Resumo
A complexa questão da degradação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) de margens de rios em bacias hidrográficas urbanas, sujeitas a inundações potencializadas pela mudança climática, deve ser enfrentada por uma governança territorial atuante. Este estudo objetiva mostrar que o arcabouço legal, como importante indutor no processo da governança territorial, pode influir na preservação ambiental da bacia frente ao crescimento urbano, mitigando a degradação e as inundações, contribuindo para o bem-estar das populações. Adotando-se como objeto empírico a bacia do igarapé São Francisco, na cidade Amazônica de Rio Branco/Acre, por meio de pesquisa documental histórica e análise espacial, mostra-se ação de preservação na bacia com a criação de uma APA, mas também ação contrária reduzindo as APPs, ambas com amparo legal. Conclui-se que é necessária uma governança territorial local atuante para tornar o espaço urbano equilibrado e sustentável, diante do controverso arcabouço legal de proteção da mata nativa.
Palavras-chave:
Preservação ambiental; Bacia urbana; Amazônia; Planejamento e governança; Conflito urbano-ambiental
Abstract
Anthropization process and climatic changes, mainly deforestation and sea level rise, are factors significantly contributing to the loss of mangrove ecosystems. The aim of our study is to analyze the effects of the dynamics of human activities closely associated with these ecosystems’ degradation. We identify and compare soil use and occupation variations based on information provided by 140 randomly chosen participants at the Caracol County - Haiti. The results analyzed through multivariate regression tests, the most significant exploratory variable for the mangroves’ degradation process was “mangrove occupation”, regardless of age, gender, schooling, time in the same residence, profession, home distance from the mangrove, landslide events, and risk of floods. We have concluded that distance from home, ecological function, intervention in biodiversity conservation, as well as water-climatic and geo-physical threats are factors closely correlated to mangroves’ environmental conservation and management.
Keywords:
Preservation areas; Riverbank; Amazon; Territorial governance; Planning and management; Urban-environmental conflict
Resumen
El complejo problema de la degradación de las Áreas de Preservación Permanente (APP) a lo largo de las riberas de los ríos en las cuencas urbanas, sujetas a inundaciones exacerbadas por el cambio climático, debe ser abordado por una gobernanza territorial activa. Este estudio tiene como objetivo demostrar que el marco legal, como un importante impulsor de la gobernanza territorial, puede influir en la preservación ambiental de la cuenca frente al crecimiento urbano, mitigando la degradación y las inundaciones, y contribuyendo al bienestar de la población. Utilizando la cuenca del arroyo São Francisco en la ciudad amazónica de Rio Branco, Acre, como objeto empírico, la investigación documental histórica y el análisis espacial demuestran tanto los esfuerzos de preservación en la cuenca con la creación de una APA, pero también contramedidas, como la reducción de APP, ambas con respaldo legal. La conclusión es que la gobernanza territorial local activa es necesaria para que el espacio urbano sea equilibrado y sostenible, dado el controvertido marco legal para la protección de los bosques nativos.
Palabras-clave:
Áreas de preservación; Orilla del río; Amazonas; Gobernanza territorial; Planificación y gestión; Conflicto urbano-ambiental
Introdução
A complexa questão da artificialização das Áreas de Preservação Permanente (APPs) urbanas de margens de rios, com remoção da mata ciliar, devido à vasta degradação e impactos urbano-ambientais negativos que produz, constitui-se em desafio a ser enfrentado pelo poder público e a sociedade civil, exigindo uma governança territorial atuante para tornar o espaço urbano equilibrado e sustentável.
Diante do crescimento das cidades, este quadro de contínua degradação contribui para agravar diversos problemas socioambientais como as inundações urbanas, que têm sido potencializadas pelas mudanças climáticas, afetando construções e populações de forma abrangente e frequente, revelando a fragilidade das políticas públicas e da governança territorial.
O Relatório Mundial das Cidades (2020) recomenda como estratégia política, com base na assertiva de que a urbanização é um fenômeno mundial irreversível (ONU, 2019), que os governos nacionais e locais, o setor privado e a sociedade civil acelerem seus esforços para enfrentar o desafio de tornar o espaço urbano equilibrado e sustentável, caminhando no sentido do novo paradigma global do urbanismo sustentável, ou seja, garantir no crescimento das cidades, qualidade de vida com preservação da natureza.
Para o caso das inundações, metas estão previstas na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, para o horizonte 2015-2030, em especial, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11 e 13.
No ODS 11, com foco em tornar as cidades sustentáveis, estipulam-se entre as metas adotar e implementar políticas de mitigação e adaptação à mudança do clima, e a resiliência a desastres como inundações, assim como, aumentar a capacidade para o planejamento e a gestão participativa. No ODS 13, focado em tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos, o Brasil adaptou1 a meta da ONU definindo ampliar a resiliência e a capacidade adaptativa a riscos e impactos resultantes da mudança do clima e a desastres nas cidades e comunidades.
Orienta a ONU a essencialidade da boa governança nos esforços para alcançar o urbanismo sustentável. Seguindo esta visão, a Nova Agenda Urbana (NAU, p.23) enfatiza a importância da governança multinível realizada por meio de parcerias, e o Relatório Mundial das Cidades (2020, p.44), ao expor que se requer uma governança eficaz como ativo verdadeiramente transformador para alcance do novo paradigma do urbanismo.
A governança conceitualmente tem vários significados e existe uma grande ambiguidade entre seus diferentes usos (Hirst, 2000), sendo interesse para o presente estudo, a governança na esfera pública.
Sobre este tema, Ckagnazaroff et al. (2018, p.629) ao analisar as produções acadêmicas nos últimos 20 anos, mesmo com diferentes ênfases e inúmeras nomenclaturas (governança pública, governança em rede, rede de governança, governança democrática, boa governança, dentre outras), notaram que a atenção dos diversos autores pesquisados voltava-se para as mudanças de paradigmas, assim compiladas:
- de uma racionalidade burocrática para democrática (Peters, 2005; Brugué, 2011; Speer, 2012);
- de Estado gestor (hierárquico, burocrático, controlador), para o Estado cooperativo (que atua em conjunto com uma rede de parceiros ou colaboradores) (Mayntz, 2000; Kissler; Heidemann, 2006; Bevir, 2011a; Pires, 2015);
- de uma sociedade consumidora de políticas públicas para protagonista na construção de projetos coletivos (Mayntz, 2000; Peters, 2005; Schneider, 2005; Milani, 2008; Brugué, 2011).
Assim, face ao processo de crescimento da cidade e da irreversibilidade da urbanização visando o urbanismo sustentável, é fundamental estabelecer na governança pública voltada para a questão das APPs de margens de rios, uma governança territorial atuante com uma sociedade protagonista para alcançar a cidade sustentável, entendida como aquela “capaz de evitar a degradação e manter a saúde de seu sistema ambiental, reduzir a desigualdade social e prover a seus habitantes um ambiente construído saudável” (Ferreira, 2013).
Reforça-se que a governança territorial, definida por Cançado (2013, apud Boullosa e Peres, 2020, p.54), é “um processo pautado em uma ótica inovadora, voltada ao planejamento, à intervenção e à gestão do território”, ou ainda, “um processo inovador e colaborativo de planejamento e de gestão territorial, com capacidade de promover interações e articulações entre diferentes organizações, grupos e interesses territoriais”.
No campo legal, a governança pública é considerada pelo governo brasileiro, por meio do Decreto 9.203 de 23 de novembro de 2017, como um conjunto de mecanismos com vistas à condução de políticas públicas, possuindo entre suas diretrizes, manter processo decisório orientado pela conformidade legal e pelo apoio à participação da sociedade.
Destarte, o arcabouço legal atua como importante indutor no processo da governança territorial, sendo a participação da sociedade fundamental desde a formulação de normas às suas alterações, uma vez que na complexa questão das APPs e suas bacias, estes instrumentos podem contribuir para agravar ou mitigar as inundações.
Estudo do MapBiomas Brasil comprova que de 1986 para 2020 houve um crescimento de 102% de áreas urbanizadas nas faixas marginais de 30m de corpos hídricos urbanos no Brasil (Santos Jr. et al., 2022, p.2). Sendo esta a faixa mínima de preservação da vegetação nativa ao longo dos rios pela lei de proteção da mata nativa (Código Florestal Brasileiro de 2012), o comprovado crescimento urbano que reduz as APPs pode estar sendo avalizado pela legislação, promovendo a perduração do cenário deste conflito, ampliando as vulnerabilidades urbana e ambiental, e os riscos de inundações.
A cidade de Rio Branco, capital do Acre, situada na região da Amazônia Sul Ocidental, vivencia este conflito em sua mais importante bacia de drenagem urbana, a bacia hidrográfica do igarapé São Francisco (BHISF). A bacia e suas APPs urbanas de margens de rios sofrem ocupação antrópica e degradação ambiental no processo cobiçoso da urbanização e expansão urbana, favorecendo as condições para o agravamento de inundações.
Tais eventos nos tempos atuais da chamada era do antropoceno, responsável pela crise climática, exigem ações geoestratégicas para seu enfrentamento, ou seja, articulam-se na espacialidade.
Neste diapasão, a ação geoestratégica vem, no entendimento de Costa (2017, p.23), ante as espacialidades dominantes, como elemento essencial no contexto ordenador e gestor para, entre outros objetivos, concretizar a prevenção de impactos ante riscos e vulnerabilidades.
Assim, é relevante à governança territorial ter em conta a essencialidade da ação geoestratégica na prevenção de impactos, corroborando com o teorizado por Healey (2012, p.199), colocando a governança com uma orientação de planejamento, inclusive com relação às questões normativas, pois é uma orientação para o futuro.
Considerando a BHISF, objeto empírico da pesquisa, mostra-se a seguir, por um lado, uma ação geoestratégica de (e para) governança territorial que propiciou e normatizou a proteção ambiental de vasta área na bacia por meio da criação de uma APA, e por outro lado, uma ação institucional inadequada que flexibilizou no plano diretor da cidade a métrica das APPs das margens do igarapé São Francisco, potencializando os riscos de inundações.
Objeto de investigação empírica e metodologia
A bacia hidrográfica do Igarapé São Francisco (BHISF) e suas APPs urbanas hídricas constituem o objeto de investigação desta pesquisa. A maior parte desta bacia de 454,403 km² está situada no município de Rio Branco (87,05%), enquanto o restante está no município do Bujari (12,95%) (Hid, 2000, p.81). Estes municípios integram o estado do Acre, localizado na Região Norte do país, na Amazônia Brasileira Legal Sul Ocidental.
O igarapé São Francisco, tributário do rio Acre é de grande importância para o sítio urbano de Rio Branco, uma vez que, após o rio Acre, é o principal coletor da cidade, responsável por aproximadamente 50% da drenagem natural (Hid, 2000, p.84).
A BHISF é assimétrica, sendo a área da margem direita do igarapé plana e consideravelmente superior à outra, e onde estão os extensos afluentes.
As localizações geográficas e o formato da bacia com o curso principal do igarapé e seus afluentes estão ilustrados na figura 1.
A execução desta pesquisa de objetivo exploratório-descritiva foi realizada com base em pesquisa bibliográfica e documental histórica, e em análise espacial utilizando técnicas de sensoriamento remoto e processamento de imagens de satélite.
Para tanto, foram desenvolvidas duas etapas: a) levantamento bibliográfico e documental da expansão urbana na BHISF, com conflito urbano-ambiental nas APPs de margens de rios e eventos de inundações, imbricado ao arcabouço legal; b) elaboração de mapas do uso e ocupação do solo, realizando para a BHISF análise comparativa da ocupação para 20 anos (anos 2001 e 2021), e para o recorte da Área de Proteção Ambiental (APA) do São Francisco, a análise para 15 anos (anos 2005 e 2020).
Relevância da APA e APPs na BHISF
Com a evidenciação da crise climática pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e o problema socioambiental das inundações urbanas, as áreas verdes passaram a assumir maior relevância para as cidades em sua política urbano-ambiental, pelos serviços ecossistêmicos naturais de infiltração das águas de chuvas e de atenuação de enchentes.
Assim, são importantes no processo hidrológico em bacias com crescente urbanização, tanto as APAs, criadas por ato do poder público, quanto as APPs, regulamentas pela Lei Federal de proteção da vegetação nativa.
As APAs diferenciam-se das APPs, conforme o seguinte entendimento:
As APAs (...) Unidade de Conservação (UCs) de uso sustentável, em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, com atributos bióticos, abióticos, estéticos ou culturais importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. Diferencia-se das áreas de preservação permanente (APP) que são definidas pelas condições geográficas do terreno tais como faixa marginal dos rios (ICMBio, 2011).
Como principal instrumento da política urbana para os municípios, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o Plano Diretor, sendo seus dispositivos regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal No. 10.257/2001). O guia de elaboração do Plano Diretor Participativo, publicado há duas décadas, recomenda que “a bacia hidrográfica é a escala espacial adequada, para avaliar os impactos decorrentes da ocupação urbana atual e de novos projetos de urbanização sobre os processos hidrológicos” (Brasil, 2004, p.103).
Cidade de Rio Branco e expansão urbana na BHISF
O crescimento demográfico da cidade amazônica de Rio Branco, com 364.756 habitantes (IBGE, 2022), concentra mais de 90% da população do município e quase 45% da população do Acre e atua na expansão da espacialidade urbana, impactando principalmente a BHISF, responsável por aproximadamente metade da drenagem natural da urbe.
A trajetória para se chegar a este cenário populacional urbano remonta ao início do século passado, em que o “Acre, diferentemente do resto da Amazônia, teve no extrativismo a base econômica de sua ocupação” (Franca, 2009, p.70), mas que foi sendo transformado, principalmente a partir do modelo de ocupação da Amazônia entre 1964 e 1985, período da ditadura militar no Brasil. Este modelo provocou importantes mudanças na economia e na sociedade acreanas intensificando o fluxo migratório campo-cidades e a desestruturação das formas tradicionais de extrativismo (Diniz et al., 2022, p.26). Para estes autores, as consequências imediatas desses dois processos foram a favelização das populações expulsas dos seringais, o aumento do desmatamento e da desestruturação de diversas comunidades tradicionais.
A fragilidade das políticas públicas urbanas favoreceu o conflito urbano-ambiental, levando à proliferação do adensamento populacional em várzeas e margens dos rios, sobretudo de população de baixa renda que, alijada do mercado de habitação formou inúmeras áreas vulneráveis aos riscos de inundação.
Ação geoestratégica de governança territorial para criação de APA diante do conflito urbano-ambiental
A vulnerabilidade da população urbana residente às margens de rios da BHISF diante de inundações vem emitindo sinais de alerta.
O alerta inicial ocorreu em 19 de fevereiro de 1997, com o primeiro grande transbordamento das águas do igarapé São Francisco e seus tributários. Neste dia, no período chuvoso na região, vários bairros foram parcialmente inundados e 300 famílias atingidas, fato noticiado pela mídia local.
A recorrência desta situação, iniciadas a partir do final dos anos 1990, e o desconhecimento que se tinha sobre a realidade das ocupações antrópicas na BHISF, motivaram o desenvolvimento de estudo na Universidade Federal do Acre.
Neste estudo, Hid (2000) apresenta mapas temáticos com a evolução temporal da expansão da mancha urbana da cidade de Rio Branco na BHISF, de 1955 a 1999, revelando que a urbe já ocupava 7% da área da bacia e que possuía quase 50% de sua área drenada por ela, tornando esta unidade fisiográfica a mais relevante no contexto urbano da drenagem. Além disso, mostrou que os vetores de expansão urbana se direcionavam para montante dos rios, e suas margens sofriam degradação com ocupações antrópicas.
Embora as evidências desta investigação alertassem para as consequências deste quadro em relação à drenagem natural do igarapé e a possibilidade de intensificação de inundações, não foram tomadas medidas concretas pelos sucessivos governos locais.
A continuidade desta situação contribuiu para segunda grande inundação ocorrida em 23 de março de 2004, de proporções bem maiores, com aumento da área impactada, afetando 2.000 famílias.
O cenário de inundações e os alertas gerados pelas evidências da investigação motivaram a mobilização da sociedade civil, pressionando o poder público para o enfrentamento desta preocupante situação.
A partir de julho de 2004 surgiram as primeiras reações na sociedade, com a mobilização de professores, técnicos e especialistas em meio ambiente e comunidade afetada, que fundam a ONG Rede de Amigos do Igarapé São Francisco do Acre (Raisfa), logo transformada em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
As interações realizadas entre os diversos atores sociais formaram um arranjo político, numa experiência exitosa de governança territorial, no âmbito da governança pública, que resultou na realização de importantes ações de gestão urbano-ambiental para mitigação do problema, destacando-se entre elas a ação geoestratégica de criação da Área de Proteção Ambiental (APA) São Francisco.
A partir de estudos da Universidade Federal do Acre, em maio de 2005 foi finalizada a peça de criação da APA e assinado pelo governo Estadual o decreto de sua criação. Entre seus objetivos estava “ordenar a ocupação das áreas de influência do igarapé São Francisco” ressaltando-se na peça de criação, a importância social e a gestão participativa:
- O Governo do Acre decreta uma APA na área da bacia do igarapé São Francisco, por razões de necessidade social, de responsabilidade ambiental e de fundamentação técnica e científica;
- A importância social da APA é evidente ressaltando que a manutenção dos serviços ambientais fornecidos pelos sistemas naturais para a qualidade de vida da população, por si, justifica a criação de uma Unidade de Uso Sustentável, que não imobiliza totalmente a área e prevê a sua utilização parcimoniosa pautada em princípios de sustentabilidade e gestão participativa (Acre, 2005).
A APA do igarapé São Francisco situada à montante da cidade de Rio Branco, mostrada na figura 2 com a mancha da urbe em 2020, perfaz uma área significativa de 30.004 ha, aproximadamente dois terços da área total da BHISF, representando esta unidade em relação ao futuro, uma importante ação geoestratégica no sentido de prover a manutenção dos serviços ambientais (ecossistêmicos), vitais à qualidade de vida e bem estar humano, entre eles, os serviços naturais de infiltração das águas de chuvas e de atenuação de enchentes.
Esta ação, empreendida numa cidade amazônica em 2005, tem contribuído para o ODS13 - Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos.
Novas mobilizações são protagonizadas pela sociedade civil pressionando o poder público para institucionalizar a administração da APA. Assim, em 28 de outubro de 2009, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente instituiu a Portaria No. 074 criando o Conselho Gestor, formado por 22 instituições entre secretarias de governos, institutos, universidade federal, OSCIP Raisfa, associações de produtores rurais e de moradores. Este conselho, entre seus objetivos, deve promover articulações e estabelecer formas de cooperação entre órgãos públicos e sociedade civil para a gestão da APA, estimulando o processo participativo.
A criação deste Conselho atende aos modelos conceituais que balizam a governança, promovendo mudanças na burocracia urbana, ao implementar mecanismos de participação social previstos na Constituição Federal de 1988, e reforçados pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal No. 10.257/2001), o que representa para as urbes “um marco muito importante na governança territorial urbana, pois trata de atender, por meio de uma abordagem holística, em um único texto, vários aspectos relativos à governança democrática, à justiça urbana e à proteção ambiental” (Pinheiro et al., 2019, p.35).
A sociedade deve, portanto, interagir no processo da governança territorial usando seus conhecimentos, entretanto, mantendo-se sempre atenta para evitar mudanças que possam alterar objetivos atingidos, conforme mostrado no item seguinte.
Ação institucional inadequada para as APPs da BHISF em cenário de conflito urbano-ambiental
A relevância das APPs pode ser relacionada às suas normas, que evoluíram da simples proteção ambiental de certos locais para algo mais abrangente, que realça a inter-relação homem-meio ambiente (Borges et al., 2011, p. 1204). Neste sentido, a importância destas áreas para os meios urbano e rural está associada a aspectos econômicos, ecológicos, paisagísticos, físicos e psicológicos (Fisher e Sá, 2007 apud Borges et al., 2011, p. 1204), destacando-se que ecologicamente as APPs urbanas podem atuar preventivamente no controle de deslizamentos de terras e enchentes quando da existência de vegetação que, se retirada, implicará em risco.
Este alerta encontra ainda mais ressonância nos tempos atuais de urbanização irreversível com crescimento populacional nas cidades, e dos extremos climáticos comprovados pelo Sexto Relatório de Análise do IPCC. Este, divulgado em agosto 2021, destacou que os eventos climáticos e meteorológicos no mundo estão se tornando mais comuns e severos, conforme contabilizados no Relatório Custo Humano do Desastre emitido em 2020 pelo Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) e Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR, na sigla em inglês). No caso das inundações, aumentaram de 1.389 ocorrências no período de 1980 a 1999, afetando 3,25 bilhões de pessoas, para 3.254 ocorrências no período de 2000 a 2019, afetando 4,03 bilhões de pessoas.
A partir desta constatação, percebe-se que as APPs urbanas, particularmente as categorizadas como hídricas (margens de rios), e sua existência/permanência, são cada vez mais necessárias.
Somente em 2001 as APPs foram conceituadas como áreas protegidas no arcabouço legal brasileiro, sendo ratificadas pela Lei Federal No. 12.651, de 25 de maio de 2012 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa - LPVN) e suas alterações, possuindo entre suas finalidades assegurar o bem-estar das populações humanas, e exatamente por serem protegidas possibilitariam esta proteção, contribuindo para uma cidade mais segura, resiliente e sustentável.
Reforçam este pensamento Medeiros et al (2021, p. 8) quando afirmam que “as tragédias decorrentes de eventos climáticos extremos, registradas todos os anos em diversas regiões do país, apontam que a proteção conferida pelas APPs é de extrema importância e relevância”. Para estes autores, “as baixadas e várzeas urbanas devem ser tratadas como espaços especiais das cidades, implementando-se usos que possam conviver com a dinâmica das águas, dando-se espaço para os rios”. Além disso, continuam estes mesmos autores, requer um amplo conhecimento e participação da sociedade, especialmente das universidades e das instituições de pesquisa e organizações não-governamentais que trabalham com essa temática.
Na cidade amazônica de Rio Branco, no Acre, o conhecimento da dinâmica das águas foi considerado, há mais de cinquenta anos, em instrumentos de planejamento urbano. Na proposta do primeiro Plano de Organização Físico Territorial da Cidade (POFT) - Lei No. 149, de 1972, juntamente com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) - Lei No. 155, de 1972, definiram-se os chamados “jardins de proteção” para as margens do rio Acre para constituírem “uma barreira de proteção natural e agradável às contínuas enchentes do rio, proteger as zonas habitacionais e contribuir positivamente à paisagem urbana”.
A dinâmica da cidade e seu modelo de mercado, fazendo da terra uma mercadoria, deixaram no papel os jardins de proteção. Estes instrumentos de planejamento, elaborados para um horizonte de dez anos, portanto até 1982, nada previam com relação à proteção dos igarapés, como os da BHISF, se conformando apenas ao Código Florestal de 1965.
Com a assunção, em 1986, do PDDU (Lei No. 611) e o Plano de Organização Físico Territorial do Município de Rio Branco (Lei No. 612), o tema da proteção dos igarapés apresenta importante avanço pela referência às bacias hidrográficas, entre elas a do rio Acre e do igarapé São Francisco, relacionando-as ao crescimento populacional e às projeções dos perímetros urbanos.
No atual cenário de extremos climáticos, percebe-se mais claramente a relevância de se considerar em Planos Diretores dos municípios as unidades fisiográficas das bacias hidrográficas, devido à gravidade e imprevisibilidade dos efeitos que as inundações urbanas estão tomando, decorrentes de fatores causais e causas, entre as quais, as associadas a chuvas extremas num sistema de drenagem natural comprometido e suas “interações com a infraestrutura associada à crescente população urbana, bem como com as atividades econômicas” (Nogueira et al., 2021, p.17).
Assim, o Plano Diretor de 1986 traduziu a percepção dos planejadores da época para a realidade amazônica sobre o sistema de drenagem natural, em que os rios amazônicos têm uma amplitude considerável entre os níveis de água que ocorrem no ápice dos períodos de verão e de chuva, devendo ser levada em conta esta dinâmica das águas no crescimento da cidade.
Desta forma, há mais de trinta anos, este Plano Diretor previu métricas mais apropriadas à realidade amazônica com relação às APPs urbanas hídricas do que previam o Código Florestal Brasileiro de 1965. Particularmente, no caso do igarapé São Francisco, com calha de 40 metros, estabeleceu-se uma faixa de preservação de 150 metros para cada lado do curso do rio, e ainda, definiu-se a criação da Zona Verde com a reserva de faixas de 80 metros nos fundos de vales, com a função entre outras de escoamento das águas pluviais.
A referida percepção também se mostrou alinhada aos trabalhos internacionais, buscados anos depois por Metzger (2010), focando no que o autor considera a função mais exigente das APPs: a conservação da biodiversidade para definição de larguras mínimas, com ênfase nas matas ripárias. Neste aspecto, para o caso da Amazônia, apontaram estes trabalhos, com relação às APPs de margens de rios, que:
- As larguras de 140 a 190 m são necessárias para haver certa similaridade entre as comunidades de pequenos mamíferos e de anfíbios de serapilheira entre elementos florestais lineares e uma área controle de floresta contínua (Lima e Gascon, 1999 apudMetzger, 2010, p.2);
- Ao longo de rios deveriam manter pelo menos 200 m de área florestada de cada lado do rio para que haja uma plena conservação da biodiversidade, necessárias para acumulação de espécies, como aves e mamíferos (Lee e Peres, 2008 apudMetzger, 2010, p.2).
A motivação na época para as métricas do igarapé São Francisco também foi pelo fato de que a cidade carecia de grandes áreas de lazer e recreativas. Constava deste Plano, a necessidade da criação da Zona Verde, com a reserva de uma faixa de 80 metros nos fundos de vales, com a função além do escoamento superficial das águas pluviais, possibilitar o assentamento de equipamentos de lazer, educação, segurança, assistencial e centros comunitários, assim como, implantação de equipamentos públicos de lazer.
A enchente do igarapé São Francisco, ocorrida em 23 de março de 2004, e as mobilizações na sociedade, que culminaram com a criação da APA São Francisco em 2005, funcionaram como motivadores para permanência das métricas da faixa de preservação do igarapé, então previstas no Plano de 1986, naquele que o sucedeu, o Plano Diretor de 2006 (Lei No. 1.611), aprovado em 27 de outubro.
Este Plano, construído no modelo participativo, para efeito da governança territorial, foi influenciado pela Lei No. 7.803/1989, que alterou o Código Florestal de 1965, estabelecendo a medição da faixa de preservação permanente a partir do nível mais alto do rio, mais apropriada à região.
Fazendo o recorte territorial para o igarapé São Francisco, com largura de 40 metros em seu leito regular dentro da cidade, o Plano de 2006 estabelecia que as faixas non aedificandi ao longo dos rios coincidiriam com as APPs do Código Florestal (conceito introduzido pela Medida Provisória No. 2.166-67/2001), sendo que as faixas marginais non aedificandi ao longo do Igarapé São Francisco seriam de 150 metros para cada lado, até a elaboração do Plano de Recuperação Ambiental (§ 2º do inciso II, Art. 78).
O referido parágrafo veio a normatizar a orientação do Plano Diretor de 1986, mas estabelecendo as faixas marginais non aedificandi ao longo do igarapé São Francisco desta vez com forte justificativa decorrente da situação de enchentes. O Plano de 2006 apontou a necessidade de um plano de recuperação ambiental devido à contínua degradação das APPs e a situação das enchentes.
Um plano de controle de enchentes numa cidade ou região metropolitana “deve contemplar as bacias hidrográficas sobre as quais a urbanização se desenvolve” (Tucci e Genz, 1995, p.278). Alertava Tucci (1995, p.22) que, as áreas mais afetadas devido às construções de novas habitações a montante são as mais antigas, localizadas a jusante.
O município de Rio Branco, desconsiderando os avanços produzidos em sua legislação e os alertas científicos, retrocedeu a norma em 29 de dezembro de 2014 baixando a Lei nº 2.100/2014, que flexibilizou o regime de proteção da mata nativa dos igarapés. Baseando-se no Código Florestal de 2012, alterou as métricas das APPs hídricas, passando a medi-las a partir do leito regular, influenciando o processo da governança territorial. A situação foi agravada ainda mais com a retirada no texto da expressão alusiva às faixas marginais non aedificandi de 150 metros ao longo do igarapé São Francisco, que passaram a ser de 50 metros.
Esta ação institucional ocorreu um ano antes das discussões para iniciar a revisão do Plano Diretor de 2006 em que, a impositiva lei municipal de 2014, espelhada no controverso Código Florestal de 2012, mudou o regime de proteção das APPs urbanas das margens do igarapé São Francisco. Ao reduzir drasticamente a dimensão das APPs hídricas, algo fora de lugar para a realidade amazônica, desconsiderou o papel fundamental destas áreas na proteção do clima, da natureza e do bem-estar das populações.
Em 02 de janeiro de 2015, o município assinou o Decreto No. 002 instituindo a revisão do Plano de 2006. O preâmbulo deste decreto, diferente da lei adotada em 2014, conclamava a necessidade de assegurar para a revisão do Plano Diretor, um amplo processo participativo, garantindo de forma efetiva a gestão democrática da cidade.
Pouco adiantou o processo participativo de planejamento, pois foi chancelada em 26 de dezembro a Lei Municipal No. 2.222/2016, aprovando o novo Plano Diretor do Município de Rio Branco avalizando o disposto pela lei de 2014.
Ficou estabelecido no Plano de 2016 que as faixas non aedificandi ao longo dos cursos d’água coincidirão com as APPs, em conformidade com o Código Florestal de 2012, ou seja, para o igarapé São Francisco, esta faixa ficaria em 50 metros, reduzindo a dimensão anteriormente estipulada em 150 metros pelo Plano Diretor de 2006. Nesta relação ambiente e sociedade, ocorre um retrocesso preocupante, haja vista a imprevisibilidade das consequências pela perda considerável de APPs, estimando-se na parte urbana da bacia em 5,6 Km².
A complexidade dos desafios postos pela expansão urbana e o conflito urbano-ambiental, que as comunidades locais afetadas por inundações continuam a enfrentar, pode ser vista pela redução territorial das APPs de margens de rios. Enquanto a Lei Federal de 1989, que estabeleceu a medição da APP a partir do nível mais alto do rio, influenciou positivamente o Plano Diretor de 2006, o Código Florestal Brasileiro de 2012, que estabeleceu a medição da APP a partir do leito regular do rio, influenciou negativamente o Plano Diretor de 2016, demonstrando a sensibilidade do município para decisões nacionais, mesmo contrárias à realidade local.
Tal controvérsia induz a desgovernança territorial e causa retrocesso ambiental, que pode ser explicado localmente por fatores produzidos pela sociedade, como mudanças institucionais, alterações no arcabouço legal e, sobretudo, por pressão de setores interessados.
Além disso, passados anos desde a última inundação ocorrida em 2004, o cenário contribuiu para institucionalizar, no Plano Diretor de 2016, a redução da faixa de proteção da mata nativa do igarapé São Francisco, e realizar sua medição conforme o Código Florestal de 2012.
Conforme Tucci (2006, p. 121), no Plano Diretor geralmente não existe nenhuma restrição quanto à ocupação das áreas de risco de inundação, e a sequência de anos sem enchentes é razão suficiente para que empresários desmembrem estas áreas para ocupação urbana.
O resultado deste retrocesso na legislação contribuiu para ampliar os prejuízos com os eventos de inundação que ocorreram posteriormente.
As ações e suas consequências para a cidade
As ações têm consequências futuras para cidade, em termos de habitabilidade e sustentabilidade do ambiente urbano e do bem-estar das populações e, ainda, conforme o pensamento da filósofa Hannah Arendt, da imprevisibilidade que decorre diretamente da história que, como resultado da ação, se inicia e se estabelece assim que passa o instante fugaz do ato (Hannat, 2007 apud Vicente e Martins Filho, 2015, p.139).
Por 17 anos, do verão de 2004 ao final de 2020, não ocorreram eventos de inundação urbana do igarapé São Francisco. A área da APA São Francisco, criada em 2005, que ocupa em torno de dois terços da bacia, teve importante papel neste sentido, tanto na questão da preservação ambiental e atenuação de enchentes quanto na contenção da expansão da cidade.
Por outro lado, o crescimento de Rio Branco na BHISF e fora da APA, a redução dos limites das APPs de margens de rios e o grande desafio para a humanidade que representa hoje a mudança climática, potencializaram a maior inundação do igarapé São Francisco no dia 23 de março de 2023, dois anos após o evento de 2021 de proporções bem menores.
Neste dia, segundo dados da estação meteorológica da Universidade Federal do Acre, um volume de 173 mm de chuvas foi precipitado no intervalo de apenas 12 horas, gerando uma enxurrada que acometeu rapidamente 23 bairros (o governo fez uma estimativa de 1.600 imóveis atingidos). Este volume de chuvas representou quase 62% da média de 280 mm do mês de março, apurada em 20 anos de medição (de 2002 a 2021), ou quase 40% da chuva precipitada em março de 2023, de 447 mm. Uma consulta ao sistema de cadastro digital RBGeo do município de Rio Branco, se verifica que a inundação em alguns bairros chegou a uma distância de 440 metros medidos da borda regular do igarapé São Francisco.
Neste cenário, eleva-se a preocupação com o risco de inundações e enxurradas em ocupações urbanas nas áreas de várzeas e limítrofes ao igarapé, haja vista a mudança no padrão de chuva precipitada. As chuvas extremas associadas às condições de ocupação urbana na BHISF são fatores importantes para condicionar o evento de inundação.
Com relação à chuva precipitada, é necessário analisar o volume e o intervalo de precipitação. Com relação à ocupação, é fundamental analisar o uso do solo nas bacias hidrográficas, em suas mais variadas escalas.
Fator chuva precipitada
A mudança no padrão de chuva precipitada na BHISF e a enxurrada de 23 de março de 2023, causando danos e prejuízos à população, impulsionaram a sociedade civil a pressionar o poder público para busca de solução.
Neste sentido, o Governo do Acre, em parceria com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), encaminhou em abril de 2023 uma Carta Consulta para o Ministério do Meio Ambiente, intitulada “Plano de Ação para Resiliência Ambiental, Enfrentamento a Riscos e Proteção Social de Comunidades Residentes na Bacia Hidrográfica do Igarapé São Francisco no Estado do Acre”. Este plano objetiva recuperar as condições físicas e ambientais da BHISF, fortalecendo sua resiliência e capacidade de realizar serviços ecossistêmicos, com ações para proteger as comunidades, famílias e empreendimentos urbanos e rurais impactados pelos eventos extremos na área de abrangência do Igarapé. Com valor estimado próximo a R$780 milhões, prevê a execução de ações, no prazo de seis anos, articuladas em três componentes básicos de intervenção (meio ambiente, urbanístico e de infraestrutura, e econômico e social), além do quarto componente que propõe a adoção de um robusto sistema de governança. Neste, uma Comissão Multi-institucional de Governança será instituída para coordenação do plano, envolvendo governo, instituições e representação social das comunidades e organizações.
Fator ocupação na bacia
Analisando no espaço-tempo as alterações no uso do solo na BHISF, no período de vinte anos, de 2001 a 2021, constata-se que houve uma redução de 6,28% na cobertura florestal e um crescimento da cidade na bacia de 2,42%.
A figura 3 mostra a imagem do uso e ocupação do solo na BHISF em 2002 e em 2021, produzida na escala 1:155.000, e a tabela 1 registra as diferenças ocorridas. A cidade, que em 2001 ocupava 7,06% da bacia passou em 2021 a ocupar 9,48%.
Com a criação da APA em 2005, que possui dois terços da área da BHISF, e fazendo o recorte da mesma para análise do uso e ocupação do solo, no período de 2005 a 2020, constata-se que houve uma redução de 5,73% na cobertura florestal e um crescimento da cidade na APA de 0,52%.
Estes dados comprovam uma preservação maior na APA em comparação com a bacia como um todo.
A figura 4 mostra o recorte da imagem do uso e ocupação do solo na APA em 2005 e em 2020, produzida na escala 1:155.000, e a tabela 2 registra as diferenças ocorridas.
Estes números demonstram que a ação geoestratégica da criação da APA São Francisco favoreceu a preservação ambiental e, por conseguinte, a contenção da expansão urbana.
Conforme informações de 2022 do Governo do Acre, o Conselho Gestor da APA funciona com 28 conselheiros, e um dos vetores de expansão de Rio Branco ameaça e pressiona fortemente a área, a exemplo do empreendimento de alto padrão Terras Alphaville, iniciado em 2020, que adentrou na APA.
Conclusão
Ao contrário da ação geoestratégica local de criação da APA São Francisco, imprescindível entre outras finalidades para conservação dos serviços naturais de infiltração das águas de chuvas e de atenuação de enchentes na parte urbana da BHISF, a ação de flexibilização na métrica das APPs do igarapé São Francisco, com mudança do regime de sua medição - imposta por lei municipal no ano de 2014 e chancelada pelo Plano Diretor Participativo de 2016, contribuiu para situação de desastre na cidade de Rio Branco com as inundações ocorridas em 2021 e, sobretudo em 2023.
Esta flexibilização, influenciada pelo Código Florestal Brasileiro de 2012, constituiu retrocesso para as APPs de margens de rios prevista nos Planos Diretores anteriores, demonstrando o equívoco produzido ao desconsiderar a necessidade e relevância destas áreas para a proteção ambiental, urbana e bem-estar da população. O Plano Diretor de 2016, embora realizado no modelo participativo, não foi inovador no e para o processo da governança territorial.
Enfrentar o desafio da degradação das APPs urbanas das margens de rios requer uma governança territorial local que atue ativamente para tornar o espaço urbano equilibrado e sustentável, diante do controverso arcabouço legal nacional de proteção da mata nativa, fora do lugar para a Amazônia.
No processo da governança, o conhecimento do território deve avançar fornecendo informações para reforçar a necessidade da mudança de paradigma em direção ao urbanismo sustentável, e alcançar metas estratégicas de mitigação e adaptação de cidades, sobretudo devido ao cenário imprevisível de riscos de desastres como inundações potencializadas pelas mudanças climáticas.
Desse modo, o protagonismo da sociedade civil e a participação ativa do poder público, podem resultar numa governança territorial atuante, diante do controverso arcabouço legal de proteção da mata nativa, concretizando ações de prevenção de impactos ante os riscos e vulnerabilidade, seja de inundação, seja de degradação ambiental na bacia.
Agradecimento
Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Federal do Acre
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Disponibilidade de dados
O corpus que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Nov 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
11 Nov 2023 -
Aceito
01 Mar 2025





Fonte: Arquivo próprio do autor.
Fonte: Hid, 2024
Fonte: LABGEOP/Ufac, preparado para o autor.
Fonte: LABGEOP/Ufac, preparado para o autor