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APROPRIAÇÃO E APAGAMENTO COMO PROCESSOS ARTÍSTICOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DE TREE OF CODES, DE JONATHAN SAFRAN FOER

APPROPRIATION AND ERASURE AS ARTISTIC PROCESSES: A COMPARATIVE ANALYSIS OF TREE OF CODES BY JONATHAN SAFRAN FOER

APROPIACIÓN Y APAGAMIENTO COMO PROCESOS ARTÍSTICOS: UNA ANALICE COMPARATIVA DE TREE OF CODES, DE JONATHAN SAFRAN FOER

RESUMO

O advento e a popularização dos livros eletrônicos não levou à extinção do livro impresso. Ao contrário, o fenômeno dos e-books impeliu este formato a melhor explorar suas particularidades. Hoje, graças ao avanço das tecnologias gráficas, abriram-se novas possibilidades para se tirar proveito do suporte impresso na criação de obras literárias. Uma delas é Tree of Codes, de Jonathan Safran Foer. O autor apropriou-se do livro The Street of Crocodiles, de Bruno Schulz, removendo alguns de seus trechos por meio de incisões no papel. O resultado é uma obra produzida pelo apagamento de partes do original. Este artigo analisa o processo de criação de Tree of Codes, traçando paralelos com exemplos de apropriação e apagamento do universo da arte.

design editorial; livro de artista; apropriação; Jonathan Safran Foer

ABSTRACT

The printed book has not been made obsolete by the introduction and dissemination of e-books. Instead, this phenomenon pushed printed media to explore its potential. Currently, thanks to advances in graphic technology, new possibilities in printed media arise, making the full out of the creation of literary books. One of them is Tree of Codes by Jonathan Safran Foer. The author has appropriated the work The Street of Crocodiles by Bruno Schulz by removing parts of the original through incisions in the paper, which resulted in a work produced entirely through erasing parts of the original. This article analyses the creation process of Tree of Codes by tracing parallels with examples of appropriation and erasure in the arts.

Editorial Design; Artist’s Book; Appropriation; Jonathan Safran Foer

RESUMEN

El surgimiento y la popularización de los libros electrónicos no llevó a la extinción del libro impreso. Al contrario, ese fenómeno hizo el medio impreso explotar sus particularidades. Hoy, gracias al avance de las tecnologías gráficas, se abrirán nuevas posibilidades de experimentación del suporte físico para crear obras literarias. Una de ellas es Tree of Codes, de Jonathan Safran Foer. El autor se apropió del libro The Street of Crocodiles, de Bruno Schulz, eliminando algunos pasajes por medio de incisiones en el papel, lo que resultó en una obra creada a través del apagamiento parcial del original. Este artículo analiza el proceso de creación de Tree of Codes, estableciendo paralelos con ejemplos de apropiación y apagamiento del universo del arte.

diseño editorial; libro de artista; apropiación; Jonathan Safran Foer

How beautiful is forgetting! [W]hat relief it would

be for the world to lose some of its contents!

Jonathan Safran Foer, Tree of Codes

No intervalo entre meados da década de 1980 e meados da década de 1990, os discos de vinil foram gradualmente substituídos pelo compact disk na preferência e nas coleções dos consumidores de música ao redor do mundo. Durante esse período, as vendas de discos de vinil declinaram abruptamente, em ritmo equivalente ao do aumento das vendas da nova mídia, que, por sua vez, viria a sofrer subsequentemente, na virada do milênio, similar suplantação pelos formatos digitais – como o MP3 –, popularizados pela ampliação do acesso, primeiramente, aos computadores pessoais e, posteriormente e sobretudo, à internet e aos reprodutores portáteis de áudio digital.

O processo por que passou a difusão de conteúdo em áudio nas décadas da passagem do século XX para o XXI é apenas um – ainda que o mais referenciado – dos exemplos de transição de um formato estabelecido por outro recém-chegado, em um momento de intensa aceleração do desenvolvimento de novos suportes midiáticos. A crescente velocidade com que estes e diversas formas de mídias são suplantados – muitos caindo, até mesmo, na obsolescência, com seu uso inviabilizado pela incompatibilidade entre sistemas – pode também ser claramente ilustrada pelas mudanças na categoria de armazenamento de dados digitais sofridas durante o século XX até os dias de hoje. Tamanha é a variedade de formatos que grande porcentagem dos usuários desconhece, inclusive, alguns padrões que permaneceram ativos durante suas vidas1 1 . A respeito de suportes de armazenamento de dados e seu período de atividade, o estúdio de design holandês Experimental Jetset produziu um catálogo em constante desenvolvimento, no qual compila formatos obsoletos de grande parte do século XX. O catálogo está disponível em: https://www.experimentaljetset.nl/archive/lostformats. Acesso em: 25 out. 2020. .

A lógica de mercado é, reconhecidamente, o fator preponderante dentre aqueles que impulsionam tais eventos; no entanto, este artigo – cujo objetivo central é discutir as ações de apropriação e apagamento em produções inseridas no campo da arte, examinando relações entre forma e conteúdo, particularmente sobre como o conteúdo é, muitas vezes, configurado pelas condicionantes da forma – passará ao largo das questões mercadológicas que pressionam o processo de mudança, por não influenciarem diretamente nos efeitos poéticos e estéticos abordados nesta pesquisa. Em outras palavras, o cerne da presente discussão não perpassa pelas causas das transições tecnológicas; são de assinalado interesse, por sua vez, os efeitos poéticos e estéticos ensejados tanto pelas novas possibilidades de apresentação do conteúdo como pelos problemas trazidos à tona com o advento e a disseminação de novos suportes.

Tendo esses pontos em mente, podemos prosseguir com a análise de outro exemplo notável de transição midiática: o advento e a disseminação dos livros digitais. Ainda que os dispositivos leitores de livros digitais remontem à segunda metade do século XX, somente a partir da primeira década do século XXI passaram a estar disponíveis em larga escala. Por conta disso, ocorre, de meados dos anos 2000 até o presente momento, um aumento constante da oferta de publicações em formato digital: uma volumosa porção de novos títulos são lançados em ambos os formatos, impresso e digital; obras, que anteriormente estavam disponíveis apenas em papel, gradualmente passam a ser editadas também no formato de e-book; e, finalmente, vemos publicações preparadas exclusivamente para o suporte digital, com o consequente crescimento da autopublicação.

A princípio, o impacto causado pelo aumento da disseminação dos formatos digitais ocasionou reações otimistas e pessimistas em similar proporção. A evidente flexibilidade da plataforma digital trouxe grande expectativa quanto às novas e fascinantes possibilidades de experimentação na literatura e na arte. Livros que desaparecem do dispositivo, livros cujo conteúdo se transforma durante a leitura, oportunidades inexploradas de interação do leitor com a narrativa, narrativas multiplataforma – as opções eram inúmeras. No entanto, ao analisarmos os resultados do emprego da plataforma de leitura digital na arte, a amostragem decepciona – porém, não por falta de ambição ou escassez de projetos. Muitos dos artistas e autores que idealizaram planos de inovação narrativa não contavam com as diversas amarras impostas pela regularização do uso dos dispositivos e conteúdos digitais. Por exemplo, excluir conteúdo da biblioteca digital do usuário e modificar conteúdo posteriormente à aquisição são práticas vetadas pelos termos e condições das grandes empresas proprietárias dos sistemas de leitura digital mais populares do mercado.

Por outro lado, o boom da leitura digital acarretara também apreensão, no universo editorial, quanto à obsolescência das publicações impressas – possivelmente devido à impactante experiência de massa com a sequência discos de vinil/compact disks/formatos digitais. No entanto, a extinção da publicação impressa não dá quaisquer sinais de estar por vir; ao contrário, estatísticas indicam crescimento da procura por livros impressos nos últimos três anos (PRESTON, 2017PRESTON, Alex. How real books have trumped ebooks. The Guardian, 14 de maio de 2017. Disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2017/may/14/how-real-books-trumped-ebooks-publishing-revival>. Acesso em: 10 nov 2017.
https://www.theguardian.com/books/2017/m...
, não paginado). O fenômeno da suplantação de um suporte por outro, portanto, não ocorreu da mesma forma como fora o caso dos suportes de áudio.

Seja ou não uma causa para a recente retomada dos livros impressos, é patente que a produção editorial tem, em casos exemplares, tirado excelente proveito do suporte físico, engendrando obras que, exclusivamente por meio do livro impresso, são capazes de atualizarem-se em sua total potência poética e estética. Uma delas é Tree of Codes, de Jonathan Safran Foer. O livro, publicado apenas em formato impresso, é constituído integralmente de páginas recortadas, deixando clara a remoção de porções volumosas da narrativa.

Ao tomarmos a peça em nossas mãos pela primeira vez, a impressão imediata é a de que o autor pretendera inviabilizar a leitura. O conteúdo verbal de Tree of Codes permanece obscuro à primeira vista, diferentemente de trabalhos como Newspaper Blackout, de Austin Kleon – no qual o autor desvela poemas por meio de intervenções em artigos de jornais, apagando grandes porções do texto com a tinta negra de um marcador permanente –, e Counternarratives, de Alexandra Bell – também com tinta preta sobre notícias de jornal, a artista edita o texto de modo a, ao mesmo tempo, ocultar e denunciar discursos de viés racista na grande mídia. Após alguns segundos ou minutos dedicados ao manuseio, à exploração do livro – a obra de Safran Foer pode ser considerada um exemplo de ficção tátil2 2 . Ficções táteis são livros que jogam com o formato de modo a enfatizar sua materialidade, além de permitir a seus leitores um envolvimento notadamente físico com a obra. Dentre as subcategorias de ficções táteis podemos incluir os romances epistolares multimodais, obras compostas por cartas soltas e livros com páginas recortadas. Alguns exemplos são Albert Angelo, de B.S. Johnson, a trilogia Griffin e Sabine, de Nick Bantock, e Composition N. 1, de Marc Saporta. (BRAY; GIBBONS; McHALE, 2012) e de objeto escultural –, vem à tona a sequência narrativa composta pelas palavras remanescentes em suas frágeis páginas. Ainda que sejam imprescindíveis certas estratégias para viabilizar a leitura do texto, logo se torna aparente que ele segue um encadeamento inteligível, que as palavras impressas nas delicadas, miúdas pétalas de papel, quase que flutuando em meio ao vazio material da peça, compõem uma história que Safran Foer tem a nos contar.

FIGURA 1
Livro Tree of Codes, de Jonathan Safran Foer. Foto: Luciana Lischewski Mattar, 2018.

Ele apropriou-se da obra Lojas de canela, do escritor polonês Bruno Schulz, removendo trechos do original para fazer emergir sua obra. Nada é acrescentado; o texto de Tree of Codes é inteiramente composto por retalhos da obra de Schulz. Obedecendo ao mesmo método de composição, o título é formado por resíduos do título original: na tradução para a língua inglesa, Sklepy cynamonowe, literalmente “lojas de canela”, foi convertido para The Street of Crocodiles, que, por meio do apagamento de quatro trechos, transformou-se em Tree of Codes.

FIGURA 2
Interior do livro Tree of Codes, de Jonathan Safran Foer. Foto: Luciana Lischewski Mattar, 2018.

THE STREET OF CROCODILES

Tree of Codes não reorganiza o texto original de Schulz, diferentemente de um poema-colagem ou centão. Este último termo deriva de cento, palavra latina que designa “colcha de retalhos”. Um centão é um estilo de poesia composta inteiramente por versos oriundos de outras obras do gênero já publicadas, podendo ser de autoria de um ou mais poetas. Os primeiros exemplos de que temos notícia remontam à Antiguidade Clássica, mas a modalidade poética ainda está ativa na contemporaneidade; um exemplo é o poema The Dong with the Luminous Nose (1998), do poeta John Ashbery. Eis a primeira estrofe:

Within a windowed niche of that high hall

I wake and feel the fell of dark, not day.

I shall rush out as I am, and walk the street

The lights begin to twinkle from the rocks

From camp to camp, through the foul womb of night.

Come, Shepherd, and again renew the quest.

And birds sit brooding in the snow. 3 3 . Retirado de ASHBERY (1998).

O título foi apropriado de um poema homônimo escrito por Edward Lear em 1877, e os versos da estrofe aqui apresentada originam-se, respectivamente, nos poemas The Eve of Waterloo (1812), de Lord Byron; I wake and feel the fell of dark, not day (ca. 1885), de Gerard Manley Hopkins; The Waste Land (1922), de T.S. Eliot; Ulysses (1833), de Alfred Tennyson; Henry V (ca. 1599), de William Shakespeare; The Scholar-Gipsy (1853), de Matthew Arnold; e Winter (1597), também de Shakespeare. Como nessa amostra, é comum que um centão extraia seus insumos de múltiplas obras, todas amplamente conhecidas, tecendo uma colcha de retalhos com padrões dos mais distintos, mas, ainda assim, cuja procedência é de fácil reconhecimento para leitores, pesquisadores e críticos.

Ainda que com menor frequência, alguns centões coletam material de fontes mais específicas, como é caso dos centões homéricos, poemas constituídos inteiramente de versos provenientes da Ilíada e Odisseia nos quais as modificações ou adições são inexistentes ou ocorrem em grau mínimo. O mais conhecido – e também o mais longo – deles é de autoria de Eudócia Augusta, imperatriz-consorte romana do oriente, esposa do imperador Teodósio II, e foi composto no século V, contendo 2344 versos. Eudócia combina e reordena versos daquelas obras com o intuito de tecer uma versão própria acerca de temas bíblicos, como a criação do mundo, o Jardim do Éden e a vida de Jesus Cristo. O poema obteve recepção desfavorável tanto na antiguidade quanto em tempos mais modernos. Para diversos pesquisadores e críticos, os centões são embustes que atestam a ausência de habilidade poética de seus autores e destroem a integridade do texto original. Para a poeta vitoriana Elizabeth Barrett Browning, Eudócia estraçalhou o ouro de Homero em pedaços, e o processo pelo qual a obra foi composta não é de qualquer interesse, ela continua, pois o fato de tê-la criado já é sacrilégio suficiente. Compartilharam dessa visão, por exemplo, o filólogo alemão Arthur Ludwich, estudioso de Homero, que se recusou a finalizar a edição do poema, e Joseph Golega, pesquisador de literatura grega, que declarou que os centões não estão à altura do papel no qual estão impressos (USHER, 2013, pp. 1-9).

O ato de apropriação com fins artísticos tem uma história tão antiga quanto a história da própria arte, e sua trajetória tem sido continuamente acompanhada pela repulsa à sua execução. Na arte ocidental, o termo apropriação é comumente associado a produções e movimentos do início do século XX em diante, ganhando força em sua segunda metade, especialmente a partir da década de 1980. Entretanto, como podemos testemunhar pelos exemplos supracitados, o artista apropriador é uma figura milenar, que sobrevive com vigor até a contemporaneidade. Se a apropriação nos parece um fenômeno afinado com a arte em sua fase contemporânea, é porque o zeitgeist artístico da era pós-duchampiana engendrou um ambiente hospitaleiro para produções baseadas em tal processo. Segundo Lucy Soutter (in EVANS, 2009EVANS, David (ed.). Appropriation. Documents of Contemporary Art. Londres e Cambridge: Whitechapel e MIT Press, 2009., p. 166), a apropriação já se tornou tão onipresente que chega a passar despercebida. Hoje, o objeto de apropriação não precisa se referir a um significado em específico, como a morte do autor, uma crítica às representações da mídia de massa, ou um comentário sobre o capitalismo de consumo. A apropriação parece, ao contrário, ter se tornado uma ferramenta de expressão para uma nova subjetividade; a escolha do artista por referências ou imagens pré-existentes representa sua busca por autenticidade: minha coleção de discos, minhas fotografias de infância (EVANS, 2009EVANS, David (ed.). Appropriation. Documents of Contemporary Art. Londres e Cambridge: Whitechapel e MIT Press, 2009., p. 166).

A autorreferência por meio de um material apropriado é uma forma de compreender a centelha de ignição para Tree of Codes. Safran Foer é um escritor estadunidense de ascendência judaica, tema que permeia todo o conjunto de sua obra. Bruno Schulz foi um escritor judaico-polonês assassinado por um oficial da Gestapo no período que compreendeu a Segunda Guerra. Com ele, desapareceram várias de suas criações inéditas; The Street of Crocodiles é um de seus dois únicos livros que sobreviveram até os dias de hoje – o segundo é Sanatorium Under the Sign of the Hourglass. Safran Foer conta – tanto no posfácio de Tree of Codes quanto no prefácio à edição de 2008 de The Street of Crocodiles and Other Stories da editora Penguin – que, quando questionado sobre qual seria seu livro favorito, a difícil resposta frequentemente era The Street of Crocodiles. Para ele, a obra de Schulz é um objeto de afeição ativa. “Certas coisas você ama passivamente; outras, ativamente. Nesse caso, eu senti uma compulsão por fazer algo com ela”4 4 . “Some things you love passively, some you love actively. In this case, I felt the compulsion to do something with it” (WAGNER, 2010, não paginado). Tradução nossa. . Para Safran Foer, é uma obra para ser qualificada como genial, ou, senão, sem qualquer valor; um tópico sem lugar para nuances, ou é tudo ou é nada, “como a religião. Deus não ‘meio que’ existe – ou ele existe, ou não”5 5 . “Like religion. God doesn’t ‘kind of’ exist – he either does or doesn’t” (Ibidem, sem paginação). Tradução nossa. .

FIGURA 3
Livro The Street of Crocodiles and Other Stories, de Bruno Schulz, com prefácio de Safran Foer. Foto: Luciana Lischewski Mattar, 2018.

Kill your idols, ou a morte do pai. O “fazer algo” do escritor Safran Foer atualiza-se no apagamento da obra de seu mestre. Aqui, torna-se inevitável lembrar o célebre Erased De Kooning Drawing (1958), de Robert Rauschenberg. O artista tomou um dos desenhos a lápis de Willem De Kooning, a quem também via como um mestre por quem tinha imenso respeito e admiração, e, literalmente, apagou todos os traços do papel. Safran Foer, por sua vez, executa a ação de apagamento dilacerando aquele que é considerado por ele o maior livro dentre toda a literatura mundial, tão grandioso que ou é tomado como genial, ou não poderá ter qualquer valor. Ele constrói sua própria obra deliberadamente apagando Schulz; aquilo que sobrevive ao apagamento o jovem autor denomina, enfim, de “meu livro” (WAGNER, 2010WAGNER, Heather. Jonathan Safran Foer Talks Tree of Codes and Conceptual Art. Vanity Fair, 10 de novembro de 2010. Disponível em: <https://www.vanityfair.com/culture/2010/11/jonathan-safran-foer-talks-tree-of-codes-and-paper-art>. Acesso em: 10 nov. 2017.
https://www.vanityfair.com/culture/2010/...
, não paginado). Ainda que Safran Foer alegue que Tree of Codes não tem qualquer relação com a história de Schulz – ao declarar humildemente que o seu é apenas um experimento pessoal, enquanto The Street of Crocodiles é uma obra prima –, quando a obra de Safran Foer nasce, uma espécie de cordão umbilical atrelado à de Schulz é preservado, uma curiosa espinha dorsal que sustenta as narrativas em ambas as histórias: a figura central do pai e seu declínio gradual rumo à insanidade.

The Street of Crocodiles pode ser lido como um romance linear, ou como uma sequência de quadros – treze, no total – visitados por um mesmo narrador: August, Visitation, Birds, Tailor’s Dummies, Nimrod, Pan, Mr. Charles, Cinnamon Shops – que intitula tanto o original em polonês como algumas das traduções, incluindo a brasileira –, The Street of Crocodiles, Cockroaches, The Gale, The Night of the Great Season e The Comet. Logo que a história se inicia, deduzimos que o pai enfrenta problemas de saúde; ele se ausenta com destino a uma região de águas medicinais, deixando a mãe e os dois filhos em casa durante o verão. Após algumas páginas, obtemos a confirmação: é o filho mais novo, o narrador da obra, que nos conta que o pai adoecera. A princípio, a enfermidade parece algo comum: o pai passa dias seguidos de cama, cercado por xaropes e comprimidos e os livros de contabilidade da alfaiataria familiar, trazidos à casa por seus funcionários. No entanto, não tarda para a “doença” adquirir traços fantásticos. O pai passa a diminuir de tamanho gradualmente, sem que isso, no entanto, fosse acompanhado da redução de sua força – “ao contrário, parecia haver uma melhora nas suas condições gerais de saúde, no seu humor, na sua mobilidade”6 6 . “On the contrary: there seemed to be an improvement in his general state of health, in his humor, and in his mobility” (SCHULZ, 2008, p. 16). Tradução nossa. . Simultaneamente, ele começa a colecionar aves no sótão da casa familiar, eventualmente transfigurando-se, também, em uma espécie de pássaro.

Durante a metamorfose, sua identidade se fragmenta. Trilhando um caminho em direção ao interior de si mesmo, o pai parece ter passado a habitar um mundo paralelo, com diversas identidades convivendo e engalfinhando-se nesse interior de si.

It seemed as if his personality had split into a number of opposing and quarreling selves; he argued loudly with himself, persuading forcibly and passionately, pleading and begging; then again he seemed to be presiding over a meeting of many interested parties whose views he tried to reconcile with a great show of energy and conviction. (SCHULZ, 2008, p. 15)

Antes de atribuirmos a esses episódios a classificação de esquizofrenia, é imperativo ter em vista o tom fantástico com que Schulz apresenta o universo de The Street of Crocodiles. Os elementos mais mundanos – personagens, cenários, objetos, fenômenos da natureza – adquirem, sob a pena de Schulz, traços metafísicos, enquanto os acontecimentos mais fortuitos, as paisagens mais utópicas e os seres mais bizarros que povoam a narrativa são descritos como elementos ordinários, sem qualquer quê de inusitado. Mais parece que o pai adentrou um mundo paralelo, habitado por seus próprios personagens e atributos; sua aparente “personalidade fragmentada” seria tão-somente recortes desse universo no qual ele assume papel de demiurgo.

Aqui, torna-se inevitável traçar uma analogia com o processo do escritor, que, por uma fresta no espaço-tempo, passa a, simultaneamente, arquitetar e habitar um universo paralelo e interior, tecendo uma narrativa tangente à realidade dos demais indivíduos que o circundam, interno somente até o momento em que alguém consegue espreitar pela tal fresta e, ao despender sua própria energia interna, hospedar-se por instantes nessa edificação.

A princípio, o garoto, assim como o restante do círculo familiar, ignora os “disparates” do pai – “his harmless presence... his soft babbling, and that childlike self-absorbed twittering” (SCHULZ, 2008, p. 17). A partir do momento em que a empregada da casa, Adela, que exerce ao mesmo tempo intenso domínio e fascínio sobre o pai, libera suas criações para o mundo – no equinócio da primavera, ela escancara a janela do sótão e liberta as aves em direção ao ambiente exterior –, o garoto admite que o pai é um herói solitário capaz de, sozinho, abater o tédio abismal que afligia suas vidas.

The affair of the birds was the last colorful and splendid counteroffensive of fantasy which my father, that incorrigible improviser, that fencing master of imagination, had led against the trenches and defense works of a sterile and empty winter. Only now do I understand the lonely hero who alone had waged war against the fathomless, elemental boredom that strangled the city. Without any support, without recognition on our part, that strangest of men was defending the lost cause of poetry. (SCHULZ, 2008, p. 25)

No prólogo de The Street of Crocodiles, Safran Foer relata que, em sua primeira leitura do livro, a narrativa não lhe apeteceu. Era muito pouco palpável, rebuscada, intensa e absurda para que o então leitor pudesse reconhecer nela qualquer relação com o elemento de sua própria vida. Como o garoto narrador, ele “deixou de dar atenção a essas excentricidades nas quais o Pai passou a ficar cada vez mais absorto”7 7 . “We ceased to pay attention to these oddities in which Father became daily more and more involved” (SCHULZ, 2008, p. 17). Tradução nossa. . Com o tempo, porém, Safran Foer declara que começou a reconhecer na escrita de Schultz o desvelamento dos mais verdadeiros aspectos de nossas vidas, aqueles grandes demais para serem expressos em meros fatos e que acabam por passar a maior parte do tempo escondidos por trás do fastio, do ordinário de nossa existência cotidiana.

There are things, Schultz wrote, “that cannot ever occur with any precision. They are too big and too magnificent to be contained in mere facts. They are merely trying to occur, they are checking whether the ground of reality can carry them. And they quickly withdraw, fearing to lose their integrity in the frailty of realization.” Our lives, the big and magnificent lives we can just barely make out beneath the mere facts of our lifestyles, are always trying to occur. But save for a few rare occasions – falling in love, the birth of a child, the death of a parent, a revelatory moment in nature – they don’t occur; the big magnificence is withdrawn. Stories rub at the facts of our lives. They give us access – if only for a few hours, if only in bed at the end of the day – to what’s beneath. (FOER, 2008 in SCHULZ, 2008, p. ix)

Safran Foer, aqui, assume a forma, sob nossa perscrutação, do garoto narrador, admirando a obra do pai que, sozinho, abateu o tédio abismal que afligia suas vidas. Na afirmação “stories rub at the facts of our lives”, o emprego do verbo rub remete a outra analogia, construída por Safran Foer no mesmo prólogo. A metáfora do ato de esfregar tem origem em uma história verídica relacionada à vida de Bruno Schulz. Também desenhista e pintor, Schulz foi contratado, em troca de proteção, por um oficial da Gestapo, Felix Landau, para pintar murais nas paredes da sala de brinquedos de seu filho. Landau, certa vez, assassinou um judeu protegido por outro oficial, que, por vingança, assassinou Schulz. “Você matou meu judeu, eu matei o seu”, teria dito ele a Landau. Décadas mais tarde, um documentarista, Benjamin Geissler, saiu à procura desses murais. Encontrou a antiga casa de Landau convertida em um edifício de apartamentos. As paredes haviam sido cobertas por tinta branca, mas ele pôde reconhecer, em uma delas, os traços esvanecidos das ilustrações de Schulz, “como cobertas por uma grossa camada de gelo” (FOER, 2008, in SCHULZ, 2008, p. 8, tradução nossa). Geissler esfregou a tinta com as mãos, e as imagens gradualmente emergiram. Safran Foer, então, desenvolve a seguinte relação: a vida humana desenrola-se em uma estrutura fina como uma camada de tinta em uma parede. A ficção, especialmente a criada por Schulz, seria uma forma de esfregar essa camada delicada para trazer à vista as formas sobre as quais nossa existência está fundamentada.

Quando Safran Foer dilacera a obra com a intenção de trazer à vista Tree of Codes, Schulz – aqui de forma metonímica – é quem vai “vagarosamente desaparecendo, murchando diante de nossos olhos”8 8 . “My father was slowly fading, wilting before our eyes” (SCHULZ, 2008, p. 15). Tradução nossa. , “nó após nó”, “ponto por ponto”. “Aquilo que ainda restou dele”9 9 . “Knot by knot, he loosened himself from us; point by point, he gave up the ties joining him to the human community. What still remained of him – the small shroud of his body and the handful of nonsensical oddities – would finally disappear one day […]” (SCHULZ, 2008, p. 17). Tradução nossa. foi nomeado, diagramado e “emoldurado”, como a obra de Rauschenberg, e a autoria, tomada para si.

FIGURA 4
Página do livro Tree of Codes, de Jonathan Safran Foer. Foto: Luciana Lischewski Mattar, 2018.

Todos trechos remanescentes são mantidos na mesma posição de que dispunham em The Street of Crocodiles. Para cada página do livro, projetou-se uma faca especial, individual. Os recortes que se abrem em cada uma delas deixam entrever as páginas seguintes, dotando a obra de um caráter escultórico; camada após camada, a trama vai se desenrolando. Além disso, cria-se um jogo de desaparecimento e revelação simultâneos. É pelo apagamento de um trecho que o restante da obra se prenuncia.

Em função disso, Tree of Codes pode ser enquadrado como livro de artista, ainda que muitos possam desmerecer essa classificação com base em sua tiragem – e venda – de mais de 30 mil exemplares, como, por exemplo, Anne Gerber, uma das diretoras da editora britânica Visual Editions, responsável pelo livro. Em entrevista à pesquisadora, professora e designer Iara Pierro Camargo (2016)CAMARGO, Iara Pierro. O livro de literatura: entre o design visível e o invisível. 2016. 175 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., por ocasião de sua tese de doutorado, Gerber afirmou que a intenção não era produzir livros de artista, mas obras que estimulassem experiências de leitura:

Então Tree of Codes foi nosso best-seller e foram vendidas 30 mil cópias, o que era muito considerando-se que éramos uma editora completamente desconhecida, num momento em que o livro também era muito extremo, é uma experiência de leitura extrema, algo que nunca tinha sido feito antes, portanto estávamos muito orgulhosos, porque isso significa que ele realmente alcançou grandes públicos. Essa tem sido nossa ambição em toda a trajetória, não estávamos muito interessados em ser uma editora limitada ou de livros de artista, estávamos realmente interessados em alcançar o público geral. (GERBER apud CAMARGO, 2016CAMARGO, Iara Pierro. O livro de literatura: entre o design visível e o invisível. 2016. 175 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., p. 202)

Fica explícita a persistência do discurso e da crença equivocada de que a arte se opõe ao “público geral” e associa-se a “edições limitadas”. Graças aos aparatos técnicos e tecnológicos disponíveis para sua produção, Tree of Codes foi capaz de atingir toda sua potência como livro de artista precisamente por conta de sua volumosa tiragem e de sua disponibilidade em milhares de livrarias pelo mundo por um valor acessível. Fosse um livro em edição única ou pequena tiragem, a leitura de Tree of Codes estaria bastante limitada devido à fragilidade de sua estrutura. Ainda que o texto fosse reproduzido para ser consumido por outras vias que não a do manuseio do livro, a “experiência de leitura extrema”, parte importantíssima da poética da obra, seria perdida. O caráter tátil da ficção e a qualidade literária do objeto escultural se divorciariam no momento da recepção. Tree of Codes existe em sua potência máxima precisamente por sua dita “massificação”.

O escritor holandês Michel Faber é um dos que qualificam essa obra de Jonathan Safran Foer como um objeto de arte. Em um artigo para o jornal britânico The Guardian, Faber (2010) subscreve à ideia de que, em Tree of Codes, forma e conteúdo dialogam intimamente – como o presente artigo afirmou de início, a obra só existe em sua total potência poética e estética por meio do livro impresso. Faber acrescenta: o formato de brochura faz a peça ainda mais vulnerável; um movimento em falso de um dos dedos é o bastante para destrui-la. Os tipos de papel escolhidos também contribuem para a sensação de impermanência do objeto: as bordas da capa lentamente se esfacelam, as margens do miolo amarelam com o tempo. Curiosamente como a figura do pai em Schulz: “What still remained of him – the small shroud of his body and the handful of nonsensical oddities – would finally disappear one day”. É preciso concordar com Faber: “a ideia de The Street of Crocodiles sobreviver sob disfarce, retalhado até o limite de sua vida, mas ainda agarrando-se à sua alma, me arrebata como uma ironia agridoce, uma homenagem estranhamente adequada. O livro também possibilitou o surgimento da obra de arte mais potente que Jonathan Safran Foer já produziu”10 10 . “The idea of The Street of Crocodiles surviving in disguise, chopped to within an inch of its life but still clinging to its soul, strikes me as a bittersweet irony, an oddly fitting homage. It has also given rise to the most potent work of art that Jonathan Safran Foer has yet produced” (FABER, 2010, não paginado). Tradução nossa. .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ASHBERY, John. Wakefulness: poems. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 1998.
  • BRAY, Joe; GIBBONS, Alison; McHALE, Brian. The Routledge Companion to Experimental Literature. Londres: Routledge, 2012.
  • CAMARGO, Iara Pierro. O livro de literatura: entre o design visível e o invisível. 2016. 175 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
  • EVANS, David (ed.). Appropriation. Documents of Contemporary Art. Londres e Cambridge: Whitechapel e MIT Press, 2009.
  • FABER, Michel. Tree of Codes by Jonathan Safran Foer – review. The Guardian, 18 de dezembro de 2017. Disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2010/dec/18/tree-codes-safran-foer-review>. Acesso em: 10 nov. 2017.
    » https://www.theguardian.com/books/2010/dec/18/tree-codes-safran-foer-review>
  • FOER, Jonathan Safran. Tree of Codes. Londres: Visual Editions, 2010.
  • PRESTON, Alex. How real books have trumped ebooks. The Guardian, 14 de maio de 2017. Disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2017/may/14/how-real-books-trumped-ebooks-publishing-revival>. Acesso em: 10 nov 2017.
    » https://www.theguardian.com/books/2017/may/14/how-real-books-trumped-ebooks-publishing-revival>
  • SCHULTZ, Bruno. The Street of Crocodiles and Other Stories. Londres: Penguin Books, 2008.
  • USHER, M. D. Homeric Stitchings: The Homeric Centos of the Empress Eudocia. Lanham: Rowman & Littlefield Publishers, 1998.
  • WAGNER, Heather. Jonathan Safran Foer Talks Tree of Codes and Conceptual Art. Vanity Fair, 10 de novembro de 2010. Disponível em: <https://www.vanityfair.com/culture/2010/11/jonathan-safran-foer-talks-tree-of-codes-and-paper-art>. Acesso em: 10 nov. 2017.
    » https://www.vanityfair.com/culture/2010/11/jonathan-safran-foer-talks-tree-of-codes-and-paper-art>

NOTAS

  • 1
    . A respeito de suportes de armazenamento de dados e seu período de atividade, o estúdio de design holandês Experimental Jetset produziu um catálogo em constante desenvolvimento, no qual compila formatos obsoletos de grande parte do século XX. O catálogo está disponível em: https://www.experimentaljetset.nl/archive/lostformats. Acesso em: 25 out. 2020.
  • 2
    . Ficções táteis são livros que jogam com o formato de modo a enfatizar sua materialidade, além de permitir a seus leitores um envolvimento notadamente físico com a obra. Dentre as subcategorias de ficções táteis podemos incluir os romances epistolares multimodais, obras compostas por cartas soltas e livros com páginas recortadas. Alguns exemplos são Albert Angelo, de B.S. Johnson, a trilogia Griffin e Sabine, de Nick Bantock, e Composition N. 1, de Marc Saporta. (BRAY; GIBBONS; McHALE, 2012)
  • 3
    . Retirado de ASHBERY (1998)ASHBERY, John. Wakefulness: poems. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 1998..
  • 4
    . “Some things you love passively, some you love actively. In this case, I felt the compulsion to do something with it” (WAGNER, 2010WAGNER, Heather. Jonathan Safran Foer Talks Tree of Codes and Conceptual Art. Vanity Fair, 10 de novembro de 2010. Disponível em: <https://www.vanityfair.com/culture/2010/11/jonathan-safran-foer-talks-tree-of-codes-and-paper-art>. Acesso em: 10 nov. 2017.
    https://www.vanityfair.com/culture/2010/...
    , não paginado). Tradução nossa.
  • 5
    . “Like religion. God doesn’t ‘kind of’ exist – he either does or doesn’t” (Ibidem, sem paginação). Tradução nossa.
  • 6
    . “On the contrary: there seemed to be an improvement in his general state of health, in his humor, and in his mobility” (SCHULZ, 2008, p. 16). Tradução nossa.
  • 7
    . “We ceased to pay attention to these oddities in which Father became daily more and more involved” (SCHULZ, 2008, p. 17). Tradução nossa.
  • 8
    . “My father was slowly fading, wilting before our eyes” (SCHULZ, 2008, p. 15). Tradução nossa.
  • 9
    . “Knot by knot, he loosened himself from us; point by point, he gave up the ties joining him to the human community. What still remained of him – the small shroud of his body and the handful of nonsensical oddities – would finally disappear one day […]” (SCHULZ, 2008, p. 17). Tradução nossa.
  • 10
    . “The idea of The Street of Crocodiles surviving in disguise, chopped to within an inch of its life but still clinging to its soul, strikes me as a bittersweet irony, an oddly fitting homage. It has also given rise to the most potent work of art that Jonathan Safran Foer has yet produced” (FABER, 2010, não paginado). Tradução nossa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2018
  • Aceito
    17 Out 2020
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