Acessibilidade / Reportar erro

Contundência e delicadeza na obra de Mira Schendel

Contundência e delicadeza na obra de Mira Schendel

Geraldo Souza Dias

Artista plástico e professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

Este ensaio resume as hipóteses centrais de minha dissertação de doutoramento "Zwischen Metaphysik und Leiblichkeit : Leben und Werk der Künstlerin Mira Schendel (Zürich 1919 - São Paulo 1988)", apresentada à Hochschule de Künste Berlin em 7.2.2000. Uma versão em francês foi publicada no catálogo da exposição da artista na Galerie Nationale du Jeu de Paume, Paris, em outubro de 2001.

"( ) It begins to be a real symbol of real relations. It is a question of probability rather than possibility, I would say. Unlimited possibility is in a certain sense a-historic, 'meta-temporal'. Or religious, in the worst sense of the word. When possibility is unlimited, art becomes also a means of exorcism. And it uses ciphers to veil the 'finite' that is not absolutely simple but intrinsically plural".1 1 . MIRA SCHENDEL. Carta a Guy Brett. São Paulo, 12.4.1966, arquivo de Guy Brett, Londres. A tradução da carta para o inglês é de Knut Schendel, marido da artista.

Entre os artistas europeus que emigraram para o Brasil, durante e logo após a segunda guerra mundial, que contribuíram para a modernização das linguagens plásticas, o caso de Mira Schendel merece atenção especial. Não é uma obra madura que Schendel, contando trinta anos por ocasião da emigração, traz como bagagem, mas sim um arcabouço intelectual nutrido por inquietações filosófico-religiosas que se desdobrariam em contato com um meio cultural mais propenso ao estímulo da expressão artística, do que ao rigor do pensamento filosófico.

As considerações em epígrafe mostram que Schendel entendeu a arte não enquanto prática autônoma ou auto-referenciada, mas como atividade capaz de reproduzir simbolicamente as relações do mundo real. Por esta razão, ela buscou estabelecer paralelos entre os resultados de seu trabalho e as investigações da nova fenomenologia.

Este ensaio propõe-se a apresentar a obra da artista num quadro teórico organizado a partir de referências deixadas pela artista em registros fragmentares - cartas, diários, declarações à imprensa. A observação de sua inserção simbólica no plano da vivência pessoal e de seu significado social, ao longo de um percurso dinâmico, permitirá ainda traçar associações elucidativas entre arte, psicologia e filosofia.

Não existindo qualquer registro de sua produção européia, seríamos levados a acreditar que ela teria interrompido na Itália uma formação universitária em filosofia e iniciado sua carreira artística somente no Brasil, autodidaticamente. Contudo, o exame das obras apresentadas em suas primeiras exposições em Porto Alegre revela um conhecimento de materiais e técnicas em conformidade com a pintura italiana dos anos 30 e 40, o que nos leva a crer num aprendizado mais sedimentado, ainda que num atelier livre, como parece ter sido o da Via Fontanesi de Milão, mencionado numa carta da artista.2 2 . MIRA SCHENDEL. Carta a D. Luigi Hudal. São Paulo, sem data (provavelmente de fins de 1951), arquivo Mira Schendel. O texto original diz: "( ) Morlotti, come me, è passato da Via Fontanesi: più mature di me forse gli sarà rimasto qualcosa: sia come sia, non mi consta che altri passati di là si dedichino adesso alla malamente chiamata 'arte pura'." Schendel refere-se a Ennio Morlotti, que também freqüentara o atelier à Via Fontanesi e participara da 1ª Bienal de São Paulo, em 1951.

Quanto à formação filosófica, esta sim exibe um caráter autodidata, reconhecível na desenvoltura pouco acadêmica com que a artista aborda e manipula determinados temas e conceitos, e no seu desejo em transformá-los em instrumentos de orientação para a prática artística.3 3 . Seu registro no Instituto de Filosofia da Università Cattolica del Sacro Cuore de Milão não pode ser localizado, uma vez que os arquivos da instituição foram destruídos na segunda guerra mundial.

Ecléticos, às vezes contraditórios, os escritos de Schendel revelam uma personalidade consciente dos problemas de seu tempo e constituem uma ferramenta fundamental na diferenciação de sua obra. No centro de suas preocupações está a cisão da natureza humana em corpo e alma, matéria e espírito, formulada pela primeira vez por Demócrito e predominante na filosofia ocidental desde Platão. Em suas leituras, a artista deu preferência a autores que assumem uma posição anti-cartesiana e esforçam-se na superação fenomenológica senão ontológica desse dualismo. Ela apropriou-se das visões de mundo desses intelectuais, enquanto estruturas interdisciplinares que lhe pudessem inspirar formas artísticas balizadas por seus próprios pensamentos e princípios estéticos.

É interessante notar que Schendel nunca se ocuparia da História da Arte. Seus interesses dirigiram-se à psicologia, às teorias evolutivas da ciência, do conhecimento e da comunicação e à teologia, incluídas as teses políticas da teologia latino-americana da libertação. Com isso ela se vincula a uma certa tradição da modernidade clássica, na tentativa de unir ciência e fé através da arte. Lembremos que este lado "espiritual" da modernidade, reflexo dos anseios de artistas do início do século XX por uma relação harmoniosa entre o homem e o cosmo, e que se formularam na vinculação da arte a um novo humanismo, seria fortemente reprimido no debate artístico do pós-guerra europeu, qualificado de "irracionalismo" e remetido às experiências recém-vividas dos regimes totalitários. Tais anseios, apesar do predomínio de uma noção positivista de progresso na cultura oficial, puderam encontrar expressão na efervescência e multiplicidade das manifestações artísticas do Brasil nos anos 50.

Longe de querer reduzir sua obra a uma interpretação mecanicista determinada pelas experiências da vida, creio ser possível estabelecer uma relação entre a origem cultural mista e a conseqüente educação religiosa heterodoxa no seio familiar de Schendel, e a singularidade de seu projeto estético, que reuniria elementos de heranças culturais aparentemente inconciliáveis, a saber, do judaísmo boêmio-alemão (checo), cosmopolita e modernizado, mas vinculado à mística da linguagem e à problemática da iconoclastia, e a do catolicismo romano, manifesto plasticamente no sensualismo da cultura visual italiana. A ampliação e a constante reformulação de um conceito de Deus parece ser a questão central que a artista se coloca, além das discussões situadas ao nível da linguagem e da significação que seu projeto pudesse alcançar no panorama artístico contemporâneo, dentro e fora do Brasil. Podemos até arriscar a hipótese de que a arte, para Schendel, somente adquire função significativa em conexão com este projeto, e que ela teria entendido a própria obra como seu minucioso detalhamento.

Saliente-se que o divino para a artista não é tema restrito à sinagoga ou à missa dos domingos, mas a possibilidade de compreender e interpretar as relações humanas além dos limites da religião institucionalizada. Seu relacionamento com a fé, polar e ambivalente, de forma alguma dogmático, comparece na obra não em figurações idealistas ou simbolistas, mas através de formas geométricas emancipadas, palavras e signos gráficos.

O desenvolvimento da arte de Mira Schendel no Brasil testemunha a abertura plena de curiosidade e esperança experimentada por uma imigrante, dotada de inteligência e capacidade de síntese fora do comum, em relação a um novo ambiente. Sua obra pode ser vista não apenas como transformadora, mas principalmente como sublimadora de ideários artísticos e filosóficos europeus no contexto brasileiro.

O relativo isolamento em que viveu não a impediu de criar em torno de si um círculo de relações onde encontramos poetas, cientistas, filósofos, críticos de arte, artistas e arquitetos atuantes na vida cultural do país. Além disso, esperando um nível de compreensão que partilhasse das referências vinculadas a uma tradição que ainda cultivava, ela permaneceria em diálogo constante com interlocutores europeus, notadamente do espaço geográfico de língua alemã.

Numa trajetória iniciada em Porto Alegre em 1950 e encerrada com sua morte em São Paulo em 1988, a artista partiu da pintura figurativa, avançou com desembaraço para as linguagens abstratas, explorou processos de impressão como a monotipia, excursionou pela produção de objetos e instalações, para retornar à pintura, rompendo, nos últimos trabalhos, com os limites desta linguagem.

A obra de Schendel processou-se em concomitância à formação de uma vanguarda artística local, extrapolando porém suas premissas e expectativas. Sua arte, marcada por intensa experimentação e desenvolvida em ciclos que se cruzavam ou seguiam paralelamente, e nos quais ela trabalhava à exaustão questões delimitadas de antemão ou surgidas no processo de trabalho, não se definiria num estilo facilmente identificável. Uma inquietação interior impelia-a a transformá-la toda vez que atingia um patamar de resultados plásticos que pudessem conduzir à consolidação de um receituário formal.

Podemos subdivir sua obra em dois grandes grupos, cujas questões principais são respectivamente a opacidade e a transparência, e que a artista desenvolveu de modo a emprestar corporeidade à bidimensionalidade da superfície, ou a desconstruí-la. De um lado situaríamos os primeiros e os últimos trabalhos - pinturas elaboradas de acordo com um princípio ordenador geométrico, contido e silencioso.

De outro, no meu parecer a contribuição original de Schendel à História da arte do século XX, estão trabalhos experimentais e efêmeros que expressam um cinetismo aberto, resultante de suas investigações sobre a linguagem, a partir da relação entre a imagem e a palavra.

Dois substantivos parecem dar conta da caracterização dessa trajetória e ao mesmo tempo explicitar sua dialética interna: contundência e delicadeza. Opostos, à primeira vista, mas intimamente relacionados na obra, eles ecoam as palavras da própria artista, ao salientar a produtividade em operar com significações simétricas: "Na arte existem contradições, mas não incompatibilidades".4 4 . MIRA SCHENDEL. apud NORMA COURI. "Sobre como não falar de arte". In Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 22.7.1975.

Uma certa fragilidade parece percorrer a obra toda. A delicadeza de seus trabalhos, excetuando-se talvez a última série, remete-nos à especifidade feminina no trato das questões da arte. Em seu percurso há alusões às atividades tradicionalmente ligadas ao mundo da mulher, como na série bordados do início dos anos 60, que interpreta meios artísticos tradicionais - tinta nanquim e papel artesanal - como fios de linha e tecidos de uma ocupação doméstica, ou na atitude de enrolar, trançar e dar nós a folhas de papel de arroz das droguinhas, comentadas a seguir, semelhante à de dar pontos e laços em rendas.

Com base em notas de seu diário, constatamos que a feminilidade para Schendel seria a manifestação de uma ordem cósmica, a atribuir papéis determinados e distintos ao homem e à mulher. Longe de ser a aceitação resignada de uma discriminação injusta, ela concebe a diferenciação sexual como uma hierarquia horizontal e não vertical. Mesmo levando-se em conta aspectos não tradicionais de sua obra, seria difícil inseri-la numa recepção feminista desenvolvida como crítica revanchista, que tenta alterar o estatuto da mulher num mundo administrado por homens, refazendo o tema da modernidade a partir de códigos femininos.

As primeiras pinturas figurativas de Mira Schendel - retratos, cenas de paisagem urbana e principalmente pequenas naturezas mortas que apresentam frontalmente garrafas, tigelas, xícaras, pesos de aferição e outros objetos envoltos numa atmosfera de silêncio hierático a acentuar seu despojamento - ocorreram num momento em que o Brasil experimentava um forte impulso econômico e social que encontrava expressão cultural na renovação das artes visuais, favorecida pela fundação da Bienal Internacional de São Paulo, em 1951.

O prestígio alcançado pela abstração geométrica, premiada nas primeiras edições da Bienal, poderia explicar a passagem de muitos artistas, Schendel entre eles, para esta corrente. Contudo, seu ideário artístico, assim como seus trabalhos abstratos, não se ajustam às ideologias desenvolvimentistas da época. Em meados da década de 1950, essas pinturas não mais apresentam objetos, antes já fortemente simplificados, mas apenas formas geométricas, traçadas à mão livre, e dispostas num espaço amplo ou subdividido.

Podemos perceber dois momentos nessa transformação. No primeiro, a relação entre a linha e o plano é o motivo principal. A cor é aplicada homogeneamente em campos geométricos, definidos pelo cruzamento de ortogonais. Tonalidades de cinza e castanho, equilibradas por largas linhas negras seccionantes, indicam, a exemplo de Mondrian, uma representação espacial que parece deixar à mostra uma pequena parte de um todo maior.

No segundo momento não há mais linhas demarcatórias, somente áreas de cor a criarem tipologias mínimas. Ele documenta a tábula rasa programática do método de Schendel em suas pesquisas sobre gesto e matéria, onde o topos da pintura é o tratamento cuidadoso da superfície em áreas que não apresentam limites tangíveis. Não havendo mais referências identificáveis, o espaço parece abrir-se à representação do divino.

A designação matéricos atribuída pela crítica a esses trabalhos reforça a afinidade já sugerida entre Schendel e a pintura moderna italiana. Alberto Magnelli, Lucio Fontana, Giuseppe Capogrossi, Renato Birolli e Alberto Burri expuseram nas Bienais de São Paulo nos anos 50 e 60. Aspectos básicos da pintura de Schendel aproximam-na dos trabalhos desses artistas. Eles se diferenciariam, contudo, em sua evolução: enquanto os italianos tenderam ao lirismo, Schendel seria indiretamente influenciada pelo concretismo brasileiro, uma arte por excelência anti-decorativa, afastada de qualquer concessão ao gosto. Sua aspiração a uma pintura num plano além do retiniano incluiria tanto o lidar com materiais, como com pensamentos, entendidos como fenômenos manifestos. Limitando-se aos elementos constitutivos de forma e cor, ela parece querer demonstrar a existência do mundo em estado puro, a partir da leveza presente no cerne da matéria.

Em seu processo, a colagem à superfície do suporte pictórico de elementos "extra-artísticos", tais como toquinhos de madeira e recortes de papel, papelão ou tecido, vai ganhar importância crescente. À primeira vista, tal prática poderia indicar um desdobramento das tendências em voga, com a retomada do cubismo. Um olhar mais acurado, no entanto, perceberá que para Schendel o recurso à colagem foi necessário para o isolamento da matéria, numa operação contrária àquela levada a cabo por Braque, Picasso e Gris, motivando-a à busca de novos materiais. Além do papel ou tecido, seriam adicionados serragem, areia, cacos de vidro, etc. ao óleo ou à têmpera, e a artista também experimentaria com tintas e resinas industriais, para encorpar as camadas de pintura e, com isso, enfatizar a materialidade da superfície de seus quadros.

A exemplo de Fontana, se bem que num sentido inverso, Schendel recortou orifícios e fendas na tela ou na folha de papel, abrindo literalmente o plano pictórico. Estes recortes são elementos plásticos negativos, correspondentes a uma concavidade virtual provocada pela falha na superfície. Eles possibilitam uma reflexão sobre um gesto radical, que não traz uma quarta dimensão idealizada, mas a prova de que tal conquista seria mera ilusão. As fendas apresentam o abismo de um vazio histórico e relativizam qualquer possibilidade de proteção - espaço interno - diante do infinito - espaço externo.

Nas últimas pinturas desse período, as formas geométricas - quadriláteros, círculos e triângulos - tornam-se progressivamente irregulares e assimétricas em relação às bordas da tela. Círculos transformam-se em ovais, substituídos a seguir por linhas retas, que possuem direção e sentido.

Para Jean Gebser, que nos anos 60 viria a ser o autor preferido de Schendel, círculos fechados ou semi-abertos indicam uma temporalidade cíclica, não um tempo de duração, mas repetitivo como as horas do relógio, enquanto a linha reta coloca em cena o tempo histórico.5 5 . JEAN GEBSER. Ursprung und Gegenwart, 1. Band: Die Fundamente der aperspektivischen Welt, 2. Aufl. München, dtv, 1986, p. 112-113. Recordemo-nos de que em 1964, ano de implantação da ditadura militar no Brasil, muitos intelectuais tiveram que se defrontar inevitavelmente com a história, ainda que, para Schendel, aspectos psíquicos do tempo continuassem a ter mais relevância que os histórico-sociais.

Paralelamente à pesquisa com a abstração geométrica e com a linguagem, o desenho a pincel de pequenas naturezas-mortas é uma prática esporádica que acompanharia Schendel em todo seu percurso. Neste gênero, que anula a demarcação entre o próximo e o incomensuravelmente distante, ela teria encontrado o contato entre o real e o abstrato, independentemente de contexto histórico ou geográfico. Para ela, consciente da artificialidade de toda representação, realismo, cubismo e abstração não eram práticas excludentes.

Essas naturezas-mortas alla prima, inconvencionalmente redutivas, ter-lhe-iam servido, como as de Giorgio Morandi, à meditação sobre o visível. Elas capturam em pinceladas rápidas a mágica do momento, sem perder o encanto de impressões fugidias. Toda e qualquer ilusão de profundidade foi submetida a uma homogeneização que desloca o foco de atenção do objeto para a forma que o representa. Os traços a pincel não são meros contornos a definir algo, nem uma ordenação de massas sobre um fundo, mas alusões a espaços intermediários entre as coisas.

No momento em que a euforia progressista dos anos 50 foi substituída por uma atmosfera política tensa e pela reorganização econômica e social do país sob regime militar, a pintura de Schendel experimentou um processo de desmaterialização. Ela passaria à elaboração de superfícies monocromáticas mais finas, muitas vezes deixando à mostra a urdidura do tecido ou, num caso mais radical, a própria cruz de madeira do chassi, no canto da qual ela cola um pequeno retângulo, deixando intacto o resto da estrutura. Nesses trabalhos, predomina um vazio sem forma, no qual faíscam intervenções sutis - uma fissura, um traço isolado ou uma linha solitária. Esses "acidentes" transformam o espaço no portador de uma informalidade caótica, impedindo-nos de abarcá-lo como negatividade. As inquietações filosófico-teológicas da artista conduzemnos inevitavelmente ao entendimento deste aparente vazio enquanto uma amplitude [Weit] cósmica, em oposição ao nada [néant] existencialista.

Ao atingir um alto grau de coerência entre forma e conteúdo, resultante do domínio técnico dos meios e da linguagem, a pintura de Schendel parece exaurir suas preocupações com a representação da matéria. Suas investigações sobre a transparência, aqui entendida tanto física como filosoficamente, vão gerar trabalhos de maior originalidade que a conduzirão à virtualização do suporte. Percebe-se de imediato não se tratar mais de pintura tradicional, mas da produção de objetos com diversos desdobramentos, nos quais o papel transparente funciona como elemento inovador, proporcionando à artista um programa próprio e um novo conceito de arte.

Os principais fatores de impulso no rumo tomado pelos trabalhos de Schendel, no qual a fisicalidade da obra torna-se irrelevante, são a meu ver a introdução da escrita nos trabalhos - que recupera uma antiga ocupação com a poesia, ensaiada em seus anos de juventude -, a substituição da tela pelo papel de arroz e seus contatos com Jean Gebser. O encontro com o filósofo suíço, a correspondência mantida entre eles e a leitura de sua obra principal "Ursprung und Gegenwart" [Origem e Presença] forneceriam o equipamento teórico às suas especulações plásticas com a transparência.

Vários pintores modernos introduziram palavras em suas obras, na maior parte das vezes enquanto elementos formais complementares. Alguns, entretanto, aperceberam-se da impossibilidade de separar-se o puramente visual do contexto verbal e, a partir da relação da escrita com a imagem, procuraram definir novas formas para este vínculo arcaico entre o homem e o mundo.

Os gregos legaram-nos uma visão de mundo [Weltbild] baseada na verdade objetiva do ser que ocupa um lugar determinado no espaço. Os hebreus, por outro lado, imaginaram um espírito do tempo [Zeitgeist] no qual se desenvolvem as leis da vida, da história e da moral. O tempo cristão, a bem dizer derivado da concepção temporal judaica, finalizaria este processo. Ele deixa de ser circular, o que poderia admitir, por exemplo, a reencarnação, para tornar-se um transcurso linear único e inexorável: a trajetória de uma flecha, lançada pelo arco de Deus. E - uma única vez! - o verbo torna-se carne à "sua" imagem e semelhança.

Mira Schendel introduz a relação palavra/imagem em seu fazer artístico, incorporando sensibilidades diversas de apreensão da realidade, onde detectamos a vibrar os conceitos de Weltbild e Zeitgeist, ou seja o paradigma espacial grego, que assinala uma sensibilidade de ordem visual expressa em imagens, e o temporal judaico-cristão com sua ordem narrativa expressa pela palavra.

Seu método de trabalho sofreria uma alteração considerável, levandoa à substituição da linha desenhada pela escrita. Marcações lineares dispersas cristalizar-se-iam em escrita, como segmentos irregulares ou impulsos de um duto caligráfico, a sugerir ritmos e organização, que se deixam registrar em delicados tons sobre superfícies pálidas: gestos, sinais alfabéticos, palavras - palavras isoladas, fragmentos de frases, passagens completas de textos.

O translúcido papel de arroz, um suporte muito mais indefinido que a densidade dos materiais de pintura, tornar-se-ia campo ideal a reter os estilhaços do cotidiano e dar-lhes significado. Ela também passaria a empregar a monotipia na elaboração dos desenhos, um procedimento necessário na manipulação de material tão frágil como esse papel, que de outro modo não resistiria a um gesto mais enérgico. Nessa técnica, a tinta para a impressão - óleo, no caso - espalhada uniformemente numa superfície metálica ou de vidro é transportada à face do papel de arroz diretamente em contato com ela, atravessa sua fina espessura para ressurgir na outra face, em reação à leve pressão exercida pelo movimento de um lápis (não muito apontado, para não rasgá-lo), da tampa arredondada de uma caneta esferográfica ou mesmo da própria unha da artista. Essas marcações gráficas podem ser observadas tanto numa face como na outra.

Seca a primeira impressão, Schendel muitas vezes virava a folha sobre a placa, de modo a por também o outro lado em contato com a placa entintada e repetia o processo, introduzindo os mesmos ou outros registros. Riscos, pontos, frases configuram versos gráficos em ambas as faces, óbvios e impenetráveis como palimpsestos, colocando em xeque o direcionamento de nossas reservas tanto na percepção visual como na leitura verbal. Eles cristalizam os esforços de Schendel em fazer de seu processo de criação aquilo que Gebser denomina "transparentização".

O aparecimento da escrita, em especial daquela direcionada da esquerda para a direita, como na frase [gnothi sëauton = conhece-te a ti mesmo] sobre o pórtico do templo de Apolo em Delfos, representa para Gebser um momento importante na evolução da humanidade. Somente então seria possível falar-se em História, com o surgimento de um princípio masculino determinado pelo gesto de endireitar, legislar, direcionar. O mesmo princípio legislador no cristianismo encerraria a própria História com o juízo final.

Cumpre frisar que não se trata aqui de uma influência direta ou da aplicação simplista de conceitos filosóficos à prática artística, o que desrespeitaria as prerrogativas de seu discurso. A própria Schendel afirma que seus primeiros trabalhos da fase transparente são anteriores ao seu conhecimento da obra de Gebser. O emprego de materiais transparentes, como o papel de arroz e as chapas de acrílico, indicam contudo convergências surpreendentes com as investigações desse filósofo. Schendel comenta a coincidência, que ela prefere considerar uma relação de confirmação e paralelismo:

"( ) como sempre, a experiência comprova que tais pensamentos de certo modo 'estão no ar', ou seja, pensamentos bons e corretos não são exatamente pensados por nós, mas usam-nos, procuram-nos, chamam-nos até eles".6 6 . MIRA SCHENDEL. Carta a Jean Gebser. São Paulo, 29.5.1969, Schweizerisches Literaturarchiv, Bern. A citação provém do prefácio escrito por Gebser para o livro de Gustav- Richard Heyer, "Vom Kraftfeld der Seele.", Stuttgart, Klett, 1949. O texto original diz: "( ) wie immer die Erfahrung gilt, dass solche Gedanken gewissermassen 'in der Luft liegen', dass also Gedanken, wenn sie gute und richtige Gedanken sind, nicht so sehr von uns gedacht werden, sondern das sie uns besuchen, uns suchen und aufrufen."

Transparência, para Gebser, relaciona-se com a possibilidade de enxergarmos as distintas estruturas de consciência - arcaica, mágica, mítica, mental e integral - que, combinadas umas às outras, orientam nossa apreensão da realidade e correspondem às fases evolutivas da História. A falta de uma consciência espacial - para ele o fator decisivo e diferenciador de cada estrutura é a presença ou ausência da perspectiva, enquanto sistema visual de representação - implicaria na inexistência da consciência do "eu". A partir desta individualização, expressa claramente na sensibilidade corpórea do classicismo grego, o homem toma consciência não somente de seu corpo, mas deste como suporte de algo que o permite colocar-se defronte ao espaço, representá-lo, apropriar-se dele.

Se a preocupação primordial da renascença foi a concretização do espaço, a da nossa época é a do tempo. A intromissão do tempo no pensamento espacial perspectivo revela sua incomensurabilidade e a impossibilidade de sua apreensão pelo racionalismo.

A superação do período mental, de fortes colorações anti-religiosas, é para Gebser o despertar da estrutura de consciência integral, caracterizada pelo crescimento de uma religiosidade de natureza cristã, porém sem sentimentalismo, que permitiria na era aperspectívica7 7 . JEAN GEBSER. Op. Cit., nota nº 3, p. 25. De acordo com Gebser, as Urworten (palavras primordiais) têm um significado polar que inclui o contrário de seu sentido habitual. Como o prefixo "a", tem um caráter privativo liberador (privare = libertar), aperspectívico significaria a libertação da validade exclusiva tanto de uma vinculação perspectívica, como da não-perspectívica, ou até mesmo pré-perspectívica. a formação de uma contracorrente ao nihilismo ateu de nossos dias. De todas as formas de pensar, apenas o racionalismo é anti-religioso; o arracional, por sua transparência, fortaleceria a religião. Transparência seria então um enriquecimento dos modos de apreensão da realidade, com a visualização estrutural das possibilidades de consciência para além dos tempos e culturas. A consciência integral ou aperspectívica possibilitaria a apreensão de uma totalidade que reúne em si o tempo todo e a humanidade inteira, enquanto presenças vivas, tornando transparente aquilo que estava oculto no mundo, ou seja, nossas origens, nosso passado profundo que, de acordo com Gebser, também contém o futuro.8 8 . Idem, p. 32. Ela não propõe o retorno ao estado atemporal da estrutura arcaica, ou a vinculação ao tempo da estrutura mítica, mas sim a libertação do tempo.

Resultado de um questionamento sobre as dimensões da linguagem, a diafaneidade entra na obra de Schendel para flexionar relações rígidas e para conceder ao vazio do "mundo limitado" o significado de "mundo aberto". A consideração do tempo desfaz a compartimentalização do espaço permitindo-lhe fluir, possibilitando à artista um desdobramento através de objetos e instalações espaciais. O espaço abstrato tornava-se um contínuo "espaço-tempo" concreto, onde seria possível representar o não-representável.

Num período relativamente curto, entre 1964 e 1967, a artista trabalha compulsivamente, produzindo cerca de 2000 monotipias, dois terços do total de suas obras. Sobre folhas de papel de arroz, cortadas em tiras no formato de dois quadrados superpostos - aproximadamente 46 X 23 cm - concretizam-se seqüências de pensamentos em traços e escritas que, por meio da monotipia, entram especularmente no desenho, reflexo da consciência artística geradora.

Através da ritmização gráfico-musical, Schendel buscou expressar a ação biunívoca entre tempo e espaço, inspirarando-se na música eletro-acústica de Karl-Heinz Stockhausen. O Gesang der Jünglinge [Cântico dos Jovens] é uma composição que une o canto de um coro de vozes juvenis a sons produzidos eletronicamente. Em determinados trechos, as vozes emitem palavras compreensíveis, em outros, apenas valores sonoros puros; entre esses extremos, há diversos graus de compreensibilidade auditiva. Toda vez que sinais musicais articulam-se numa linguagem verbal inteligível, Deus é louvado.

A interpretação visual de Schendel, mantém na essência a estrutura musical da composição: textos surgem, integrados a outros componentes gráficos, palavras ganham expressividade sensorial. A frase "Preist den Herrn" [Louvai o Senhor] ou as palavras "kalter" [frio], "starrer" [rígido] e "Winter" [inverno], pousam no papel - há também uma versão em óleo sobre tela com o mesmo tema - como registros dos trechos compreensíveis do canto. Assumindo como seu próprio pressuposto a espiritualidade de Stockhausen na natureza transcendente da cantata, ela faz da oração "Preist den Herrn" um motu contínuo, um mantra transportado às folhas de papel de arroz, via impressão monográfica.

Com trabalhos deste tipo, Schendel tocava uma região nova da arte, onde se gera uma caligrafia imagística, na qual coincidem duas verdades - a da imagem e a da palavra - ao identificar o conteúdo expressivo da caligrafia à veracidade da mensagem. A caligrafia pessoal e a imagem surgida do fluxo do pensamento estabelecem uma relação de tempo e espaço fundamentada na palavra, a expressão mais significativa da ordem fonética.

Os desenhos/monotipias de Schendel combinam poesia com espacialidade, apresentando similaridades com a caligrafia oriental e com a pintura abstrata gestual. Mas é a palavra, com seu significado inerente, que se revelaria como um meio poderoso para o "congelamento" do fluxo do tempo no contexto espacial. E ela se ocupou com a escrita não apenas como meio elevado de expressão, mas também como notação ligeira daquilo que poderia passar desapercebido enquanto resíduo cotidiano, e que sua ação transformava em poesia.

Muitos desses trabalhos não exibem palavra alguma: a escrita automática, o som de sílabas ou vogais - principalmente a letra "a" - foram o pretexto para o movimento da mão sobre o papel, que registrou momentos passageiros em miríades de linhas aparentadas com gestos caligráficos. Estruturas visuais soltas ou articuladas como na arquitetura também serviriam a Schendel para unir tempo e espaço numa polaridade complementar.

Esses trabalhos, que expressam um dinamismo visual próximo ao do barroco, e na modernidade, também do futurismo, passariam a realizar-se num repertório cada vez mais econômico. Diversão e raciocínio, forma e formalismo, ironia e atrevimento alternam-se nessas folhas transparentes que transformam mensagens em imagens e vice-versa.

O significado original dos sinais caligráficos - letras ou números - altera-se com a introdução da letra autocolante (Letraset), que proporciona aos desenhos um caráter mais plástico, por representar a injunção de um elemento concreto num sistema de relações abstratas. O mínimo sinal seria suficiente para alterar a luminosidade fluida do papel e transformá-lo num espaço saturado, que consegue apresentar o peso das coisas sem recorrer à ilusão. Os valores de hífens, parênteses, vírgulas ou outras interpontuações unem-se para transformar sinais quase desprezíveis em seres híbridos que, nos interstícios do papel, assumem significados imprevistos.

As experimentações de Schendel levaram-na a aprimorar o suporte que permite ao espectador a contemplação dos dois lados de suas monotipias, o que deu origem aos objetos gráficos, denominação por ela dada às monotipias com seus invólucros em acrílico. O emprego de placas de acrílico assinala um vértice na sua trajetória, ao permitir que fluxos expansivos e rítmicos de pensamentos metalingüísticos, já realizados na bidimensionalidade, desenvolvessemse também no espaço. Planos de acrílico - 50 X 100 ou 100 X 100 cm - são parafusados aos pares nas bordas, comprimindo várias folhas de papel de arroz, algumas sobrepostas, impressas por monotipia, com a caligrafia da artista ou com letras e números autocolantes.

Embora a liberação da parede transformasse as placas em objetos, nos quais elementos visuais se sobrepõem e que, pendentes do teto, oscilam à menor corrente de ar, não se pode falar aqui em tridimensionalidade como na escultura, já que a terceira dimensão é mínima - a espessura de cada placa varia entre 0,5 a 1 cm; a dos objetos gráficos, de 2 cm. Mais correto seria falarse em instalações - conquanto o termo à época não fosse corrente - pois essas placas ampliam o campo visual muito além das superfícies oferecidas à contemplação. Elas não fornecem nenhum foco, anteparo ou repouso ao olhar e por isso descondicionam-no, desconstruindo a habitual hierarquia perceptiva: sinais alfabéticos parecem pairar livremente no espaço - em alguns deles dispensou-se o papel de arroz e as letras ou números autocolantes, foram prensados diretamente entre as placas.

Vilém Flusser, que viveu no Brasil entre 1938 e 1972, e foi um dos mais importantes interlocutores de Schendel, considerou-a uma artista extraordinária, por mobililizar em seus trabalhos um novo tipo de força imaginativa que possibilitaria a visualização de pensamentos. No seu entender, as tendências mais importantes da arte contemporânea tratariam justamente de questões relacionadas com "transparência" e "significado", e por isso ele vê os objetos gráficos como indicadores de uma revolução na existência humana, de uma inversão significativa: o pensamento conceitual, discursivo e linear, até então concebido pela lógica em seqüências lineares, cederia lugar à imaginação de conceitos, onde as coisas seriam abrangidas não mais por linhas, mas por superfícies.

Para Flusser, se as coisas se tornassem transparentes, ou seja, se elas permitissem a penetração de nosso olhar através de suas superfícies, este descobriria abismos por detrás delas, que nos revelariam um vazio sem objetos: "Não pode haver sujeito, onde não há objeto"9 9 . VILÉM FLUSSER. Bodenlos - Eine philosophische Autobiographie. Mannheim, Bollman, 1992, p. 199. O texto original diz: "Es kann kein Subjekt geben, wo es kein Objekt gibt." , ele conclui. O ser humano, ao situar-se em meio a estruturas transparentes, não veria o vazio além delas, mas uma seqüência infinita de estruturas transparentes adicionais que, em última instância, produziriam a desobjetivação do mundo e a anulação do sujeito.

O ambiente Ondas paradas de probabilidade - Velho Testamento, 1º Livro dos Reis §19 apresentado em 1969 na 10a. Bienal de São Paulo, e remontado na sala especial dedicada a Mira Schendel na 22a. Bienal, em 1994, também foi fruto de suas pesquisas sobre a transparência. Inúmeros fios de nylon pendentes do teto ao chão determinam um espaço no qual o observador poderia penetrar, uma ação encenada num contexto espacial que tenta transformar a sala de exposições num momento solene de introspecção. O trecho bíblico, gravado numa placa de acrílico também pendente do teto, remete-nos ao momento em que o profeta Elias, tendo comido do pão e bebido da água que lhe trouxera um anjo do Senhor e após vagar quarenta dias e noites pelo deserto, adentra a caverna do monte Horeb na esperança de poder ver ou mesmo sentir a presença de Deus. Ele não o vê ou sente em fortes ventos, incêndios e terremotos, mas sim no silêncio que a eles se segue.

Segundo anotações em seu diário, Schendel almejara apresentar "a visibilidade do invisível". A irradiação silenciosa dos fios de nylon agiria sobre o observador, sugerindo-lhe o caráter imaterial da luz bíblica e o seu gesto poético metamorfosearia o silêncio em espaço-pensamento visível e divino:

"A 'visibilidade' do invisível. O 'silêncio visual'. Esta experiência tende ao arracional, além do irracional e do racional. ( ) Com o trabalho da Bienal (O 'sussurrar do invisível') talvez inicie uma fase de maior silêncio. E também nos desenhos. Escutar (também o silêncio). Para isto, para a libertação. () Sei (hoje) que não chega esta vida. Embora a vida 'comece' com o 'saber' da libertação. Sei que é um caminho de libertação. Cheguei à evidência. Que vivemos a tirar cascas. E que nosso sofrimento é fruto da ignorância. Que em espaço e tempo não é alienável. Pois em espaço e tempo, não somos livres. Pois o 'eu' (embora sua soberania indispensável nesta vida) é limitação. Todo nosso esforço de perfeição em espaço e tempo é ilusão. Não aceitação do relativo. Esta é uma ponte. Temos que atravessá-la. Hindurch. Não fugir dela, não morar nela. No relativo, esta é nossa liberdade. Dizer sim e não. Amar e não atar-se, ter prazer (se possível). Sem 'perder' aqui nosso 'coração'. Ser lealmente DESTE mundo. E não ser deste mundo. Com amor e alegria e também o inevitável sofrimento com devoção e sem ilusões. Es stimmt ZUTIEFST."10 10 . MIRA SCHENDEL. Diário A-2, 27.09.1969, São Paulo, arquivo Mira Schendel. Na transcrição da citação foi mantida a ortografia original, onde podemos notar a inserção de palavras e expressões alemãs. A identificação dos diários da artista obedece ao modelo proposto em minha tese de doutorado apresentada à Fakultät Bildende Kunst - Hochschule der Künste Berlin em 7.2.2000. GERALDO DE SOUZA DIAS, Mira Schendel: Kunst zwischen Metaphysik und Leiblichkeit. Glienicke (Berlin) / Cambridge, Galda + Wilch Verlag, 2000

Embora Schendel não fosse contrária à ação política, à época na ordem do dia, esse trabalho veiculava uma mensagem de êxtase contemplativo, pacífico portanto, e evidenciava sua religiosidade. Também sua participação na Bienal de São Paulo em 1969 expressava sua recusa em aderir ao boicote proposto por vários artistas e críticos, como forma de crítica às arbitrariedades do governo militar na área da cultura. Diante da opção entre a ação coletiva e a subjetividade, ela assumia plenamente a posição do artista: aquele que projeta seus sonhos na realidade para transformá-la, e que acredita, por este meio, criar novas realidades, no verdadeiro sentido da vanguarda.

Com o mesmo papel de arroz das monotipias, Schendel elaborou as droguinhas, de difícil classificação. As folhas, inicialmente enroladas e retorcidas para formar "fios", são trançadas numa espécie de crochet em três dimensões, e a seguir unidas por pequenas laçadas a intervalos irregulares para formar uma teia informal que poderia ser colocada ao chão, pendurada ao teto ou estender-se indefinidamente em qualquer direção. Como parecem não ter começo nem fim, elas prestam-se a dar uma forma tridimensional ao contínuo espaço-temporal.

É possível que este trabalho se tenha originado como uma brincadeira, num momento de impasse ou mesmo num acesso de raiva diante das folhas em branco do papel - lembremo-nos que a palavra droga, além de seu sentido corriqueiro, é usada como expressão interjectiva face a uma situação desagradável, difícil ou indesejada. Ao colocá-la no diminutivo, Schendel estaria enfatizando seu sentido irônico.

Ao considerá-las um "passo além dos desenhos"11 11 . MIRA SCHENDEL, Nota nº 1. , a artista mostra-se consciente das questões levantadas pelas droguinhas, tais como a efemeridade da arte e seus limites enquanto mercadoria, como comprova sua correspondência com o crítico inglês Guy Brett, um dos primeiros a perceber a sua importância, comparando-as aos throw-away-objects de Man Ray.12 12 . GUY BRETT. Kinetic Art: the Language of Movement. London / New York, Studio Vista, 1968, p. 8-20 e 46-47.

As droguinhas incorporam aspectos lúdicos da arte, possuem estrutura flexível, são macias e rarefeitas e permitem que o ar circule por seu interior. São essencialmente desenhos no espaço, linha transformada em matéria, tridimensionais, porém sem volume ou forma definida. Ao conduzir-nos pela poesia da transitoriedade e do descartável, elas transmitem impressões contundentes da dissolução das coisas no fluxo do tempo. Elas também servem à simbolização ativa das experiências vividas, provocando-nos o desejo de decifrar seu código oscilatório, seus silenciosos murmúrios.

Juntamente com outros trabalhos tridimensionais, as droguinhas indicam a possibilidade de uma expansão espacial caótica ao infinito, presente não apenas nesses momentos críticos mas na totalidade da obra.

No âmbito das pesquisas de Schendel com a linguagem destacam-se ainda os cadernos e os datiloscritos. Os cadernos são folhas de acetato, papel duplex ou vegetal, por ela mesma encadernadas e guarnecidas com capas de papelão ou plástico, segundo um motivo gráfico-visual correspondente a uma seqüência sucinta de pensamentos lógicos ou matemáticos expressa por signos e sinais ou desenhos a nanquim. A artista prosseguia ali suas investigações sobre a transparência, que a justaposição das páginas transformava em composições seriais progressivas de símbolos, letras, números ou formas geométricas. Eles incorporam conceitos deduzidos da noção de obra aberta de Umberto Eco que o fruir destes trabalhos serializados identificava no ato de folhear.

Aos sinais alfabéticos, remanescentes de uma antiga mística da linguagem, que os considerou capazes de representar tudo que existe, juntam-se os da matemática, onde a correspondência com o real dá-se através do símbolo numérico. Recorrendo ocasionalmente à transmutação aleatória de letras em algarismos, os cadernos de Schendel colocam-nos diante do enigma do ser, não se propondo a resolvê-lo, mas apenas evidenciá-lo através de exercícios meditativos.

Um repertório comum entre a artista e o "leitor" e uma iniciação básica, condição de qualquer forma de comunicação, são pressupostos para entendê-los a nível sintático, multidisciplinar e polisensorial. Situados entre o objeto tradicional e o conceitual, os cadernos incorporam o desenrolar de uma idéia, na qual a fisicalidade está sutilmente presente na fixação de mínimos pontos de referência para a transmissão de formulações filosóficas.13 13 . Minhas considerações baseiam-se no artigo de ARACY AMARAL, "Mira Schendel: os cadernos". Puiblicado no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, São Paulo, 7.11.1971.

No último conjunto de trabalhos a tratar da relação escrita/imagem, os datiloscritos, os elementos compositivos - letras, sinais, palavras, sentenças - foram "desenhados" (datilografados) à máquina de escrever. Eles obedecem a uma ordem predefinida, ao padrão compositivo por coordenadas da relação estritamente ortogonal entre o papel e a máquina, e apresentam sobre esta malha modulações visuais geradas pelo denso rebatimento das letras ou pela repetição e sobreposição de palavras.

Referências às teorias artísticas de Max Bense permeiam algumas notas da artista, embora a distinção polar estruturalista entre significante e significado parece incomodá-la. Para Schendel que, a exemplo de Karl Jaspers, entendeu a comunicação mais enquanto uma determinação transcendente do que um saber, situando-a próxima à comunhão espiritual, a forma artística não poderia apenas significar, mas ser. Bense por outro lado, em sua "Aesthetica", fundamentada pela teoria dos signos, investiga os componentes estéticos da obra de arte, classificando-os em icônicos e não icônicos, ou seja, em "signos para algo" e "signos de algo". À obra de arte, ele atribui a segunda categoria, pois esta apresenta aquilo que Kierkegaard chama de "participação existencial", ou seja, ela existe junto com aquele que a contempla.

Ao passar do problema da forma às questões de conteúdo, Bense recorre à teoria da informação. Ele não se preocupa com a formulação de um conceito de beleza, mas sim com a avaliação de "estados estéticos", passíveis de serem aferidos na obra de arte, veiculadora de significados por meio de sons, materiais ou cores.

Uma vez que este esteta classifica projetos arquitetônicos, fotografias, maquetes, reproduções de imagens, etc. em signos icônicos, e sinais ortográficos e algarismos em signos não-icônicos, a contemplação dos trabalhos de Schendel, que pura e simplesmente desconsideram tal classificação, pode tê-lo auxiliado na reelaboração de algumas de suas proposições teóricas.

É a semióloga Elisabeth Walther, assistente de Bense, quem propõe em primeiro lugar a superação de uma ordenação hierárquica segundo a qual todo texto materialmente realizado é visto como uma estrutura uni-dimensional. A partir de textos como o poema "L'Araignée" de Francis Ponge, onde a tipografia antecipa certos traços de seu conteúdo, ela define "texto visual" como aquele que se desenvolve não numa única dimensão, mas bidimensionalmente.14 14 . MAX BENSE, "Programmierung des Schönen, Allgemeine Texttheorie und Textästhetik", In Aesthetica. Band 4, Baden-Baden e Krefeld: Agis, 1960, p. 110. e ELISABETH WALTHER. "Die Textphänomenologie". Ponges. In Grundlagenstudien. Nr. 3, Stuttgart, 1960.

Com relação à superfície de um texto, Walther separa os aspectos materiais dos fenomenológicos. Enquanto textos de poetas concretos apresentam superfícies materiais, superfícies fenomenológicas seriam produzidas quando o arranjo formal de um texto recodifica sua informação semântica. Textos materiais tenderiam a apresentar uma distribuição dos elementos sobre o plano sob pontos de vistas preponderantemente estatísticos, enquanto textos narrativos tenderiam à semantização da superfície. Um cartaz exemplifica uma situação intermediária, pois apresenta não apenas imagens, mas também uma superfície visual de textos. A percepção visual pode interpretar linhas ou colunas desse texto como superfície e, seletivamente, criar significados nesta multiplicidade bidimensional.

No caso dos textos/desenhos de Schendel são palavras, letras, às vezes a mera repetição de uma vogal que geram as superfícies de representação. Eles podem ser apreendidos como cartazes, ou seja, enquanto superfícies visuais, porém, quantitativa e qualitativamente, são muito mais informativos.

Como a artista servia-se de poucos signos, Bense denominou seus trabalhos "reduções gráficas", termo que comparece no texto para a exposição na Studiengalerie de Stuttgart em 1967 e na edição a eles dedicada dos cadernos "rot", publicação organizada por ele e por Walther.

Apesar do rico intercâmbio intelectual, Bense e Schendel discordavam em questões teológicas. Para o ateísta Bense, Deus era um tema anti-visual e anti-reflexivo por excelência. A despeito da existência de um vasto repertório de símbolos e índices à sua disposição, Deus tornara-se para a contemplação estética uma possível improbabilidade, que se reduziria, por princípio, a uma imperceptibilidade.15 15 . MAX BENSE. Atheismus in Ungehorsam der Ideen. Ausgewählte Schriften, Band 1 - Philosophie, Stuttgart-Weimar, J. B. Metzler, p. 386-393. A correspondência entre Schendel e Walther mostra que a explicitação desta diferença, a partir da participação de Bense num debate televisivo sobre o tema, pode ter contribuído para o arrefecimento da relação.

No início da década de 1970, o clima de cerceamento às liberdades individuais provocado pelo endurecimento do regime militar levou muitos artistas e intelectuais a deixarem o país, em busca de melhores condições de vida e possibilidades de desenvolvimento. Para aqueles que ficaram, como foi o caso de Schendel, o recolhimento e o silêncio de um auto-exílio interior seriam os fatores determinantes da sobrevivência e continuidade de trabalho.

A artista iniciaria então uma fase mais intimista, que enfatiza seu isolamento: desenhos e pinturas meditativas seriam concebidos como um método de conhecimento e de auto-realização.

Schendel passaria a buscar referências num curioso pot-pourri teórico que incluiu a literatura jungueana, as formulações da psicanálise de destino [Schicksalsanalyse] de Leopold Szondi e escritos de fundo esotérico.

É provável que a artista, influenciada pelos textos de C. G. Jung sobre o processo de individuação, tenha decidido ir ao encontro de seu Selbst, registrando em desenhos as fases da trajetória, dando origem a uma série de mandalas. As mandalas de Schendel, desenhadas a nanquim e écoline não são produtos do inconsciente, mas da imaginação ativa. Podemos considerá-las objetos artísticos, sem negligenciarmos seus aspectos psicológicos ou contemplativos. Elas nos emocionam, pois ali ecoam esperança e fatalidade, sonho e expectativa, e também por terem sido concebidas esteticamente. A série reúne oposições, baseadas na teoria chinesa do yin e do yang, princípios metafísicos de cuja cooperação originam-se os movimentos do mundo.

Seu forte colorido traz-nos uma dança de movimento contínuo, pela repetição rítmica de elementos: combinações tonais agressivas e composições geométricas apenas aparentemente fechadas e estáticas. Mais que em outros trabalhos, Schendel anuncia aqui possibilidades extremas sob a forma de work in progress, uma autobiografia, que não nos transmite nenhum conjunto de fatos, mas de desejos por realizar, documentos de seu processo de individuação.

O contato de Schendel com certas visões de mundo orientais, mesmo que não muito profundo, contribuiu para que ela não se ativesse ao maniqueísmo judaico-cristão, que oculta as oposições por considerá-las inconciliáveis, mas as mostrasse em sua nitidez.

Esta observação poderia estender-se também às pinturas à têmpera que traduzem plasticamente símbolos ideogramáticos do I-Ching, o livro chinês das mutações.16 16 . De acordo com depoimentos de amigos de Schendel, a consulta ao oráculo chinês sobre questões de ordem pessoal era prática corriqueira da artista. Ela interpretou a correspondência entre hexagramas e situações sem servir-se dos trigramas tradicionais, ou seja, dos traços inteiros ou interrompidos, e que tomados três a três representam as forças básicas da natureza, mas sim de elementos da pintura de campo de cor [color field painting].

Posicionando na vertical o suporte retangular das pinturas, ela o divide horizontalmente em setores, e experimenta diversas possibilidades de equilíbrio. A autonomia de cada área e sua concordância com a oposta, remete-nos a determinadas visões cósmicas, cujos elementos conformam-se uns com os outros e com o todo. A unidade harmônica sugerida pela relação entre as partes refletiria biunivocamente o microcosmo e o macrocosmo, e o emprego das cores ocre e azul nas variações proporcionais das áreas justapostas guardaria uma associação básica com a paisagem: a linha do horizonte.

Essas abstrações de céu e terra mantêm os princípios contraditórios e reciprocamente complementares de atividade e passividade, do masculino e do feminino. O espaço comparece não como um fundo vazio, onde um objeto poderia ocupar a posição a ele designada, mas como uma coisa em si, uma imaterialidade contínua de expansão infinita.

No final da primeira metade dos anos 70, a curiosidade intelectual de Schendel seria estimulada pela nova fenomenologia alemã, centrada nos escritos de Hermann Schmitz, professor da Universidade de Kiel, sob a forma de um pormenorizado sistema filosófico que reintroduz a discussão sobre o corpo e a corporeidade. Nesse interesse espelham-se os anseios da artista por uma visão integral de mundo, um cânon confiável a orientá-la na construção de sua utopia pessoal. A leitura da obra e os encontros pessoais com Schmitz seriam fundamentais para a transformação de suas idéias que se refletem nos últimos trabalhos.

Uma breve clarificação de alguns termos, que comparecem nos escritos e depoimentos da artista, tais como individuação, multiplicidade caótica e corporeidade bem como das idéias de Schmitz sobre arte e percepção17 17 . HERMANN SCHMITZ. "System der Philosophie". Band 2, 2. Teil: Der Leib im Spiegel der Kunst, Bonn, Bouvier , 1966 e 3. Band: Der Raum, 5. Teil, Die Wahrnehmung, 1978. poderá favorecer a melhor compreensão de suas interpretações práticas.

O paradigma Leib que já desempenhara um papel central na filosofia de Edmund Husserl e retornara com Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty em suas pesquisas sobre o corpo, alcança com Hermann Schmitz um novo apogeu.18 18 . Para a comparação entre a fenomenologia de Schmitz e a de Husserl, com relação ao conceito de Leib, ver GERNOT BÖHME, Einführung in die Philosophie: Weltweisheit - Lebensform - Wissenschaft. 3. Aufl., Frankfurt, Suhrkamp, 1998, p. 227-238.

Ele se serve da diferenciação em alemão, ausente nas línguas neolatinas e mesmo em inglês, entre as palavras Körper - corpo no sentido meramente físico, que pode ser atribuído ao corpo humano, mas também a objetos como uma casa ou um sofá - e Leib - o corpo vivo do ser humano e dos animais superiores - para contestar não apenas o dualismo antropológico platônico, que ao dividir o ser humano em corpo e alma, marcou indelevelmente o desenvolvimento da filosofia ocidental, como também o entendimento positivista da ciência, que faz do corpo um objeto distanciado por complexas teorias parcelares.19 19 . HERMANN SCHMITZ, depoimento ao autor, Kiel, 1.6.1998. Schmitz considera as tentativas de tradução de sua obra por fenomenólogos franceses, que usam a expressão "corps-sujet" ou "corps-pour-soi" para aquilo que seria o corpo vivo, enquanto denominam de "corps-objet" o corpo meramente físico, um simples contornar do problema, e não uma solução definitiva, mas que pelo menos deixam livre o caminho para a conceituação daquilo que se "sente", e não meramente se vê, ou se toca. Mais recomendável seria para ele a apropriação e o uso do termo alemão "Leib" nas outras línguas.

O leibliches Spüren, ou seja, aquilo que o corpo "sente", não porém através dos sentidos, constitui para Schmitz um fenômeno especial que não se esgota no perceber ou no movimentar-se (como em Husserl ou Merleau-Ponty), mas ocorre inconfundivelmente nas manifestações de dor e de medo, por ele considerados os principais objetos da auto-consciência. Nessas situações, ao sentir-se um forte aperto, o espaço corpóreo manifesta-se como um estreitamento de localização absoluta. Enquanto o Leib teria localização absoluta, a localização do corpo seria relativa, a partir do esquema motórico das ciências naturais.

Fundamentando-se no conceito de élan vital de Henri Bergson, Schmitz define a ação alternada entre o "apertamento" [Engung], ou seja, a mudança do estado corpóreo em direção ao aperto absoluto, e o "alargamento" [Weitung], a passagem em direção ao amplo absoluto como a base da dinâmica corpórea. O "apertamento" mostra-se claramente em situações angustiantes como no medo ou na dor, enquanto o "alargamento", no adormecer ou em situações relacionadas com experiências de êxtase.

Ao estabelecer uma análise do estado corpóreo para determinar sua dinâmica, Schmitz relaciona ainda um par de tendências opostas, observadas em estudos neurológicos sobre a sensibilidade ao toque, denominadas epicríticas e protopáticas, quais sejam, uma tendência aguda, pontiaguda, localizante, como a picada de um inseto, e uma tendência opaca, difusa, nebulosa, de contornos pouco nítidos, como na carícia.

O conceito de múltiplo caótico é introduzido por Schmitz com o apoio das teorias formais da matemática, como a continuidade e, posteriormente, vinculando-o à idéia de situação, enquanto princípio ideal de individuação pessoal no caos do mundo. Ele questiona a correspondência entre "caos" e "individuação", estabelecida por Jung e que inspirara Schendel em suas mandalas. Enquanto para Jung, individuação ocorre quando em lugar da pessoa, forma-se uma grandeza supra-pessoal, num processo que ele tenta comprovar por meio de modelos arquetípicos, para Schmitz a individuação teria um caráter mais formal, a partir do múltiplo caótico.

A multiplicidade entendida formalmente seria um conjunto numérico classificado fenomenologicamente em individual, quando a identidade ou a diversidade de seus elementos estiver claramente estabelecida, ou caótica, quando ocorrer uma indecisão em relação a esse fato.

A partir da relação entre o estado corpóreo e a disposição corpórea, explicada como o plano de fundo dos estímulos corporais momentâneos, Schmitz aplica suas teorias no campo da teoria da arte, em especial na análise de obras artísticas, vistas como objetos corpóreos [dinglich-körperlich]. Para ele, a forma artística, independentemente de estilo ou função, incorpora algo que podemos sentir no próprio corpo. A arte seria o encontro do corpo com os sentimentos - entendidos como forças objetivas e não como introjeções.20 20 . HERMANN SCHMITZ, Der unerschöpfliche Gegenstand. 2. Aufl., Bonn, Bouvier, 1995, p. 127.

A chave para o entendimento da conexão entre a obra de arte e a corporeidade são as sugestões de movimento, que o corpo "sente" como estímulos. As sugestões de movimento, facilmente percebidas na música, e transportadas por sinestesia para as outras linguagens artísticas, funcionam como um tertium comparationis entre o corpo e a forma artística, ao estabelecerem uma ponte entre o estado corpóreo [leibliches Befinden] e aquilo que é percebido pelos sentidos físicos [körperliches Wahrgenommen].

Apesar de seu confronto com a concepção platônica de alma, Schmitz situa a fruição da arte próxima à religião. A relação de enlevo do divino [Betroffenheit von dem Gottlichen], como ele define o êxtase religioso, teria sua contrapartida na experiência estética, como um arrebatamento corpóreo.21 21 . HERMANN SCHMITZ. System der Philosophie. 3. Band: Der Raum, 4. Teil: Das Göttliche und der Raum, Bonn, Bouvier, 1977, p. 636-656.

Num projeto de 1974 - não realizado - para um monumento em São Paulo, Schendel apresentou a idéia de uma gigantesca espiral de alumínio, a ser colocada sobre um mastro de 16 metros de altura no cruzamento de duas avenidas de tráfego intenso, fundamentando-o com elementos teóricos da dinâmica corpórea schmitziana: "( ) a espiral evoluindo para o céu (o amplo) e voltando para o ser (o estreito), recriará, temática e conscientemente para alguns, mas vivencialmente para todos, o senso da vida no meio das pedras e das máquinas."22 22 . ARTE NA CIDADE. São Paulo, COGEP Coordenadoria Geral de Planejamento do Município de São Paulo, 1975; MIRA SCHENDEL, São Paulo, Projeto Conceitual, inédito, Arquivo Mira Schendel, agosto de 1974.

Para a artista, as tendências protopáticas da espiral, forma primária que aparece e desaparece ciclicamente nas culturas dos povos, poderiam contribuir para restabelecer o equilíbrio humano ameaçado pelo ritmo mecânico da metrópole, visualmente expresso numa arquitetura de gigantescos paralelepípedos.

Numa série de desenhos a carvão e colagens sobre papel, triângulos e pequenas setas, isoladamente ou em grupo, criam campos de relações, como se Schendel ensaiasse a demonstração de um sistema por meio do deslocamento de planos sobre a superfície do papel. Nas colagens, os triângulos brancos sobre fundo igualmente branco têm presença discreta, quase imperceptível à distância ou sob luz difusa. A carvão, com seu contorno aveludado a acentuar a sugestão de movimento, os triângulos parecem dançar ao observarmos os desenhos seqüencialmente. O critério fenomenológico, determinante desta fase do processo de criação de Schendel, entra aqui em concorrência com o fisiológico, pois as sugestões de movimento ocupam, de acordo com Schmitz, uma posição central na percepção, ao estabelecerem uma interface entre o estado corpóreo e aquilo que percebemos pela visão.

Em pinturas à têmpera com pequenas aplicações de ouro sobre placas de madeira, a artista propõe-se a dar visibilidade plástica à idéia de individuação a partir do múltiplo caótico. Em quadros às vezes divididos em dois ou três campos monocromáticos, reluz um pequeno triângulo ou uma estria de ouro, como se essa materialidade sublimada pudesse alcançar a dimensão de um fragmento cósmico.

A têmpera, por seu acabamento opaco, absorve a luz sem refleti-la, deixando invisível o gesto que homogeneamente a aplicou. Nessa superfície de porosidade microscópica que "captura" o olhar, a artista teria encontrado um meio ideal para a visualização do conceito de multiplicidade caótica enquanto um contínuo.

As folhas de ouro, por outro lado, proporcionam com seu brilho uma impressão cromática totalmente distinta: uma luminosidade pontual que também contém um substrato colorido. Os pequenos recortes dourados, triângulos ou quadrados, situam-se geralmente nos cantos dos quadros. Em relação à cor, o ouro é amarelo, para Schmitz uma cor nitidamente epicrítica que acentua o caráter corpóreo localizante do triângulo.

O conceito de "meia-coisa" [Halbding], usado por este filósofo para descrever fenômenos como a percepção das folhas das árvores no ato ininterrupto da visão, pode-nos esclarecer a escolha material de Schendel: algo oticamente liso e brilhante que, em oposição à têmpera, irradia luz, prestar-se-ia para simbolizar o processo de individuação face ao estado de indecisão relativo à identidade ou diferença da multiplicidade caótica.

A preponderância de cores escuras acentua as qualidades protopáticas da têmpera. À medida em que as pinturas tornavam-se monocromáticas, variações tonais desaparecem, deixando como pentimenti delineamentos sutis sobre a superfície marcados para orientar a aplicação das áreas de ouro, que passam a reivindicar partes maiores do suporte.

Sobre o tema da multiplicidade, Schendel produziu ainda uma série de naturezas-mortas, associando esse gênero clássico de pintura a um jogo matemático, definido pela contagem dos elementos de um conjunto. Frutas sobre uma mesa são um exemplo objetivo do formal, reorganizado contínua e diversamente, onde o conceito numérico, retirado de sua relação costumeira entre a lógica e a teoria dos conjuntos, é introduzido no campo da arte. Longe da natureza, as frutas tornam-se objetos de contemplação - pintados, mas também contados, num procedimento inédito na história da arte com os chamados números "naturais" - fonte metafísica para a contagem de multiplicidades idênticas.23 23 . Esta relação também é sugerida no artigo de ALBERTO TASSINARI. "Mais ou menos frutas". Folha de São Paulo (Folhetim). São Paulo, 23.09.1984.

De experimentos sobre o comportamento de formas geométricas simples, retas e ângulos à luz das teorias sobre a corporeidade, de um jogo de oposições sobre a superfície pictórica entre o difuso, que corresponde à tendência corpórea protopática, e o retilíneo e direcionado, correspondente à tendência epicrítica, Schendel desenvolveu sua última série de trabalhos: os sarrafos. São chapas de madeira revestidas de tinta acrílica branca com réguas de madeira maciça pintadas em negro, fixas aos pares, de modo a formar estruturas angulares, que se projetam para fora do plano pictórico. Os sarrafos marcam o vértice de uma nova curva progressiva no percurso de Schendel, que a morte interrompeu abruptamente. Com a pintura, enquanto meio e suporte, ela transformava a linha em escultura e eliminava a fronteira entre representação e realidade.

Segundo a fenomenologia de Schmitz, a preferência de um artista por formas de determinada tendência, estaria a indicar a sua disposição corpórea. Uma relação entre essa disposição e a formalização de suas obras, concretizase no ato criador, através dos movimentos do seu próprio corpo.

É notável nos últimos trabalhos de Schendel o emprego de formas retilíneas e construções angulares agudas, que geram obras com percursos de formalização "estreitante". Tais formas correspondem à tendência corpórea epicrítica, daí podermos deduzir que esta seria a disposição corpórea da artista, pelo menos na fase final. Ainda de acordo com Schmitz, através dos artistas, as disposições corpóreas terminariam por caracterizar povos inteiros, produzir estilos ou marcar épocas históricas.

Questionada numa entrevista à imprensa, à época da exposição, sobreo significado dos sarrafos, Schendel falou sobre suas intenções de estabelecer uma posição crítica face a uma situação:

"( ) Nasceu do momento de falta de decisão, de desordem que o Brasil viveu em março deste ano, quando parecia que estávamos morando numa Weimar tropical. O trabalho surgiu deste contexto. Concordo, com Gilberto Freyre quando ele diz que o trabalho de cultura surge de um contexto da convivência com os problemas da vida. Naquele momento, como todos, eu também sentia necessidade de ter uma direção, um rumo. E estas obras são uma reação ao marasmo daquele momento.( )"24 24 . MIRA SCHENDEL. apud CÉSAR GIOBBI. "Mira Schendel, em dose dupla". In Jornal da Tarde. São Paulo, 5.8.1987.

Ela se referia provavelmente ao clima político que se seguiu ao fim de vinte anos de ditadura militar, um período que não trouxe as ansiadas transformações sociais mas, de certo modo, a continuidade do status quo ante.

Do plano ao espaço, os sarrafos incorporam direções corpóreas que partem de um estado de contenção e dirigem-se ao amplo, e por isso funcionam como indicadores vetoriais que, num percurso contrário, também podem transmitir a contrapressão do aperto, da periferia ao observador.

A insuficiência da linha reta em transmitir isoladamente tendências corpóreas deve ter sido o fator decisivo para que Schendel inventasse uma solução plástica que, ao concentrar num mesmo objeto desenho, pintura e escultura, conduziu-a mais uma vez às fronteiras entre as linguagens da arte, estabelecendo uma nova orientação para a análise de sua obra.

Mira Schendel consegue comunicar e emocionar com o mínimo de recursos. Justamente por essa economia, sua obra desperta interesse, mesmo ao tratar de temas tradicionais, como a natureza-morta ou a paisagem.

A recepção tardia da obra poderá conduzi-la ao interior de uma História da Arte, que ironicamente parece nunca ter interessado à artista. Por outro lado, a pós-modernidade abre a possibilidade de questionarmos as "especificidades" dos setores em que se fragmenta o saber e configurarmos modelos interdisciplinares, nos quais o objeto artístico não mais seria exclusividade da História da arte, mas um fenômeno do conhecimento.

Símbolos e sinais na produção de Schendel, em seus diversos desdobramentos, conduzem à idéia de um sujeito que à frente de um plano de fundo informal, a multiplicidade caótica, torna a sua presença perceptível por meio de discretas alusões. Seus trabalhos tratam da experiência de um "eu" no mundo, consciente de que a contundência de seus atos não está apenas no embate material, mas principalmente na fé que o une ao gênero humano. Esta é a metáfora da condição que a artista assume, ao mesmo tempo em que levanta a questão sobre a mediação de um princípio divino.

Percebe-se uma fraternidade espiritual entre a obra de Schendel e a de certos místicos orientais, como os poetas dos haikais, no deslocamento elíptico permeado pela religiosidade entre o território da arte e o da fenomenologia, sem desconsiderar o formal. Isto talvez explique a dissolução das fronteiras entre linguagens que a obra reiteradamente experimentou.

  • 4. MIRA SCHENDEL. apud NORMA COURI. "Sobre como não falar de arte". In Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 22.7.1975.
  • 5. JEAN GEBSER. Ursprung und Gegenwart, 1. Band: Die Fundamente der aperspektivischen Welt, 2. Aufl. München, dtv, 1986, p. 112-113.
  • 9. VILÉM FLUSSER. Bodenlos - Eine philosophische Autobiographie. Mannheim, Bollman, 1992, p. 199.
  • 10. MIRA SCHENDEL. Diário A-2, 27.09.1969, São Paulo, arquivo Mira Schendel. Na transcrição da citação foi mantida a ortografia original, onde podemos notar a inserção de palavras e expressões alemãs. A identificação dos diários da artista obedece ao modelo proposto em minha tese de doutorado apresentada à Fakultät Bildende Kunst - Hochschule der Künste Berlin em 7.2.2000. GERALDO DE SOUZA DIAS, Mira Schendel: Kunst zwischen Metaphysik und Leiblichkeit. Glienicke (Berlin) / Cambridge, Galda + Wilch Verlag, 2000
  • 12. GUY BRETT. Kinetic Art: the Language of Movement. London / New York, Studio Vista, 1968, p. 8-20 e 46-47.
  • 14. MAX BENSE, "Programmierung des Schönen, Allgemeine Texttheorie und Textästhetik", In Aesthetica. Band 4, Baden-Baden e Krefeld: Agis, 1960, p. 110. e ELISABETH WALTHER.
  • 17. HERMANN SCHMITZ. "System der Philosophie". Band 2, 2. Teil: Der Leib im Spiegel der Kunst, Bonn, Bouvier , 1966 e 3.
  • 20. HERMANN SCHMITZ, Der unerschöpfliche Gegenstand. 2. Aufl., Bonn, Bouvier, 1995, p. 127.
  • 21. HERMANN SCHMITZ. System der Philosophie. 3. Band: Der Raum, 4. Teil: Das Göttliche und der Raum, Bonn, Bouvier, 1977, p. 636-656.
  • 23. Esta relação também é sugerida no artigo de ALBERTO TASSINARI. "Mais ou menos frutas". Folha de São Paulo (Folhetim). São Paulo, 23.09.1984.
  • 24. MIRA SCHENDEL. apud CÉSAR GIOBBI. "Mira Schendel, em dose dupla". In Jornal da Tarde. São Paulo, 5.8.1987.
  • 1
    . MIRA SCHENDEL. Carta a Guy Brett. São Paulo, 12.4.1966, arquivo de Guy Brett, Londres. A tradução da carta para o inglês é de Knut Schendel, marido da artista.
  • 2
    . MIRA SCHENDEL. Carta a D. Luigi Hudal. São Paulo, sem data (provavelmente de fins de 1951), arquivo Mira Schendel. O texto original diz: "( ) Morlotti, come me, è passato da Via Fontanesi: più mature di me forse gli sarà rimasto qualcosa: sia come sia, non mi consta che altri passati di là si dedichino adesso alla malamente chiamata 'arte pura'." Schendel refere-se a Ennio Morlotti, que também freqüentara o atelier à Via Fontanesi e participara da 1ª Bienal de São Paulo, em 1951.
  • 3
    . Seu registro no Instituto de Filosofia da Università Cattolica del Sacro Cuore de Milão não pode ser localizado, uma vez que os arquivos da instituição foram destruídos na segunda guerra mundial.
  • 4
    . MIRA SCHENDEL. apud NORMA COURI. "Sobre como não falar de arte". In Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 22.7.1975.
  • 5
    . JEAN GEBSER. Ursprung und Gegenwart, 1. Band: Die Fundamente der aperspektivischen Welt, 2. Aufl. München, dtv, 1986, p. 112-113.
  • 6
    . MIRA SCHENDEL. Carta a Jean Gebser. São Paulo, 29.5.1969, Schweizerisches Literaturarchiv, Bern. A citação provém do prefácio escrito por Gebser para o livro de Gustav- Richard Heyer, "Vom Kraftfeld der Seele.", Stuttgart, Klett, 1949. O texto original diz: "( ) wie immer die Erfahrung gilt, dass solche Gedanken gewissermassen 'in der Luft liegen', dass also Gedanken, wenn sie gute und richtige Gedanken sind, nicht so sehr von uns gedacht werden, sondern das sie uns besuchen, uns suchen und aufrufen."
  • 7
    . JEAN GEBSER. Op. Cit., nota nº 3, p. 25. De acordo com Gebser, as Urworten (palavras primordiais) têm um significado polar que inclui o contrário de seu sentido habitual. Como o prefixo "a", tem um caráter privativo liberador (privare = libertar), aperspectívico significaria a libertação da validade exclusiva tanto de uma vinculação perspectívica, como da não-perspectívica, ou até mesmo pré-perspectívica.
  • 8
    . Idem, p. 32.
  • 9
    . VILÉM FLUSSER. Bodenlos - Eine philosophische Autobiographie. Mannheim, Bollman, 1992, p. 199. O texto original diz: "Es kann kein Subjekt geben, wo es kein Objekt gibt."
  • 10
    . MIRA SCHENDEL. Diário A-2, 27.09.1969, São Paulo, arquivo Mira Schendel. Na transcrição da citação foi mantida a ortografia original, onde podemos notar a inserção de palavras e expressões alemãs. A identificação dos diários da artista obedece ao modelo proposto em minha tese de doutorado apresentada à Fakultät Bildende Kunst - Hochschule der Künste Berlin em 7.2.2000. GERALDO DE SOUZA DIAS, Mira Schendel: Kunst zwischen Metaphysik und Leiblichkeit. Glienicke (Berlin) / Cambridge, Galda + Wilch Verlag, 2000
  • 11
    . MIRA SCHENDEL, Nota nº 1.
  • 12
    . GUY BRETT. Kinetic Art: the Language of Movement. London / New York, Studio Vista, 1968, p. 8-20 e 46-47.
  • 13
    . Minhas considerações baseiam-se no artigo de ARACY AMARAL, "Mira Schendel: os cadernos". Puiblicado no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, São Paulo, 7.11.1971.
  • 14
    . MAX BENSE, "Programmierung des Schönen, Allgemeine Texttheorie und Textästhetik", In Aesthetica. Band 4, Baden-Baden e Krefeld: Agis, 1960, p. 110. e ELISABETH WALTHER. "Die Textphänomenologie". Ponges. In Grundlagenstudien. Nr. 3, Stuttgart, 1960.
  • 15
    . MAX BENSE. Atheismus in Ungehorsam der Ideen. Ausgewählte Schriften, Band 1 - Philosophie, Stuttgart-Weimar, J. B. Metzler, p. 386-393.
  • 16
    . De acordo com depoimentos de amigos de Schendel, a consulta ao oráculo chinês sobre questões de ordem pessoal era prática corriqueira da artista.
  • 17
    . HERMANN SCHMITZ. "System der Philosophie". Band 2, 2. Teil: Der Leib im Spiegel der Kunst, Bonn, Bouvier , 1966 e 3. Band: Der Raum, 5. Teil, Die Wahrnehmung, 1978.
  • 18
    . Para a comparação entre a fenomenologia de Schmitz e a de Husserl, com relação ao conceito de Leib, ver GERNOT BÖHME, Einführung in die Philosophie: Weltweisheit - Lebensform - Wissenschaft. 3. Aufl., Frankfurt, Suhrkamp, 1998, p. 227-238.
  • 19
    . HERMANN SCHMITZ, depoimento ao autor, Kiel, 1.6.1998. Schmitz considera as tentativas de tradução de sua obra por fenomenólogos franceses, que usam a expressão "corps-sujet" ou "corps-pour-soi" para aquilo que seria o corpo vivo, enquanto denominam de "corps-objet" o corpo meramente físico, um simples contornar do problema, e não uma solução definitiva, mas que pelo menos deixam livre o caminho para a conceituação daquilo que se "sente", e não meramente se vê, ou se toca. Mais recomendável seria para ele a apropriação e o uso do termo alemão "Leib" nas outras línguas.
  • 20
    . HERMANN SCHMITZ, Der unerschöpfliche Gegenstand. 2. Aufl., Bonn, Bouvier, 1995, p. 127.
  • 21
    . HERMANN SCHMITZ. System der Philosophie. 3. Band: Der Raum, 4. Teil: Das Göttliche und der Raum, Bonn, Bouvier, 1977, p. 636-656.
  • 22
    . ARTE NA CIDADE. São Paulo, COGEP Coordenadoria Geral de Planejamento do Município de São Paulo, 1975; MIRA SCHENDEL, São Paulo, Projeto Conceitual, inédito, Arquivo Mira Schendel, agosto de 1974.
  • 23
    . Esta relação também é sugerida no artigo de ALBERTO TASSINARI. "Mais ou menos frutas". Folha de São Paulo (Folhetim). São Paulo, 23.09.1984.
  • 24
    . MIRA SCHENDEL. apud CÉSAR GIOBBI. "Mira Schendel, em dose dupla". In Jornal da Tarde. São Paulo, 5.8.1987.
  • Publication Dates

    • Publication in this collection
      13 Dec 2011
    • Date of issue
      2003
    Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Depto. De Artes Plásticas / ARS, Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, 05508-900 - São Paulo - SP, Tel. (11) 3091-4430 / Fax. (11) 3091-4323 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ars@usp.br