temporal se restringe ao final da República e à época imperial. Este artigo se divide, portanto, em três partes: uma introdução sobre a discussão do discurso da elite que inseria a mulher no quadro da domus; alguns pressupostos metodológicos iniciais para estudar inserção das mulheres na vida econômica e financeira; e, por último os estudos de caso, tomando como exemplo três grupos sociais diferentes de mulheres, que aparecem na documentação implicadas em relações creditícias.

Palavras-chave:
faeneratrix; Gênero; História das mulheres; História econômica e social; Relações financeiras

Abstract:

The image of the Roman woman, which has survived to this day and imposed itself almost as the only possibility for the ancient scholarship, is the domiseda: the housewife, mother, and spinner. In addition to the investigations of this traditional depiction, which steered the research on Roman women, the issues of our time and the advances in scientific research constantly bring us new perspectives, approaches, and problems around this object of study. This inevitably motivates us to question the role of women in the business and finance world in Ancient Rome. Is it possible to write an economic and financial history of Roman women? What are the limits of this endeavor? This article addresses the insertion of women in the business and finance world, as well as some of the multiple possibilities of writing the History of Women from the Economic and Social History viewpoint. The time frame is restricted to the end of the Republic and the imperial period. This article is therefore divided into three parts: first, an introduction to the discussion of the situation of women in the domus; secondly, methodological assumptions to the study of women and their placement in economic and financial life; and, finally, some examples of women from three different social groups who appear involved in credit relations in the documentation.

Keywords:
faeneratrix; Gender; History of Women; Economic and Social History; Financial Relationships

O modelo tradicional de mulheres reduzidas à domus

No início no ano de 2020, algumas pesquisadoras e pesquisadores que participaram do Projeto Eurykleia1 1 Cabe destacar que esse trabalho também é fruto de discussões que foram realizadas e apresentadas ao grupo que compõe o projeto Eurykleia: celles qui avaient un nom, a convite de Cláudia Beltrão e Violaine Sebillotte Cuchet; que foi apresentado no seminário New Work on the Roman Republic, da Newcastle University, a convite de Federico Santangelo e Mattia Balbo; e foi, também, apresentado no Seminário Archaí: as origens do pensamento ocidental, da Universidade de Brasília, a convite de Agatha Bacelar, de modo que lhes sou grato pelo convite que proporcionou um frutífero espaço de discussão. Um artigo intitulado Les femmes et les prêts d’argent à Rome: les faeneratrices, que é uma versão aprofundada dos aspectos intrínsecos às faeneratrices, - sem as questões metodológicas e contextuais da domiseda desenvolvidos neste artigo -, será publicado no livro organizado por Cláudia Beltrão e Violaine Sebillotte Cuchet, e poderá ser consultado em breve. (UNIRIO e Anhima) organizaram um dossiê na Humanidades em Revista, que retoma uma importante reflexão sobre as mulheres (in)visíveis na Antiguidade. O dossiê se divide praticamente em dois grupos: o primeiro, trata de mulheres sobre as quais as informações são vagas e escassas, o que as tornam quase invisíveis dentro da historiografia atual; o segundo, trata de mulheres visíveis, cujos nomes e ações fizeram história. No entanto, como bem mostraram as autoras e os autores do volume, mesmo as mulheres conhecidas têm uma visibilidade turva, opaca, haja vista que foram constantemente subestimadas pelos autores das fontes escritas e pela historiografia contemporânea (BORGES, A. P.; FONTES, A. L.; FIGUEIREDO, H. S.; GOMES, M. de A. S.; dos SANTOS, A. R.; TEIXEIRA, G. P., 2020BORGES, A. P.; FONTES, A. L.; FIGUEIREDO, H. S.; GOMES, M. de A. S.; dos SANTOS, A. R. & TEIXEIRA, G. P. (2020). Apresentação Dossiê Eurykleia - Reflexões sobre mulheres (in)visíveis. Humanidades Em Revista 2, p. 3-6.).

Ao abordar o mundo das finanças e dos negócios, tocamos em um tópico sobre o qual os antigos não desenvolveram gosto pela escrita por conta de seu caráter pouco elevado aos assuntos da alma, embora se “atolassem até o pescoço” de modo direto ou às escondidas em relações creditícias e negocistas. Se participar abertamente de atividades financeiras era um tabu para os homens ricos, que dirá então para as mulheres!

O esforço de tornar as mulheres da Antiguidade invisíveis e silenciadas não se dava somente de fato na vida cotidiana da época, mas sobretudo no estudo das fontes, por parte da historiografia contemporânea. Quando falamos em vida econômica e financeira, quase não há estudos sobre as mulheres, a não ser se citarmos exemplos do trabalho no oikos, aquele quadro antigo e desbotado da mulher devotada ao “lar”, da mulher “doméstica.”2 2 Muito se escreveu sobre as mulheres e as relações de trabalho, sobretudo a partir dos estudos da classe operária para a época contemporânea. Ver: Perrot, 2019a, p. 181-182. Mas até hoje há poucos estudos sobre as mulheres antigas e a vida econômica, que esteja situada além do contexto doméstico (oikos e da domus). Aliás, tanto lar, quanto domus, de onde derivam as palavras doméstica/o e lar, apresentam aspectos do ambiente da casa, e ambas são oriundas do mundo romano/etrusco: a domus, assim como o oikos, era a unidade doméstica,3 3 Por mencionar Atenas, é necessário escrever, nesta introdução, algumas linhas sobre esse tema destacando a importância da influência que o modo de vida ateniense desempenhou para “enquadrar” a mulher antiga (diríamos até mediterrânico) ao modelo da casa. O modelo mélissa, da mulher abelha, como mostrou Fábio de Souza Lessa (2000, p. 165-177), dominou por décadas os estudos sobre as mulheres do mundo antigo, notadamente grego, e era caracterizado pela ideia de submissão, inferioridade e fragilidade femininas. Este modelo de comportamento almejado, no âmbito discursivo, para uma esposa legítima eternizou personagens emblemáticas que apresentavam traços que, ao mesmo tempo, as aproximavam e as distanciavam do modelo idealizado de comportamento feminino. Como forma de exemplificação podemos trazer à cena Penélope, na sua eterna espera por Odisseu, e Alceste, que entregou a sua vida em nome de Admeto, seu esposo. Penélope foi louvada como um tipo ideal de mulher para o período arcaico (séculos VIII ao VI a.C.), mas ela não se reduzia à casa; era estrategista; enfrentava seus pretendentes; tecia e destecia controlando, assim, o inexorável tempo, que a colocava diante da escolha de um dos pretendentes para marido. Alceste, no período clássico (séculos V e IV a.C.), tornou-se um modelo de mulher porque, heroicamente, morreu por causa do marido; mas, ao mesmo tempo, o expôs e exigiu que não se casasse novamente, o que seria esperado de um jovem cidadão (para um aprofundamento, vide: Lessa, 2004; 2010). a casa, enquanto os Lares familiares eram os deuses que cuidavam da casa e, em um processo histórico mais longo, foram assimilados como a casa em si.

Havia por parte da narrativa da elite, um modelo ideal de mulher e convém, aqui, analisar brevemente alguns textos dos autores antigos, para depois mostrarmos as fugas aos modelos esperados, porque esse quadro, da mulher do lar, tinha fissuras. Para Columela, no século I d.C., a divindade atribuiu virtudes e características biológicas aos homens para suportarem o calor, o frio e as dificuldades da guerra; em contrapartida, tornou a mulher inapta para todas essas funções, deixando-a somente responsável pelos assuntos domésticos. Às mulheres foram atribuídos os deveres de guarda e cuidado e é por isso que elas são mais tímidas, haja vista que o medo é um importante mecanismo para mantê-las em segurança.4 4 Cabe ressaltar que Columela é muito austero em relação às atividades que estivessem distantes do trabalho da terra; seu olhar rigoroso e moralista não é somente sobre a mulher. (Col. 12. Pref. 4-5).

Segundo Valério Máximo, autor da época de Tibério, a fraqueza do espírito feminino e a proibição de que elas não desenvolvessem nenhum tipo negócio importante era a razão pela qual elas se entregavam aos deleites da luxúria; o autor lamenta o fato de a mulher não mais fiar a lã como outrora. (Val. Max. 9, 1, 3). Dessa forma, o autor deixa transparecer que esse modelo ideal de mulher fiandeira estava no mundo ideal criado pelos homens; se ele lamenta, é porque não existia mais. Aliás, na Vida de Augusto, Suetônio escreve que o imperador era tão severo com as mulheres da casa imperial que até lhes obrigava a tarefa de fiar a lã (inclusive Lívia, a imperatriz), de modo que todos vissem - como se fosse uma espécie de propaganda dessa antiga virtude que caiu em desuso -; Suetônio não deixa de colocar dúvida quanto ao sucesso dessa empreitada. (Suet. Aug. 64).

O exemplo apresentado por Galeno, no século II d.C., a partir dos argumentos médicos, é contundente; para o autor, as mulheres deveriam ficar restritas à casa porque, assim como as crianças, elas não têm pelos para se protegerem da mesma forma que os homens que têm pelos e barba; já que a barba enobrece o rosto e o caráter. Galeno, por fim, justifica que a natureza fez o corpo adequado aos costumes da alma e, portanto, a mulher não poderia sair de casa. (Gal. Up. 11, 14, 901).

Os juristas romanos dos séculos II e III d.C., de certo modo, aprofundaram ainda mais essas questões, fazendo com que as ideias dos autores acima (e de outros, sempre da elite) tomassem formas legais. É o que fez o jurisconsulto Ulpiano ao defender claramente que a mulher não poderia de forma alguma ocupar funções ditas masculinas: cum eas uirilibus officiis fungi et eius generis obligationibus obstringi non sit aequum. (Ulp. Dig. 16.1.2.1). Ulpiano retoma esse tema, que data da época do imperador Cláudio, para justificar que as mulheres precisavam estar distanciadas de atividades masculinas porque elas eram, por conta da fraqueza de caráter, facilmente seduzidas e enganadas.5 5 Retomaremos esse tema posteriormente ao apresentarmos a possibilidade de ter existido mulheres banqueiras (as argentariae).

Colocamos à baila a seleção desses textos para conhecermos a visão dos autores antigos sobre as mulheres, levando em consideração que eles eram provenientes da elite e partilhavam entre si o pensamento da época. Esse tema é um topos na literatura latina (ainda mais na grega) e é retomado por muitos autores ao longo do tempo e dos espaços no Mediterrâneo, pelo menos, desde Catão à crise do Principado, do século III a.C. até o século III d.C. Como vimos com Galeno, os gregos eram ainda mais contundentes na defesa da mulher fechada ao ambiente doméstico.6 6 Para uma visão melhor desse tema a partir do modelo grego, é imprescindível a leitura de Sebillotte Cuchet (2016; 2017). Depois, com o cristianismo, temos uma outra configuração que merece ser estudada à parte por conta da enorme complexidade do período e dos textos; haja vista que nos evangelhos a mulher tem um papel de destaque e muito importante que é, de certo modo, subestimado nas epístolas paulinas. O círculo de Jerônimo, no século IV, também apresenta novidades quanto a esse tema que merece ser estudado com mais profundidade.

Para além dos famosos autores que apresentam suas visões críticas sobre as mulheres como seres frágeis e facilmente enganáveis, a documentação epigráfica, mais voltada à vida cotidiana, também pertencente à elite, reproduz princípios parecidos ao enaltecer as pretendidas qualidades femininas da época. A famosa inscrição do túmulo de Cláudia, do século II a.C., é um exemplo desse modelo, pois Cláudia foi louvada pela família como uma mulher bonita, que amou seu marido com todo seu coração, que criou dois filhos (um deles faleceu), que tinha uma conversa agradável, que era discreta, que caminhava com muita elegância e que era ótima dona de casa e fiava bem a lã7 7 HOSPES, QUOD DICO PAVLLVM EST, ASTA AC PELLEGE /HEIC EST SEPVLCRVM HAV /PVLCRUM PVLCRAI FEMINAE / NOMEN PARENTES NOMINARVNT CLAVDIAM. /SVOM MAREITVM CORDE DEILEXIT SOVO. / GNATOS DVOS CREAVIT. HORVM. HORVM ALTERVM / IN TERRA LINQVIT, ALIVM SVB TERRA LOCAT. / SERMONE LEPIDO, TVM AVTEM INCESSV COMMODO. / DOMVM SERVAVIT. LANAM FECIT. DIXI. ABEI. . (CIL, 6, 3. 15346). Esses elogios sintetizam de forma clara o que era esperado como ideal feminino pela sociedade romana e não foge muito do que aparece nos textos escritos pela elite do final da República até o século III d.C.

Na epigrafia latina, numerosos são os registros sobre as qualidades femininas dignas de destaque, e esses registros seguem mais ou menos, como padrão, o louvor da mulher ideal nos termos seguintes: optima, pulcherrima, lanifica, pia, pudica, frugi, casta, domiseda - exemplar, belíssima, fiandeira, devota/correta, recatada/decente/discreta, honesta/frugal, virtuosa/pura e do lar8 8 Há muitas formas de se traduzir essas palavras. Acredito que as opções mais “justas” não são necessariamente as mais literais (haja vista que existe em português as palavras casta, pia e pudica), mas as que conseguem apresentar, em consonância com o nosso vocabulário e experiências, essas “virtudes” femininas da sociedade romana. Se formos entrar numa discussão sobre os equivalentes exatos dessas palavras em português, a melhor opção seria deixá-las em latim, pois um único termo tem significados que são diversos e, ao mesmo tempo, muito próximos uns aos outros. Embora esses termos também sejam, comparativamente, parecidos entre si, cada um deles ocupa uma singularidade que tem como objetivo descrever uma virtude feminina adequada à moral romana da elite. Entre casta, pia e pudica, a linha de fronteira é tênue; daí a importância de pensarmos em termos de experiência e não somente realizando uma tradução literal dos termos. Apesar dessa discussão sobre o vocabulário, é importante destacar que depois de mais de dois mil anos, essa questão ainda ecoa na atualidade, tanto que, para alguns grupos conservadores, a expressão “bela, recatada e do lar” se reveste como uma virtude a ser louvada; já para grupos mais progressistas, a mesma expressão deu lugar a memes famosos à época do Presidente Michel Temer, como algo muito ultrapassado para a realidade social da mulher contemporânea. (CIL, 6, 11602).9 9 HIC SITA EST AMYMONE MARCI OPTIMA ET PULCHERRIMA, LANIFICA, PIA, PUDICA, FRUGI, CASTA, DOMISEDA. Aqui repousa Amymone, esposa de Marcos, exemplar e belíssima fiandeira, bondosa, recatada/decente, honesta, casta e do lar. E por mais que esse quadro de qualidades fosse esperado sobretudo das matronas, mulheres de grupos sociais menos favorecidos também tomavam para si muitos temas desse modelo; no entanto, se eles eram reafirmados/retomados com tanta constância é porque, de modo geral, nem sempre eram respeitados como o esperado.

É importante chamar a atenção que o estudioso e a estudiosa dessas fontes devem lê-las enquanto propagadoras de um discurso que não abarcava todos os aspectos sociais e econômicos das mulheres da época romana. Nesse sentido, a perpetuação desse modelo a partir do olhar historiográfico contemporâneo é mais um problema de interpretação das fontes (praticamente tautológico) do que um problema das fontes em si. Os discursos dos autores antigos não devem ser tomados como uma realidade concreta e absoluta, como uma dicotomia entre homem e mulher. Esse é o primeiro passo para reavaliarmos o papel das mulheres na economia antiga.

Considerações metodológicas para o estudo da participação feminina na vida econômica e financeira

Somos conscientes de que a mulher era apartada da vida pública de modo direto, e que as mulheres eram submetidas ao poder do pater familias romano e aos costumes da época. Não pretendemos defender que o modelo da mulher romana “dona de casa” (domiseda, melissa) tratava-se somente de uma criação literária; pelo contrário, ele existia e é o que mais aparece nas fontes. Mas este modelo coabitava com outras formas de a mulher exercer seu papel na vida social. Não podemos reduzir a mulher romana somente a essa visão de mundo porque não corresponde à sua história e quando se toca nos aspectos econômicos, as fronteiras entre homem e mulher são ainda mais fluidas.

Para Michelle Perrot, a palavra História tem dois sentidos: a) aquilo que se passou no passado, ou seja, o passado em si mesmo, nesse sentido as mulheres estavam lá e foram atuantes; b) aquilo que se narrou sobre o passado, ou seja, a escrita da História, nesse sentido as mulheres foram apagadas10 10 Poderíamos pensar no modelo res gestae, como o passado em si, e historia rerum gestarum, a narrativa sobre o passado. (Perrot, 2019PERROT, M. (2019b). Minha história das mulheres. São Paulo, Contexto.b, p. 16). Ao longo de toda sua obra e sobretudo nos seus livros intitulados Le chemin des femmes (2019PERROT, M. (2019a). Le chemin des femmes. Paris, Bouquins Editions.a) e Les Femmes ou les Silences de l'Histoire (2020PERROT, M. (2020). Les Femmes ou les Silences de l'histoire. Paris, Flammarion.), Perrot desenvolve uma reflexão que norteia a problemática desenvolvida neste artigo, ao evidenciar que a mulher na história só tinha espaço dentro do récit (da narrativa) quando se tratava de mulheres memoráveis, rainhas, exemplos de mães, santas ou cortesãs. Mas uma história das mulheres na sua singularidade quase não existia e diante dessa enorme lacuna, nasceu o desejo e a prática de se escrever a História das Mulheres. Nesse sentido, a historiografia durante muito tempo insistiu em abordar a história das mulheres a partir de uma perspectiva enquanto submissa, agredida, oprimida, reduzida estritamente à vida doméstica (ou, de outro lado, reduzida aos lupanares: as cortesãs, prostitutas). Mas, a partir de um momento, surgiu a necessidade de se escrever uma outra história que refletisse sobre as razões pelas quais as mulheres foram relegadas a esse quadro. As mulheres desejavam, amavam, tinham opinião e é necessário refletir sobre isso. (PERROT, 2019PERROT, M. (2019a). Le chemin des femmes. Paris, Bouquins Editions.a; 2019PERROT, M. (2019b). Minha história das mulheres. São Paulo, Contexto.b; 2020PERROT, M. (2020). Les Femmes ou les Silences de l'histoire. Paris, Flammarion.).

E as mulheres que não se enquadravam nessa perspectiva, como as empreendedoras, as envolvidas na vida política, religiosa e econômica de modo direto ou indireto? A obra de Perrot, como um todo, nos alerta sobre a necessidade de se refletir sobre os excluídos e silenciados da História que estejam além do quadro da opressão sem, todavia, negá-lo ou vitimizar a mulher:

o status de vítima não resume o papel das mulheres na história, que sabem resistir, existir, construir seus poderes. (...) As mulheres são atrizes da História. (PERROT, 2019PERROT, M. (2019b). Minha história das mulheres. São Paulo, Contexto.b, p. 166).

Não se trata de substituição de modelo, mas de pluralidade de leituras. É necessário refletir sobre as mulheres que foram caladas, sobre as que “transgrediram” as regras tácitas impostas pela sociedade ao longo do tempo, sejam elas ricas ou pobres (essas últimas ainda mais silenciadas nas fontes).

Sem adotar necessariamente uma visão de complô da História dividindo homens e mulheres (haja vista que a história das mulheres e das relações de gênero é relacional), podemos sugerir que, justamente por algumas mulheres se confrontarem aos modelos impostos - para sobrevivência da próprio status quo do modelo-, era necessário, por parte da sociedade, escondê-las, a fim de não inspirar outras. Foi por isso que Madame Bovary de Gustave Flaubert causou tanto escândalo no século XIX, ao ponto que o autor, no caso do processo instaurado contra si e contra a obra, argumentou em sua defesa: “Madame Bovary, c’est moi”. Era menos grave se fosse ele mesmo, porque tratava-se de um homem.

Não é preciso aqui desenvolver argumentos que expliquem o quão mais desfavorável era a condição das mulheres até meados do século XX, no que concerne à sua emancipação. Não muito distante nós, no século XIX, Amandine Aurore Lucile Dupin, (Perrot, 2018PERROT, M. (2018). George Sand à Nohant. Une maison d’artiste. Paris, Seuil .) na França (1804-1876), e Mary Ann Evans (Ozouf, 2018OZOUF, M. (2018). L’autre George: à la rencontre de George Eliot. Paris, Gallimard.), na Inglaterra (1819-1880), “escondiam-se” atrás dos pseudônimos masculinos de George Sand e George Eliot, respectivamente, para publicarem seus livros, que dificilmente seriam publicados e lidos nos seus verdadeiros nomes, simplesmente pelo fato de serem mulheres. Até mesmo Balzac, talvez para diminuir o peso de George Sand ser mulher, dizia orgulhosamente que ela era um “verdadeiro homem.”11 11 « Elle est garçon, elle est artiste, elle est grande, généreuse, dévouée, chaste; elle a les grands traits de l'homme;ergo, elle n'est pas femme ». (Pierrot, 1990, p. 553)

Mulheres de negócios e de poder podiam causar receio a alguns homens; era então melhor não falar sobre elas e tampouco sobre suas atividades para não criar fontes de inspiração, ou, se fosse necessário falar, era melhor não usar nenhum tom elogioso, salvo exceções. Mulheres que se envolviam na vida pública e econômica - como as imperatrizes Agripina e Plotina, por exemplo -, era melhor criticar; as mulheres comerciantes e banqueiras também não poderiam receber as benesses do elogio, pois o tom de crítica criaria, assim, uma forma de se evitar o ressurgimento dessas “transgressoras”, já que as “virtudes” por excelência eram a casa, o trabalho com a lã e os cuidados próprios da maternidade.

A historiografia sobre a economia antiga até pouco tempo ignorou solenemente, de modo acrítico, o papel da mulher no mundo dos negócios e das finanças, elas foram apresentadas, quando muito, de modo anedótico. Se formos realizar uma busca por palavra-chave nos livros mais importantes de economia antiga elegendo a palavra mulher, a maior parte das menções está relacionada à mulher de fulano, à mãe de sicrano, ou seja, a mulher sempre aparece como um sujeito coadjuvante, mãe ou esposa e jamais como protagonista. Num romance, a melhor maneira de se criticar uma personagem é deixar de falar dela: procede-se assim ao apagamento da figura. Essas questões estavam (ainda estão, às vezes) presentes nas penas dos historiadores de modo consciente ou inconsciente. Afinal, "o historiador nunca se evade do tempo da história: o tempo adere ao seu pensamento como a terra à pá do jardineiro." (Braudel, 1990BRAUDEL, F. (1990). A Longa Duração. In: BRAUDEL, F. História e Ciências Sociais. Lisboa, Presença, p. 7-10., p. 33).

No estudo das atividades econômicas femininas, é importante fazer a distinção entre negócios (que é um conceito amplo que se relaciona à compra, venda, intermediação, comércio etc.), finanças (basicamente as transações creditícias), mundo do trabalho e prestação de serviços (mulheres que exerciam algum ofício: fiandeira, médica, perfumista etc.). Todas são atividades econômicas e sociais, mas elas devem ser vistas de modo separado para facilitar, posteriormente, a visão do conjunto. Não podemos, no entanto, como nos mostra Carlo Cipolla, ver a História Econômica e Social como um ramo apartado da História da Cultura e da Política, esses campos do saber estão necessariamente entremeados: a separação dos temas auxilia na construção e na análise do objeto, mas eles não podem ser desarraigados do global, que os explica. (Cipolla, 1993CIPOLLA, C. M. (1993). Introdução ao estudo da História Econômica. Trad. De C. A. de Brito e I. Minervini. Lisboa, Edições 70., p. 76). É evidente que toda problemática de História Econômica e Social é por sua própria natureza interdisciplinar e, ao tratar da História das mulheres a partir dessa perspectiva, os estudos das relações de gênero não podem ser ignorados, já que trazem luzes e inovação sobre esse objeto.

Na análise das atividades econômicas das mulheres romanas, além do estatuto jurídico (livre, liberta, escravizada ou estrangeira), é imprescindível observar a qual grupo social elas pertenciam, haja vista que a abordagem não pode ser a mesma para os diferentes grupos sociais. As atividades profissionais das mulheres ou atividades econômicas esporádicas não profissionais tinham um motor social preponderante: a análise econômica não pode, de forma alguma, estar desvinculada da análise social e do contexto antropológico no qual essas mulheres estavam inseridas. O que levava uma mulher a se ocupar de tais atividades? Isso deve ser investigado caso a caso, dentro de cada grupo social, mas a necessidade, sem dúvida, é a motivação principal: mulheres viúvas; ricas, que deveriam gerir seus bens; casadas sine manu; mulheres que desempenhavam atividades “profissionais” (médicas, pedagogas, perfumistas, pedreiras, prostitutas, atrizes, taberneiras, negocistas etc.); mulheres pobres, escravizadas, alforriadas etc., cada uma tinha seu motor de propulsão que não se desvinculava do contexto social ao qual elas pertenciam.

Nesse quesito, cabe destacar que o ideal de vida da sociedade romana era o otium e não a sua negação (nec- otium), que criava, assim, o negócio (negotium). Não acreditamos que houvesse uma “ânsia” pelo desejo de trabalhar ou de se lançar em atividades financeiras e econômicas pelo prazer, não podemos romantizar o desejo de emancipação feminina defendendo o quão era bom trabalhar, pois não era! E isso é um fato, tanto para homens quanto para mulheres, porque a inserção nessas atividades consideradas sordidae pela elite, era motivada pela necessidade de algo, pela busca de dinheiro para sobrevivência, por status social, conforto etc. É necessário investigar com atenção as questões antropológicas que levavam homens e mulheres às atividades econômicas e financeiras. Esta é uma questão relacional de gênero. A posse de dinheiro e recursos oferecia, certamente, mais autonomia às mulheres (aos homens também), mas não podemos exagerar nos traços economicamente modernizantes pela busca dos recursos: allegro ma non troppo.

Para se escrever a História dessas mulheres, valemo-nos de fontes e essas, infortunadamente, são escassas. Trata-se de um grande desafio metodológico porque é um tema com dois problemas interligados que dificultam o trabalho do historiador e da historiadora: a) os antigos, por julgarem que a economia e os negócios eram atividades pouco dignas (sordidae, para usar um conceito de Cícero), não consagraram tempo para escrever reflexões sobre tais atividades; o que sabemos vem da cultura material e de ecos de gritos sufocados nos textos literários, majoritariamente escritos por homens da elite; b) para os escritores antigos, a casa era o lugar de excelência das mulheres, então, os espaços de atuação lhes eram reduzidos e as fontes pouco mencionam as mulheres que fugiam desse modelo; mas quando as apresentavam, era porque a atividade econômica ou financeira provocava algum tipo de desconforto. É importante observar os discursos dos autores que tinham intenções evidentes.

As fontes são, em suma, literárias (no sentido de tudo aquilo que provém de um suporte manuscrito: romance, poesia, epistolografia, biografia, jurisprudência, historiografia etc.), imagética, material, numismática, jurídica,12 12 Certamente é um dos corpora documentais que poderá trazer mais contribuições para o estudo do tema. papirológica,13 13 O trabalho de Bagnall e Cribiore certamente é um dos mais recomentados para se iniciar o estudo desse tema a partir dos papiros (Bagnall; Cribiore, 2006). François Lerouxel neste artigo publicado em 2006 pôde apresentar as possibilidades que essa documentação oferece para abordar o tema do crédito no Egito romano. (Lerouxel, 2006). e epigráfica.14 14 Ver as melhores sínteses desse tema em Le Gall (1970); Raepsaet (2008) e Mano (2010). É importante dar destaque às fontes arqueológicas porque são as que podem contribuir de forma mais contundente à renovação desse campo do saber, haja vista que as fontes textuais, em sua esmagadora maioria, foram escritas por homens; não que isso as invalide, mas torna o trabalho interpretativo ainda mais delicado.

No entanto, devido à escassez de fontes, é preciso estar atento ao mínimo detalhe (ao jogo metafórico, à alusão, aos implícitos, às entrelinhas do texto) e atrelá-lo não somente ao evento fortuito da curta duração, mas à média e, se possível, à longa duração, conjugando a isso, se necessário for, uma análise discursiva dos textos para que possamos chegar a conclusões novas (não esqueçamos que a grande maioria dos homens que produziram as fontes textuais tinham o interesse de manter as mulheres apartadas da vida pública; era o pensamento da época). Ao tratar um tema com tão poucas fontes, a perspectiva comparativa é uma parceira imprescindível na reescrita dessa História que, como já foi dito, pouco foi escrita. Haja vista este problema da escassez das fontes, sem uma perspectiva indiciária, seguindo o modelo de Carlo Ginzburg (2014GINZBURG, C. (2014). Mitos, emblemas e sinais, Morfologia e História. Trad. Federico Carotti. São Paulo, Companhia das Letras.), seria quase impossível escrever a História econômica e social das mulheres no mundo antigo.

Soma-se a estas perspectivas metodológicas, a recentemente defendida por Violaine Sebillotte Cuchet que nos chama a atenção para a necessidade de se fazer uma história mista da Antiguidade, “de questionar a pertinência social da divisão homem/mulher” (Sebillotte Cuchet, 2019SEBILLOTTE CUCHET, V. (2019). Épilogue. Pour une Histoire Mixte. Dialogues d’histoire ancienne, supl. 18, p. 297-307., p. 297). Esta perspectiva demanda observar as ações sociais sem pressupor, antecipadamente, que os indivíduos agiam como fazendo parte de um grupo de sexo (mulher de um lado, homem do outro). Tal perspectiva faz ainda mais sentido quando se estuda um objeto, como o nosso, que se insere nos campos da História Econômica, Estudos das Relações de Gênero e História das Mulheres. É necessário buscar um equilíbrio de gênero nas fontes; vejamos abaixo dois breves exemplos ligados ao vocabulário.

Na documentação antiga, muitas vezes um termo usado no masculino também pode englobar as ações femininas e nem sempre essa diferença é colocada em pauta, pois o estudioso e a estudiosa acabam dando destaque somente à ação masculina15 15 A historiadora francesa, além do texto de 2019 citado acima, aprofunda esse tema na conferência de abertura da I Jornada Archai: Gênero e Antiguidade, problemas e métodos (Sebillote-Cuchet, 2021), dando destaque, inclusive, ao papel da História Econômica no estudo das estruturas de dominação social na Antiguidade. . Um texto de Ulpiano, no Digesto, nos informa que o termo servus/servi engloba escravos dos dois sexos (“Servi" appellatio etiam ad ancillam refertur.” Dig. 50, 16, 40, 1), partindo desse princípio, a perspectiva sobre essa questão deve ser revisitada; e, por último, vale a pena citar os exemplos das mulheres envolvidas com o comércio marítimo, as dominae navium. É também um texto do Digesto que nos mostra que deve ser chamado de patrão do navio aquele que recebe o lucro da embarcação, independentemente de ser homem ou mulher (Dig. 14, 1, 1, 16).

Não se pode ignorar esses elementos ao empreender uma análise ou um projeto de escrita da História Econômica e Social das mulheres no mundo antigo; é certo que isso é um complicador na análise das fontes, mas, ao mesmo tempo, é entusiasmante e é o que pode nos levar a importantes descobertas e a abrir espaço a uma história mista que dará visibilidade às mulheres e suas atividades econômicas que foram silenciadas na história. Uma abordagem como esta, proposta por Sebillotte Cuchet, pode mostrar ações econômicas e financeiras das mulheres que não foram escondidas pelas fontes, mas que são escondidas pela nossa dificuldade (ou até mesmo falta de interesse) de análise, que quase sempre se limita a enxergar unicamente o termo masculino sem levar em consideração que naquele contexto os significados eram muito mais abrangentes e que incluíam mulheres. O automatismo de se ver e enxergar o masculino por toda parte é tão estrutural que - para darmos um único e rápido exemplo -, antes se olhava para as pinturas rupestres e dizia-se que foram realizadas pelos homens da pré-história, excluindo de antemão a possibilidade de terem sido feitas por mulheres. Poderíamos citar inúmeros exemplos. Isso mostra que ainda há muito o que se fazer sobre esse tema a partir da metodologia mista e das demais considerações metodológicas apresentadas acima. É a partir desses pressupostos que procuramos abordar os temas que colocam em evidência a participação feminina no mundo das finanças e dos negócios.

Mulheres romanas face à economia e às finanças

As atividades econômicas e financeiras desempenhadas pelas mulheres na sociedade romana, do final da República até o início da era cristã eram diversificadas, de fato. Como já foi apresentado no início deste artigo, a palavra economia é de origem grega e “compõe-se de oikos, ‘casa ou unidade doméstica’ e da complexa nem -, aqui no seu sentido de ‘regulamentar, administrar, organizar’” (Finley, 1986FINLEY, M. (1986). A economia antiga. Porto, Afrontamento., p. 19) e parte considerável dessa administração da casa ficava a cargo da mulher. Embora as fontes demonstrem esse fechamento da mulher na domus, quando observamos mais de perto, encontramos muitas mulheres além desse modelo e outras que transitavam entre a domus e outras atividades fora dela.

Além do aspecto centrado na história financeira, que é o objeto desse texto, não se pode esquecer que há uma diversidade de domínios econômicos nos quais as mulheres se inseriram, vamos citar alguns: as dominae navium proprietárias de navios que estavam ligadas ao comércio marítimo;16 16 Há registros na documentação de mulher da elite envolvida no comércio marítimo, eram conhecidas como armadoras, proprietárias de navios (dominae navium). Dig., 14, 1, 16 e Codex 4, 24, 4. Ver : Rouge (1966) e Ortu (2019). mulheres envolvidas com negócios, conhecidas como negotiatrices (Guillamón, 2003GUILLAMÓN, C. L. (2003). Mujer, comercio y empresa en algunas fuentes jurídicas, literarias y epigráficas. Revue Internationale des droits de l’Antiquité, L. 2003. p. 155-193.; Uriel, 2011URIEL, P., (2011). Obreras y empresarias en el periodo romano altoimperial. In: Espacio, Tiempo y Forma, Serie II, Historia Antigua 24, p. 367-390.); mulheres proprietárias e gerentes de fábricas de azulejos e tijolos (figlinae);17 17 Ver os melhores trabalhos que foram escritos sobre esse tema: Chausson, (2005) e Chausson & Buonoparte (2010). as mulheres proprietárias18 18 Sergia Paulina, que tinha uma propriedade que abrigava um collegium. CIL, 6, 9148. e administradoras de terras;19 19 Cabe destacar o artigo de Fabiana Martins Nascimento (2020) sobre Fundânia, resultado do trabalho desenvolvido junto ao grupo de pesquisa Eurykleia. mulheres que eram capatazes das fazendas, chamadas de villicae;20 20 Os casos de Eucrotia e Cania Urbana. CIL, 3, 2118. mulher que trabalhava como auctrix, gestora de bens de outros;21 21 O caso e Prastina Maxima. CIL, 11, 1730. mulher que trabalhava no ramo de aluguel de bens imóveis;22 22 O caso de Júlia Felix. CIL, 4, 1136. Maiuri (1964). as inúmeras atividades ligadas ao ramo do entretenimento, como o teatro; as atividades ligadas à prostituição que também se constituíam numa atividade econômica; e, enfim, além das lanificae, das medicae, temos conhecimento de inúmeras atividades femininas ligadas ao mundo do trabalho23 23 Este tema é o mais trabalhado pela historiografia, possivelmente por influência dos estudos sobre mulheres operárias e temas ligados ao mundo do trabalho, como, por exemplo, aqueles desenvolvidos nos anos 70-80, por Michelle Perrot: Benseddik (2009); Buonopane (2003); Le Gall (1970); Mano (2010); Pérez Gonzáles (2017); Raepsaet (2008); Vallinga-Groen (2013). que convém citar brevemente os nomes: sutrix (sapateira), tonstrix (cabeleireira). Plumbaria (encanadora), piscatrix (vendedora de peixes), unguentaria (que trabalha no comércio do perfume) e no comércio de luxo: aurinetrix (que trabalha com ouro), gemmaria (que trabalha com a pérola), purpuraria (que trabalha com a púrpura), etc.

I.

As mulheres pertencentes às ordens dirigentes tinham um espaço não negligenciável no mundo da economia e das finanças. Quanto às relações creditícias - nosso interesse principal -, muitos ricos romanos eram endividados junto às mulheres. Se focarmos no exemplo de Cícero, podemos destacar que o seu grande suporte financeiro era sua esposa, Terência. No entanto, a fonte quase inesgotável de empréstimo de dinheiro do orador de Arpino provinha de Carelia, sua grande amiga que era, assim como ele, estudiosa da filosofia. Em uma de suas cartas, seu melhor amigo, Ático, tece críticas ao terrível endividamento de Cícero junto à Carelia. (Cic. Att. 12. 51. 3. 20; 12. 21. 4; 12. 24. 1; 12. 30. 2 e Cassio Dio 41. 18. 4.) (Ioannatou, 2006IOANNATOU, M. (2006). Affaires d’argent dans la correspondance de Cicéron, Paris, De Boccard., p. 29-32). Susan Treggiari (2007TREGGIARI, S. (2007). Terentia, Tullia and Publilia: The Women of Cicero's Family. New York, Routledge.) desenvolve muitos tópicos importantes sobre a relação econômica entre Cícero, Terência e outras mulheres de sua época. No entanto, Coré Alcantud (2014ALCANTUD, C. F. (2014). La mujer romana y el ejercicio del poder a través del control de las finanzas: el caso de Terencia, esposa de Cicerón. Potestas 07, p. 5-25., p. 5-25) é que trabalha com mais profundidade as questões financeiras de Terência. Quanto às dívidas de Cícero junto às mulheres, o seu epistolário é a melhor fonte para jogar luzes sobre o tema. Tal epistolário foi objeto do exaustivo e excelente estudo de Marina Ioannatou (2006IOANNATOU, M. (2006). Affaires d’argent dans la correspondance de Cicéron, Paris, De Boccard.), que escreveu uma das obras mais importantes sobre a vida financeira do final da República Romana, tendo Cícero como personagem principal.

Para citar um exemplo da época imperial, Plínio, o Jovem, senador romano do final do século I e início do século II d.C., era devedor de sua rica sogra. (Plin. Ep. 3,19) Esses casos citados e outros, que precisam ser inventariados, devem ser analisados de modo comparativo para observarmos a atuação das mulheres ricas no financiamento da vida pública romana. Devemos ficar atentos ao fato de que essas mulheres ricas não eram profissionais da vida financeira, elas emprestavam dinheiro a juros como os senadores, aos seus pares, sempre dentro do mesmo meio social, mas sem, de modo algum, negligenciar o lucro. Jean Andreau (2001ANDREAU, J. (2001). Banque et affaires dans le monde romain: IV e J.-C. - III e siècle ap. J.-C., Paris, Seuil., p. 53-54) escreve que, para os homens das ordens dirigentes, o estatuto de trabalho ​​caracteriza-se pela total ausência da noção de trabalho vinculativo, pela ausência de profissionalismo e pela livre escolha de atividades. Acreditamos que o mesmo possa ser utilizado para as mulheres da elite que participavam ativamente da vida financeira. Essas mulheres não eram benfeitoras, estavam interessadas no lucro e na boa gestão de suas fortunas.

No final da República, por conta das guerras civis que provocaram uma grande baixa no número de homens, as mulheres começaram a se tornar donas de seus próprios dotes e com isso havia uma autonomia financeira muito maior que antes. É por isso que, a partir desse período, vemos tantas mulheres da elite como grandes credoras. Ao lado destas, também conhecemos na documentação muitas devedoras, como Semprônia cujas dívidas deixaram Salústio escandalizado (Sal. Cat. 14,3; 24,3); Fúlvia, esposa de Antônio, tomou dinheiro emprestado de Ático, sem contrato (Nep. Att. 9,2-7); Clódia, esposa de Cecílio Metelo Celer também se endividou; e Terência que, apesar de muito rica, tinha suas dívidas.

Segundo Marina Ioannatou, o endividamento dessas mulheres surge assim como uma consequência natural da liberdade de dispor de patrimônio e da crescente participação na vida econômica e social. O endividamento delas também expõe o desejo de emancipação feminina, os próprios limites da tutela, a auctoritas masculina e também o discurso misógino dos moralistas romanos que tradicionalmente apresentavam as mulheres como devedoras pérfidas (Ioannatou, 2006IOANNATOU, M. (2006). Affaires d’argent dans la correspondance de Cicéron, Paris, De Boccard., p. 29-32) cujas dívidas eram provas de inferioridade e que por dinheiro, mesmo as ricas, como Semprônia, avó de Bruto, eram capazes de cortejar invés de ser cortejadas, flertavam com a ruína diante de tantos empréstimo.

Cícero reclama que as mulheres de sua época não permaneciam mais sob a tutela dos homens, inclusive sua esposa casou-se com ele sine manu, ele não tinha jurisdição sobre o riquíssimo patrimônio dela. (Cic. Mur. 12, 27). Salústio, ao apresentar a conjuração catilinária, julga de maneira negativa as mulheres endividadas, apresentando-as como devassas, adúlteras que dissiparam o patrimônio da família em dívidas. (Sal., Cat., 14, 3.). No entanto, cabe destacar que o endividamento naquele contexto de crise financeira criada por Catilina era geral e não era, em si, uma prerrogativa feminina. Para a maior parte dos autores que apresentam esse tema, o endividamento feminino era fruto da imbecillitas mentis (Val. Max. 9, 1, 3) das mulheres. Segundo Yan Thomas (1993THOMAS, Y. (1993). A divisão dos sexos no direito romano. In: PERROT, M. & DUBY, G., (org.). História das mulheres no Ocidente. v. 1: Antigüidade. Porto, Afrontamento , p. 127-202., p. 129), alguns juristas romanos justificavam a incapacidade feminina lançando mão de expressões como Infirmitas muliebris animi e infirmitas sexus - imbecillitas sexus - fraqueza do sexo feminino, leviandade feminina.

É necessário estudar caso a caso para observar como funciona o mundo das finanças a partir das mulheres ricas que eram louvadas pelos homens quando assumiam a posição de credoras24 24 O próprio Salústio elogia uma mulher chamada Orestila e sua filha, que emprestaram dinheiro para salvar um homem da bancarrota durante a conjuração catilinária. Sall., Cat., 35. , mas que, também, eram difamadas pelos mesmos homens quando assumiam a posição de devedoras, vistas assim como devassas, pródigas, criminosas, loucas e fracas que perderam a compostura arruinando a família em dívidas.

II.

Como o grupo das mulheres ricas que emprestavam dinheiro às ordens senatorial e equestre é o mais conhecido dos leitores e estudiosos da Antiguidade, essas mulheres acabam por ser mais visíveis e mais “fáceis” de serem estudadas por conta da quantidade de documentos disponíveis, pois é a elite falando de si própria. Portanto, abaixo, vamos apresentar o grupo de mulheres “profissionais” (o caso das faeneratrices), para, por fim, tecer rápidas considerações sobre outro grupo, o das mulheres mais pobres.

As atividades ligadas ao crédito eram tão comuns em Roma que encontramos alguns casos de mulheres que emprestavam dinheiro a juros de forma “profissional”. Elas eram conhecidas como faeneratrices. A palavra faeneratrix é formada pelo radical faenor-, do termo faenus/faenoris (juros), mais o sufixo -atrix (a personagem que representa, o sujeito que age), que dá movimento ao faenus; portanto, faeneratrix designa uma mulher especializada em operações de empréstimo de dinheiro a juros.25 25 Em breve será publicado em um livro organizado por Cláudia Beltrão e Violaine Sebillotte Cuchet, o nosso artigo intitulado “Les femmes et le prêt d’argent: les faeneratrices” no qual abordamos o tema das faeneratrices com mais profundidade. Essa emprestadora de dinheiro poderia ser, assim como o faenerator, profissional ou não, se a palavra fosse utilizada de modo pejorativo. Afinal, segundo Émile Benveniste (1969BENVENISTE, E. (1969). Le vocabulaire des institutions indo-européennes. Paris, Les Éditions de Minuit., p. 188-189), juros vêm de faenus, e faenus deriva do mesmo radical que fetus: é o dinheiro que cresce no bolso dos outros, assim como o feto no ventre materno. Dessas palavras também temos fecundidade e felicidade.

A palavra faeneratrix só aparece quatro vezes em toda a literatura latina, enquanto faenerator aparece com mais frequência. (Gaia, 2018GAIA, D. V. (2018). Profissionais das finanças na Antiguidade Romana: os faeneratores no final da República e no início do Império. História Unisinos 22, n. 4, p. 651-660.). O tragediógrafo Plauto escreveu uma peça intitulada faeneratrix, cuja personagem principal, nem precisamos dizer, era a emprestadora de dinheiro a juros. Infelizmente, a peça se perdeu. Tratava-se de uma comédia, e possivelmente era para rir da personagem. Se lermos a Marmita de ouro podemos observar como Plauto “ridiculariza” suas personagens avarentas e deslumbradas por dinheiro; a faeneratrix devia seguir esse mesmo modelo. O que mais nos interessa nessa informação é que a palavra e a prática já eram conhecidas à época de Plauto, final do século III e início do século II a.C.,26 26 230 a.C. - 180 a.C. - não sabemos ao certo quando a comédia foi escrita. época de grandes transformações na sociedade romana por conta do impacto político, econômico, social e cultural provocado pelo Pós-Segunda Guerra Púnica.27 27 A Segunda Guerra Púnica ocorreu entre 218-202 a.C. As peças “Soldado Glorioso” e “O pequeno cartaginês” apresentam o contexto de guerra.

A segunda menção à faeneratrix aparece em Varrão, mas o autor não desenvolve sobre a prática da profissional, só cita a palavra como exemplo de pronúncia do latim de palavras que podiam ser escritas com faen e fen (faeneratrix e feneratrix). Nesse texto, Varrão28 28 Varrão nasceu em 116 a.C. e morreu em 27 a.C. Chegou até nós suas obras: De Re Rustica(Das coisas do campo), e outra incompleta:De Lingua Latina(Sobre a língua latina). cita um excerto da obra perdida de Plauto «alii Plauti Faeneratricem, alii Feneratricem». A palavra faeneratrix também aparece em Festus pag. 372, linha 39, mas sem nenhuma novidade. O testemunho mais conhecido é o de Valério Máximo,29 29 Públio Valério Máximo (século I a.C. -século I d.C.). A obra Feitos Memoráveis, composta por nove livros, foi publicada no ano de 31 d.C., com o objetivo de enaltecer as virtudes romanas com base na moral senatorial do início do Império. o mesmo que utiliza a expressão imbecillitas mentis para as mulheres endividadas, que vimos acima nesse texto.

Resumidamente, Valério Máximo (8.2.2) apresenta um processo que foi aberto na justiça de Roma no século I a.C. da senhora chamada Otacília Laterense contra um famoso cidadão chamado Varrão. A motivação do processo se deu porque Varrão ficara muito doente, ao ponto de ser desenganado. Otacília, que era sua amiga (talvez amante, segundo a fonte), se predispôs a se ocupar dele. E, dessa forma, eles criaram um contrato de empréstimo fictício de 300 mil sestércios; pois, assim, quando ele morresse, ela iria ser paga pelos herdeiros. Os herdeiros desconheciam que se tratava de um contrato fictício de débito. Para o infortúnio dessa amiga tão distinta, já que era esposa de um senador, Varrão sobreviveu e não a pagou, porque a dívida não existia. Ela ficou profundamente chateada e entrou na justiça para receber o dinheiro. O autor menciona que ela abandonou o papel de amiga carinhosa para se mostrar como uma faeneratrix implacável.30 30 O pretor da época teve dificuldades para julgar o caso e consultou os cidadãos mais notáveis para, por fim, não dar ganho de causa à Otacília. No entanto, julgou que tal ato foi uma clara manifestação de má fé de ambas as partes, pois, no final, os herdeiros é que teriam que pagar uma dívida que, na realidade, nunca existiu. O processo continuou por conta da relação libidinosa de ambos, não por causa do “empréstimo”; contudo, não temos informações sobre a sentença final.

Otacília era efetivamente uma faeneratrix? Com certeza não. Nesse caso, o termo foi usado de modo pejorativo. E isso não era uma prerrogativa feminina, o mesmo acontecia com homens: Sêneca, na época de Nero, foi acusado de se comportar como um faenerator e de sangrar a Itália e a Britânia com uma usura elevadíssima (Tac. Ann. 13.42; 16.30.3). Catão também recebeu a mesma alcunha por parte de Plutarco com relação às suas transações financeiras na Sardenha. (Plut. Cat. Ma. 21, 6-8; Liv. 32. 27. 3-4). O fato de Otacília ser ou não ser uma faeneratrix não compromete de forma alguma a importância desse texto para a compreensão da vida financeira romana: primeiro, porque ele fornece uma questão clara do uso pejorativo do termo, atestando a sua existência e a conotação negativa, que desde Plauto não deveria ser uma “gracinha”; segundo, porque o texto abre uma janela de observação para analisar as atividades femininas no segundo grupo que propusemos, das mulheres emprestadoras de dinheiro a juros. Portanto, o texto mostra que essas mulheres existiam e assim como os homens faeneratores, eram mal vistas, apesar de a atividade ser importante para a sociedade.

Por que essa atividade era importante? Enquanto os argentarii - banqueiros, conhecidos pelo célebre trabalho de Jean Andreau (1987ANDREAU, J. (1987). La vie financière dans le monde romain: les métiers des manieurs d’argent (IVe s. av. J.-C.-IIIe s. ap. J.-C.), Rome, Bibliothèque des Écoles françaises d'Athènes et de Rome.) - lidavam com quantias de empréstimo mais modestas de dinheiro para um público talvez mais desprovido e quase sempre dentro do contexto dos leilões, os faeneratores lidavam com quantias mais elevadas; tanto que Vitrúvio escreveu um texto dando conselhos sobre a construção da casa do faenerator. (Vitr. 1. 2. 9). Esse grupo lidava com a elite romana e as transações não eram pequenas, afinal, a quantia de 300 mil sestércios que Varrão presumivelmente devia à Otacília (em forma de contrato fictício de dívida) não parece ter criado problema na época do processo. Cícero, quando queria comprar uma casa no Palatino, foi pedir dinheiro emprestado ao faenerator. (Cic. Fam. 5,6,2). O comércio de grandes quantias, acima das do faenerator, só era possível dentro das relações intrínsecas à elite, das mulheres do primeiro grupo. O faenerator e faeneratrix podiam emprestar para a elite, mas não faziam, necessariamente, parte dela. Eles pertenciam a um grupo social intermediário.

Poderíamos defender então que esse grupo de emprestadores e emprestadoras de dinheiro estava entre os banqueiros profissionais e os membros da elite. Quanto à atividade da mulher no banco, temos nas fontes casos de mulheres banqueiras (argentariae)? Infelizmente todo e qualquer tipo de documento referente ao trabalho dos banqueiros é escasso. No entanto, é um texto jurídico que traz um indício e coloca uma dúvida se havia ou não banqueiras em Roma. O jurisconsulto Calístrato, durante a época imperial, excluiu as mulheres das atividades bancárias e do câmbio:

Feminae remotae videntur ab officio argentarii,31 31 É necessário destacar que a interdição é relativa somente ao trabalho bancário; o faenerator e as faeneratrix não são, em hipótese alguma, banqueiros. cum ea opera virilis sit.

As mulheres estão excluídas do ofício de banqueiros, porque esta atividade é masculina (D. 2. 13. 12.)

Nesse texto, o jurista não só proíbe a mulher de participar da atividade bancária como deixa claro que se trata de uma atividade masculina (cum ea opera virilis sit). Como vimos no início deste artigo, vários autores romanos, inclusive o jurista Ulpiano, retomam o tema de que o local da mulher é a casa e que as atividades masculinas não devem ser exercidas por elas. Os autores antigos, de modo geral, utilizam com frequência a distinção biológica entre os corpos masculinos e femininos para justificar a inferioridade feminina, a dita fragilidade da mulher - imbecillitas sexus - por ser menor, por ter voz fina, por não ter barba etc. Por conta desse argumento, as mulheres, muitas vezes, foram proibidas de desempenharem tarefas tidas como masculinas, como advogada, banqueiras, fiadoras etc. O interessante é que, se essas proibições aparecem uma vez ou outra, é porque elas não eram respeitadas. Não podemos tomar esses textos como verdades absolutas; aliás, se a História brasileira for escrita somente com base na sua legislação, pensar-se-á que vivemos no paraíso.

Retornemos a Calístrato. Esse texto só faz sentido se a mulher desempenhasse atividades ligadas à vida bancária. O jurisconsulto não gastaria sua pena com informações fictícias. Os romanos, dentro do espírito prático que lhes era peculiar, não legislavam sobre fatos inexistentes. Não temos informações diretas de mulheres trabalhando em bancos, mas essa jurisprudência indica claramente a possibilidade de sua existência.

Para concluir essa questão das mulheres e suas relações com o banco, convém chamar a atenção que Jean Andreau demonstrou, na obra Les Affaires de Monsieur Jucundus, que em torno de 20 nomes de mulheres aparecem implicados em transações bancárias. A maioria delas aparece como clientes e algumas são vendedoras, nenhuma é banqueira. Há pelo menos seis vendedoras que o autor enumera a partir do estudo das tabuinhas dos arquivos de Murecine: Popidia (tábua 20 e talvez a tábua 57), Histria Ichimas (tábua 22), Umbricia Antiochis (tábuas 23 e 24), Umbricia Januaria (tábua 25), Caesia Optata (tábua 29), Tulia Lampyris (tábua 40). (ANDREAU, 1974ANDREAU, J. (1974). Les Affaires de Monsieur Jucundus. Rome, Ecole Française de Rome., p. 109, 114, 140). Por fim, as tabuinhas de Murecine dos arquivos dos Sulpicii, de Tibério até Nero, apresentam uma tal Euplia de Milo como um exemplo de devedora de Cinamo e Titinia que aparece como a única credora. (TPSulp. 61; Camodeca, 1992CAMODECA, G. (1992). L'Archivio puteolano dei Sulpicii 1, Naples, E. Jovene., p. 213-214). Andreau (2001ANDREAU, J. (2001). Banque et affaires dans le monde romain: IV e J.-C. - III e siècle ap. J.-C., Paris, Seuil., p. 137-152.) e Camodeca desenvolveram essa discussão de forma conclusiva.

III.

Além das mulheres notadamente ricas, e das faeneratrices, encontramos na documentação um grupo de mulheres mais pobres, que emprestavam dinheiro em pequena quantidade na cidade de Pompeia.

Os casos identificados ​​não são numerosos e apresentam empréstimos de pequenas quantidades de dinheiro, a curto termo, operados por mulheres. Trata-se de três grafitti que estão na casa de Granio Romano. Eles foram publicados no vol. IV do Corpus Inscriptionum Latinarum, que diz respeito a Pompeia, e foram estudados por Jean Andreau (1974ANDREAU, J. (1974). Les Affaires de Monsieur Jucundus. Rome, Ecole Française de Rome.), Manuel Garcia Garrido (2001GARCIA GARRIDO, M. J. (2001). El comercio, los negocios y las finanzas en el mundo romano. Madrid, Fundación de Estudios Romanos Dykinson.) e mais recentemente por Carmen Lázaro Guillamón (2009GUILLAMON, C. L. (2009). Negocios crediticios entre mujeres en la Roma Antigua: una posible aproximación histórica al concepto de microcréditos. In: DE PABLOS, E. J. Identidades femininas en un mundo plural. Sevilla, Arcibel editores, p. 409-413.).

No primeiro grafitto, temos a informação de que no dia 15 de julho foram depositados junto a Faustila dois brincos como caução em troca de dois denários. Ela deduziu os juros de um as de bronze, dando um total de 30 asses.32 32 CIL, IV, 8203. IDIBUS IVLIS INAVRES POS(I)TAS AD FAVSTILLA(M) PRO Ӿ (DENARIIS) II VSVRA(M) DEDVXIT AERIS A(SSEM) EX SVM (MA?) XXX No segundo grafitto, temos a informação de que Faustila recebeu no dia 4 de julho, como caução, um casaco grande com capuz e um outro menor pelo valor de 50 sestércios, ela deduziu os juros de 12,5 asses de bronze; infelizmente, o número VIII asses está corrompido ou há um erro de leitura, de todo modo o essencial para essa discussão é apresentado no grafitto.33 33 CIL, IV, 8204. IV NON(AS) IVL(IAS) PAENULAM PALLIOLU(M) [POSITA AD FAU]STILLA (M) PR[O HS] L USUR[IS] [DEDUXIT ?] XII S(EMISSEM) [AERI]S A(SSES) VIII O último grafitto nos mostra que no dia 8 de fevereiro Vetia emprestou 20 denários com juros de 12 asses. No mesmo documento, na terceira linha, temos a informação de que no dia 5 de fevereiro, Faustila emprestou 15 denários com juros de 8 asses.34 34 CIL, IV, 4528. IV IDUS FEB VETTIA Ӿ XX USU(RA) A(SSES) XII NON FEBR A FAUSTILLA Ӿ XV USU(RA) A(SSES) VIII

As agentes que operaram os empréstimos se chamam Vetia e Faustila, que infelizmente conhecemos muito pouco. Os graffiti foram realizados entre 41 e 54 d.C. São documentos da vida cotidiana muito objetivos em sua finalidade e funcionam como um contrato improvisado, um certificado de empréstimo e de penhor.

Esses graffiti não mencionam a palavra faeneratrix, e estas mulheres certamente não eram profissionais e tampouco faziam parte da elite romana. No entanto, a ausência da palavra faeneratrix não permite argumentar que não se trata de operações de microcrédito. Podemos excluir com bastante segurança a afirmação de alguns estudiosos do tema de que se trata de banqueiras; as operações de créditos de Vetia e Faustila em nada se confundem com as dos argentarii (ou argentariae, caso tenham existido efetivamente). São pequenos empréstimos sem grande impacto econômico, mas importantes no plano social e cultural porque dão provas da diversidade e da vivacidade das transações financeiras em todos os estratos sociais.

Conclusão

Após a discussão de todos esses elementos, convém indagar: quais mulheres tinham mais liberdade de gerir seus bens e fazer negócios? Observamos que muitas exerciam atividades financeiras, com ou sem uma dita liberdade expressa, pois, se as regras são reafirmadas constantemente é porque elas eram transgredidas; infelizmente nem sempre temos informações precisas sobre o estatuto jurídico e o grupo social, mas sabemos com clareza que gozavam de mais liberdade aquelas que obtinham o iustrium,35 35 ius trium vel quattuor liberorum: De modo geral era o direito concedido às mulheres livres romanas que tinham dado à luz 3 filhos, e às libertas que tinham dado à luz 4 filhos. Essas mulheres eram liberadas da tutela masculina (tutela mulierum) e gozavam também do direito de herança dos seus filhos. Ver: Frank (1975). Somente Justiniano, em 534, que aboliu o ius trium liberorum. que é a capacidade de gerir seus bens sem a tutela masculina e aquelas que se casaram sine manu,36 36 Como é o caso, por exemplo, da esposa de Cícero, Terência, que não só administrou seus bens livremente como até casou a sua filha com Dolabella, inimigo político de Cícero. Ver a discussão de Alcantud (2014). que tinham liberdade para gerir seu próprio patrimônio. Esses fenômenos podem ser observados com mais frequência, talvez pelo número maior de fontes, a partir do final da República e início da época imperial.

Quanto às mulheres mais pobres, a própria condição social não impunha grandes obrigações de conduta; não se observa na legislação e na documentação literária restrições específicas, mas, infelizmente, não temos fontes que mostrem a vivacidade das transações negocistas e financeiras dessas mulheres; viver no enquadramento da domus pressupõe ter uma moradia, em muitos casos essas mulheres pobres nem moradia digna tinham, por isso não dá para generalizar o modelo. A restrição à domus era uma imposição sobretudo às mulheres ricas, que eram mais vigiadas; mas esse modo de vida não se impunha como única expressão feminina por excelência. As mulheres ultrapassaram os muros da casa romana. Na documentação jurídica, ao observarmos que os juristas insistem constantemente que as mulheres não deveriam desempenhar tarefas masculinas, é justamente porque elas desempenhavam. Devemos nos libertar da ideia fechada de que a mulher antiga era só domiseda. Ela era mais que isso, e o mercado de crédito, embora seja um ramo específico da atividade econômica, nos mostra a riqueza da pluralidade da inserção feminina na sociedade. E não devemos tomar esses exemplos como meras exceções, pois isso seria demasiado redutor.

Quanto às mulheres e às atividades creditícias, pudemos observar uma distinção entre os três grupos de mulheres: 1) as ricas, que não tinham uma atividade profissional ligada às finanças, mas que movimentavam o maior volume de dinheiro; 2) aquelas que eram faeneratrices e, assim como os homens, emprestavam dinheiro a juros no mercado de crédito local; e 3) as mulheres pobres que não tinham grandes posses, mas que, mesmo assim, emprestavam o pouco que tinham, movimentando o microcrédito local. O terceiro grupo é o menos mencionado na documentação antiga, a não ser em algumas expressões e na documentação epigráfica. Com relação ao segundo grupo, o status e a própria atividade em si não eram “dignos”, mas sordidi (nas palavras de Cícero), de modo que os autores romanos não consagraram tempo escrevendo textos e reflexões sobre o tema, exceto no tom de crítica, como foi usado com Otacília que não era uma faeneratrix de fato, mas se comportava enquanto tal. Esse caso foi mencionado nas fontes justamente porque se tratava de dois membros da elite. Devido ao desprestígio da atividade da faeneratrix, somente temos acesso a essas mulheres (como também a outros temas da economia antiga), por meio de passagens indiretas, metafóricas, pejorativas; tanto que não há nenhuma inscrição que mencione a faeneratrix ou o faenerator, justamente porque não era motivo de exibição e de orgulho. O primeiro grupo é o mais suscetível de trazer novidades à historiografia por conta da multiplicidade de menções na documentação, pois trata-se da elite falando dela própria; mas, apesar de termos mais fontes, as informações são indiretas, de interpretação delicada e dispersas na textualidade latina, daí a necessidade de uma investigação indiciária porque muitas vezes os negócios eram escusos e levados a cabo por intermediários financeiros.

Em Roma, os negócios financeiros eram empreendidos em sua maior parte por homens, dada a falta de fontes para mostrarmos um equilíbrio (que possivelmente não existia de modo equânime). Mas isso não quer dizer que era um mundo desconhecido das mulheres. Com esse texto, o objetivo não foi o de “retirar” a mulher da domus e mostrar uma exagerada emancipação delas. O objetivo foi o de mostrar que houve, sim, exemplos de mulheres que fizeram diferente e que nos permitem hoje escrever essa história que dá provas da complexidade das relações econômicas, sociais e de gênero da Antiguidade. É interessante adotar uma perspectiva que leve em consideração o convívio entre as diferentes formas e locais de atuação feminina, tanto fora quanto dentro da domus. O mundo da atuação econômica e financeira da mulher não é menos complexo que aquele dos homens; conhecemo-lo em menor escala, mas ele existe e importa, não se trata de uma exceção.

Com relação à historiografia brasileira atual, cabe ainda ressaltar, à guisa de conclusão, que esse quadro da mulher antiga fechada ao ambiente doméstico está dando espaço a outras formas de conhecê-la em suas múltiplas e complexas inserções na sociedade, além da financeira apresentada aqui. Como exemplo, entre tantos trabalhos, podemos citar os recentes de duas historiadoras brasileiras que estudam a mulher antiga a partir da perspectiva política: Marta Mega Andrade (2003ANDRADE, M. M. DE. (2003). A ‘Cidade das Mulheres’: A questão feminina e a polis revisitada. In: FUNARI, P. P. A.; FEITOSA, L. C.; SILVA, G. J. DA (eds.). Amor, desejo e poder na Antiguidade: Relações de gênero e representações do feminino. Campinas, Editora da Unicamp, p. 115-147.; 2020ANDRADE, M. M. DE (2020). Palavra de Mulher: sobre a -voz das mulheres- e a história grega antiga. Revista Brasileira de História (Impresso) 40, p. 119-140.) e Sarah Azevedo (2012AZEVEDO, S. F. L. de. (2012). História, retórica e mulheres no Império Romano: um estudo sobre as personagens femininas e a construção da imagem do Nero na narrativa de Tácito. Ouro Preto, EDUFOP PPGHIS, 2012.; 2019AZEVEDO, S. F. L. (2019) A ética da monogamia e o espírito do feminicídio: marxismo, patriarcado e adultério na Roma Antiga e no Brasil Atual. História (São Paulo) 38, p. 1-19.). Além das inúmeras contribuições, sob a ótica da História da Cultura e da Sexualidade, das historiadoras que se debruçaram sobre o feminino da cidade de Pompeia, sem deixar de apresentar o protagonismo daquelas mulheres na vida social, econômica e política: Maria Cavicchiolli (2011CAVICCHIOLLI, M. R. (2011). Sexualidades antigas e preocupações modernas: a moral e as leis sobre a conduta sexual feminina. In FUNARI, P. P. A.; GRILLO, J. G. C.; Garraffoni, R. S. (eds.). Sexo e violência: Realidades antigas e questões contemporâneas. São Paulo, Annablume, p. 137-150.) e Lourdes Feitosa (2003FEITOSA, M. C. C. (2003). História, Gênero, Amor e Sexualidade: olhares metodológicos. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia 13, p. 101-115.). Não podemos deixar de mencionar as contribuições do Grupo Eurykleia, do qual esse artigo é tributário, que se inserem numa linha historiográfica que vem desde Michelle Perrot (1993PERROT, M. & DUBY, G., (eds.) (1993). História das mulheres no Ocidente. v. 1: Antigüidade. Porto, Afrontamento .), com a História das Mulheres do Ocidente, passando por Pauline Schmitt-Pantel (1993SCHMITT-PANTEL, P. (1993). Histoire des Femmes. In: PERROT, M. & DUBY, G., (eds.) (1993). História das mulheres no Ocidente. v. 1: Antigüidade. Porto, Afrontamento , p. 591-604.; 2002SCHMITT-PANTEL, P. (2002). La création de la femme : un enjeu pour l’Histoire des Femmes? In: SCHMITT, J.-C. (ed.) Ève et Pandora. La création de la première femme. Paris, Gallimard , p. 211-232.) e agora com Violaine Sebillotte Cuchet (2020SEBILLOTTE CUCHET, V. (2020). Des femmes qui comptent. Genre et participation sociale en Grèce et à Rome, Dossier dirigé en collaboration avec Sandra Boehringer, Adeline Grand-Clément et Sandra Péré-Noguès Mètis N.18 2020, Paris-Athènes.), coordenadora da equipe do projeto que traz continuamente pontos de vista inovadores sobre a História das Mulheres e História de Gênero. Estes novos trabalhos nos dão a possibilidade de melhor conhecer a história das mulheres antigas em todas as suas esferas; de quebrar preconceitos tanto de gênero quanto de escrita acadêmica, considerando que durante muito tempo os Estudos de Gênero foram vistos por meio de certo olhar oblíquo, que só agora está sendo, aos poucos, ultrapassado.

Enquanto outros ramos da História Antiga conseguiram se “libertar” do olhar exclusivo e predominante da mulher fechada na “vida doméstica”, a História Econômica resiste um pouco mais; por isso que, ainda hoje, há tão poucos trabalhos nesse ramo. No entanto, vimos que há uma documentação suscetível de trazer contribuições novas à compreensão das mulheres e da economia na Antiguidade. É tempo que isso se renove, pois o entrecruzamento - durante muito tempo julgado quase impossível -, entre Estudos de Gênero, História das Mulheres e História Econômica da Antiguidade, permitirá renovar as metodologias e trazer contribuições não só para aos estudos das mulheres e de gênero, mas para uma compreensão mais profunda e atualizada da História Econômica e Financeira como um todo. Tais contribuições serão alcançadas, se partirmos, sobretudo, de um ponto de vista que leve em conta os aspectos culturais e antropológicos do passado e que o estudo seja empreendido por meio de uma perspectiva qualitativa, comparativa, que privilegie uma abordagem mista,37 37 Muito embora a História das Mulheres, Estudos de Gênero e História Mista sejam perspectivas diferentes que se desenvolveram em contextos específicos, elas não se sobrepõem umas às outras, mas colaboram entre si para que possamos apresentar as múltiplas faces do mesmo objeto. Ver os estudos de Thébaud (2007). relacional e que seja, inegociavelmente, interdisciplinar.38 38 Permito-me, agora, escrever em primeira pessoa para expressar meus profundos agradecimentos às / aos colegas e amigas e amigos que, em diferentes momentos do meu percurso profissional, discutiram pontos essenciais desse tema comigo: Adeline Grand-Clément, Agatha Bacelar, Anderson Martins Esteves, Claudia Beltrão, Fábio Lessa, Fábio Faversani, Federico Santangelo, Graça Moraes Augusto, Jean Andreau, Jean-Michel Carrié, Lorena Pires, Margarida Maria de Carvalho, Maria Clara Kalil, Marta Mega, Norberto Guarinello, Patrícia Horvat, Sarah Azevedo, Sophie Lalanne e Violaine Sebillote Cuchet. Meu especial e carinhoso agradecimento aos meus alunos e alunas de mestrado e doutorado que contribuíram com críticas essenciais e que me inspiraram a estudar Gênero e História das Mulheres: Amanda Prima Borges, Amanda Lemos, Fabiana Martins Nascimento, Ian Bonze, Gabriel Paredes, Luísa Amado, Vanessa Mendonça e Victor Lisboa. Por último, e não menos importante, agradeço com muito respeito e admiração a Jean-Michel Carrié e Gustavo Gomes Kalil que fizeram uma leitura atenta desse texto.

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  • 1
    Cabe destacar que esse trabalho também é fruto de discussões que foram realizadas e apresentadas ao grupo que compõe o projeto Eurykleia: celles qui avaient un nom, a convite de Cláudia Beltrão e Violaine Sebillotte Cuchet; que foi apresentado no seminário New Work on the Roman Republic, da Newcastle University, a convite de Federico Santangelo e Mattia Balbo; e foi, também, apresentado no Seminário Archaí: as origens do pensamento ocidental, da Universidade de Brasília, a convite de Agatha Bacelar, de modo que lhes sou grato pelo convite que proporcionou um frutífero espaço de discussão. Um artigo intitulado Les femmes et les prêts d’argent à Rome: les faeneratrices, que é uma versão aprofundada dos aspectos intrínsecos às faeneratrices, - sem as questões metodológicas e contextuais da domiseda desenvolvidos neste artigo -, será publicado no livro organizado por Cláudia Beltrão e Violaine Sebillotte Cuchet, e poderá ser consultado em breve.
  • 2
    Muito se escreveu sobre as mulheres e as relações de trabalho, sobretudo a partir dos estudos da classe operária para a época contemporânea. Ver: Perrot, 2019PERROT, M. (2019b). Minha história das mulheres. São Paulo, Contexto.a, p. 181-182. Mas até hoje há poucos estudos sobre as mulheres antigas e a vida econômica, que esteja situada além do contexto doméstico (oikos e da domus).
  • 3
    Por mencionar Atenas, é necessário escrever, nesta introdução, algumas linhas sobre esse tema destacando a importância da influência que o modo de vida ateniense desempenhou para “enquadrar” a mulher antiga (diríamos até mediterrânico) ao modelo da casa. O modelo mélissa, da mulher abelha, como mostrou Fábio de Souza Lessa (2000LESSA, F. (2000). Modelo mélissa: obediência ou transgressão? Phoînix 6, p. 165-177., p. 165-177), dominou por décadas os estudos sobre as mulheres do mundo antigo, notadamente grego, e era caracterizado pela ideia de submissão, inferioridade e fragilidade femininas. Este modelo de comportamento almejado, no âmbito discursivo, para uma esposa legítima eternizou personagens emblemáticas que apresentavam traços que, ao mesmo tempo, as aproximavam e as distanciavam do modelo idealizado de comportamento feminino. Como forma de exemplificação podemos trazer à cena Penélope, na sua eterna espera por Odisseu, e Alceste, que entregou a sua vida em nome de Admeto, seu esposo. Penélope foi louvada como um tipo ideal de mulher para o período arcaico (séculos VIII ao VI a.C.), mas ela não se reduzia à casa; era estrategista; enfrentava seus pretendentes; tecia e destecia controlando, assim, o inexorável tempo, que a colocava diante da escolha de um dos pretendentes para marido. Alceste, no período clássico (séculos V e IV a.C.), tornou-se um modelo de mulher porque, heroicamente, morreu por causa do marido; mas, ao mesmo tempo, o expôs e exigiu que não se casasse novamente, o que seria esperado de um jovem cidadão (para um aprofundamento, vide: Lessa, 2004; 2010).
  • 4
    Cabe ressaltar que Columela é muito austero em relação às atividades que estivessem distantes do trabalho da terra; seu olhar rigoroso e moralista não é somente sobre a mulher.
  • 5
    Retomaremos esse tema posteriormente ao apresentarmos a possibilidade de ter existido mulheres banqueiras (as argentariae).
  • 6
    Para uma visão melhor desse tema a partir do modelo grego, é imprescindível a leitura de Sebillotte Cuchet (2016SEBILLOTTE CUCHET, V. (2016). Women and the Economic History of the Ancient Greek World : Still a challenge for gender studies. In: MICHEL, C.; LION, B. The Role of Women in Work and Society in the Ancient Near East, Boston; Berlin, De Gruyter, p. 543-563.; 2017SEBILLOTTE CUCHET, V. (2017). Gender studies et domination masculine. Les citoyennes de l’Athènes classique, un défi pour l’historien des institutions. Cahiers du Centre Gustave Glotz XXVIII, p. 7-30.).
  • 7
    HOSPES, QUOD DICO PAVLLVM EST, ASTA AC PELLEGE /HEIC EST SEPVLCRVM HAV /PVLCRUM PVLCRAI FEMINAE / NOMEN PARENTES NOMINARVNT CLAVDIAM. /SVOM MAREITVM CORDE DEILEXIT SOVO. / GNATOS DVOS CREAVIT. HORVM. HORVM ALTERVM / IN TERRA LINQVIT, ALIVM SVB TERRA LOCAT. / SERMONE LEPIDO, TVM AVTEM INCESSV COMMODO. / DOMVM SERVAVIT. LANAM FECIT. DIXI. ABEI.
  • 8
    Há muitas formas de se traduzir essas palavras. Acredito que as opções mais “justas” não são necessariamente as mais literais (haja vista que existe em português as palavras casta, pia e pudica), mas as que conseguem apresentar, em consonância com o nosso vocabulário e experiências, essas “virtudes” femininas da sociedade romana. Se formos entrar numa discussão sobre os equivalentes exatos dessas palavras em português, a melhor opção seria deixá-las em latim, pois um único termo tem significados que são diversos e, ao mesmo tempo, muito próximos uns aos outros. Embora esses termos também sejam, comparativamente, parecidos entre si, cada um deles ocupa uma singularidade que tem como objetivo descrever uma virtude feminina adequada à moral romana da elite. Entre casta, pia e pudica, a linha de fronteira é tênue; daí a importância de pensarmos em termos de experiência e não somente realizando uma tradução literal dos termos. Apesar dessa discussão sobre o vocabulário, é importante destacar que depois de mais de dois mil anos, essa questão ainda ecoa na atualidade, tanto que, para alguns grupos conservadores, a expressão “bela, recatada e do lar” se reveste como uma virtude a ser louvada; já para grupos mais progressistas, a mesma expressão deu lugar a memes famosos à época do Presidente Michel Temer, como algo muito ultrapassado para a realidade social da mulher contemporânea.
  • 9
    HIC SITA EST AMYMONE MARCI OPTIMA ET PULCHERRIMA, LANIFICA, PIA, PUDICA, FRUGI, CASTA, DOMISEDA. Aqui repousa Amymone, esposa de Marcos, exemplar e belíssima fiandeira, bondosa, recatada/decente, honesta, casta e do lar.
  • 10
    Poderíamos pensar no modelo res gestae, como o passado em si, e historia rerum gestarum, a narrativa sobre o passado.
  • 11
    « Elle est garçon, elle est artiste, elle est grande, généreuse, dévouée, chaste; elle a les grands traits de l'homme;ergo, elle n'est pas femme ». (Pierrot, 1990PIERROT, R. (ed.) (1990). Balzac. Lettres à Madame Hanska. Paris, Laffont., p. 553)
  • 12
    Certamente é um dos corpora documentais que poderá trazer mais contribuições para o estudo do tema.
  • 13
    O trabalho de Bagnall e Cribiore certamente é um dos mais recomentados para se iniciar o estudo desse tema a partir dos papiros (Bagnall; Cribiore, 2006BAGNALL, R. CRIBIORE, R. (2006). Women’s Letters from Ancient Egypt, 300 BC-AD 80. Michigan, University of Michigan.). François Lerouxel neste artigo publicado em 2006LEROUXEL, F. (2006). Les femmes sur le marché du crédit en Egypte romaine (30 avant J.-C. - 284 après J.-C.). Les Cahiers du Centre de Recherches Historiques 37, p.1-14 pôde apresentar as possibilidades que essa documentação oferece para abordar o tema do crédito no Egito romano. (Lerouxel, 2006LEROUXEL, F. (2006). Les femmes sur le marché du crédit en Egypte romaine (30 avant J.-C. - 284 après J.-C.). Les Cahiers du Centre de Recherches Historiques 37, p.1-14).
  • 14
    Ver as melhores sínteses desse tema em Le Gall (1970LE GALL, J. (1970). Métiers de femmes au Corpus Inscriptionum Latinarum. Revue des études latines 47bis, p. 123-130.); Raepsaet (2008RAEPSAET, M.-T. (2008). Un aspect de la visibilité des femmes romaines: les métiers féminins d’après l’épigraphie latine. In: PAVON, P. Conditio feminae. Imágenes de la realidad femenina en el mundo romano . Roma, Edizioni Quasar , p. 231-265.) e Mano (2010MANO, S. (2010). Contrepoint. Identités féminines/identités professionnelles : la désignation des métiers de femmes dans la Rome ancienne. In: HANNE, G.; DE LARIVIÈRE, C. J. (eds.). Noms de métiers et catégories professionnelles. Acteurs, pratiques, discours (XVe siècle à nos jours). Toulouse, Presses universitaires du Midi, p. 21-40).
  • 15
    A historiadora francesa, além do texto de 2019 citado acima, aprofunda esse tema na conferência de abertura da I Jornada Archai: Gênero e Antiguidade, problemas e métodos (Sebillote-Cuchet, 2021SEBILLOTTE CUCHET, V. (2021) 9:45 am - Violaine Sebillotte Cuchet - I Jornada Archai: Gênero e Antiguidade: problemas e métodos. Disponível em: https://youtu.be/O6yfSJS_ekI Data de Acesso: 12/07/2022.
    https://youtu.be/O6yfSJS_ekI...
    ), dando destaque, inclusive, ao papel da História Econômica no estudo das estruturas de dominação social na Antiguidade.
  • 16
    Há registros na documentação de mulher da elite envolvida no comércio marítimo, eram conhecidas como armadoras, proprietárias de navios (dominae navium). Dig., 14, 1, 16 e Codex 4, 24, 4. Ver : Rouge (1966ROUGE J. (1966). Recherches sur l’organisation du commerce maritime en Méditerranée sous l’Empire romain. Paris, S.E.V.P.E.N.) e Ortu (2019ORTU, R. (2019). Dominae navium: il caso della vestale Massima Flavia Publicia. In: CASOLA, M. (ed.). Liber Amicorum per Sebastiano Tafaro, I. Bari, Cacucci, p. 527 - 540.).
  • 17
    Ver os melhores trabalhos que foram escritos sobre esse tema: Chausson, (2005CHAUSSON, F. (2005). Des femmes, des hommes, des briques: prosopographie sénatoriale et figlinae alimentant le marché urbain. Archeologia classica 56, n. 06, p. 225-267.) e Chausson & Buonoparte (2010CHAUSSON, F.; BUONOPARTE, A. (2010). Una fonte della ricchezza delle Augustae - Le figlinae urbane ». In: KOLB, A. (ed.) (2010) Augustae. Machtbewusste Frauen am römischen Kaiserhof? Berlin, Akademie Verlag, p. 91-110.).
  • 18
    Sergia Paulina, que tinha uma propriedade que abrigava um collegium. CIL, 6, 9148.
  • 19
    Cabe destacar o artigo de Fabiana Martins Nascimento (2020NASCIMENTO, F. M. (2020). A dedicação à Fundânia do primeiro livro do De Re Rustica de Varrão: algumas considerações preliminares sobre a mulher e a administração da propriedade agrícola na Roma republicana. Humanidades em Revista 2, n. 01. p. 7-17.) sobre Fundânia, resultado do trabalho desenvolvido junto ao grupo de pesquisa Eurykleia.
  • 20
    Os casos de Eucrotia e Cania Urbana. CIL, 3, 2118.
  • 21
    O caso e Prastina Maxima. CIL, 11, 1730.
  • 22
    O caso de Júlia Felix. CIL, 4, 1136. Maiuri (1964MAIURI, A. (1964). Giulia Felice, gentil donna pompeiana. In: MAIURI, A. (1964) Pompeii Ed Ercolanofra case e abitanti. Milão, Giunti, p. 75-84.).
  • 23
    Este tema é o mais trabalhado pela historiografia, possivelmente por influência dos estudos sobre mulheres operárias e temas ligados ao mundo do trabalho, como, por exemplo, aqueles desenvolvidos nos anos 70-80, por Michelle Perrot: Benseddik (2009BENSEDDIK, N. (2009). “Manus Lanis Occupate.” Femmes et métiers en Afrique. Antiquités africaines 45, p. 103-118.); Buonopane (2003BUONOPANE, A. (2003). Medicae nell’Occidente Romano: un’indagine preliminare. In: CENERINI, Fr.; BUONOPANE, A. Donna e lavoro nella documentazione epigráfica. Seminario sulla condizione femminile nella documentazione epigrafica. Bologna, Faenza, p. 113-130.); Le Gall (1970LE GALL, J. (1970). Métiers de femmes au Corpus Inscriptionum Latinarum. Revue des études latines 47bis, p. 123-130.); Mano (2010MANO, S. (2010). Contrepoint. Identités féminines/identités professionnelles : la désignation des métiers de femmes dans la Rome ancienne. In: HANNE, G.; DE LARIVIÈRE, C. J. (eds.). Noms de métiers et catégories professionnelles. Acteurs, pratiques, discours (XVe siècle à nos jours). Toulouse, Presses universitaires du Midi, p. 21-40); Pérez Gonzáles (2017PÉREZ GONZÁLES, J. (2017). Purpurarii et vestiarri: el comercio de púrpuras y vestidos en Roma. Studia Antiqua et Archaelogica 22, n. 2, p. 149-194.); Raepsaet (2008RAEPSAET, M.-T. (2008). Un aspect de la visibilité des femmes romaines: les métiers féminins d’après l’épigraphie latine. In: PAVON, P. Conditio feminae. Imágenes de la realidad femenina en el mundo romano . Roma, Edizioni Quasar , p. 231-265.); Vallinga-Groen (2013VALLINGA-GROEN, M. (2013). Desesperate housewives? The Adaptive Family Economy and Female Participation in the Roman Urban Labour Market. In: HEMELRIJK, E. e WOOLF, G. Women and the Roman City in the Latin West. Leiden, Brill. (Mnemosyne, suppl. 360), p. 295-312.).
  • 24
    O próprio Salústio elogia uma mulher chamada Orestila e sua filha, que emprestaram dinheiro para salvar um homem da bancarrota durante a conjuração catilinária. Sall., Cat., 35.
  • 25
    Em breve será publicado em um livro organizado por Cláudia Beltrão e Violaine Sebillotte Cuchet, o nosso artigo intitulado “Les femmes et le prêt d’argent: les faeneratrices” no qual abordamos o tema das faeneratrices com mais profundidade.
  • 26
    230 a.C. - 180 a.C. - não sabemos ao certo quando a comédia foi escrita.
  • 27
    A Segunda Guerra Púnica ocorreu entre 218-202 a.C. As peças “Soldado Glorioso” e “O pequeno cartaginês” apresentam o contexto de guerra.
  • 28
    Varrão nasceu em 116 a.C. e morreu em 27 a.C. Chegou até nós suas obras: De Re Rustica(Das coisas do campo), e outra incompleta:De Lingua Latina(Sobre a língua latina).
  • 29
    Públio Valério Máximo (século I a.C. -século I d.C.). A obra Feitos Memoráveis, composta por nove livros, foi publicada no ano de 31 d.C., com o objetivo de enaltecer as virtudes romanas com base na moral senatorial do início do Império.
  • 30
    O pretor da época teve dificuldades para julgar o caso e consultou os cidadãos mais notáveis para, por fim, não dar ganho de causa à Otacília. No entanto, julgou que tal ato foi uma clara manifestação de má fé de ambas as partes, pois, no final, os herdeiros é que teriam que pagar uma dívida que, na realidade, nunca existiu. O processo continuou por conta da relação libidinosa de ambos, não por causa do “empréstimo”; contudo, não temos informações sobre a sentença final.
  • 31
    É necessário destacar que a interdição é relativa somente ao trabalho bancário; o faenerator e as faeneratrix não são, em hipótese alguma, banqueiros.
  • 32
    CIL, IV, 8203. IDIBUS IVLIS INAVRES POS(I)TAS AD FAVSTILLA(M) PRO Ӿ (DENARIIS) II VSVRA(M) DEDVXIT AERIS A(SSEM) EX SVM (MA?) XXX
  • 33
    CIL, IV, 8204. IV NON(AS) IVL(IAS) PAENULAM PALLIOLU(M) [POSITA AD FAU]STILLA (M) PR[O HS] L USUR[IS] [DEDUXIT ?] XII S(EMISSEM) [AERI]S A(SSES) VIII
  • 34
    CIL, IV, 4528. IV IDUS FEB VETTIA Ӿ XX USU(RA) A(SSES) XII NON FEBR A FAUSTILLA Ӿ XV USU(RA) A(SSES) VIII
  • 35
    ius trium vel quattuor liberorum: De modo geral era o direito concedido às mulheres livres romanas que tinham dado à luz 3 filhos, e às libertas que tinham dado à luz 4 filhos. Essas mulheres eram liberadas da tutela masculina (tutela mulierum) e gozavam também do direito de herança dos seus filhos. Ver: Frank (1975FRANK, R. (1975). Augustus's Legislation on Marriage and Children. California Studies in Classical Antiquity 8,‎ p. 41-52.). Somente Justiniano, em 534, que aboliu o ius trium liberorum.
  • 36
    Como é o caso, por exemplo, da esposa de Cícero, Terência, que não só administrou seus bens livremente como até casou a sua filha com Dolabella, inimigo político de Cícero. Ver a discussão de Alcantud (2014ALCANTUD, C. F. (2014). La mujer romana y el ejercicio del poder a través del control de las finanzas: el caso de Terencia, esposa de Cicerón. Potestas 07, p. 5-25.).
  • 37
    Muito embora a História das Mulheres, Estudos de Gênero e História Mista sejam perspectivas diferentes que se desenvolveram em contextos específicos, elas não se sobrepõem umas às outras, mas colaboram entre si para que possamos apresentar as múltiplas faces do mesmo objeto. Ver os estudos de Thébaud (2007THÉBAUD, Fr. (2007). Écrire l’histoire des femmes. ENS-Fontenay.).
  • 38
    Permito-me, agora, escrever em primeira pessoa para expressar meus profundos agradecimentos às / aos colegas e amigas e amigos que, em diferentes momentos do meu percurso profissional, discutiram pontos essenciais desse tema comigo: Adeline Grand-Clément, Agatha Bacelar, Anderson Martins Esteves, Claudia Beltrão, Fábio Lessa, Fábio Faversani, Federico Santangelo, Graça Moraes Augusto, Jean Andreau, Jean-Michel Carrié, Lorena Pires, Margarida Maria de Carvalho, Maria Clara Kalil, Marta Mega, Norberto Guarinello, Patrícia Horvat, Sarah Azevedo, Sophie Lalanne e Violaine Sebillote Cuchet. Meu especial e carinhoso agradecimento aos meus alunos e alunas de mestrado e doutorado que contribuíram com críticas essenciais e que me inspiraram a estudar Gênero e História das Mulheres: Amanda Prima Borges, Amanda Lemos, Fabiana Martins Nascimento, Ian Bonze, Gabriel Paredes, Luísa Amado, Vanessa Mendonça e Victor Lisboa. Por último, e não menos importante, agradeço com muito respeito e admiração a Jean-Michel Carrié e Gustavo Gomes Kalil que fizeram uma leitura atenta desse texto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2022
  • Aceito
    14 Out 2022
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