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DA FOTOGRAFIA DOCUMENTAL À ARTÍSTICA

FROM DOCUMENTAL TO ARTISTIC PHOTOGRAPHY

DE LA FOTOGRAFÍA DOCUMENTAL A LA ARTÍSTICA

RESUMO

Este artigo tem a intenção de contribuir com os estudos sobre a visualidade na contemporaneidade ao focar a fotografia contemporânea e sua relação com a sociedade, principalmente na criação e manutenção de regimes de verdade e de poder da atualidade que transmutam o conceito de verdade na contemporaneidade. São abordadas as fricções entre a fotografia documental e a fotografia artística e como essas questões se imbricam com a noções de real e ficcional, de documental e artístico, para compreender as fronteiras e as transgressões da fotografia contemporânea. Como exemplo, são estudados os casos de Steve McCurry, de Andreas Gursky e da incorporação de imagens do coletivo Mídia Ninja pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP).

PALAVRAS-CHAVE:
Modernidade; Pós-modernidade; Fotografia; Ficção

ABSTRACT

This article seeks to contribute to contemporary studies on visuality by specific focusing on contemporary photography and its relationship with society, especially in the creation and maintenance of regimes of truth and power, which are transmuting the concept of truth in present time. It addresses the frictions between documentary and artistic photography and how these issues intertwine with the notion of real and fictional, documentary and artistic to understand the boundaries and transgressions of contemporary photography. The cases of Steve McCurry, Andreas Gursky, and the incorporation of images from the Media Ninja collective by the Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP) are addressed as examples.

KEYWORDS:
Modernity; Post-modernity; Photography; Fiction

RESUMEN

Este artículo pretende contribuir a los estudios sobre la visualidad contemporánea con un enfoque específico en la fotografía contemporánea y su relación con la sociedad, especialmente en la creación y mantenimiento de regímenes de verdad y poder, que están transmutando el concepto de verdad en la época actual. Se abordan las fricciones entre la fotografía documental y la fotografía artística y cómo estos temas se entrelazan con la noción de lo real y lo ficcional, lo documental y lo artístico para entender los límites y transgresiones de la fotografía contemporánea. Para ello, se estudia el caso de Steve McCurry, Andreas Gursky y la incorporación de imágenes del colectivo Mídia Ninja por parte del Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP).

PALABRAS CLAVE:
Modernidad; Posmodernidad; Fotografía; Ficción

INTRODUÇÃO

Este artigo tem a intenção de contribuir com os estudos sobre a visualidade na contemporaneidade ao focar especificamente a fotografia contemporânea e sua relação com a sociedade, principalmente na criação e na manutenção de regimes de verdade e de poder, que estão transmutando o conceito de verdade na atualidade. Por meio de um estilo próprio de escrita enciclopédica que perpassa diversas áreas do saber, abordamos artistas, pesquisadores e teóricos da fotografia, cultura visual, história, antropologia e filosofia que proporcionam recursos teóricos para fundamentar este trabalho.

Entendemos que passamos por uma transmutação imagética1 1 A virada pictórica afirma que as imagens querem os mesmos direitos da linguagem, isto é, querem ficar no mesmo patamar que ela. Mitchell (2015) esclareceu a forma como a modernidade pôde se construir, privilegiando dois lados da imagem: a materialidade do significante e a forma visível abstrata. Ele lembra que a imagem não se identifica com o visível e que sua fala condensa e desloca a percepção, fazendo-nos ver uma coisa em outra por meio de outra. global, na qual a fotografia tem ativa participação, seja pela influência estética da pintura no século XIX2 2 Sabe-se que, quando a fotografia surge, na segunda metade do século XIX, ela é entendida como um suporte meramente técnico de registro utilizado por pintores de paisagens topográficas e panorâmicas (MAGALHÃES, PEREGRINO, 2004), sendo essa a sua ligação inicial com o meio artístico. Desde sua origem, a fotografia está intrinsecamente ligada à pintura, à estética da pintura e à concepção de real da época. Hoje, observamos um movimento contrário, uma inversão de valores. Os pintores hiper-realistas, que surgiram por volta de 1970, valorizam a técnica e se aproximam dos códigos utilizados pelas imagens fotográficas. Esse movimento “se esforça por tornar-se mais fotográfico que a própria foto” (DUBOIS, 1994, p. 274). , seja pela sua própria reinvenção no século XX, a partir da qual obteve-se mais liberdade no fazer e no criar artístico, o que consequentemente promoveu novas possibilidades conceituais para o real que fogem dos conceitos binários preestabelecidos culturalmente na sociedade moderna. A liberdade adquirida pela fotografia a partir da emancipação da tecnologia digital tem interferência direta na dilatação dos conceitos de verdade e nas metanarrativas contemporâneas por permitir, de forma visual, acesso a mundos até então desconhecidos.

As metanarrativas e o conceito de real e de realidade se expandiram, criando novos conflitos na forma de ser e de existir que remetem a uma crise no próprio conceito de paradigma3 3 Entendemos que a contemporaneidade é marcada por uma ruptura em relação a “crenças em visões totalizantes da história, que prescreviam regras de conduta política e ética para toda a humanidade” (LYOTARD, 1970). . É necessária, portanto, a (re)construção histórica e coletiva por meio de diferentes olhares para termos uma melhor percepção do que vivemos e como devemos prosseguir. O atual momento abre espaço para novas possibilidades de diálogos e de construção do real em que “devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens” (LE GOFF, 2003LE GOFF, Jacques. História. In LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. p. 471., p. 471).

As imagens fotográficas têm contribuído com a ruptura dos conceitos de verdade e com a quebra das metanarrativas modernas sedimentadas e estabelecidas na sociedade ocidental que regiam, por meio de convenções, instituições e regras sociais, os modos de viver do indivíduo. De acordo com o pensamento de Entler (2007ENTLER, Ronaldo. A fotografia e as representações do tempo. Revista Galáxia, São Paulo, n. 14, pp. 29-46, 2007.), segundo o qual “a fotografia é um recorte de tempo e espaço”, faz-se necessária a compreensão mínima do tempo e do espaço em que vivemos, palco onde acontece a vida e onde se desenvolvem as relações humanas. Este artigo não tem a intenção de esgotar ou de aprofundar as inúmeras discussões transversais e transdisciplinares sobre o ciberespaço4 4 A cibercultura é compreendida como uma reorganização de fenômenos sociais no espaço eletrônico virtual a partir do uso de suportes tecnológicos para a comunicação em redes localizadas no ciberespaço. Este pode ser definido como “uma dimensão virtual da realidade onde seres humanos, máquinas e programas computacionais interagem mediados por fluxos digitais de informação e imagem” (MARTINS, 2013, p. 45). “Uma coisa é certa: vivemos hoje em uma dessas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. Vivemos um desses raros momentos, em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado” (LÉVY, 2009, p. 17). e a pós-modernidade5 5 Utilizamos o conceito de Lyotard (1970), que foi um dos pioneiros na utilização do termo pós-moderno na filosofia, cruzando a filosofia com a arte e a política para enfatizar o estudo sobre a sociedade pós-industrial e a cultura pós-moderna. O autor afirma que devido, à perda de credibilidade dos grandes discursos legitimadores da realidade, ou seja, das metanarrativas modernas, surgiram espaços a serem preenchidos pelo pluralismo e pela afirmação das diferenças. . Visamos aqui apenas elucidar dúvidas sobre a transição do paradigma moderno para o pós-moderno, de modo a compreender como e por que os regimes de verdade estão sendo alterados e como as imagens fotográficas e a convergência dos dispositivos fotográficos6 6 As imagens não cessam de crescer em profusão e velocidade de circulação, e os novos dispositivos, de se multiplicar, enquanto outros, como a televisão, veem o seu poder ser corroído. Essas mudanças afetam, ao mesmo tempo, ferramentas, materiais, modos de produção, usos, economias, mas também olhares, estéticas e regimes de verdade. Como resultado, há uma impressão confusa de imensa desordem e de “criação contínua de novidades imprevisíveis” (BERGSON apud ROUILLÉ, 2013, p. 18). têm influenciado essas mudanças.

Os fotógrafos da modernidade atuavam em um cenário completamente diferente do cenário atual. O tempo de produção, os regimes de verdade, a velocidade de divulgação das fotografias, o dispositivo fotográfico, a interação com e entre o público eram diferentes dos encontrados na sociedade pós-moderna. O mundo pós-revolução industrial avançou rapidamente à medida que as novas tecnologias alteraram todo o sistema geopolítico mundial e passaram a comandar a economia por meio do controle sobre a produção de bens e produtos.

Ao se considerar o contexto da sociedade em redes, a fotografia contemporânea tem sido utilizada em larga escala de modo fictício, ou seja, como forma de burlar a realidade e de apresentá-la de um novo modo por meio da ficção. Esta é a realidade que se origina de uma sociedade informacional, constituída por redes consumidoras que são, ao mesmo tempo, criadoras de dados conceituados para serem compartilhados imediatamente nas plataformas de redes sociais. Realidade criada e editada pelo prosumer7 7 Em 1979, Alvin Toffler cunhou o termo prosumer, que deriva da união de duas palavras que, em um primeiro momento, são antagônicas: produtor (producer) e consumidor (consumer). Esses consumidores, além de interferirem na forma de produção, também poderiam customizar seus produtos. Kirsner Scott (2005) vê o termo prosumer como a união de “professional-consumer”, profissional que não busca obter capital, mas sim melhorar os canais de distribuição de trabalhos criativos. No campo mercadológico, McFedries (2002 apud WARD..., 2020) o identifica como “proactive-consumer”, ou consumidor proativo, aquele que toma providências para tentar solucionar problemas junto às companhias e empresas. Esses estudos colaboraram para que as empresas criassem departamentos especializados no contato com os prosumers e que a publicidade criasse o conceito de branding, que “é o sistema de gerenciamento das marcas orientado pela significância e influência que as marcas podem ter na vida das pessoas, objetivando a geração de valor para os seus públicos de interesse” (CAMEIRA, 2012, p. 44). por meio do selfie e editada por softwares de imagens, como Photoshop, ou filtros automatizados das mídias sociais, como os oferecidos pelo Instagram, que permitem edições elaboradas com poucos toques na tela do celular e seu posterior compartilhamento nas plataformas das próprias redes sociais.

Rouillé (2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36.) explica que o dispositivo fotográfico analógico foi um instrumento privilegiado durante o século XIX e prosperou junto com a sociedade industrial, sendo uma de suas principais ferramentas de expressão e representação. Entretanto, ele sofreu um abalo em seu próprio campo ao ser substituído pelo dispositivo digital. Isso se deu devido às transmutações socioeconômicas, espaço-temporais e estético-visuais sofridas na transição da sociedade industrial para a sociedade globalizada e da informação em rede, que tornou o dispositivo analógico ineficiente para responder de modo satisfatório às necessidades e exigências dessa nova sociedade, sendo, assim, substituído pelo digital.

Para o autor, essa transformação na fotografia se dá em natureza, e não apenas em grau. O digital apresenta o novo: a fotografia dentro da fotografia. Enquanto o dispositivo mecânico, que registrava baseado na combinação química da luz com sais de prata, está ligado, de acordo com Barthes (1984BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.), com “a imobilidade dos arquivos, a verdade, a memória, a prova”, a fotografia digital, por sua vez, registra digitalmente marcas luminosas e está associada a um regime diferente, dominado pela noção de velocidade, de simultaneidade, de flexibilidade, de mobilidade, de perda da origem, de mixagem, falsidade. De acordo com Rouillé (2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36., p. 20), essas duas versões da fotografia se distinguem pelo fato de que uma é moderna, presa à crença na essência documental, enquanto a outra é pós-moderna, assumido seu caráter inevitavelmente fictício: um reencontro com o mythos, isto é, com a narrativa de caráter simbólico-imagético. A imagem documental, que constata e transmite sem distorção os fatos históricos, perde espaço para a imagem ficcional, que cria um saber especulativo e variável, disseminado de forma rizomática por fluxos de dados em redes.

A fotografia analógica foi durante muito tempo considerada documento, testemunho, “retrato do real”. Rouillé (2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36., p. 23) nos faz refletir sobre como as mudanças no regime de verdade e de estética causaram profundas alterações no fotodocumentarismo. Quando a reportagem fotográfica detinha o poder da veracidade inquestionável, o texto e as imagens deveriam ser cuidadosamente construídas, claras e precisas. Entretanto, como a ética moderna imperava, não era permitida a ação direta do fotógrafo sobre o real por meio de encenações ou de retoques na imagem. Agora, vemos o colapso desses estilos fotográficos modernos em razão da fratura do regime de verdade e da consequente ascensão do regime ficcional, no qual o fotógrafo tem a liberdade de criar a verdade por meios tecnológicos ou, até mesmo, pela encenação. Vivemos, assim, uma nova concepção de ética e estética.

A imagem fotográfica na contemporaneidade tem sido utilizada em plataformas de redes sociais como forma de autopromoção do indivíduo, que age como um idólatra da imagem8 8 “O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função de imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas” (FLUSSER, 2002, p. 9). Byung-Chul Han (2018, p. 53) afirma que as imagens não são apenas “reproduções, mas também modelos onde nos refugiamos para sermos melhores, mais bonitos e mais vivos”. . A imagem na sociedade de consumo e do espetáculo assume papel primordial nas relações pessoais9 9 Para Debord (1997), vivemos em uma “sociedade do espetáculo”, na qual a mercadoria e a aparência se tornaram mais valorizadas no contexto das relações sociais e viraram uma forma de relação social em que o “ter” e o “aparentar ser” suprem momentaneamente o “viver”, objetificando e artificializando as experiências, que deixam de ser vividas em sua essência. “O traço característico desta época é que nenhum ser humano, sem exceção, é capaz de determinar sua vida num sentido até certo ponto transparente, tal como se dava antigamente na avaliação das relações de mercado. Em princípio, todos são objetos, mesmo os mais poderosos” (ADORNO, 1992, p. 31). […] “as pessoas fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que têm à disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo. E os produtos que são encorajados a colocar no mercado, promover e vender são elas mesmas” (BAUMAN, 2008, p. 13). , principalmente no ciberespaço. As pessoas passam a criar imagens para representar a própria vida e a viver em função da produção de imagens, o que promove a inversão da função destas.

O atual regime hegemônico de poder tem se utilizado das imagens para criar regimes de verdade para vigiar e controlar a sociedade. Isso não é algo novo para a fotografia, que, desde sua criação, tem sido usada por alguns projetos de poder para a criação de regimes de verdade que estigmatizam povos e culturas.

FOTOGRAFIA NA MODERNIDADE: DOCUMENTAL E CIENTÍFICA

No final do século XIX e início do século XX, a fotografia tinha o caráter documental, pois registrava o real e, em muitos casos, substituía o documento escrito. Le Goff (2006)LE GOFF, Jacques. Em busca da Idade Média: conversas com Jean-Maurice de Montremy. Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. , ao analisar a historicidade da memória coletiva humana, afirma que ela é construída no decorrer do tempo pelos documentos e monumentos. A partir dessa afirmação, o historiador traz à luz o questionamento sobre a veracidade dos documentos, uma vez que eles são elaborados de forma intencional pela sociedade que os fabricou e obedecem a um discurso e, portanto, não estariam puramente destituídos dessas influências. Le Goff entende, ainda, não haver distinção entre documentos e monumentos, de modo que o documento é um monumento, pois ele é criado a partir de uma estrutura de poder - política, econômica, artística ou de qualquer outra manifestação social escolhida por quem o produz. Não existiria abstração na hora de compor um documento, mas sim total controle e prudência para se dizer o que se quer dizer.

Essa análise a respeito de documentos e monumentos feita por Le Goff remete-nos à caracterização imagética - ou pelo menos à associação ao que era considerado como fotografia analógica à época moderna: técnica, controle, prudência no momento do click e a busca pelo “instante decisivo” para um registro do fragmento da realidade naquele espaço-tempo, sem adulterações tecnológicas posteriores ou do próprio fotógrafo no momento do registro. Sob o prisma de Le Goff, entendemos que o que sobrevive do passado não é o que o fotógrafo registrou ou o que o historiador escreveu, mas sim o que resolveram fotografar ou registrar diante de múltiplas possibilidades.

Rouillé (2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36.) aborda também a questão relacionada à deriva dos documentos, cada vez mais digitais e convertidos em imagens. O autor cita Michel Foucault para explicar que, atualmente, as imagens seguem um fluxo inverso àquele que a história havia presenciado até então. Se, tradicionalmente, a história memorizava documentos do passado e os transformava em monumentos, hoje ocorreria o inverso, os monumentos seriam transformados em documentos. Esse é o eixo central da crise fotografia-documento, que oscila entre a lógica documental única e verticalizada e a lógica documental múltipla, móvel e fluida à qual a sociedade e a arte do século XXI estão incorporadas.

A partir do século XIX, a fotografia toma seu lugar no mundo das imagens. De acordo com Monteiro (2012MONTEIRO, Charles (org.). Fotografia, história e cultura visual: pesquisas recentes Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. , p. 11), a imagem fotográfica emerge de uma troca simbólica e de um simulacro, situando-se entre a mimese e a representação. Essas imagens se alteram radicalmente no contexto da Revolução Industrial, ou Revolução Técnico-Científica, e passam a ter destaque na sociedade10 10 Por um lado, a fotografia responde a uma demanda crescente por imagens e pela autorrepresentação da burguesia em ascensão, buscando uma forma de fabricar imagens de forma rápida e que sejam consideradas fiéis aos seus referentes. Do outro, o dramático processo de urbanização criou a necessidade de controlar e disciplinar um contingente diversificado de sujeitos em uma sociedade de massas, criando a foto de identificação (MONTEIRO, 2012, p. 11). ao assumir funções como agenciar a memória, manter a coesão social e exercer controle político.

Para explicarmos a fotografia na modernidade, delimitamos o recorte histórico do final do século XIX, que marca seu surgimento oficial, bem como o da sociologia e da antropologia social. Naquela época, de acordo com Milton Guran (2013GURAN, Milton. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília, DF: Casa das Musas, 2013. pp. 95-118., p. 96), a fotografia rapidamente se impôs como uma ferramenta da ciência moderna e adquiriu reconhecimento pelas ciências exatas. Aos poucos, ela passou a ser reconhecida também no campo das ciências sociais, que surgia no mesmo momento: a data oficial de invenção da fotografia é 1839, enquanto a sociologia emerge como disciplina em 1840.

Guran (2013GURAN, Milton. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília, DF: Casa das Musas, 2013. pp. 95-118., p. 97) explica que, como hoje, a sociedade daquela época passava por inúmeras mudanças políticas, econômicas e sociais que suscitaram a necessidade de responder às demandas de então por conhecimento a respeito da organização da sociedade e da resolução da crise da representação plástica da época. Sob esses anseios e impasses, surgiram tanto a fotografia como a sociologia. Por volta da década de 1840, a Europa havia se lançado na política de ocupação colonial da África e da Ásia e, por conta da necessidade de conhecer e entender o “outro”, surgiram novos ramos das ciências sociais: a etnologia e a antropologia social.

A antropóloga Luciana Bittencourt (1994BITTENCOURT, Luciana. A fotografia como instrumento etnográfico. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, n. 92, 1994, pp. 225-241.) diz que a utilização da imagem fotográfica como representação do real pela antropologia se tornou um poderoso instrumento para geração e manutenção de um regime da verdade. Por interesses políticos de poder e de controle, a fotografia foi utilizada para manter e, em alguns casos, criar o regime de verdade que estigmatizava os criminosos, os loucos, os pobres, os indígenas, os quilombolas e todos os segmentos considerados subalternos.

Durante muito tempo, a antropologia utilizou a fotografia para a vigilância e a estigmatização “do selvagem e do exótico enquanto Outro”. Para Bittencourt (1994BITTENCOURT, Luciana. A fotografia como instrumento etnográfico. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, n. 92, 1994, pp. 225-241., p. 226), esse meio de vigilância estabeleceu um regime de verdade específico e construiu estereótipos que posicionaram o “Outro em relação a uma noção de Nós de seus produtores” de imagens. Criaram-se imagens exóticas de pessoas e lugares até então desconhecidos para a sociedade que não eram somente imagens, mas também a criação mesma do imaginário daqueles povos e lugares. Na antropologia, a documentação fotográfica foi largamente utilizada como um meio para justificar uma ideia relacionada à raça e aos sistemas antropométricos na segunda metade do século XIX (SPENCER, 1992 apudBITTENCOURT, 1994BITTENCOURT, Luciana. A fotografia como instrumento etnográfico. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, n. 92, 1994, pp. 225-241.), demonstrando, enfim, ser um potente instrumento para criação de realidades, regimes de verdade e de poder.

Outro aspecto importante que a máquina fotográfica propiciou foi a diluição do conceito de distância. De acordo com Rosalind Krauss (1986KRAUSS, Rosalind E. Grids. The originitality of the Avant-Garde and other modernist myths. Cambridge, MA: The MIT Press, 1986.), ao oferecer a imagem de lugares distantes e acontecimentos únicos, a fotografia mostrava a realidade de pontos de vistas desconhecidos até então, concebendo novos mundos, novas galáxias, novas possibilidades de vida. A fotografia mudou a maneira de ver o mundo ao mesmo tempo que propunha uma nova concepção para a experiência de “estar lá”, de descoberta de um lugar, de um Outro ser.

Para Barthes (2006BARTHES, Roland. Mitologias. Tradução de Rita Buongermino, Pedro de Souza e Rejane Janowitzer. São Paulo: Difel, 2006.), a imagem técnica produzida por esse tipo de fotografia era a certificação da existência daquilo que fora visto pelo fotógrafo, que não podia mentir sobre a veracidade do seu referente. Essa particularidade a tornaria tão distinta da pintura que, segundo o autor, a pintura poderia de alguma forma receber interferência do pintor e apresentar-se como uma imagem manipulada. Barthes, desse modo, definiu a natureza da fotografia dessa época pela proposição “isto existiu”.

Entretanto, ainda há algumas questões referentes ao início da fotografia que temos de elucidar. Alguns estudiosos dizem que sempre houve encenação na fotografia, que, desde os primeiros anos de sua criação, a representação a acompanha e faz parte do criar e do fazer fotográfico. Suzana Dobal (2013DOBAL, Susana. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas, 2013. pp. 75-95., p 81) comenta sobre a prática, que, de certa forma, une a literatura, o imaginário e o retrato nos primórdios da fotografia. Para a autora, uma prática recorrente em fotografias do século XIX eram os retratos de performance, nos quais os personagens se divertem com representações de tableux vivants: “A utilização da fotografia, no entanto, não se resumia ao mero registro, pois logo os fotógrafos se tornariam diretores da encenação para obter o máximo de expressividade da cena” (DOBAL, 2013DOBAL, Susana. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas, 2013. pp. 75-95., p. 82).

A questão levantada por Dobal sobre o uso da encenação na fotografia desde sua origem no século XIX abre espaço para adentrar o pensamento de François Soulages (2010SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac, 2010.), resumido no mote “isto foi encenado”. O autor considera a encenação como uma possibilidade estética 11 11 O autor objetiva, por meio de uma análise ontológica da imagem fotográfica, delimitar uma estética única que permita abranger a múltipla e complexa natureza da fotografia, desde seu processo de produção até o recebimento da imagem e a interpretação desta pelo receptor. de representação a partir de uma das mais populares técnicas fotográficas, o retrato de pessoas. Com base em uma análise inicial, Soulages questiona se o retrato, por meio do enquadramento simples e da escrita com a luz, seria uma fotografia direta, isto é, uma fotografia que apresenta a realidade. Seria ele o referente retratado sem que houvesse nenhum tipo de relação afetiva - de poder, cultural, psicológica, social -, ou seja, sem qualquer intervenção do fotógrafo? Estaria ele imune à presença da câmera apontada em sua direção e não reagiria a ela com algum tipo de interpretação, mesmo que espontânea?

Para Soulages (2010SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac, 2010.), mesmo a fotografia de retrato está impregnada pelo jogo teatral por parte do sujeito e pela incapacidade do fotógrafo de captar o verdadeiro “Eu”, constituído pela identidade expressa em diferentes camadas: material (corpo), subjetiva (alma, espírito), psíquica (ego), cultural, cabendo a ela fotografar apenas a aparência visual do sujeito. Sendo assim, todo retrato é um jogo de tensões construídas a partir do que o retratado quer mostrar e do que o fotógrafo vê na realidade ficcional, encenada e momentânea, que acontece por meio de sinergia entre os dois em um determinado espaço e tempo. Para o autor, deve-se sempre considerar a existência da encenação, mesmo que inconsciente, de ambas as partes, pois ainda que a captura da imagem ocorresse de forma desprevenida, não estaria privada de filtros psicossociais, culturais e ideológicos.

Desse modo, Soulages defende a autoria do processo criativo do fotógrafo que, por meio de sua experiência de vida, técnica, ideologia, estética e noções artísticas, fabrica imagens dotadas de poética e de potência crítica e política, com o objetivo de atingir novas realidades: “A fotografia não é mais citação da realidade, mas história encenada. O autor não quer captar um acontecimento que ocorreu em um dado instante, mas contar uma aventura que se desenvolve durante certo tempo” (SOULAGES, 2010SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac, 2010., p. 79).

A fotografia sempre esteve atrelada à construção de realidades por meio de imagens que, no decorrer da história, têm sido utilizadas para fins e interesses diversos. Tanto a fotografia quanto o fotógrafo estiveram atrelados à função de observador da sociedade e se empenharam em registrá-la seja para a dominação, seja para a libertação.

A seguir, exploraremos os sensos morais e éticos da fotografia ao adentrarmos nos conflituosos territórios do fotojornalismo, do fotodocumentarismo e da fotografia artística, delimitados por uma borrada linha limítrofe.

FOTODOCUMENTARISMO, FOTOJORNALISMO E FOTOGRAFIA ARTÍSTICA

Ao abordar a história da fotografia, Entler (2011ENTLER, Ronaldo. Fotografia contemporânea: entre olhares diretos e pensamentos obtusos. Revista Facom, n. 23, pp. 62-75, 2011., pp. 64-65) entende que ela tem sido estudada e construída separadamente da história da arte, inclusive nos dias atuais, principalmente pela dificuldade de se enxergar as “imagens técnicas sob os mesmos estatutos das tradicionais produções artesanais”, o que levou os fotógrafos a criarem seus próprios parâmetros para que a “fotografia fosse exibida, colecionada, criticada, compreendida pelos teóricos e historiadores”. Para o autor, no século XIX, a diferença entre a imagem fotográfica e a tradicional imagem pictórica criou um embate e “um falso campo de batalha” entre os artistas e fotógrafos que negavam e os que afirmavam o valor da “imagem entendida como reprodução mecânica e fiel da natureza visível”. Esse embate começou a ser redefinido no início do século XX com as vanguardas artísticas, que bombardearam os procedimentos artísticos, os espaços e as obras de arte ao exercerem pressão sobre os seus limites tradicionais e seu estatuto.

O ambiente contestador do século XX criou um processo de renovação na instituição das artes. Por volta da década de 1960, iniciou-se um processo mundial de expansão de seus conceitos e fronteiras que resultou na flexibilização das formas de expressão artística relativas “às técnicas e matérias, modos de exposição ou difusão da obra, ao papel do artista e do espectador e, sobretudo, às categorias técnicas que tradicionalmente permitiam compreender o objeto produzido sob o nome de ‘arte’” (ENTLER, 2011ENTLER, Ronaldo. Fotografia contemporânea: entre olhares diretos e pensamentos obtusos. Revista Facom, n. 23, pp. 62-75, 2011., p. 64). Nesse período, a arte era reconhecida como arte “quanto maior fosse sua capacidade de negar as regras que definem tal estatuto” (ENTLER, 2011ENTLER, Ronaldo. Fotografia contemporânea: entre olhares diretos e pensamentos obtusos. Revista Facom, n. 23, pp. 62-75, 2011., p. 65). A partir dos anos 1980 e 1990, a fotografia consolidou seu espaço na arte contemporânea.

Se alguma coisa caracteriza a relação moderna entre a arte e a fotografia, é a tensão ainda não resolvida que surgiu entre ambas quando as obras de arte começaram a ser fotografadas (BENJAMIN, 1987BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e a história da cultura. 3. ed. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 1, pp. 91-107. (Obras Escolhidas)., p. 104). Durante a modernidade, as fronteiras entre arte e fotografia estavam muito bem definidas. Posteriormente, conforme tentou-se assinalar no breve histórico acima delineado, passou a existir uma linha tênue que separava a fotografia documental da fotografia artística, fronteira que é, hoje em dia, constantemente borrada; aspecto já sinalizado por Benjamin, para quem a fotografia constituía-se de ambiguidades e contradições, sendo, por isso, facilmente admitida no território tanto da veracidade como do lúdico.

Para fins de análise, iremos delimitar as fotografias pelas suas principais características, definindo-as em três principais categorias: a fotojornalismo, o fotodocumentarismo e a fotografia artística. Não serão propostas definições vitalícias, pois existem inúmeras discussões a respeito da fotografia e de suas conceituações debatidas em diferentes escolas e em diferentes continentes, sem que haja uma definição totalmente consensual. Definiremos apenas um escopo e proporemos uma definição objetiva e sintética sobre a fotojornalismo, o fotodocumentarismo e a criação artística na fotografia.

O fotojornalismo tem como primazia informar assuntos de importância momentânea de forma objetiva e instantânea, por isso, está enraizado historicamente aos conceitos de verdade e de ética, ligação que se mantém em constante debate no meio acadêmico. Por representar acontecimentos em tempo real, a reportagem fotográfica adquiriu fundamental importância no cotidiano das cidades ao pautar as discussões da vida em sociedade. Para Rouillé (2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36., p. 22) a reportagem fotográfica “repousa na muito moderna transparência, com a objetividade como método e na verdade como ideal”. Para o autor, “durante toda a época moderna, a prática da reportagem constituiu em alimentar a ficção da objetividade e da verdade das imagens até o mito da sua consubstancialidade com o real”. O fotojornalismo surge no entreguerras e se amalgama simbolicamente à fotografia. Entretanto, para Rouillé (2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36., p. 23) “a veracidade não é imanente às imagens fotográficas, mas tributárias do regime de verdade no qual elas se inscrevem”, de modo que devemos analisar a fotografia como documento por outro prisma, afinal, o mundo e os regimes de verdade mudaram: “A prática, a ética e a estética das imagens-documento também mudaram com o mundo”. Para o autor, “o que ontem era proibido para a fotografia documento, em particular a fotografia de imprensa e de guerra, hoje tornou-se prática corrente entre fotógrafos de agências” (ROUILLÉ, 2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36., p. 23). Ademais, o autor estabelece uma analogia entre as práticas e as imagens da fotografia de imprensa no século XXI, no qual a realidade é arranjada, encenada e retocada, com o uso de substâncias ilícitas e a manipulação de partidas no esporte.

A definição conceitual moderna de fotodocumentarismo abrange praticamente todas as características do fotojornalismo, mas se difere em duas questões básicas: o tempo intemporal e a possibilidade de utilizar a subjetividade na construção imagética do projeto fotográfico. Os fotodocumentaristas trabalham com projetos fotográficos que exigem pesquisa prévia, financiamento e, geralmente, se relacionam com o objeto do projeto, que pode ser qualquer assunto que tenha significado para o ser humano. Notamos aqui que o fotodocumentarismo é mais permissivo na construção da narrativa visual; entretanto, também está historicamente ligado aos conceitos de real e ética, que, na década de 1930, estabeleciam-se sobre o tripé: verdade, objetividade e credibilidade.

Ao tratar da fotografia documental como instrumento metodológico de pesquisa nas ciências sociais, Guran (2013GURAN, Milton. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília, DF: Casa das Musas, 2013. pp. 95-118., p. 100) afirma existir duas maneiras para utilizá-la de forma eficiente. O primeiro seria empregar a fotografia “para se prospectar informações”; o segundo, apresentar “sua contribuição na descrição do fenômeno estudado e no enunciado das conclusões, das reflexões sobre esse fenômeno”. Os fotodocumentaristas e os etnógrafos são os responsáveis pela criação imagética da maioria dos povos tradicionais e originários que temos em mente na atualidade. Entretanto, com a transição da cultura moderna para a cultura digital, as regras desse jogo mudaram. Rouillé (2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36., p. 24) afirma que “assistimos a inversão radical do funcionamento das práticas documentais que, durante a época moderna, era a razão social da fotografia analógica”.

Por sua vez, a produção de uma imagem fotográfica artística pode ser explicada pelo exemplo proposto por Soulages (2017SOULAGES, François. A fotograficidade como reflexão sobre as imagens (de imagens). Tradução de Angela Grando e Darcilia Moysés. Revista Farol, Vitória, v. 2, n. 18, pp. 142-151, 2017. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.ufes.br/farol/article/view/18677 . Acesso em: 24 jan. 2021.
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) ao nos convidar a refletir sobre o ato do artista. Nesse caso, ele se utiliza do ofício do pintor e questiona a natureza da imagem e do ato de pintar uma paisagem. Para Soulages, a imagem, isto é, a pintura apresentada, é a imagem de uma imagem, e não apenas a representação da paisagem, uma vez que está ligada a algo já existente no subconsciente, na memória e no pensamento do artista e que ele materializa em um suporte como forma de se inscrever de modo consciente no mundo e na história da arte. O artista pinta o quadro com o objetivo de fazer arte. Quando atinge essa lucidez, esse entendimento sobre sua criação, que não é necessário à tarefa de pintar a realidade, ele atinge o campo da arte. Ele passa a escolher uma nova postura, a do artista, de eleger um novo produto de seu trabalho, o produto artístico, e essa liberdade seria a grande revolução, que teria como centro o sujeito, e não mais o objeto.

Esse pensamento de libertação e consciência que Soulages traz é o cerne da fricção entre a fotografia documental e a artística, entre o fotógrafo documental e o fotógrafo artista. É uma linha tênue e conflituosa, mas que existe. De um lado, o trabalho de informar e registrar e, do outro, o de brincar e de criar arte e afeto: “O sujeito criador seria o correlato da imagem de imagens; ele não seria mais dependente do objeto-realidade; ele escolheria livremente uma imagem-objeto já integrada em um mundo” (SOULAGES, 2017SOULAGES, François. A fotograficidade como reflexão sobre as imagens (de imagens). Tradução de Angela Grando e Darcilia Moysés. Revista Farol, Vitória, v. 2, n. 18, pp. 142-151, 2017. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.ufes.br/farol/article/view/18677 . Acesso em: 24 jan. 2021.
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, p. 143).

Soulages defende, ainda, que fotos são objetos enigmáticos que habitam nossa imaginação e imaginário, uma espécie de vestígio para a percepção, sendo responsabilidade do receptor decodificá-la e elaborar as conexões entre o passado e presente, o efêmero e o permanente, o antes e o depois, “deter o tempo, tornar presente para sempre o passado, transformar um instante em eternidade, um mundo em imagem” (SOULAGES, 2010SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac, 2010., p. 209). Desse modo, o autor define a foto como a articulação entre a perda e a permanência. A perda estaria ligada ao que envolve o ato fotográfico, como os enquadramentos, a escolha do objeto e a interferência do fotógrafo no fluxo temporal. Já a permanência seria o que fica gravado na matriz e na cópia, que atravessa as noções de espaço-tempo e nos permite viver uma relação com diversas realidades em inúmeras possibilidades temporais; a fotografia, assim, não tem relação imediata com a realidade, pois resulta de várias realidades. Ao estabelecer diálogo com o observador, ainda, a permanência atiça seu inconsciente, tornando a fotografia, de certa forma, uma obra aberta. É necessário mergulhar na imagem12 12 Na ruptura entre o real encarnado e o ficcional desencarnado, o que as imagens teriam a nos dizer? “O que as imagens diriam de nós quando elas nos olham? Bem, elas falam de nós aquilo que nós não ousávamos dizer de nossos desejos mais fundamentais, mais potentes, mais escondidos. As imagens nos olham ‘até o fundo’ de nós, claro que com a condição de que saibamos por nossa parte olhá-las” (DIDI-HUBERMAN, 2017). para descobrir procedimentos utilizados na construção da fotografia que não estão explícitos no resultado apresentado.

Trabalharemos um pouco mais as ideias de fotografia documental e artística ao estudar o caso de Steve McCurry e de Andreas Gursky. Ambos são fotógrafos que, durante os vários anos de carreira, modificaram a construção de suas narrativas visuais, ultrapassando as fronteiras há muito tempo estabelecidas pelo fotojornalismo e pelo fotodocumentarismo e adentrando territórios da fotografia artística.

STEVE MCCURRY

Steve McCurry possui mais de quatro décadas dedicadas à fotografia. É dele a icônica capa da “Garota Afegã” na revista National Geographic. Em 2009, devido à crescente migração da fotografia analógica para a digital, a Kodak anunciou o fim da produção do icônico filme Kodachrome. Steve McCurry solicitou o “simbólico” último rolo de filme à empresa, que o cedeu devido ao nome e reconhecimento do fotógrafo. Em 2010, a equipe de filmagem da National Geographic acompanhou e documentou as últimas 36 poses da história da Kodachrome clicadas por McCurry em diversas localidades ao redor do mundo, o que resultou no videodocumentário The last roll of Kodachrome. A seguir, iremos apresentar um acontecimento de repercussão mundial que modificou a trajetória do artista e a forma de apresentação de seu trabalho.

Em 2016, McCurry caiu no olho do furacão ao ter uma de suas fotografias questionada por uso de manipulação digital. A polêmica veio à tona quando o fotógrafo Paolo Viglione, ao visitar a exposição de Steve McCurry em Turim, na Itália, notou um erro grosseiro de edição em uma das fotos expostas. A fotografia, intitulada Havana, havia sido produzida em Cuba em 2014 e possuía um erro inegável, um amadorismo grotesco de edição, o que chamava a atenção por estar a obra em uma grande exposição com curadoria. Viglione escreveu uma crítica que postou em seu blog pessoal e que também compartilhou em um grupo de usuários de equipamentos fotográficos da marca Fuji. Rapidamente a notícia viralizou pelo mundo. Nas semanas que se seguiram, várias outras fotografias de McCurry passaram a ser questionadas por diversas pessoas ao redor do globo que começaram a analisar outros trabalhos do fotógrafo, vindo à tona uma série de possíveis manipulações.

Viglione analisou as supostas alterações na fotografia mediante o uso da ferramenta carimbo - que sobrepõe parte de uma imagem sobre outra parte da mesma imagem que tenha o mesmo modo de cores, útil, também, para duplicar objetos ou remover defeitos em imagens -, encontrada em softwares de edição de imagem como o Photoshop. Ele fez algumas marcações e considerações sobre a imagem exposta; a mais significativa delas foi a edição que apagou o pé do transeunte, substituindo-o por parte do poste da placa de sinalização bem à sua frente.

FIGURA 1
Edição de Paolo Viglione sobre a obra Havana (2014), de Steve McCurry.

Eu notei que lá embaixo, onde há o prédio com os arcos apertados, há algumas pessoas pequenas. Agora, eu declaro que o título do post é enganoso: McCurry não tropeça em nada, se alguma coisa tropeçou foi quem retocou a foto e não teve um excesso de zelo. Então, eu também digo que não considero McCurry um documentarista no sentido clássico, mas sim o mais próximo de um pintor em campo fotográfico: então eu não pretendo que você não retoque suas fotos, mesmo se pesadamente, se você quiser, quem se importa comigo (...) Mas, me desculpe, é que eu notei, por acaso, retoques em uma impressão exposta em uma exposição muito importante! (BOTCHED…, 2016Botched Steve McCurry Print Leads to Photoshop Scandal. PetaPixel, [S. l.], 6 maio 2016. Disponível em: Disponível em: https://petapixel.com/2016/05/06/botched-steve-mccurry-print-leads-photoshop-scandal/ . Acesso em: 20 jan. 2021.
https://petapixel.com/2016/05/06/botched...
, tradução minha)

Outra questão que fora muito criticada é que o fotógrafo não assumiu o erro de edição, atribuindo a culpa a um assistente responsável pela pós-produção, o que fez a discussão adentrar a questão da autoria da imagem, que, dentro dos limites estabelecidos pelo fotojornalismo tradicional, é duramente combatida. Com a repercussão da polêmica, McCurry acabou abalando alguns dos fundamentos do fotojornalismo, pôs em xeque todo o seu trabalho e se colocou em uma situação constrangedora com a agência Magnum, que apagou a foto de seu site. O ocorrido levou a diretora de fotografia da National Geographic, Sarah Leen, a se pronunciar oficialmente sobre o caso e expressar seu ponto de vista sobre os limites da fotografia documental e artística, ao dizer que “é essencial que as fronteiras entre esses gêneros sejam claras, bem delineadas e comunicadas para o público” (LEEN, 2016LEEN, Sarah. Steve McCurry: I’m a Visual Storyteller Not a Photojournalist [Entrevista cedida a Olivier Laurent]. TIME, New York, 30 maio 2016. Disponível em: Disponível em: http://time.com/4351725/steve-mccurry-not-photojournalist/ . Acesso em: 19 fev. 2021.
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, tradução minha).

O problema que ocasionou esse fato não está apenas na pós-edição malfeita. O que gerou toda a confusão foi um profissional com uma trajetória na fotografia mundial como McCurry ter exposto que não respeita a ética e os compromissos com o real, bases do fotojornalismo às quais sua imagem pessoal e profissional estava ligada. Essa falha “amadora” transgrediu leis e regras da fotografia documental e envolveu diversos atores e instituições de peso, como a curadoria da exposição, a agência Magnum e a National Geographic. Para Leen (2016LEEN, Sarah. Steve McCurry: I’m a Visual Storyteller Not a Photojournalist [Entrevista cedida a Olivier Laurent]. TIME, New York, 30 maio 2016. Disponível em: Disponível em: http://time.com/4351725/steve-mccurry-not-photojournalist/ . Acesso em: 19 fev. 2021.
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, tradução minha), a “indefinição nessas áreas da fotografia cria confusão, ceticismo e danos a todas as reputações envolvidas. No final, honestidade e transparência são essenciais”.

Após o incidente, McCurry demitiu seu assistente e foi a público dar as devidas satisfações sobre as acusações sobre seu trabalho e as metamorfoses que ele sofreu junto com a ascensão das novas tecnologias, mídias e linguagens. Em entrevista para a revista TIME, em 2016, ele afirmou: “Eu sempre deixei minhas fotos falarem, mas agora eu entendo que as pessoas querem que eu defina a categoria na qual eu me coloco, e por isso eu diria que hoje sou um contador de histórias visuais” (MCCURRY, 2016MCCURRY, Steve. Steve McCurry: I’m a Visual Storyteller Not a Photojournalist [Entrevista cedida a Olivier Laurent]. TIME, New York, 30 maio 2016. Disponível em: Disponível em: http://time.com/4351725/steve-mccurry-not-photojournalist/ . Acesso em: 19 fev. 2021.
http://time.com/4351725/steve-mccurry-no...
, tradução minha). De modo consciente ou não, ele estava se aproveitando da credibilidade que o fotojornalismo proporciona para caminhar tanto no documental quanto na arte. Devido à repercussão do caso, entendemos que o campo documental e o campo artístico são territórios diferentes e que, durante muito tempo, ele se beneficiou dessa mentira de artista: de fotojornalista para fotodocumentarista e depois para contador de histórias visuais.

A repercussão mundial, a importância dos atores e a necessidade de se posicionar em relação ao fato ocorrido mostram-nos com clareza que existem limites entre as fotografias documental e artística, entre o fotojornalismo e o fotodocumentarismo e, principalmente, entre ambos e a fotografia artística. Por mais que esses limites estejam levemente borrados em uma zona em constante conflito e que os fotógrafos contemporâneos cotidianamente os ultrapassem ou atuem em sua borda, consciente ou inconscientemente, por uma falha ou para tirar proveito pessoal, entende-se que existem limites que devem ser respeitados.

McCurry, ao se definir como um criador de narrativas visuais, no nosso ponto de vista, assumiu a liberdade que ele queria, mas não poderia alcançar, devido às convenções que regem o fotojornalismo.

Eu acho que minhas fotografias devem refletir a situação que eu encontrei, vivi e fotografei, mas meu trabalho, hoje, não é o do coletor de notícias, eu comecei com fotojornalismo, é claro, no Afeganistão e no Líbano, nesses casos é um dever contar fatos, recolher documentos visuais, dar provas diretas, mas depois o meu trabalho evoluiu e hoje acredito que sou essencialmente um contador de histórias, o meu objetivo é contar a história da minha aventura pelo mundo. (MCCURRY, 2016MCCURRY, Steve. Steve McCurry: I’m a Visual Storyteller Not a Photojournalist [Entrevista cedida a Olivier Laurent]. TIME, New York, 30 maio 2016. Disponível em: Disponível em: http://time.com/4351725/steve-mccurry-not-photojournalist/ . Acesso em: 19 fev. 2021.
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, tradução minha)

Segundo Flusser (2002FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.), a função do fotógrafo é se divertir. Não é mudar o mundo, e sim mudar a si próprio; observar o mundo e mostrar o que vê e, a partir daí, construir narrativas que podem vir a mudar o mundo. É dessa forma que vemos a trajetória de McCurry: um encontro com a liberdade.

Eu não quero te dar informações sobre um lugar, eu não pretendo fazer você entender como Cuba é hoje, como as pessoas vivem nessa sociedade, eu não tenho essas restrições, mas eu ainda acredito que minhas fotografias respeitam a verdade dos lugares e me recuso a pensar em meu trabalho como uma manipulação arbitrária da realidade, penso em mim como um viajante que curiosamente explora a cena do mundo, viajar é a melhor maneira para usar o meu tempo e me dá alegria poder transmitir esses sentimentos àqueles que olham para as fotografias. O que me deixa intrigado é comunicar meu sentimento sobre aquele lugar. O que eu faço depois de fotografar é apenas tentar tirar o melhor proveito disso. As minhas imagens permitem-me contar minha profunda experiência de uma jornada. As fotografias de Cuba foram tiradas nesse espírito. Se algo não o respeitou, foi um erro sobre o qual terei que refletir. (MCCURRY, 2016MCCURRY, Steve. Steve McCurry: I’m a Visual Storyteller Not a Photojournalist [Entrevista cedida a Olivier Laurent]. TIME, New York, 30 maio 2016. Disponível em: Disponível em: http://time.com/4351725/steve-mccurry-not-photojournalist/ . Acesso em: 19 fev. 2021.
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, tradução minha)

Steve McCurry encontrou um caminho autoral próprio. Após reconhecer isso, foi absolvido pela classe e continua sendo considerado um ícone. O próprio denunciante, Paolo Viglione, apagou o post em seu blog e veio a público tentar apaziguar os ânimos de fotógrafos, críticos, acadêmicos, jornalistas e entusiastas da fotografia que surgiram e se multiplicaram rapidamente no ciberespaço, prontificando-se instantaneamente a tecer análises negativas sobre o trabalho de McCurry em sua trajetória de mais de quarenta anos dedicados à fotografia.

ANDREAS GURSKY

Andreas Gursky é mundialmente reconhecido pelas suas fotografias de grande formato, que tratam de temas de arquitetura e de paisagem, com panorâmicas aéreas e a utilização rigorosa de simetria, de padrões e de cores. No final da década de 1970, Gursky estudou em um centro de treinamento para fotógrafos profissionais focado na formação de fotojornalistas e aprendeu a tradição da fotografia documental, fundamentada na observação. Na década de 1980, tornou-se aluno de Bernd e Hilla Becher, artistas de destaque do movimento de arte conceitual na Alemanha e principais nomes da Academia de Belas Artes de Düsseldorf (Escola de Düsseldorf). Segundo Entler (2011ENTLER, Ronaldo. Fotografia contemporânea: entre olhares diretos e pensamentos obtusos. Revista Facom, n. 23, pp. 62-75, 2011., pp. 67-68), o casal realizou “uma documentação exaustiva de edificações, agrupadas em séries extensas e sistemáticas, conforme suas afinidades funcionais e formais” em trabalhos “que isolam construções e objetos em vistas fotográficas sempre limpas e frontais”, com o objetivo de revelar “o modo como a lógica moderna se materializa na paisagem, através de uma espécie de gramática da serialização da arquitetura industrial”. Uma das principais características da Escola era “uma abordagem com ares documentais, apuro técnico, simplicidade de elementos, rigor formal nas composições, a exposição das imagens em formatos monumentais”. Características perfeitamente aplicáveis à obra de Gursky, que teve em seus professores atores fundamentais para o sucesso de sua carreira e para sua inserção no mercado da arte.

A partir de 1990, Gursky adotou uma linguagem mais autoral, unindo as técnicas de fotojornalismo ao método rígido de composição de Bernd e Hilla Becher. Com seu conhecimento de mercado, ele criou uma linguagem própria para a construção de imagens digitais que representassem a vivência contemporânea. O artista inclinou seu foco para o espírito do nosso tempo, tecendo críticas ao capitalismo, à globalização e à efemeridade das coisas e das relações.

Biro (2012BIRO, Matthew. From Analogue to Digital Photography: Bernd and Hilla Becher and Andreas Gursky. History of Photography, Abingdon, v. 36, n. 3, 2012, pp. 353-366. ) caracteriza o trabalho de Gursky como fotografias planejadas e apresentadas como obra de arte, não como documentos; embora sejam formalmente rigorosas em sua construção estética, elas são mais simbólicas e subjetivas, ao revelar qualidades que parecem refletir uma consciência da manipulabilidade do meio fotográfico, ligada à falsidade e à falta de objetividade associadas ao processo digital.

Geralmente, em seus trabalhos, o artista apresenta imagens de algo que não existe na realidade, seja pela interferência na profundidade de campo na hora do ato fotográfico, seja pelo uso de softwares de pós-edição. Ele, conscientemente, lança dúvidas ao espectador sobre a natureza verídica da imagem, bem como sobre a “capacidade do espectador de compreender o mundo objetivo” (BIRO, 2012BIRO, Matthew. From Analogue to Digital Photography: Bernd and Hilla Becher and Andreas Gursky. History of Photography, Abingdon, v. 36, n. 3, 2012, pp. 353-366. , p. 358).

Para Biro (Idem, pp. 362-364), Gursky percebeu que o documentário e a arte não precisavam ser separados. Essa fusão resultou na sua prática artística, que é uma espécie de documentação social destinada a circular nas instituições de belas-artes. Gursky trabalha criando metáforas, constructos que, por mais que destoem da representação objetiva, documentam algo sobre o mundo contemporâneo.

Na década de 1990, período histórico de profundas e rápidas mudanças, o artista conseguiu construir imagens metafóricas que perduram até hoje. “Embora o trabalho de Gursky muitas vezes se apóie em tecnologias, ele fez alguns dos documentos sociais mais emblemáticos de seu tempo” (BIRO, 2012BIRO, Matthew. From Analogue to Digital Photography: Bernd and Hilla Becher and Andreas Gursky. History of Photography, Abingdon, v. 36, n. 3, 2012, pp. 353-366. , p. 364). A monumental obra Atlanta (1996) nos apresenta uma paisagem urbana e colorida que se assemelha a uma pintura impressionista, com indivíduos diminutos e desindividualizados, como no contexto da sociedade pós-industrial.

FIGURA 2
Andreas Gursky, Atlanta, 1996. Impressão cromogênica colorida, 187,9 cm x 260,3 cm.

Para Hatani (2010HATANI, Atussa. Vanishing Cultural Memory in Andreas Gursky’s Photography. TRANS: cultural internet journal, Viena, n. 17, seção 7.5, fev. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_hatami.htm . Acesso em: 23 fev. 2021.
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, n.p., tradução minha), a sutil manipulação digital de Gursky nas imagens é consequência inevitável da globalização, que permite que tópicos importantes, como memória cultural e gênero, sejam remodelados. Sua obra “está intimamente ligada à globalização tanto no sentido de viabilizar seu processo criativo quanto de definir os contextos de sua imagem, colocando o observador em um espaço flutuante” (HATANI, 2010HATANI, Atussa. Vanishing Cultural Memory in Andreas Gursky’s Photography. TRANS: cultural internet journal, Viena, n. 17, seção 7.5, fev. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_hatami.htm . Acesso em: 23 fev. 2021.
http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_ha...
, n.p., tradução minha). Para o autor, Gursky “desafia nossa definição normativa ocidental de fotografia” ao mesmo tempo que “rejeita a perspectiva normativa ocidental ao introduzir uma nova forma de percepção na qual o observador perde o controle e, em vez disso, flutua no espaço representacional” (HATANI, 2010HATANI, Atussa. Vanishing Cultural Memory in Andreas Gursky’s Photography. TRANS: cultural internet journal, Viena, n. 17, seção 7.5, fev. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_hatami.htm . Acesso em: 23 fev. 2021.
http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_ha...
, n.p., tradução minha). O resultado é que o gênero e a memória cultural não são mais identificáveis e parecem desaparecer, na dispersão, no silêncio, na ausência, na falta de propósito, na falta de centro, na imensidão da obra. Ainda para o autor, as fotografias são imagens manipuladas digitalmente de forma intencional para aprimorar “elementos formais do conceito de imagem” (HATANI, 2010HATANI, Atussa. Vanishing Cultural Memory in Andreas Gursky’s Photography. TRANS: cultural internet journal, Viena, n. 17, seção 7.5, fev. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_hatami.htm . Acesso em: 23 fev. 2021.
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, n.p., tradução minha) e que só poderiam ser feitas dentro do campo da fotografia artística. Entretanto, é crucial que as imagens de Gursky tenham uma conexão direta com a realidade perceptiva, pois elas “desafiam a maneira ocidental de ver e perceber” (HATANI, 2010HATANI, Atussa. Vanishing Cultural Memory in Andreas Gursky’s Photography. TRANS: cultural internet journal, Viena, n. 17, seção 7.5, fev. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_hatami.htm . Acesso em: 23 fev. 2021.
http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_ha...
, n.p., tradução minha). Suas imagens são atemporais e compartilham componentes reais e ficcionais. São imagens construídas que ilustram e interpretam a realidade que as coloca entre a pintura e a fotografia, como afirmado pelo autor. “Eu uso deliberadamente argumentos controversos para mostrar que existem inúmeras maneiras de tirar fotos hoje em dia e que, uma vez que o meio fotográfico foi digitalizado, uma definição fixa do termo ‘fotografia’ se tornou impossível.” (GURSKY, 1998GURSKY, Andreas. “… I generally let things develop slowly”. In GÖRNER, Veit (ed.). Andreas Gursky: Fotografien 1984-1998 (catálogo da exposição). Wolfsburg: Kunstmuseum, 1998. pp. VII-XVIII., n.p.)

Hatani (2010HATANI, Atussa. Vanishing Cultural Memory in Andreas Gursky’s Photography. TRANS: cultural internet journal, Viena, n. 17, seção 7.5, fev. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.inst.at/trans/17Nr/7-5/7-5_hatami.htm . Acesso em: 23 fev. 2021.
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) explica que Gursky cria uma série de pontos de fuga que surgem simultaneamente na imagem, desfigurando a função do olhar e descentrando o observador, tirando-lhe o controle sobre o olhar e o colocando em um espaço de transição entre o bidimensional e o tridimensional, no qual o observador flutua e não tem mais terreno estável ao se confrontar com abolição da normativa ocidental da perspectiva linear. Geralmente, Gursky tira várias fotografias do objeto em diferentes ângulos e depois faz uma colagem, criando uma atmosfera ambígua, na qual os olhos do observador mudam constantemente para frente e para trás, oscilando entre uma estrutura real e um espetáculo manipulado. Para Gursky, “no final, o importante (...) é o processamento da realidade, e não de realidades que nada têm a ver com o que vivenciamos diariamente no mundo” (GURSKY, 1999GURSKY, Andreas. Kollektive Sehnsuchtsbilder [Entrevista cedida a Michael Krajewski]. Das Bulletin, Bregenz, n. 5, pp. 8-15, 1999.).

A jornalista cultural do The New York Times Farah Nayeri (2018NAYERI, Farrah. Andreas Gursky is taking fotos of things that do not exist. The New York Times, New York, 29 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/andreas-gursky-is-taking-photos-of-things-that-do-not-exist.html . Acesso em: 24 fev. 2021.
https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/...
, tradução minha), ao se referir as obras de Gursky, afirma que elas são “imagens de cenas e espaços criados digitalmente” que mostram a humanidade superada pela natureza, pela indústria e pelas finanças, ou seja, que exibem a sociedade de consumo contemporânea. Em consonância com sua análise, Quentin Bajac (2018, tradução minha), curador-chefe de fotografia do Museu de Arte Moderna de Nova York, afirma que Gursky, com suas imagens, encontrou o “equilíbrio certo entre algo que não é crítico nem apologético”, representando a expansão das multinacionais e a explosão do mercado financeiro. “Essa “ausência de narrativa” refletiria o clima contemporâneo. Para o curador, suas obras marcantes dos anos de 1990 vieram “em um momento perfeito”, ascendendo à medida que a globalização ganhava velocidade. Gursky soube representar com uma linguagem autoral e inovadora o Zeitgeist.

No início dos anos 1990, Gursky migra para a fotografia digital e passa a produzir imagens em grande formato que serão manipuladas na pós-produção digital. Nessa fase, ele aumenta as cores, combinando muitas vezes várias imagens diferentes “para obter essa perspectiva realmente uniforme, em que você pode ver tudo, e os detalhes que não estão disponíveis a partir de apenas uma perspectiva são repentinamente disponibilizados para você” (RUGOFF, 2018RUGOFF, Ralph. Andreas Gursky Is Taking Photos of Things That Do Not Exist [Entrevista cedida a Farrah Nayeri]. New York Times, New York, 29 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/andreas-gursky-is-taking-photos-of-things-that-do-not-exist.html . Acesso em: 1 abr. 2021.
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).

Já na virada do milênio, Gursky passa a recompor as fotos digitalmente para dar-lhes aparência semelhante às pinturas abstratas. Porém, suas imagens não são abstratas, uma vez que a abstração é irreconhecível, o que Gursky (2018)GURSKY, Andreas. Andreas Gursky Is Taking Photos of Things That Do Not Exist [Entrevista cedida a Farah Nayeri]. The New York Times, New York, 29 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/andreas-gursky-is-taking-photos-of-things-that-do-not-exist.html . Acesso em: 1 abr. 2021.
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oferece é o limiar da abstração. De longe, suas fotografias aparecem como formas geométricas e “gradientes ambíguos”, mas, se dermos um passo para frente e escanearmos13 13 Hoje, a partir dos estudos de cultura visual, entendemos que existem mais elementos que compõem o fenômeno de scanning proposto por Flusser (2002). No nosso entendimento, o processo de escanear a imagem imbrica quatro elementos: o olhar e registro do autor (no caso da fotografia, o fotógrafo), o local em que a imagem está exposta (o local de fala da imagem), a imagem (o discurso da imagem) e o observador (o leitor). O observador irá analisar e interpretar a imagem com base em suas experiências de vida em conjunto com as experiências sensoriais e seu estado psicológico no momento de observação, levando em consideração o local da exposição e o suporte da imagem. a imagem, identificaremos objetos e, depois do reconhecimento dos objetos, não há mais retorno para a abstração.

Nesse período, o artista continuou a produzir imagens em torno de temas contemporâneos como o trabalho, o capital e a sociedade de consumo, como é o caso de Amazon (2016), que mostra um armazém da empresa Amazon no Arizona, nos Estados Unidos, cheio de produtos - cerca de 15 milhões de objetos - e repleto de slogans motivacionais: “Trabalhe duro”, “Divirta-se” e “Faça história”. Nessa imagem, Gursky guia o olhar do observador que se perderia entre o primeiro plano e o fundo da imagem. “Minha manipulação da imagem visa ajustar as proporções e a escala dos minúsculos pixels na parte de trás e os objetos do primeiro plano”. Conscientemente, “o que eu crio é um mundo sem hierarquia, no qual todos os elementos pictóricos são tão importantes quanto os outros” (GURSKY, 2016GURSKY, Andreas. In Conversation: Andreas Gursky [Entrevista cedida a Richie Hawtin e Laura Käding]. Gagosian Quarterly, Los Angeles, 2 dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://gagosian.com/quarterly/2016/12/02/conversation-andreas-gursky/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
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). A experiência do espaço se desfaz em favor de um plano dissecado que é gradualmente varrido e lido em sua estrutura linear. O artista afirma que suas imagens não são “acusadoras” ou uma “declaração política”, mas, ao comentar sua obra, menciona que “Nosso mundo também é seduzido pela Amazon, porque é tão prático e tão rápido, e você quer algo e no dia seguinte você tem. Esta também é a verdade” (GURSKY, 2018GURSKY, Andreas. Andreas Gursky Is Taking Photos of Things That Do Not Exist [Entrevista cedida a Farah Nayeri]. The New York Times, New York, 29 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/andreas-gursky-is-taking-photos-of-things-that-do-not-exist.html . Acesso em: 1 abr. 2021.
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).

FIGURA 3
Andreas Gursky, Amazon, 2016GURSKY, Andreas. In Conversation: Andreas Gursky [Entrevista cedida a Richie Hawtin e Laura Käding]. Gagosian Quarterly, Los Angeles, 2 dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://gagosian.com/quarterly/2016/12/02/conversation-andreas-gursky/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
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. Impressão cromogênica colorida, 207 x 407 cm.

Quando Gursky (2018GURSKY, Andreas. Andreas Gursky Is Taking Photos of Things That Do Not Exist [Entrevista cedida a Farah Nayeri]. The New York Times, New York, 29 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/andreas-gursky-is-taking-photos-of-things-that-do-not-exist.html . Acesso em: 1 abr. 2021.
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) diz “Eu mostro nosso mundo contemporâneo como ele é”, podemos compreender que, ao mesmo tempo que idealiza, cria e edita suas imagens, ele adentra o campo da arte como descrito por Soulages (2010SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac, 2010.) e mostra o mundo como ele (o artista) quer que seja, ou talvez como ele o observa, sente, experimenta, vive. Gursky está interessado em criar fotos artisticas do mundo em que realmente vivemos, um mundo de consumismo, retratado em belas imagens. No caso de Amazon, ele apresenta as condições precárias de trabalho, as frases motivacionais, o excesso de positividade característico da nossa época ao mesmo tempo que retrata a logística de armazenamento e a necessidade de velocidade na entrega que o mundo contemporâneo, rápido e dinâmico, exige. A todo momento, Gursky se coloca no limiar de uma neutralidade, como um analista político imparcial que traz para sua composição elementos dos espectros políticos de direita e de esquerda, deixando a cargo do observador o julgamento do teor da composição imagética.

Gursky viveu a transição da fotografia analógica para a digital, do taking images para o making images. Ele não tira mais imagens da realidade; ele faz imagens e as apresenta como realidades possíveis. Coincidentemente, explicando sua produção recente, Gursky (2018)GURSKY, Andreas. Andreas Gursky Is Taking Photos of Things That Do Not Exist [Entrevista cedida a Farah Nayeri]. The New York Times, New York, 29 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/andreas-gursky-is-taking-photos-of-things-that-do-not-exist.html . Acesso em: 1 abr. 2021.
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, como Steve McCurry ao afirmar ser um contador de histórias, diz: “estou apenas interessado em fazer imagens (…) E, claro, você tem que se reinventar”. Historicamente, a fotografia era em preto e branco, pequena e impressa em grandes edições. Para Francis Outred (2018OUTRED, Francis. Andreas Gursky Is Taking Photos of Things That Do Not Exist [Entrevista cedida a Farrah Nayeri]. New York Times, New York, 29 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/01/29/arts/andreas-gursky-is-taking-photos-of-things-that-do-not-exist.html . Acesso em: 1 abr. 2021.
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), presidente e diretor de arte do pós-guerra e de arte contemporânea na galeria de leilões Christie’s, Gursky ampliou as imagens, fez uso total da cor e se propôs a “documentar os temas-chave que dominam nossas vidas hoje e, em seguida, produzir essas obras em edições limitadas de quatro a seis imagens”, de forma que criou valor para suas fotografias semelhantes aos de uma pintura.

Os expressionistas abstratos americanos me fascinam. A distinção entre fotografia e pintura ainda é que o espectador sempre lê a fotografia como aquilo que é apresentado, enquanto a pintura é sobre a apresentação como tal. Isso sempre foi um guia para mim. É interessante para mim que alguém que olha para o meu trabalho tende a ficar chocado inicialmente por ser primeiro confrontado com fenômenos visuais que não podem ser classificados imediatamente. Obviamente, a dimensão social também é extremamente importante para mim, então nunca desistirei da conexão com a realidade ou com a sociedade, mas não é mais uma prioridade. (GURSKY, 2016GURSKY, Andreas. In Conversation: Andreas Gursky [Entrevista cedida a Richie Hawtin e Laura Käding]. Gagosian Quarterly, Los Angeles, 2 dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://gagosian.com/quarterly/2016/12/02/conversation-andreas-gursky/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
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)

Ao analisar as três principais categorias fotográficas, fotojornalismo, fotodocumentarismo e fotografia artística, percebemos que a fotografia é profundamente heterogênea, sendo simultaneamente documento e arte, subjetiva e objetiva e, na contemporaneidade, ela deve ser vista dessa forma. A fotografia pós-moderna está redefinindo as bases e as convenções já há muito tempo preestabelecidas nas artes visuais, convergindo e se transmutando com o passar do tempo.

Na atualidade, a fotografia artística tem absorvido características da fotografia documental, o que borra ainda mais a linha que divide esses dois gêneros e conduz a novas concepções sobre eles. Dentro do campo da arte, e em específico da cultura visual, têm surgido novas discussões e entendimentos a respeito dos genêros fotográficos e das suas fronteiras, que são constantemente transgredidas e refeitas, o que geralmente atinge os referenciais e as bases da ética, da verdade e da intenção do fotógrafo ou artista.

Por mais confusas e embaralhadas que sejam as definições sobre os gêneros fotográficos, elas são necessárias não apenas para análises acadêmicas, mas como forma de manutenção dos regimes de verdade que regem a sociedade.

FOTOGRAFIA NA PÓS-MODERNIDADE. TRANSGRESSÕES E CONVERGÊNCIAS: DO DOCUMENTAL PARA O ARTÍSTICO

Para reforçar e destacar a recente mudança de paradigma no campo das artes visuais, como apontam os estudos em cultura visual14 14 Com a explosão das imagens digitais, alguns acadêmicos deslocaram sua atenção para um novo campo de estudo denominado estudos visuais. Mirzoeff (2003) define a cultura visual como uma tática ou estratégia interdisciplinar que busca estudar a genealogia, a definição e as funções dos acontecimentos visuais pós-modernos, priorizando a experiência cotidiana do sujeito e levando em consideração que o sujeito-consumidor busca a informação, o significado e o prazer conectados à tecnologia visual. e comunicação social advindos da cultura digital e da produção contemporânea de informação, podemos utilizar o termo apresentado por Henri Jenkins (2009JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.): “cultura de convergência”. O autor idealiza convergência como uma transformação cultural, ou seja, como algo que superaria a definição ligada apenas aos processos tecnológicos e que estaria conectado também ao indivíduo e aos novos parâmetros e condições para se enxergar e entender a realidade à nossa volta que reconstroem as formas de ver, observar e sentir o mundo.

Baseando-nos nesse pensamento, podemos refletir sobre a dicotomia da fotografia, que pode ser documento histórico e imagem artística ao mesmo tempo em uma tela de alta definição de um dispositivo móvel. O que interessa para a arte é a postura e a consciência do criador como autor da obra.

A partir da noção de convergência, entendemos que a discussão a respeito de fotografia artística e documental, no âmbito acadêmico, vem se transmutando para uma discussão sobre o hibridismo e as convergências entre mídias, técnicas e suporte que extrapola o recorte de estudos para este artigo. O que propomos aqui é exemplificar, por meio da teoria da convergência, a fricção entre fotografia documental e artística e a possível convergência entre elas.

O artigo de Ronaldo Entler (2014ENTLER, Ronaldo. Poderes provisórios, imagens impertinentes. Icônica, São Paulo, 10 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: http://iconica.com.br/site/poderes-provisorios-imagens-impertinentes/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
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) intitulado “Poderes provisórios”15 15 “Poder Provisório” é um projeto com várias camadas de pensamento: convidado a pensar a presença das fotografias no acervo do MAM-SP, o curador Eder Chiodetto elegeu um recorte que evidencia a transitoriedade das forças -sociais, políticas e econômicas - que, em determinados momentos, se mostram hegemônicas. Reunindo um conjunto muito heterogêneo de imagens, ele aproveita para tensionar os poderes implicados numa instituição de arte e no trabalho de um curador” (ENTLER, 2014,). faz uma análise sobre a questão da fotografia documental de registro histórico e sua convergência para o campo da arte, convertendo-se em produto artístico exposto em museus. O texto analisa a incorporação de algumas imagens fotográficas da rede de produtores de conteúdo documental e jornalístico conhecida como Mídia Ninja16 16 Para saber mais sobre o coletivo Mídia Ninja, cf.: https://midianinja.org/quem-somos/. Acesso em: 1 abr. 2021. ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).

Para Entler (2014ENTLER, Ronaldo. Poderes provisórios, imagens impertinentes. Icônica, São Paulo, 10 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: http://iconica.com.br/site/poderes-provisorios-imagens-impertinentes/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
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), a exposição estabelece várias nuances entre as categorias “arte” e “documento” e desestabiliza o terreno em que se apoia a arte contemporânea ao exibir “imagens impertinentes, no duplo sentido: de não pertencimento e de rebeldia”. O autor explica que dirige esse comentário à exposição, pois ela tenta borrar a fronteira entre arte e documento, entre fotografia artística e documental ao trazer fotojornalistas para um museu de arte contemporânea, o que, no seu entendimento, seria uma transgressão.

O curador da exposição, Eder Chiodetto, reuniu um conjunto diverso de imagens, promovendo uma exposição que traz à tona uma dupla discussão, ambas dentro do escopo acadêmico e político e ligadas ao poder, institucional ou estatal, do curador e das instituições de arte.

Quem diz o que pode e o que não pode entrar no acervo do Museu? Quem tem o poder de legitimar o que é ou não é arte? Quanto o mercado de arte pode lucrar com uma exposição que pontua doenças crônicas do capital? O quão legítima pode ser a crítica de um curador ao poder, se a própria curadoria é também um exercício de poder? (CHIODETTO, 2014)

FIGURA 4
Projeto da exposição “Poder provisório”, com curadoria de Eder Chiodetto, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).

Chiodetto traz questões bastante interessantes ao transgredir as noções comuns da arte e as fronteiras estipuladas pela academia ao colocar fotografias jornalísticas no acervo de arte contemporânea. O curador faz isso de modo consciente, como forma de trazer uma visão de mundo para além dos limites estabelecidos pela academia e pelas convenções artísticas que separam o documental do artístico.

No nosso ponto de vista, historicamente, a academia e a comunidade artística vivem em um fluxo de eterno retorno. As questões debatidas são semelhantes e estão constantemente ligadas às delimitações e demarcações de fronteiras - o que muda são os atores envolvidos, a época e a tecnologia. Ao final do seu texto, Entler (2014ENTLER, Ronaldo. Poderes provisórios, imagens impertinentes. Icônica, São Paulo, 10 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: http://iconica.com.br/site/poderes-provisorios-imagens-impertinentes/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
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) faz uma reflexão bem contextualizada sobre a arte na contemporaneidade ao reforçar a importância dos estudos da cultura visual e defender que existe uma história da imagem que transpassa as fronteiras estabelecidas pela história da arte. Ele nos convida a pensar que existem algumas imagens que se infiltram “nas paredes sólidas que demarcam o lugar da arte para lembrá-la dos embates mais amplos que produzem dentro da cultura” (ENTLER, 2014ENTLER, Ronaldo. Poderes provisórios, imagens impertinentes. Icônica, São Paulo, 10 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: http://iconica.com.br/site/poderes-provisorios-imagens-impertinentes/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
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).

Retornando à análise sobre a exposição no MAM-SP, Tosetto (2015TOSETTO, Guilherme Marcondes. Entre arte e documento: as fotografias da Mídia Ninja e a cultura da convergência. Estúdio, Lisboa, v. 6, n. 11, pp. 31-38, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1647-61582015000100003&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 25 jan. 2021.
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) reflete sobre como a entrada de imagens documentais e de registro histórico em acervos fez com que elas adquirissem a condição de obra de arte e se infiltrassem no campo das artes visuais. O objeto de sua análise, assim como o de Entler, é composto por quatro fotografias produzidas pelo coletivo Mídia Ninja, fruto da cobertura fotojornalística das diversas manifestações que tiveram como um dos principais motivos contestar o aumento da tarifa do transporte público no país e que tomaram as ruas do Brasil em meados de junho de 2013.

FIGURA 5
Mídia Ninja, Mídia Ninja. Ruas de Junho, 2013.

Para o conselho consultivo de artes e para o curador do MAM-SP, a escolha foi motivada pelo fato de a produção de conteúdo da Mídia Ninja se amparar nos anseios da contemporaneidade, discutir o papel da imprensa tradicional e mostrar a crise da representação dos fatos na imprensa. O museu, por sua vez, ao transformar documentos em obras de arte, transmutou a fotografia documental em fotografia artística, inserindo-a no campo da arte e fazendo cumprir seu papel de preservação do debate que o grupo trouxe à tona, ao mesmo tempo que questiona o estatuto da fotografia no contexto da arte contemporânea. Esse exemplo de convergência resolve muitas das questões levantadas por nós neste artigo, ao abordar a fotografia, a imagem, as artes visuais, a comunicação, o estatuto da fotografia documental e artística e a fricção entre essas duas.

No nosso ponto de vista, a exposição promove a colisão entre pensamentos ultrapassados e aqueles em plena expansão, rompe com o paradigma da revolução digital, que presumia que as novas mídias engoliriam as antigas, e reforça o paradigma da convergência, que prevê a interação de forma complexa entre as velhas e as novas mídias. Essa quebra de paradigma estremece a base do que a arte contemporânea tinha como ponto de referência e apresenta a concepção de um novo espaço cultural com base na hibridação e na convergência de velhas com novas mídias, como a fotografia documental e a artística.

As imagens digitais podem transitar em diversos meios, suportes e canais, assim como podem ter vários tipos de entendimentos e leituras que irão variar dependendo de quem a observa e do local onde é observada. Outra questão relevante para esta análise diz respeito à autoria da Mídia Ninja, ao seu lugar como grupo responsável pela criação e circulação dessas imagens contemporâneas a partir do momento em que elas são integradas à mostra do MAM-SP. Com essa escolha, Chiodetto constitui-se não apenas como o curador, mas também se transforma, em algum medida, em autor, pois sua decisão de trazer o fotojornalismo para a arte poderia ser lida, ainda, como uma espécie ready-made,

De acordo com o pensamento do crítico russo Boris Groys (2006GROYS, Boris. Multiple authorship. In VANDERLINDEN, Barbara; FILIPOVIC, Elena (ed.). The Manifesta Decade: Debates on Contemporary Exhibitions and Biennials. Cambridge: The MIT Press, 2006. pp. 93-99.), não existe distinção entre autor da obra e curador, de modo que ele defende o conceito de “autoria múltipla”. Groys argumenta que, na década de 1960, artistas criaram instalações com o objetivo de mostrar suas práticas pessoais de seleção de obras, que não seriam outra coisa senão exposições curadas por artistas, o que torna o papel do artista e o do curador idênticos. Para ele, o “curador autor” emergiu simultaneamente à arte de instalação e à crítica institucional, de modo que não poderíamos “mais falar da autonomia autoral do artista porque ele ou ela está, desde o princípio, envolvido em uma prática colaborativa, coletiva, institucionalizada, produtiva” (GROYS, 2006GROYS, Boris. Multiple authorship. In VANDERLINDEN, Barbara; FILIPOVIC, Elena (ed.). The Manifesta Decade: Debates on Contemporary Exhibitions and Biennials. Cambridge: The MIT Press, 2006. pp. 93-99., p. 96, tradução minha). Nesse contexto, o artista, além de apresentar suas próprias obras, também seleciona e apresenta obras de outros artistas.

Por sua vez, a britânica Claire Bishop (2015BISHOP, Claire. O que é um curador? A ascensão (e a queda?) do curador auteur. Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da Uerj, Rio de Janeiro, ano 16, v. 2, n. 27, 2015, pp. 270-282., p. 270) afirma que Groys estaria equivocado sobre essa questão. Para ela, as histórias da arte, da instalação e da curadoria não deixariam de estar entrelaçadas, entretanto, existiria uma importante “distinção entre autoria curatorial e autoria artística”, sendo “imprudente - e até mesmo perigoso - fundi-las numa só”. Bishop (2015)BISHOP, Claire. O que é um curador? A ascensão (e a queda?) do curador auteur. Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da Uerj, Rio de Janeiro, ano 16, v. 2, n. 27, 2015, pp. 270-282. concorda que, na década de 1960, os papéis podem ter se fundido; no entanto, nos dias atuais, a cultura e o mercado são outros. Com a proliferação das megaexposições, o curador se transformou em uma espécie de celebridade, com poder de juiz do gosto, “uma celebridade perseguida tanto por artistas quanto por galerias, e que age como corretor de influências entre colecionadores, o mercado e as agências de financiamento” Bishop (2015BISHOP, Claire. O que é um curador? A ascensão (e a queda?) do curador auteur. Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da Uerj, Rio de Janeiro, ano 16, v. 2, n. 27, 2015, pp. 270-282., p. 279), mais ligado ao marketing e à produção de um espetáculo do que à arte.

Por mais que o embate entre Groys e Bishop seja interessante, ele na verdade é um debate paralelo à nossa discussão sobre imagem, fotografia documental e artística. O que se torna relevante, aqui, é como o curador historicamente ganhou poder de lobista junto às galerias, às instituições financeiras e aos artistas, tornando-se, assim, capaz não apenas de influenciar a diluição de fronteiras no mundo da arte atualmente como também de criar novas demarcações.

Nesse sentido, Chiodetto, ao organizar a mostra no MAM-SP, revelou sua capacidade de trazer para a agenda do museu, ainda que valendo-se do lugar de autoridade de que fala enquanto curador, duas discussões extremamente complexas: a discussão política que havia tomado conta do Brasil e a discussão artístico-acadêmica sobre fotografia documental e artística. Esses debates imbricam-se e resultam em outros, como as noções de autoria, de curadoria, prosumers, redes de informação, dentre outras inúmeras discussões contemporâneas.

De acordo com Tosetto (2015TOSETTO, Guilherme Marcondes. Entre arte e documento: as fotografias da Mídia Ninja e a cultura da convergência. Estúdio, Lisboa, v. 6, n. 11, pp. 31-38, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1647-61582015000100003&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 25 jan. 2021.
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), o conteúdo de uma mesma imagem pode ter diferentes leituras se visto em jornal, em revista, num site, na tela de uma máquina fotográfica, na parede de um museu tradicional ou na parede de um museu de arte contemporânea. Para o autor, a imagem pode ilustrar tanto uma matéria jornalística “quanto servir de documentação de um movimento que chacoalhou a política brasileira, ou mesmo revelar uma história de amor entre dois jovens, e ainda possibilitar todas estas leituras ao visitante do museu que a possui em seu acervo” (TOSETTO, 2015TOSETTO, Guilherme Marcondes. Entre arte e documento: as fotografias da Mídia Ninja e a cultura da convergência. Estúdio, Lisboa, v. 6, n. 11, pp. 31-38, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1647-61582015000100003&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 25 jan. 2021.
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, p. 35). Para Fernandes Junior (2006FERNANDES JR., Rubens. Processos de criação na fotografia. Revista Facom, São Paulo, n. 16, pp. 10-19, 2006., p. 18), a fotografia já não está mais “preocupada em flagrar um instante no tempo”, pois o caráter efêmero da ação não dispõe do mesmo interesse para o mundo da visualidade. O artista quer “através dos procedimentos específicos de um fazer artesanal, dotar sua imagem de densidade política, densidade histórica e densidade poética”.

FIGURA 6
Mídia Ninja, Ruas de junho, 2013/2014.

Tosetto (2015TOSETTO, Guilherme Marcondes. Entre arte e documento: as fotografias da Mídia Ninja e a cultura da convergência. Estúdio, Lisboa, v. 6, n. 11, pp. 31-38, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1647-61582015000100003&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 25 jan. 2021.
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) finaliza sua análise afirmando que as criações documentais da Mídia Ninja contribuem para entender a transmutação da fotografia como mídia que carrega conteúdo visual e que transita entre diversas áreas do conhecimento humano, por diversos suportes, o que gera novas leituras e dialoga com outras mídias. Pensar sobre essas fotografias como produto da cultura da convergência “nos ajuda a superar o antigo debate entre arte e documento que se instaurou no campo da fotografia ao longo de sua existência” (2015, p. 35), além de ampliar as discussões artísticas contemporâneas, questionando as bases estabelecidas nas artes visuais e colaborando com a emergente e imprescindível disciplina da cultura visual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que a fotografia tem fundamental importância para a criação e manutenção de regimes de verdade e poder, já que rapidamente se impôs como uma ferramenta da ciência moderna, adquirindo reconhecimento pelas ciências exatas. Em seguida, passou a ser admitida também no campo das ciências sociais, que surgiu no mesmo período que a técnica para responder aos anseios da sociedade. Ao trabalhar em conjunto com a sociologia, a antropologia e o fotodocumentarismo, a fotografia demonstrou ser um potente instrumento para criação de realidades. Após as décadas iniciais de sua existência, em que a fotografia foi largamente utilizada pelas ciências sociais como ferramenta científica e institucionalizada por grupos de poder, não é de se estranhar que tenha ficado na memória das massas seu caráter de representação do real.

Entendemos que a fotografia tem acompanhado as transformações sociais e geopolíticas, integrando o sistema sociopolítico como criadora de imagens de poder que contribuem para a construção cultural de uma sociedade homogeneizada. Correlacionado a isso, as transmutações sociais se aceleraram nas últimas décadas devido aos avanços tecnológicos e à influência econômica do capitalismo neoliberal, que homogeneíza o corpo social para obter maior controle sobre a sociedade. Isso nos levou a refletir sobre as radicais transformações que a natureza da visualidade sofreu no último século em decorrência dessas transmutações e como elas reverberam na produção fotográfica contemporânea. Com esse intuito, entramos no campo da cultura visual e da cultura da convergência, conhecimentos necessários para artistas e pesquisadores do campo das artes visuais.

Explicamos as mudanças sofridas no âmago da representação das imagens e da potencialização do papel do observador, dando a devida importância ao contexto vivido à época, desde o século XIX até os dias atuais. Esclarecemos como os conceitos de imagem, representação e observador também se expandiram consoante às mudanças na sociedade e como isso afetou a fotografia documental em sua essência, estreitando ainda mais o limite entre ela e a fotografia artística.

Por meio da análise dos casos de Steve McCurry, Andreas Gursky e da incorporação de imagens do coletivo Mídia Ninja pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, explicamos as transgressões e convergências da fotografia documental para a fotografia artística.

Por meio da arte e da poética, é possível criar novas realidades transformadoras e, de certa forma, contribuir para que todos tenham acesso ao conhecimento e ao pensamento crítico, que são a base para as reivindicações de justiça, igualdade, inclusão social e respeito à natureza. A arte é um meio emancipatório do ser humano que pode colaborar para que comunidades invisíveis sejam vistas e possam compartilhar do sentimento de cidadania.

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  • 1
    A virada pictórica afirma que as imagens querem os mesmos direitos da linguagem, isto é, querem ficar no mesmo patamar que ela. Mitchell (2015)MITCHELL, J. T. O que as imagens realmente querem? In ALLOA, Emmanuel (org.). Pensar a imagem. Tradução coordenada por Carla Rodrigues. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. pp. 165-189. esclareceu a forma como a modernidade pôde se construir, privilegiando dois lados da imagem: a materialidade do significante e a forma visível abstrata. Ele lembra que a imagem não se identifica com o visível e que sua fala condensa e desloca a percepção, fazendo-nos ver uma coisa em outra por meio de outra.
  • 2
    Sabe-se que, quando a fotografia surge, na segunda metade do século XIX, ela é entendida como um suporte meramente técnico de registro utilizado por pintores de paisagens topográficas e panorâmicas (MAGALHÃES, PEREGRINO, 2004MAGALHÃES, Angela; PEREGRINO, Nadja. Fotografia no Brasil: um olhar das origens ao contemporâneo. Rio de Janeiro: Funarte, 2004.), sendo essa a sua ligação inicial com o meio artístico. Desde sua origem, a fotografia está intrinsecamente ligada à pintura, à estética da pintura e à concepção de real da época. Hoje, observamos um movimento contrário, uma inversão de valores. Os pintores hiper-realistas, que surgiram por volta de 1970, valorizam a técnica e se aproximam dos códigos utilizados pelas imagens fotográficas. Esse movimento “se esforça por tornar-se mais fotográfico que a própria foto” (DUBOIS, 1994DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994., p. 274).
  • 3
    Entendemos que a contemporaneidade é marcada por uma ruptura em relação a “crenças em visões totalizantes da história, que prescreviam regras de conduta política e ética para toda a humanidade” (LYOTARD, 1970LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Tradução de Ricardo Corrêa Barosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970. ).
  • 4
    A cibercultura é compreendida como uma reorganização de fenômenos sociais no espaço eletrônico virtual a partir do uso de suportes tecnológicos para a comunicação em redes localizadas no ciberespaço. Este pode ser definido como “uma dimensão virtual da realidade onde seres humanos, máquinas e programas computacionais interagem mediados por fluxos digitais de informação e imagem” (MARTINS, 2013MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene; Martins, Alice Fátima. Entre subjetividades e Aparatos Pedagógicos: O que nos Move a Aprender? Visualidades, Goiânia, v. 11, n. 2, pp. 59-71, 2013., p. 45). “Uma coisa é certa: vivemos hoje em uma dessas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. Vivemos um desses raros momentos, em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado” (LÉVY, 2009LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: o Futuro do Pensamento na era da Informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: 34, 2009., p. 17).
  • 5
    Utilizamos o conceito de Lyotard (1970)LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Tradução de Ricardo Corrêa Barosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970. , que foi um dos pioneiros na utilização do termo pós-moderno na filosofia, cruzando a filosofia com a arte e a política para enfatizar o estudo sobre a sociedade pós-industrial e a cultura pós-moderna. O autor afirma que devido, à perda de credibilidade dos grandes discursos legitimadores da realidade, ou seja, das metanarrativas modernas, surgiram espaços a serem preenchidos pelo pluralismo e pela afirmação das diferenças.
  • 6
    As imagens não cessam de crescer em profusão e velocidade de circulação, e os novos dispositivos, de se multiplicar, enquanto outros, como a televisão, veem o seu poder ser corroído. Essas mudanças afetam, ao mesmo tempo, ferramentas, materiais, modos de produção, usos, economias, mas também olhares, estéticas e regimes de verdade. Como resultado, há uma impressão confusa de imensa desordem e de “criação contínua de novidades imprevisíveis” (BERGSON apud ROUILLÉ, 2013ROUILLÉ, André. A fotografia na tormenta das imagens. In DOBAL, Susana; GONÇALVES, Osmar (org.). Fotografia Contemporânea: fronteiras e transgressões. Brasília: Casa das Musas , 2013. pp. 17-36., p. 18).
  • 7
    Em 1979, Alvin Toffler cunhou o termo prosumer, que deriva da união de duas palavras que, em um primeiro momento, são antagônicas: produtor (producer) e consumidor (consumer). Esses consumidores, além de interferirem na forma de produção, também poderiam customizar seus produtos. Kirsner Scott (2005) vê o termo prosumer como a união de “professional-consumer”, profissional que não busca obter capital, mas sim melhorar os canais de distribuição de trabalhos criativos. No campo mercadológico, McFedries (2002 apud WARD..., 2020WARD, Rodolfo; ROCHA, Cleomar; VENTURELLI, Suzete. Cyberspace and Cyberculture: The New Social and Governance Field. In MOALLEM, Abbas (Ed.). HCI for Cybersecurity, Privacy and Trust. Lecture Notes in Computer Science. Nova York: Springer International Publishing, 2020, pp. 547-557.) o identifica como “proactive-consumer”, ou consumidor proativo, aquele que toma providências para tentar solucionar problemas junto às companhias e empresas. Esses estudos colaboraram para que as empresas criassem departamentos especializados no contato com os prosumers e que a publicidade criasse o conceito de branding, que “é o sistema de gerenciamento das marcas orientado pela significância e influência que as marcas podem ter na vida das pessoas, objetivando a geração de valor para os seus públicos de interesse” (CAMEIRA, 2012CAMEIRA, Sandra Ribeiro. História e conceitos da identidade visual nas décadas de 1960 e 1970. In BRAGA, Marcos da Costa; MOREIRA, Ricardo Santos (org.). Histórias do design no Brasil. São Paulo: Annablume, 2012. p. 44., p. 44).
  • 8
    “O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função de imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas” (FLUSSER, 2002FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002., p. 9). Byung-Chul Han (2018HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Tradução de Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2018., p. 53) afirma que as imagens não são apenas “reproduções, mas também modelos onde nos refugiamos para sermos melhores, mais bonitos e mais vivos”.
  • 9
    Para Debord (1997), vivemos em uma “sociedade do espetáculo”, na qual a mercadoria e a aparência se tornaram mais valorizadas no contexto das relações sociais e viraram uma forma de relação social em que o “ter” e o “aparentar ser” suprem momentaneamente o “viver”, objetificando e artificializando as experiências, que deixam de ser vividas em sua essência. “O traço característico desta época é que nenhum ser humano, sem exceção, é capaz de determinar sua vida num sentido até certo ponto transparente, tal como se dava antigamente na avaliação das relações de mercado. Em princípio, todos são objetos, mesmo os mais poderosos” (ADORNO, 1992ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Minima Moralia. São Paulo: Ática, 1992., p. 31). […] “as pessoas fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que têm à disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo. E os produtos que são encorajados a colocar no mercado, promover e vender são elas mesmas” (BAUMAN, 2008BAUMAN, Zigmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 13).
  • 10
    Por um lado, a fotografia responde a uma demanda crescente por imagens e pela autorrepresentação da burguesia em ascensão, buscando uma forma de fabricar imagens de forma rápida e que sejam consideradas fiéis aos seus referentes. Do outro, o dramático processo de urbanização criou a necessidade de controlar e disciplinar um contingente diversificado de sujeitos em uma sociedade de massas, criando a foto de identificação (MONTEIRO, 2012MONTEIRO, Charles (org.). Fotografia, história e cultura visual: pesquisas recentes Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. , p. 11).
  • 11
    O autor objetiva, por meio de uma análise ontológica da imagem fotográfica, delimitar uma estética única que permita abranger a múltipla e complexa natureza da fotografia, desde seu processo de produção até o recebimento da imagem e a interpretação desta pelo receptor.
  • 12
    Na ruptura entre o real encarnado e o ficcional desencarnado, o que as imagens teriam a nos dizer? “O que as imagens diriam de nós quando elas nos olham? Bem, elas falam de nós aquilo que nós não ousávamos dizer de nossos desejos mais fundamentais, mais potentes, mais escondidos. As imagens nos olham ‘até o fundo’ de nós, claro que com a condição de que saibamos por nossa parte olhá-las” (DIDI-HUBERMAN, 2017DIDI-HUBERMAN, Georges. Aparências ou aparições: o filósofo Georges Didi-Huberman comenta a exposição Levantes, em cartaz em São Paulo [Entrevista cedida a Lúcia Monteir]. Zum, São Paulo, 28 nov. 2017. Disponível em: Disponível em: https://revistazum.com.br/entrevistas/entrevista-didi-huberman/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
    https://revistazum.com.br/entrevistas/en...
    ).
  • 13
    Hoje, a partir dos estudos de cultura visual, entendemos que existem mais elementos que compõem o fenômeno de scanning proposto por Flusser (2002)FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.. No nosso entendimento, o processo de escanear a imagem imbrica quatro elementos: o olhar e registro do autor (no caso da fotografia, o fotógrafo), o local em que a imagem está exposta (o local de fala da imagem), a imagem (o discurso da imagem) e o observador (o leitor). O observador irá analisar e interpretar a imagem com base em suas experiências de vida em conjunto com as experiências sensoriais e seu estado psicológico no momento de observação, levando em consideração o local da exposição e o suporte da imagem.
  • 14
    Com a explosão das imagens digitais, alguns acadêmicos deslocaram sua atenção para um novo campo de estudo denominado estudos visuais. Mirzoeff (2003)MIRZOEFF, Nicholas. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: Paidós, 2003. define a cultura visual como uma tática ou estratégia interdisciplinar que busca estudar a genealogia, a definição e as funções dos acontecimentos visuais pós-modernos, priorizando a experiência cotidiana do sujeito e levando em consideração que o sujeito-consumidor busca a informação, o significado e o prazer conectados à tecnologia visual.
  • 15
    “Poder Provisório” é um projeto com várias camadas de pensamento: convidado a pensar a presença das fotografias no acervo do MAM-SP, o curador Eder Chiodetto elegeu um recorte que evidencia a transitoriedade das forças -sociais, políticas e econômicas - que, em determinados momentos, se mostram hegemônicas. Reunindo um conjunto muito heterogêneo de imagens, ele aproveita para tensionar os poderes implicados numa instituição de arte e no trabalho de um curador” (ENTLER, 2014ENTLER, Ronaldo. Poderes provisórios, imagens impertinentes. Icônica, São Paulo, 10 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: http://iconica.com.br/site/poderes-provisorios-imagens-impertinentes/ . Acesso em: 1 abr. 2021.
    http://iconica.com.br/site/poderes-provi...
    ,).
  • 16
    Para saber mais sobre o coletivo Mídia Ninja, cf.: https://midianinja.org/quem-somos/. Acesso em: 1 abr. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2020
  • Aceito
    22 Mar 2021
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