Open-access Governança Climática e o Executivo Estadual Amazônico: o caso da mineradora Norsk Hydro no Pará

Resumo

O regime climático constitui um dos instrumentos de governança que busca mitigação climática. Na Amazônia brasileira a presença do grande capital contribui para a crise climática. Importa questionar quais resultados esta região aufere diante da renúncia fiscal concebido pelo Estado brasileiro às empresas transnacionais. A metodologia está focada no estudo de caso. O objetivo busca analisar a relação entre o Executivo estadual paraense e a empresa da mineradora Norsk Hydro a fim de verificar o resultado dos incentivos fiscais tendo em vista a sustentabilidade do desenvolvimento frente ao axioma de que o investimento feito pelas empresas transnacionais impulsiona o desenvolvimento da periferia ao centro do capital. Verifica-se que a renúncia fiscal rivaliza com os princípios básicos de mitigação climática criando empecilhos para que o regime climático possa se efetivar satisfatoriamente.

Palavras-chave:
Amazônia; Regime Climático; Empresas Transnacionais; Governo do Pará; Incentivo Fiscal

Abstract

The climate regime is one of the governance instruments that seeks climate mitigation. In the Brazilian Amazon, the presence of big businesses contributes to the climate crisis. It is important to question what results this region receives from the tax breaks granted by the Brazilian state to multinational companies. The methodology focuses on a case study. The objective is to analyze the relationship between the Pará State Executive and the mining company Norsk Hydro in order to verify the results of tax incentives in view of the sustainability of development in the face of the axiom that the investment made by Transnational companies drives development from the periphery to the center of capital. It turns out that tax breaks rival the basic principles of climate mitigation, creating obstacles for the climate regime to take effect satisfactorily.

Keywords:
Amazon; Climate Regime; Transnational Companies; Government of Pará; Tax Incentives

Resumen

El régimen climático constituye uno de los instrumentos de gobernanza que busca la mitigación climática. En la Amazonia brasileña, la presencia de grandes capitales contribuye a la crisis climática. Es importante preguntarse qué resultados obtiene esta región frente a la exención fiscal diseñada por el Estado brasileño para las empresas transnacionales. La metodología se centra en el estudio de caso. El objetivo busca analizar la relación entre el ejecutivo estatal de Pará y la empresa minera Norsk Hydro con el fin de verificar los resultados de los incentivos fiscales teniendo en cuenta la sostenibilidad del desarrollo, a la luz del axioma de que la inversión realizada por empresas transnacionales impulsa el desarrollo de la periferia hacia el centro de la capital. Parece que la exención fiscal rivaliza con los principios básicos de la mitigación climática, creando obstáculos para que el régimen climático se implemente satisfactoriamente.

Palabras-clave:
Amazonas; Régimen Climático; Empresas Transnacionales; Gobierno de Pará; Incentivo Fiscal

1. Introdução

As mudanças climáticas e suas consequências estão no centro da agenda global e suas repercussões históricas se apresentam de maneira contundente no planeta deixando milhões de pessoas, principalmente os que vivem em países periféricos, em situação de profunda vulnerabilidade. As relações economia-sociedade-natureza devem ser repensadas, pois as drásticas alterações no ambiente natural orientadas pela lógica do capitalismo são insustentáveis.

Diante deste cenário de crise climática, os Estados-nação têm responsabilidades comuns, mas diferenciadas dentro da Convenção do Clima e das decisões das Conferências das Partes (COPs). Princípios, normas, regras e procedimentos orientam cada uma das partes do regime climático que devem internalizar e produzir políticas públicas a fim de reverter a degradação ambiental. Reconhecidos pelo Acordo de Paris (2015), os governos subnacionais podem contribuir para frear a crise climática.

As Conferências das Partes e os demais espaços de discussão sobre a crise climática têm gerado oportunidades para a atuação dos governos subnacionais. Geralmente, os governos da Amazônia participam de forma coletiva articulados em diversos grupos de interesses e com isso buscam incluir suas agendas no debate a fim de atrair apoio e captar recursos financeiros para produção de políticas socioambientais.

Historicamente atores subnacionais foram importantes protagonistas na promoção do comércio além de suas fronteiras. Essas atividades externas tiveram origem no século XVI/XVII, representado por cidades e províncias (ARRIGHI, 1996). E desde o fim do século XX, esses atores expandiram suas atividades para as arenas internacionais em diversos temas, entre eles as mudanças climáticas (HOCKING, 2004; DUCHACEK, 1990; SOLDATOS, 1990).

Reconhecidos como relevantes pelo Acordo de Paris, absorvidos pela ampliação da esfera pública internacional, os governos subnacionais amazônicos, tem a oportunidade a partir da agenda ambiental-climática, de serem sujeitos participantes e proativos nas relações internacionais. No plano doméstico, a participação desses atores pode ser vista na internalização do regime climático; no plano internacional, como oportunidade para captura de renda a partir da participação em grupos de interesses e assim contornar a assimetria do federalismo brasileiro que divide de forma desigual as receitas advindas dos tributos nacionais.

Assim, o objetivo deste artigo é de analisar a relação entre o Executivo estadual paraense e a empresa mineradora Norsk Hydro, e está centrado na pergunta se os incentivos fiscais concebidos às empresas transnacionais é um vetor que impulsiona o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a preservação do meio ambiente amazônico.

A metodologia está baseada no estudo de caso, e no rastreamento de processos. Observa-se que o termo mudança climática não é suficiente para entendermos a complexidade do fenômeno abordado, visto que ao generalizar o contexto, não é perceptível identificar precisamente os atores que produzem a mudança climática e as suas consequências. Dessa forma, diz-se que vivemos o antropoceno, e não o que produz objetivamente os eventos extremos no planeta, assim, generalizando. Daí a necessidade de rastrear a trajetória do fenômeno que produz a mudança climática e suas consequências, elegendo uma unidade representativa das empresas transnacionais na Amazônia, no estudo de caso, a empresa Norsk Hydro e suas ações no Amazônia no estado do Pará.

E ainda, o desenho metodológico tem como referência os encontros sobre desenvolvimento das Nações Unidas: Estocolmo 1972, e a Rio-92: protocolos e convenções assinadas pelo Estado brasileiro: a Convenção do Clima (UNFCCC), o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris; os desdobramentos em território nacional centrado na política e no plano sobre mudanças climáticas, (lei nº 12.187/2009); o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, reestabelecido pelo decreto 11.367/2023 (PPCDAm).

No Plano subnacional, a metodologia se debruça sobre as leis similares às institucionalidades nacionais, como o Plano de Prevenção, Controle e Alternativas ao Desmatamento no Estado do Pará (PPCAD), decreto 1.697/2009, substituído pelo Plano Estadual Amazônia Agora, decreto 941/2020 (PEAA).

E por fim, dentro da metodologia, concorrente às ações especificas do Estado brasileiro de mitigação às mudanças climáticas, os incentivos fiscais dados às empresas transnacionais pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (lei 12.995/2014, decretos n° 4.212/2002, n° 6.810/2009); a lei nº 87/1996, (lei Kandir), que isenta do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços, e o relatório técnico conclusivo do Tribunal de Contas do Estado/TCE que identificou a perda desse tributo; bem como as resoluções números 014 e 020/2015 estabelecidas pelo governo do Pará que criou incentivos fiscais para empresa Norsk Hydro.

O texto está dividido em três partes. Na primeira, abordamos em perspectiva conceitual e dialógica o tema governança e mudanças climáticas. Na segunda, nos detemos na participação dos governos subnacionais para além das fronteiras do Estado- nação e, por fim, analisamos a relação executivo estadual paraense e a empresa mineradora Norsk Hydro e os incentivos fiscais dados a esta transnacional norueguesa no contexto da crise climática global.

2. Governança E As Mudanças Climáticas, Onde Aterrar?

Os anos de 1990 constituem uma ruptura com a hegemonia do conceito de governança, que estava restrita às análises do Banco Mundial. O marco dessa nova releitura está na criação da Comissão sobre Governança Global pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1991, a partir da ideia de que não há alternativa senão trabalhar em conjunto usando o poder coletivo para criar um mundo melhor. Assim, governança é a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições públicas e privadas, administram seus problemas comuns. Governança diz respeito não só as instituições e regimes formais autorizados e coercitivos, mas também acordos informais que atendam aos interesses das pessoas e instituições.

Na dimensão interna, a governança é mais do que o governo e implica um propósito, bem como autoridade ou poderes policiais formais. Em um contexto doméstico, essa leitura é válida, porque a governança é o governo mais os mecanismos adicionais necessários para garantir a ordem e previsibilidade na resolução de problemas. Em muitos casos, as redes de instituições e regras da ONU fornecem a aparência de uma governança eficaz, mas esses mecanismos não produzem os efeitos desejados. As organizações internacionais, por vezes, funcionam a semelhança governamental tentando exercer o controle através da promulgação de normas e leis (WEISS; THAKUR, 2010).

Smouts (2004) analisa esses discursos divergentes que se desenvolvem em torno da governança - o do Banco Mundial-, que tem como alvo os países em desenvolvimento. Para essa instituição, governança é a “boa gestão” e, dessa forma assinala que a “boa governança” tem a ver diretamente com um Estado de direito, administração boa e transparente, e com uma classe política responsável diante do povo. O outro discurso está assinalado pela revista Global Governance que se assenta na ideia de uma Governança sem Governo. E por fim, o terceiro discurso da Comissão de Governança Global, onde governança corresponde a cooperação, acomodação de interesses diversos e conflitantes, o que perpassa, a mobilização das instituições formais e informais. Esse último discurso, em sua avaliação, parece ser de difícil operacionalização.

Em perspectiva crítica, Smouts (2004) afirma que acima de tudo, não se deve desprezar as relações de dominação que permeiam a realidade mundial. Nesse ponto de vista, percebe-se que nem todos que fazem parte da sociedade mundial participam da governança. Atores que são fundamentais acabam por serem pouco representados e, muitas vezes, nem sequer são considerados no processo de tomada de decisão. Nas questões ambientais - acontece quando populações indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares são excluídos e não podem opinar sobre seu lugar e destino. A solução seria refazer o pacto global, numa relação bottom up o que é quase impossível diante da assimetria de poder entre atores sociais, empresas transnacionais e Estadas.

Para Biermann et al. (2009), a partir Earth System Governance, diz que governança são regras formais e informais associadas e integradas, que perpassa sistemas de formulação de regras e redes de atores em todos os níveis da sociedade, articuladas em torno do princípio da precaução que visa as mudanças ambientais, com efeito, a transformação do sistema terrestre, no contexto do desenvolvimento sustentável. E ainda governança refere-se, a formas de direcionamento menos hierárquicas, mais descentralizadas, abertas à auto-organização e à inclusão de atores não estatais no processo decisório de políticas que dizem respeito à sociedade.

Destarte, junto a este arranjo apresentam-se outros níveis de governos, como os subnacionais, cidades e regiões em busca de cooperação além das fronteiras nacionais. E assim na temática ambiental a construção e fortalecimento da governança climática é fundamental e necessária. E dessa forma os Estados, governos subnacionais e atores da sociedade civil devem buscar os meios para solucionar a crise climática. É um processo lento e que depende da cooperação e consenso entre atores, principalmente os que concentram o poder decisório. Por fim, nas relações internacionais, verifica-se cada vez mais a presença desses atores, governos subnacionais e seus protagonismos.

Dois eventos externos e um arranjo político doméstico constituem referências fundamentais para o entendimento da inserção internacional dos governos subnacionais. O fim da Guerra Fria e a globalização são os dois eventos que deram o tom à modernidade para o surgimento da inserção em relações internacionais desses governos. O outro evento constitui-se no Federalismo, que diferente de arranjos estatais centralizados, é permeável à participação das regiões. Uma forma de entendimento adequada sobre o Federalismo - é que são mais capazes de lidar com a interdependência global e regional, mais do que as formas centralizadas e autoritárias, e assim as partes componentes da federação atravessam as fronteiras para o ambiente internacional (DUCHACEK, 1990).

As fusões dos eventos políticos externos com o arranjo doméstico acabaram por tornar mais fluído o controle em política externa por parte dos governos centrais dos Estados- Nação. O fim da Guerra Fria e o alargamento do sistema internacional colocaram em cena os governos subnacionais e atores não estatais. Nos últimos trinta anos, o fenômeno da globalização tornou o mundo mais conectado, a partir do desenvolvimento do transporte, do avanço tecnológico e comunicacional proporcionando grandes mudanças. Nesse contexto, nos estertores do século XX e no vislumbrar de um mundo multipolar, que se intensificarão as perspectivas de inserção das regiões em relações internacionais.

Assim, uma vez que na origem do Estado moderno as regiões, cidades e províncias já inseridas em empreendimentos comerciais energizaram o capitalismo histórico, Gênova, Veneza e as províncias holandesas foram pioneiras no processo de inserção de governos subnacionais no sistema internacional (ARRIGHI, 1996 ; SOLDATOS, 1990). Vale destacar que, os governos subnacionais já implementavam políticas sociais sob o arranjo do sistema federal, muito antes do Estado moderno (DUCHACEK, 1990).

Destarte, os governos subnacionais vieram para a cena da política externa pela crise de representação e o desempenho questionável em política externa por parte dos Estados-Nação. Esse fenômeno primeiramente se verificará em países de capitalismo avançado e/ou em países que não terminaram o processo de construção da nação sendo que a descentralização experimentada nesses países permitiu a participação em política externa das regiões e de outras unidades da federação como os municípios (SOLDATOS, 1990).

De outra forma, e em contraposição ao estatocêntrismo, a emergência do fenômeno da paradiplomacia em política internacional depreende-se da interdependência complexa, e dessa forma “enfatizam a capacidade cada vez menor do Estado agir como uma entidade coerente, cujos interesses coletivos podem ser representados e expressos por uma autoridade central” (HOCKING, 2004, p. 82). Concomitante a esse entendimento, é que o grupo de interesse - Governadores para o Clima e Floresta (GCF) -, afirma que tanto os Estados quanto o regime climático são falhos para o enfrentamento das mudanças climáticas, os quais justificam suas ações em política externa.

A Europa Ocidental e a América do Norte são centrais para compreensão da inserção das regiões no ambiente internacional. Desde 1882, Quebec, no Canadá, mantém representação no Velho Continente, o que reafirma que esse fenômeno e seus motivos não são novos, mas que emergiram impulsionados pelos fenômenos já expostos e, pelas fragilidades do Estado-Nação sobre o qual, e a partir de, pode-se verificar as ações dos novos atores, governos subnacionais em política externa. Essa relativização do poder estatal não significa a perda total do controle, mas, acima de tudo que o Estado central não é mais detentor exclusivo da representação, isto quer dizer que, num mundo globalizado e multipolar, atores não centrais como os governos subnacionais importam na arena internacional (DUCHACEK, 1990; SOLDATOS, 1990).

Por fim, entende-se, seguindo os estudos desses autores que, o surgimento dos governos subnacionais em política externa a partir da autonomia relativa e sua ação direta com recursos, para sustentar suas participações, têm ganhado em dinâmica e amplitude, ao mesmo tempo em que essas ações se assemelham em muito à política externa levada a cabo pelo Estado-Nação. Embora este não tenha a mesma amplitude, de conseguir estabelecer um padrão com repercussão no sistema internacional.

Diante do protagonismo de governos subnacionais em política externa, tem-se uma variedade conceitual para este fenômeno. A segmentação é o termo usado para classificar a ação dos governos subnacionais para além do ambiente doméstico. A mobilização do conceito sobre segmentação concorre para a explicação do fenômeno da paradiplomacia, aliás, termo usado pioneiramente por Soldatos para descrever o protagonismo dos governos subnacionais nas relações internacionais. Mas, não se constitui o único estudo, também podem ser observadas outras classificações tais como: diplomacia federativa, diplomacia multicamada, segmentação de atores e governança multinível, cooperação internacional descentralizada (DUCHACEK, 1990; HOCKING, 2004; SOLDATOS, 1990). Em síntese, as muitas vozes na política externa se articulam em vários níveis, com dimensões e características diferenciadas, que por sua vez influenciam e geram resultados, onde unidades federadas participam ativamente da formulação de política externa.

Assim, nos estudos do fenômeno de inserção dos governos subnacionais, a paradiplomacia pode ser entendida como incursões levadas a cabo pelas unidades federativas para além das fronteiras domésticas dos seus respectivos países, que envolvam assuntos econômicos, sociais, culturais, políticos e ambientais que conformam a inserção dos governos subnacionais em política externa (KEATING, 2004).

De outra forma, Duchacek (1990) destaca que a entrada dos governos subnacionais em política externa deve levar em consideração o formato, a intensidade, a frequência e o objetivo, assumindo principalmente aspectos econômicos e em menor intensidade fatores políticos. O regime climático guarda semelhança com esses arranjos cooperativos ao permitir a participação dos governos subnacionais no processo decisório ao considerá-los como atores não partes, e assim importantes para construção e estabelecimento de uma governança climática global.

Vale destacar, as experiências dos governos subnacionais em várias partes do mundo e em diversos temas globais. Neste estudo apresentamos o governo subnacional paraense e sua relação com empresas mineradoras, e o duplo desafio da preservação ambiental diante da atividade predatória da mineração na periferia do capital tendo em vista o modelo neodesenvolvimentista onde operam em parceria Estado e Mercado.

O neodesenvolvimentismo está centrado em valores, ideias, instituições e políticas econômicas, sobre as quais países periféricos e de capitalismo tardio procuram elevar-se ao patamar dos países de capitalismo avançado. Pari passu, um governo neodesenvolvimentista deverá ser capaz de promover o crescimento econômico, distribuir renda por meio de políticas econômicas e reformas institucionais direcionadas para o mercado, mas frequentemente a fim de corrigi-lo. E dessa forma, se afastar da lógica neoliberal de enfraquecimento do Estado, mas gerar fortalecimento para ambas as partes: Estado e mercado (BRESSER-PEREIRA, 2010).

Visão esta, não compartilhada por Sampaio (2012), que no seu entendimento seria uma forma de mimetizar políticas neoliberais centradas na estabilidade da moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade internacional, e na ausência de qualquer discriminação do capital internacional, e associá-las com aspectos positivos do velho desenvolvimentismo: o crescimento econômico, industrialização, papel regulador do Estado, sensibilidade social. Na perspectiva abordada no que diz respeito à Amazônia parece condensar o velho desenvolvimento com nova roupagem, uma que vez se fundamenta no discurso de outro desenvolvimento, mas continua a incentivar as velhas práticas: beneficio fiscal, mão de obra barata, segurança jurídica para o grande capital, tendo sempre como base a exploração desordenada dos recursos naturais, sem pensar no rebatimento tanto socioeconômico como a preservação ambiental em contexto de crise climática.

Existe uma lista de setores prioritários que são contemplados por isenções fiscais na Amazônia a partir de alguns dispositivos legais que datam de 1963. De lá para cá, percebeu-se mudanças em formatos e valores. Assim, foi estabelecido o Fundo de Investimento na Amazônia, e hoje os incentivos fiscais estão sob a lei 12.995/2014 combinados com o Decreto anteriores N° 4.212/2002 e pelo decreto N° 6.810/2009, que dizem quais são os setores que podem demandar os incentivos fiscais com vista ao desenvolvimento regional. Estão na lista os setores de indústrias extrativas; minerais metálicos; agroindústria de carnes e óleos vegetais; indústria da madeira; energia e produção de gás; setores de base industrial como brinquedos e relógios (INESC, 2014).

Os incentivos fiscais dados às atividades diversas na Amazônia Legal são formados pelos impostos tanto de competência da União quanto dos estados da região. No seguimento de atividade de mineração, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) concebe as empresas o abatimento em 75% do seu imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, do imposto devido de 25%, pode ser usado até 30% para investimento em máquinas e equipamentos novos, ou seja, 7,5% que somam um total de 82,5% de isenção fiscal. A SUDAM e a Receita Federal não divulgam os valores da isenção de 75% do IRPJ, a primeira diz que só concebe o benefício e a segunda, que faz o recolhimento reduzido do imposto, diz que a informação é protegida por sigilo fiscal; tem-se por parte das empresas a Compensação Financeira pela Exploração Mineral. E ainda a Isenção do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) para exportação de produtos minerais regido pela lei complementar nº 87/1996 (Lei Kandir); pelos governos regionais a Isenção de ICMS para transações interestaduais. Empresas como a Vale do Rio Doce, BHP Billiton, Norsk Hydro e Mineração Rio do Norte estão na lista das beneficiadas pelos incentivos fiscais (INESC, 2018).

A política fiscal brasileira em vez de incentivar o desenvolvimento revendo esses incentivos acaba por penalizar a Amazônia e os estados produtores de matéria-prima e produtos semielaborados, uma vez que pela desigualdade de apropriação das receitas tributárias, dadas pelos incentivos fiscais, impossibilita ações efetivas de produção de políticas públicas quanto ao enfrentamento das desigualdades sociais, bem como da crise climática.

Um caso emblemático sobre as leis de incentivo fiscal foi levantado pelo Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA) que contabilizou perdas bilionárias decorrente lei Kandir. O estado do Pará teve perdas totais de ICMS, principal tributo dos estados, na ordem de 49,6 bilhões de reais no período de 1996-2018, sendo R$ 41,8 bilhões (80%) pela exportação de produtos primários e semielaborados e R$ 7,8 bilhões decorrentes de créditos de ICMS nas aquisições de ativo imobilizado. No confronto de contas a União transferiu ao Pará, como compensação até dezembro de 2018, R$10,5 bilhões, sendo R$ 6,6 bilhões referentes às transferências decorrentes da Lei Kandir e R$ 3,9 bilhões das Transferências do Auxílio Financeiro aos estados Exportadores (FEX). O valor transferido a título de compensação representa 21% das perdas até então contabilizadas. Considerando-se o total de perdas ao longo de 22 anos e as compensações da União, o Pará tem um acúmulo de perda líquida de ICMS no montante de R$ 39,1 bilhões (TCE, 2019).

Gráfico 01
Estimativa de perdas de ICMS do Estado do Pará - SET/1996 a DEZ//2018

O quadro descrito implica na baixa capacidade do Estado brasileiro e especificamente dos governos subnacionais da Amazônia em buscar soluções para os passivos ambientais produzidos pelas empresas incentivadas como a Norsk Hydro. A tentativa do Estado brasileiro de equacionar as perdas com a lei Kandir está aquém dos valores devidos, mesmo quando se confronta os débitos que os estados têm com a União. Quando organismos do Estado e da sociedade civil questionam esse status quo dos incentivos, as empresas são uníssonas em afirmar que são vetores de desenvolvimento e que poderiam ir para outros lugares implementarem suas plantas de produção. No entanto, essas empresas só podem encontrar os insumos para sua produção na Amazônia, e ainda, pela falta de transparência e mecanismo de controle sobre esses incentivos ao longo de décadas não se pode afirmar que a política de incentivos fiscais seja efetiva (INESC, 2014; 2018; TCE-PA, 2019).

Decorre que do contexto amazônico e de suas unidades subnacionais, das atividades formadoras da balança comercial ao longo dos últimos 50 anos, ao mesmo tempo em que tais atividades concorrem para a formação da riqueza nacional e regional também deixam rastros de destruição, sobre os quais não se pode no curto, médio e talvez no longo prazo evitar a crise climática. Os estados amazônicos dentro dessa dinâmica, em que pese seus esforços em criar políticas públicas para enfrentamento da crise climática, pouco podem fazer diante dos efeitos perversos do capital. Presos aos padrões econômicos históricos dependem diretamente da produção e exportação de commodities.

O desafio dos governos subnacionais amazônicos está na busca de meios para enfrentar a crise climática a partir de um modelo produtivista pré-existente sobre os quais se beneficiam economicamente mantendo sua máquina pública, dentro de um paradoxo. É com esse padrão que, através dos grupos de interesse, eles participam, embora como atores Não Partes, do regime climático, mantendo o discurso da preservação, da busca de soluções para crise climática, mas procurando captar oportunidades de investimento. Talvez, com essa estratégia possam acessar melhor a riqueza de seus territórios, fazendo com que os grandes empreendimentos transnacionais assumam e paguem pelos passivos ambientais na Amazônia brasileira.

O estado do Pará destaca-se diante das subunidades da Amazônia Legal, é o segundo em extensão territorial, primeiro em população e em produto interno bruto da região. Talvez em seu território esteja concentrado a maior atividade do capital. Essa concentração de atividades concorre para que esteja na dianteira quanto aos indicadores econômicos na região e bem colocado na federação quanto à produção de riqueza, o que demonstra o crescimento linear do PIB, no entanto, quando distribuído proporcionalmente à população, o estado cai vertiginosamente para os últimos lugares do ranking de estados da federação. Como a economia do Pará está intrinse camente ligada ao potencial dos seus recursos naturais, principalmente a mineração, pode ser verificado um forte rebatimento quanto a preservação ambiental (TCE, 2019; FIEPA, 2023).

A principal atividade econômica do Pará é a mineração, que responde por 13,5% do PIB e 89% das exportações do Estado, o que possibilita uma geração de US$ 18,3 bilhões em divisas para o país. Isto equivale a um PIB da Islândia ou Jamaica todos os anos, e com perspectivas de crescimento (ENRIQUEZ, 2021, p. 5).

Nos últimos 10 anos do século XXI verificou-se uma série de políticas públicas implementadas com função de combate ao desmatamento e à degradação florestal no estado do Pará, o Zoneamento Ecológico Econômico, o Plano de Prevenção, Controle e Alternativas ao Desmatamento (PPCAD), o Programa Municípios Verdes que busca combinar conservação e produção tendo em vista o desenvolvimento de baixas emissões. Assim, esse conjunto, mais o Fórum de Mudanças Climáticas, forma a estratégia de mitigação “Pará Sustentável”. Atualizado pelo governo Helder Barbalho (2018-2022) com a nomenclatura de Plano Estadual Amazônia Agora, apresentado, como grande estratégia do estado do Pará, em Madrid, na COP 25 (PARÁ, 2020).

Decorre que um estudo desenvolvido pelo governo do estado do Pará a partir da Fundação FAPESPA para análise dos estados amazônicos, o Barômetro da Sustentabilidade (BS), ferramenta metodológica que orbita em dois grandes eixos: o Bem-Estar Humano (BEH) e o Bem-Estar Ambiental (BEA). O primeiro eixo se forma a partir da saúde, população, riqueza, conhecimento e cultura, comunidade e equidade; o segundo eixo, o meio ambiente: terra, ar, água e utilização de recursos naturais. Ao mobilizar todas essas dimensões os estados amazônicos classificam-se numa escala que vai da sustentabilidade à insustentabilidade. O estudo indica, em conclusão, que a classificação de todas as subunidades que compõem a Amazônia Legal, está dentro da escala de insustentável e intermediário (FAPESPA, 2016).

Quando o governo do Pará começa a produzir política para o clima, de certa forma sem uma linearidade, tanto que, mesmo com o Fórum de Mudanças Climáticas no ano de 2000, o que se viu surgir como política de mitigação foi o Plano de Combate ao Desmatamento em padrões de combate ao crime organizado e não de processos que privilegiem a sensibilização de governos e populações da região, como exemplo a operação Arco de Fogo (2008), que paralisou as economias locais, criando antipatias às políticas ambientais em todos os níveis.

Os governos subnacionais da Amazônia com destaque ao Pará se distribuíram em grupos de interesses formando redes de governos subnacionais capazes de apresentarem suas demandas nas COPs e desta forma chamarem atenção para além do regime climático, também de stalkeholders estatais e não estatais para parcerias no ambiente amazônico e, assim construírem condições de enfrentamento da crise climática. É o que se deduz dos seus processos de organização e da recepção do regime climático em território amazônico em que pese o avanço do desmatamento florestal e da degradação do solo.

No entanto, mesmo com todos os protocolos legais que visam à mitigação das atividades predatórias, verifica-se nas balanças de pagamento que a base de sustentação de suas economias se faz via exportação de commodities e, assim, dentro das relações de produção, essas unidades não fugirão dos padrões estabelecidos pelo sistema econômico mundial, que se realiza na concorrência pelas rendas que circulam no sistema internacional, onde tais competidores oferecem as melhores propostas para que o capital circulante possa ter maior segurança jurídica, e assim o melhor ambiente favorável para sua reprodução. Para criar o ambiente favorável, todos os competidores, à maneira dos Estados nacionais, oferecem vantagens para o capital, e essas vantagens se sintetizam na abundância de matéria-prima, na mão de obra barata e acima de tudo, em incentivos fiscais para que a região se torne ainda mais atrativa para o capital (ARRIGHI, 1996; CASTRO et al., 2014; FAPESPA, 2016).

Nesse sentido, o estado do Pará constitui um caso singular de tentativa de estabelecer um processo de preservação ambiental com as perspectivas do desenvolvimento capitalista. A força tarefa dos governadores para o clima, grupo que abriga todos os governos estaduais da Amazônia, reconhece mais do que em outras subunidades amazônicas que o estado do Pará constitui a síntese de todo o contexto amazônico, ou seja, pelo perfil do estado, pode-se compreender as atividades produtivas bem como os aspectos destrutivos deste desenvolvimento.

Descortinando as forças do “progresso” compreender-se-ão os drivers desse desenvolvimento, que se faz uniforme para a região. As grandezas a serem avaliadas passam pelo tamanho do estado que é megadiverso, o que pode ser visto no potencial de biodiversidade, nas riquezas imobilizadas, que uma vez transformadas pela máquina do capital, fazem desse estado um ator de destaque no cenário internacional e doméstico. Assim, do ponto de vista econômico, ocupa a primeira posição em produção de riqueza da região e 11º lugar do país; mas ao mesmo tempo é um dos estados mais desiguais quando essa riqueza é projetada proporcionalmente à sua população, 21º em renda nominal per capta; quanto ao desenvolvimento humano e os indicadores que conformam este índice: pobreza, educação, saneamento e segurança esses indicadores são um dos piores comparados com as outras unidades do território nacional (24º); mesmo com todo o arcabouço legal: fórum climático, leis estaduais, política e planos de combate ao desmatamento, é o estado que mais desmata e é consequentemente o maior emissor de gases de efeito estufa da Amazônia Legal (IBGE, 2019: 2022; OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2022; INPE, 2022; PARÁ, 2020).

Assim, pode ser observado que as riquezas imobilizadas e transformadas e, a partir dos pressupostos centrais da economia, no que diz respeito à periferia do capital, não se realizam no território das quais foram retiradas, mas no centro onde foram transformadas. Observado o padrão de desenvolvimento amazônico, o estado do Pará e as demais unidades de governo desse território, a partir do rastreamento do processo, sem exagero dos 500 anos de ocupação e exploração, independente da presença do Estado, a tendência é que o axioma do desenvolvimento permaneça agora em nova embalagem, para além dos bens naturais concretos, privatizando os resíduos da ação humana, o aquecimento global (WALLERSTEIN, 2001).

Salientando-se aqui o desafio posto ao conjunto dos governos estaduais amazônicos, conforme determina o regime climático, de fazer convergir as políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com as atividades que ocorrem em seus territórios que impactam fortemente o meio ambiente, principalmente: a mineração; produção de energia em larga escala, como as hidroelétricas, e; atividades madeireiras. Todas estas atividades geram grande lastro de recursos (royalties) e, dessa forma, contribuem para formação do orçamento desses governos. A implementação das políticas climáticas não parecem enraizadas no cotidiano da sociedade amazônica e, se comparada com os subsídios dados às atividades econômicas elencadas, parece que não produzirão o efeito desejado, nem no curto, médio, tampouco no longo prazo, se seguirmos a trajetória do modelo de desenvolvimento dentro do espectro centro-semiperiferia-periferia do capital. Esse padrão pode ser comprovado com a série histórica de desmatamento e, concomitante às emissões mensuradas (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2022; WALLERSTEIN, 2001).

Assim, pode-se verificar um conjunto de marcadores importantes que seguem os padrões tradicionais de desenvolvimento da região, que constituem em fortes eventos recentes, que seguem e fortalecem a tendência histórica do desmatamento e degradação ambiental. Nessa perspectiva, vem provar que o conjunto de institutos para o clima de enfrentamento a crise climática é de baixa efetividade, o que se verifica não só nas ações do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), mas também nos incentivos fiscais dados pelo Estado brasileiro, pelos governos estaduais, aliás, tendência histórica que se estende do governo Vargas, governos militares até o presente com a renovação do pacto com o grande capital.

Destarte, essa cadeia de eventos decorrentes das ações dos tomadores de decisões nos níveis governamentais que repercutem no meio ambiente amazônico, bem como o arcabouço jurídico decorrente do regime do clima está presente na fórmula dos incentivos fiscais dado às empresas transnacionais representantes do grande capital. E assim pode ser verificado:

No incentivo fiscal estabelecido pelo governo do Pará à cadeia do alumínio, controlada pela empresa norueguesa Norsk Hydro, cujos maiores acionistas são o Estado norueguês, a empresa Vale, Bancos e setores industriais dos EUA e do Reino Unido, feito através da Resolução N° 014, de 10 de julho de 2015 combinados com a Resolução nº 020, de 20 de agosto de 2015 no valor de 7,5 bilhões de reais. Decorrente de suas ações na região pesam acusações de contaminação de rios, igarapés, populações locais e quilombolas a qual é alvo de ação civil pública via Ministério Público Federal. Pelos danos ambientais causados, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) estabeleceu multa de 17 milhões de reais. Essa empresa responde desde 2012 a 5.300 processos judiciais (NETO, 2017; MPF, 2017; PARÁ, 2015).

Nas resoluções do incentivo fiscal podem ser constatados os padrões de relacionamento entre o governo do Pará e a empresa Norsk Hydro. Depreende-se que conforme a resolução há abatimentos sobre o pagamento do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços decorrente das atividades da empresa, e ainda a um rol de serviços oferecidos pelo governo paraense, tais como insumos e energia elétrica usado no processo de produção da empresa Norsk Hydro e suas subsidiárias. A contrapartida sempre fica sujeita ao campo de intenções, o que não se verifica nas ações desta empresa, vide as palavras escolhidas na resolução como se “comprometer” e não se obrigar de forma homogênea, o que denotaria assumir e fazer concretamente ações em prol do desenvolvimento regional, além dos imbróglios jurídicos com órgãos governamentais de fiscalização e tribunais internacionais.

Vale destacar,

Art. 1º Fica diferido o pagamento do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS incidente nas operações relativas à extração, circulação, comercialização e nas prestações de serviço de transporte de bauxita, alumina e alumínio, no Estado do Pará [...] (PARÁ, 2015, não p.).

E ainda,

Art. 7º O tratamento tributário previsto nesta Resolução fica condicionado ao cumprimento de todas as obrigações assumidas, pelas empresas, no Termo de Acordo, mais especificamente, mas não se limitando as seguintes:

[...]

V - a HYDRO se compromete a colaborar para a construção de uma ferrovia no Estado, seja ela federal, estadual ou PPP com a iniciativa privada, por meio da contribuição de estudos e com a decisão de contratação de carga, desde que o custo do transporte tenha igualdade de condições de mercado em relação ao custo de outros modais;

VI - a HYDRO se compromete, no ano de 2018, a iniciar o processo de expansão física da capacidade de produção da mina de bauxita de Paragominas de 9,9 milhões de toneladas/ano para 14,8 milhões de toneladas por ano, para atender às solicitações de suprimento a serem efetuadas no primeiro momento pela expansão da ALUNORTE para 6,6 milhões de toneladas, que ocorrerá em 2018, e logo em seguida pela CAP, conforme item VIII;

IX - as empresas se comprometem a colaborar com o Estado no que tange o programa ambiental do Estado, buscando a redução da pegada de carbono, em linha com a estratégia climática global do grupo HYDRO para tornar-se carbono neutro até 2020.

Pela resolução que trata do incentivo fiscal em que pese a contrapartida do conglomerado do Alumínio, trata-se de uma atividade altamente predatória que deixará para trás um rastro de destruição incomensurável. O artigo 7º da resolução destaca o potencial e os possíveis impactos do desenvolvimento da atividade mineral - a ampliação da planta empresarial, intensificação da produção, bem como apoio à ampliação de infraestrutura de ferrovia no estado do Pará, aliás, um dos dez vetores importantes do desmatamento na Amazônia. Assim, tal como na cidade de Mariana onde ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos minerais, em menor medida mais não menos importante, também houve vazamentos de rejeitos da empresa Hydro Norsk para o ambiente natural na cidade de Barcarena no Pará. Essa empresa através de ligação clandestina eliminou para fora da planta industrial rejeitos de bauxita e chumbo, causando graves impactos socioambientais. Pode-se perceber que existe um histórico de infrações da empresa norueguesa nessa região, objeto de denúncia pelo MPF, de multas dadas pelo IBAMA, o que mostra que os pontos de contrapartida da resolução para que faça jus ao benefício de isenção fiscal, principalmente o item IX dificilmente será cumprido haja vista os subsequentes crimes ambientais que degradaram o meio ambiente natural, com grande repercussão na vida da população local.

É importante destacar que, em ato seguinte, depois das ações de controle por parte do Estado, a empresa comunica a suspensão da produção apontando perdas imediatas nas bolsas de valores europeias e consequentemente demissão de mão-de-obra. Conforme reportagem do Jornal Valor Econômico um dos seus diretores diz, “nosso pessoal tem trabalhado duro nos últimos sete meses para manter as operações seguras e preservar os empregos”, (ROSTÁS, 2018). Dessa fala depreendem-se duas coisas, a primeira é que pela mobilização de riquezas que faz e o subsídio dado pelo governo do Pará dificilmente abandonará a atividade lucrativa; segundo que as relações de troca entre empresa e o poder público se resume na empregabilidade de mão-de-obra, pouco se fala ou pouco se pôs em prática processos que vislumbrem outra caminhada do desenvolvimento do estado do Pará e da região amazônica com preservação ambiental e mitigação da crise climática.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No regime climático tem se verificado uma participação ativa dos governos estaduais considerados atores Não Partes pelo Acordo de Paris. Em grupos de interesses articulam participação nos diversos organismos das Organizações das Nações Unidas (ONU), criam fundos financeiros, aliam-se entre si e com parceiros externos. Assumem compromissos voluntários de barrar a crise climática. Os governos da Amazônia estão sintonizados com esses grupos. Merece destaque, o Fórum de Governadores da Amazônia, cujo diagnóstico, sobre esse tema, é de que tanto os Estados quanto o regime climático são falhos para o enfrentamento da crise climática.

Constatamos que a participação dos governos estaduais da Amazônia a partir dos grupos de interesses, se dá na busca de oportunidade de negócios. Quando o governo do Pará participa no ambiente das COPS, o faz aproveitando essa oportunidade dada pelo regime. Esse impulso de se lançar além da fronteira nacional, pode ser explicado pelos baixos rendimentos que auferem nas suas relações históricas com o Poder Executivo Brasileiro quanto à apropriação dos resultados do capital, da baixa repartição nas receitas oriundas das atividades centrais dessas regiões consolidadas na lei Kandir e estabelecidas pela assimetria de poder na federação.

Ao se rastrear a trajetória dos padrões de desenvolvimento da região amazônica, a fim de compreender as mudanças climáticas, verifica-se que a relação do capital com a região tem se mantido. Esse modus foi atualizado para além da retirada dos bens naturais, com a concessão de bilhões reais em incentivos fiscais. Ao surgir o regime climático, as trocas desiguais entre Centro x Periferia acentuam ainda mais essa relação, o que pode ser visto na composição de um fundo de mitigação climática anunciado na CoP-15, o Fundo Amazônia, onde o governo norueguês anunciou a doação de um montante de um bilhão de dólares para o combate ao desmatamento na Amazônia. No entanto, a transnacional Norsk Hydro cujo maior acionista é o próprio Estado norueguês e a empresa Vale que operam na cadeia da mineração detêm incentivos fiscais, tanto da União quanto dos governos estaduais. Esta empresa foi multada diversas vezes pelos crimes cometidos em solo paraense pelo IBAMA e denunciada sistematicamente pelo Ministério público Federal.

Em que pese regramento robusto sobre o combate às mudanças climáticas em território nacional, na Amazônia e no estado do Pará, decorre que a relação da Hydro com o Executivo paraense, pelos números e pela atuação na região apresenta um padrão contraprodutivo em todos os sentidos, o que pode ser visto no alto índice de desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa, e na ausência de produtos manufaturados, o que implicaria mudança de padrão na relação centro x periferia. Assim, o quadro descrito, se apresenta oposto aos 50 anos de debate sobre o desenvolvimento sustentável nos fóruns internacionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2023
  • Aceito
    26 Nov 2024
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