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Editorial

Este volume de Ambiente e Sociedade apresenta nove artigos que abordam redes alimentares alternativas, conflitos socioambientais em mineração e empreendimentos hidroelétricos, avaliação ambiental estratégica, mudanças climáticas, adaptação e riscos, logística reversa, serviços ambientais e recuperação áreas degradadas, associativismo em áreas protegidas e representação social da sustentabilidade.

Além disso contém um dossier especial, coordenado pelos pesquisadores Emilio Moran (Universidade de Michigan) e Marcia Grisotti (Universidade Federal de Santa Catarina) com cinco artigos sobre os impactos socioambientais de projetos de infraestrutura na Amazônia. O dossier apresenta os resultados de pesquisas desenvolvidas pelo Professor Emilio Moran, abordando a relação entre população e meio-ambiente no contexto do desenvolvimento de infraestruturas de grande escala. O enfoque recai sobre os impactos verificados durante a construção da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia brasileira.

A construção de barragens hidrelétricas, e principalmente a previsão de construção de mais de 65 no futuro, representa um tema fundamental que a Revista Ambiente e Sociedade compartilha com seus leitores sob a ótica da justiça ambiental.

Desde seu início em 1975, o projeto da construção da hidroelétrica de Belo Monte mobiliza os ambientalistas brasileiros e internacionais e, principalmente, comunidades indígenas locais, desencadeando controvérsias, protestos, conflitos e uma sequencia de laudos e pareceres técnicos contestados, o que resultou numa redução do escopo do projeto e mudanças na localização da barragem e do reservatório.

Sua potência instalada será de 11 233 MW, contudo, pelo fato de operar com reservatório muito reduzido, deverá produzir de forma efetiva, em torno de 4 500 MW/ano, o que representa aproximadamente 10% do consumo nacional. Em potência instalada, será a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás apenas da chinesa Três Gargantas e da brasileira e paraguaia Itaipu. Belo Monte está instalada em uma das regiões de maior sociobiodiversidade do Brasil, muito próxima ao Parque Indígena do Xingu.

Os questionamentos se concentram principalmente nos passivos ambientais e sociais desde o início da construção em 2011. O projeto original foi reduzido, e da proposta inicial de cinco barragens, está sendo construído apenas uma. A usina vai operar a fio d'água, o que exige menor área de alagamento. Mas apesar dessa diminuição, causa um desmatamento de quase 12 mil hectares, com impactos sobre a biodiversidade e sobre as comunidades indígenas que dependem do Xingu para sua sobrevivência

Os problemas se multiplicaram ao longo da construção, destacando-se pendências vinculadas à realização de obras de infraestrutura viária e sanitária nas cidades atingidas e remanejamento inadequado das famílias que viviam nas áreas afetadas. A construção levou milhares de trabalhadores e migrantes para a região, causando um enorme impacto sobre os serviços públicos de Altamira, que deu um salto de 100 mil para 150 mil habitantes, o que se refletiu no número de ocorrências policiais, a taxa de homicídios subiu de 48 para cada 100 mil habitantes em 2012 para 57 assassinatos por 100 mil habitantes em 2015, sendo a média nacional de 32.

Os serviços de saúde e educação foram igualmente afetados por esta demanda populacional crescente, formada principalmente por trabalhadores da empresa, suas famílias, prestadores de serviços, além das populações ribeirinhas e rurais, deslocadas de suas casas, em razão das obras e da área de inundação da barragem do rio Xingu.

A hidrelétrica provocou também um impacto sobre os recursos pesqueiros, um importante elemento de geração de renda e segurança alimentar para as populações ribeirinhas e para os povos indígenas.

Ao longo de sua construção, prevaleceu uma conduta de pouco diálogo. O reassentamento de populações rurais e a criação de assentamentos urbanos seguiram o modus operandi convencional, pautado pela falta de flexibilidade e ausência de transparência em relação aos investimentos, aos financiamentos e aos volumes de recursos alocados em todo o processo de planejamento, licenciamento e construção da usina de Belo Monte.

Em novembro de 2015, a empresa responsável pelo empreendimento abriu as comportas e iniciou a operação de enchimento do reservatório. Entretanto em setembro do mesmo ano, quando foram concluídas as obras dos reservatórios, o Ibama já havia apontado o descumprimento de 12das 41 obrigações impostas à empresa ainda em 2011, quando recebeu a licença para começar as obras e concordou em cumprir as contrapartidas.

O exemplo de Belo Monte traz à tona o debate sobre os custos socioambientais de implantar um projeto de infraestrutura na Amazônia. Apesar dos questionamentos das entidades socioambientalistas, permanece o apego a modelos energéticos anacrónicos, que não contribuem para avançar rumo à sustentabilidade dados seus impactos ambientais e sociais. Se soma a outros conflitos que revelam os limites e dificuldades de uma concepção modernizante de desenvolvimento, que tem como premissa, a geração de energia como condição para o crescimento industrial e econômico nacional.

Observa-se que o discurso que prevalece é o de produzir eletricidade com pouca emissão de gases que contribuem para o efeito estufa, utilizando o potencial hidráulico dos rios da Amazônia. A opção por esta matriz energética é questionada ao se considerar os impactos negativos resultantes da construção das grandes usinas hidrelétricas. E o processo vem sendo notificado por denúncias de organizações da sociedade civil preocupadas com temas relativos à justiça ambiental, que, ademais, vêm mostrando a permanente falta de diálogo do Estado com a comunidade científica, com as populações locais e os movimentos sociais.

A estrutura deste volume se inicia com o artigo "Redes alimentares alternativas e novas relações produção-consumo na França e no Brasil" de autoria de Moacir Roberto Darolt, Claire Lamine, Alfio Brandenburg, Maria de Cléofas Faggion Alencar e Lucimar Santiago Abreu analisa redes alternativas de comercialização de produtos ecológicos e novas relações produção-consumo na França e no Brasil. O método de investigação foi baseado na pesquisa descritiva e qualitativa a partir de vinte experiências selecionadas com atores que comercializam alimentos ecológicos na França e no sul do Brasil. Como resultado apresenta-se uma tipologia, as características e a organização dos circuitos curtos de comercialização.

Em "Percepción de conflictos socio-ambientales en zonas mineras: el caso del proyecto Mirador en Ecuador", Luis Sánchez-Vázquez, María Gabriela Espinosa e María Beatriz Eguiguren, apresentam artigo que aborda a percepção do público sobre os diferentes conflitos socioambientais na área de influência direta do Projeto Mirador, o primeiro projeto de mineração em grande escala no Equador.

Hemerson Luiz Pase, Humberto José da Rocha, Everton Rodrigo dos Santos e Ana Paula Dupuy Patella analisam em "O conflito sociopolítico em empreendimentos hidrelétricos" o conflito entre as Sociedades de Propósitos Específicos (SPE), proponentes das hidrelétricas, e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), representante de partes das populações locais deslocadas compulsoriamente em decorrência dessas obras. Tendo como locus a bacia do Uruguai, no sul do Brasil, discute-se o conflito através de uma "malha de análise" composta por hidrelétricas e reassentamentos, que exige a construção de grandes obras de infraestrutura, e impulsionam processos sociais e políticos contraditórios.

Em "Avaliação Ambiental Estratégica para o planejamento da expansão da cana-de-açúcar: uma proposta de roteiro", Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo, Carla Grigoletto Duarte e Ana Paula Alves Dibo, apresentam subsídios para o planejamento da expansão da cana-de-açúcar dentro do escopo do Plano Decenal de Expansão de Energia no intuito de integrar a sustentabilidade na tomada de decisão do planejamento.

No artigo "Risco, vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas: uma abordagem interdisciplinar" Allan Yu Iwama, Mateus Batistella, Lúcia Da Costa Ferreira, Diogenes Salas Alves e Leila da Costa Ferreira apresentam com base na literatura sobre o tema e no estudo de caso no litoral norte de São Paulo - Brasil, uma reflexão para a análise da vulnerabilidade sob três eixos interconectados (risco físico, vulnerabilidade social e protagonismo). Enfatiza-se o grau de protagonismo da população que enfrenta as situações de riscos do meio físico, e reduzirem aqueles advindos dos problemas recorrentes e históricos - pobreza, segregação social e espacial - ou daqueles que estão porvir, como os das mudanças climáticas.

Em "Logística reversa de REEE em países em desenvolvimento: desafios e perspectivas para o modelo brasileiro", Jacques Demajorovic, Eryka Eugênia Fernandes Augusto e Maria Tereza Saraiva de Souza discutem os principais desafios e oportunidades para a implementação do modelo brasileiro de logística reversa para computadores e telefones celulares. Os procedimentos metodológicos incluíram vinte e uma entrevistas em profundidade com várias partes interessadas, incluindo o governo, fabricantes, varejistas, empresas de reciclagem, as organizações de catadores e acadêmicos. Os resultados mostram a importância da nova regulamentação para reforçar o diálogo entre os membros da cadeia de abastecimento eletro-eletrônica para o desenvolvimento do modelo brasileiro de logística reversa.

O artigo "Serviços ambientais associados à recuperação de áreas degradadas por mineração: potencial para Pagamento de Serviços Ambientais" de autoria de Caroline Almeida Souza, Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo, Érica Donaire da Silva, Yohana Cunha de Mello, Ciro Abbud Righi e Maria Lucia Solera discute o potencial de associação de serviços ambientais (SA) a técnicas de recuperação de áreas degradadas (RAD) por mineração, à luz da tendência atual de pagamento por serviços ambientais (PSA) no Brasil. Conclui-se que existe um cenário potencial de oferta diversificada de SA na fase de recuperação de empreendimentos minerários - primeiro passo para ensejar sua participação em esquemas de PSA. E que estudos complementares são necessários para desenvolver critérios para um provável esquema de PSA específico para o setor minerário.

Em "Associativismo em áreas protegidas: restrições e possibilidades na experiência dos guias de turismo do Catimbau, Pernambuco", Josilene Henriques da Silva e Maria Luiza Lins e Silva Pires analisam a dinâmica organizacional instituída pela Associação de Guias do Turismo e do Desenvolvimento do Parque Nacional do Catimbau (AGTURC) como forma de estruturação da atividade turística em torno deste parque, localizado em Pernambuco. Constatou-se que a pouca atuação do poder público, a precariedade da infraestrutura logística da associação, além da deficiente administração de recursos escassos, o que têm favorecido disputas internas pela condução dos visitantes, revelando dificuldades e tensões vivenciadas em torno do turismo na Unidade de Conservação.

Elza Maria Techio, Jardel Pereira Gonçalves e Poliana Neres Costa apresentam em "Representação social da sustentabilidade na construção civil: a visão de estudantes universitários", pesquisa desenvolvida dentro de uma abordagem interdisciplinar, envolvendo a psicologia social e a engenharia civil, para identificar as representações sociais de estudantes universitários de engenharias e ciências humanas sobre a sustentabilidade.

O dossiê Impactos socioambientais de Grandes Projetos de Infraestrutura1 1 . The authors recognize the financial support of FAPESP, CNPq and Capes. That have made their research possible. The funding agencies should not be held responsible for the conclusions presented by the authors. , coordenado pelos professores Emilio Moran e Marcia Grisotti, constitui uma contribuição ao debate sobre as interações entre ambiente e sociedade e, em particular, sobre o impacto de projetos hidrelétricos sobre as comunidades atingidas. Os trabalhos apresentados incluem análises que colocam o debate em perspectiva histórica, mostrando que os grandes projetos de construção de estradas (como a Transamazônica, a Belém-Brasilia, a Cuiabá-Santarém, e mais recentemente as estradas que permitirão escoamento de produção via o Pacifico) levam a grandes efeitos colaterais que nem sempre são levados em consideração quando foram planejados e construídos. Os autores embora reconheçam a importância de estradas, do setor elétrico e, essencialmente, da produção de energia para o desenvolvimento do país, e apresentam sua preocupação com a repetição de erros do passado e a frequência com que se ignora os requerimentos da lei, da constituição, e dos direitos das populações locais na construção destas grandes obras de infraestrutura.

O dossiê começa com o trabalho de Emilio Moran "Roads and dams: infrastructure-driven transformations in the Brazilian Amazon" no qual mostra a continuidade do modelo de desenvolvimento econômico construído durante a época militar e que tem sido reafirmado ao longo de décadas por governos que o seguiram.

Vanessa Boanada Fuchs em "Blaming the weather, blaming the people: socio-environmental governance and crisis in Brazilian electricity sector's expansion", discute como uma mentalidade de crise no setor elétrico, assim como uma enorme dependência em fontes hídricas para a produção de energia nacional, levam a uma atitude que procura reduzir o tempo necessário para consulta com populações locais e para o planejamento de ações mitigadoras, em nome da urgência em produzir energia.

Maíra Borges Fainguelernt apresenta em "A trajetória histórica do processo de licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte", como esse contexto põe em causa o modelo de desenvolvimento e suas repercussões no planejamento energético na região amazônica.

Guillaume Leturcq compara em "Diferenças e similaridades de impactos das hidrelétricas entre o sul e o norte do Brasil" as diferenças e semelhanças nos processos socioambientais entre o Norte e o Sul do País e como as populações nessas duas regiões tem sido afetadas. As situações semelhantes encontradas nas duas regiões demonstram um processo que parecem ser inerentes ao modelo de desenvolvimento de grandes projetos no Brasil, enquanto que outras situações estão relacionadas às especificidades regionais e geo-espaciais.

Marcia Grisotti explora no artigo "A construção de relações de causalidade em saúde no contexto da hidrelétrica de Belo Monte" como as relações de causalidade entre problemas de saúde e construção de hidrelétricas tem sido explicada por vários atores e como isso afeta a percepção e as respostas aos desafios da saúde coletiva de grandes projetos. Ressalta a escassez de análises mais específicas sobre saúde nos relatórios de impactos (sociais e ambientais) e como essa escassez de dados dificulta a construção fidedigna de relações de causalidade.

A revista também inclui a resenha "Pantanal, um lugar intocado? Conflitos relacionados à conservação do Pantanal" do autor Rafael Morais Chiaravalloti. A resenha se baseia na discussão do livro: Biodiversidade e ocupação humana do Pantanal mato-grossense: conflitos e oportunidades, dos autores: Jose Luis Andrade Franco, Jose Augusto Drummond, Gentile Chiara e Aldemir Inácio de Azevedo.

Desejamos a todos uma boa leitura e reforçamos a importância de multiplicar pelas suas redes a disseminação dos artigos publicados.

Pedro Roberto Jacobi e Equipe Editorial
Editor-Chefe da Revista Ambiente & Sociedade.
Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo

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    . Os autores agradecem pelo suporte financeiro recebido da FAPESP, CNPq e Capes. Essas agências não são responsáveis pelas conclusões apresentadas pelos autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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