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Editorial

EDITORIAL

A Ambiente & Sociedade caracteriza-se pela sua vocação em divulgar e estimular a produção de conhecimentos sob a perspectiva da sua multidimensionalidade e da pluralidade de perspectivas teóricas e temáticas. Um dos maiores desafios está colocado no sentido de fortalecer um espaço para disseminar novos caminhos de pesquisa e reflexão teórica que são fonte essencial para o avanço do conhecimento de temas que tanto nos desafiam na sua complexidade e interdependência.

Os textos aqui apresentados abordam questões de crescente presença no debate ambiental, tais como pagamento por serviços ambientais, metodologias para avaliação da poluição, gestão coletiva de bens comuns no extrativismo, construção de indicadores de sustentabilidade, gestão de recursos naturais renováveis, representações e conflitos em torno da conservação ambiental. Além disso, a revista apresenta contribuições sobre história ambiental, participação social na gestão ambiental no México, reflexões sobre a crise ambiental urbana e análise sobre presença de espécies exóticas e os seus desafios de formulação de um arcabouço institucional-legal. A revista também traz três resenhas sobre livros que abordam temas como ecossistemas florestais e as interações ser humano e ambiente, justiça ambiental, população e mudanças climáticas.

O primeiro artigo de autoria Maria do Carmo Ramos Fasiaben, Daniel Caixeta Andrade, Bastiaan Philip Reydon, Junior Ruiz Garcia, Ademar Ribeiro Romeiro, "Estimativa de aporte de recursos para um sistema de Pagamento por Serviços ambientais na floresta Amazônica brasileira", apresenta uma reflexão que tem por objetivo estimar o aporte de recursos necessários no caso de implantação de um mecanismo de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) na região da floresta Amazônica brasileira. As estimativas foram calculadas para o Arco do Desmatamento e para a Amazônia Legal e tiveram como base um custo de oportunidade de R$ 123,00 por hectare. O público alvo das compensações foi definido com base na área e na renda gerada pelos estabelecimentos rurais das duas áreas analisadas.

O segundo artigo, "Método de regressão de Poisson: Metodologia para avaliação do impacto da poluição atmosférica na saúde populacional", elaborado por Yara de Souza Tadano, Cássia Maria Lie Ugaya e Admilson Teixeira Franco, mostra que os modelos estatísticos mais utilizados para avaliar o impacto da poluição atmosférica na saúde populacional são os modelos de regressão, capazes de relacionar uma ou mais variáveis explicativas com uma única variável resposta. O objetivo foi apresentar o modelo estatístico de regressão de Poisson dos modelos lineares generalizados. O artigo apresenta todas as etapas da avaliação, desde a coleta e a análise dos dados até a verificação do ajuste do modelo escolhido.

Em "Pioneiros da ecologia política agrária contemporânea", Humberto Miranda Nascimento apresenta os autores pioneiros dos estudos materialistas sobre a ecologia política agrária contemporânea. São analisadas as contribuições da Escola Russa de Estudos do Solo e de referências mais recentes aos escritos de Marx e Liebig. Nas considerações finais, enfatiza-se a necessidade de desenvolver a abordagem da Ecologia Política Agrária como maneira mais apropriada de se entender a relação entre sistemas agrários, formações sociais e ecossistemas específicos em áreas rurais.

O artigo "Gestão coletiva de bens comuns no extrativismo da Mangaba no Nordeste do Brasil", de autoria de Heribert Schmitz, Dalva Maria da Mota e Josué Francisco da Silva Júnior, analisa a gestão coletiva de bens comuns no extrativismo da mangaba destacando o acesso aos recursos, os arranjos institucionais e os conflitos sociais entre os atores envolvidos. A pesquisa foi realizada na região Nordeste, a partir de observações, entrevistas e dados secundários. O artigo aponta a existência de remanescentes de mangabeiras bem conservados a partir da gestão coletiva.

Rafael Victorino Devos, na sua reflexão sobre a "A crise ambiental sob a perspectiva da memória e dos itinerários no mundo urbano contemporâneo", apresenta um texto no qual, em face de uma situação de conflito de uso de terras e águas na cidade, busca-se compreender os itinerários urbanos presentes nas trajetórias sociais e na memória coletiva de moradores da cidade de Porto Alegre. Investiga-se a relação entre os sentimentos de enraizamento nos territórios e o reconhecimento de sua pertença a esferas sociais mais amplas, como a Região Metropolitana e a Região Hidrográfica.

Em "Desafios na Construção de Indicadores de Sustentabilidade", Roberto Pereira Guimarães e Susana Arcangela Quacchia Feichas apontam como indicadores de sustentabilidade têm sido propostos para atender à necessidade de se mensurar a distância entre a situação atual de dada sociedade e os seus objetivos de desenvolvimento sustentável. A partir de pesquisa bibliográfica analisam cinco propostas de indicadores e identificam os desafios a serem superados em sua construção, para que sejam capazes de promover mudanças de comportamentos e subsidiar decisões.

O texto "Estaciones biológicas y participación social: la experiencia de la Universidad Nacional Autónoma de México en Los Tuxtlas, Veracruz, México", de autoria de Julieta Ruisz Cedillo e Marcia Leticia Durand Smith, descreve como a Estação de Biología Los Tuxtlas, pertencente à Universidad Nacional Autónoma de México, embora não seja uma área protegida privada, compartilha semelhanças e riscos com este esquema de conservação. São analisadas as diferentes interpretações, sobre a estação, de seus atores centrais: os acadêmicos e os camponeses. As entrevistas apresentam uma situação muito exitosa em termos acadêmicos, porém pouco articulada com o seu entorno social, o que implica custos ambientais e sociais, e coloca a necessidade de se incorporar uma visão mais interdisciplinar sobre a conservação.

Andrea Verónica Mastrangelo aborda em "Análisis del concepto de recursos naturales en dos estudios de caso en Argentina" como o conceito de "recursos naturais" assim como a idéia de "natureza" apresentam uma dificuldade para serem pensados na pesquisa social, na medida em que sua etimologia supõe um caráter "essencial" ou imutável. A autora analisa, a partir de dois casos etnográficos específicos, os conceitos de "recurso natural renovável" e "recurso natural não renovável", como uma forma de tornar visível aquilo que se oculta quando uma categoria da ciência, e, neste caso, da economia, forma parte do sentido comum.

Em "A conservação ambiental como critério de relações entre grupos e valores: Representações e conflitos no entorno do Parque Nacional das Emas, Goiás", Lorena Cândido Fleury e Jalcione Pereira de Almeida tratam do conflito ambiental em torno do Parque Nacional das Emas e das representações sociais sobre conservação feitas pelas populações de seu entorno. Após observação direta, pesquisa documental, aplicação de técnicas de associações livres de palavras e entrevistas semi-estruturadas, os autores concluíram que estão em disputa sentidos culturais, pautados não apenas por interesses objetivos, mas também pelos significados que os distintos grupos sociais projetam para a construção comum do mundo ao seu redor

O último artigo, "Quem é quem diante da presença de espécies exóticas no Brasil? Uma leitura do arcabouço institucional-legal voltada para a formulação de uma Política Pública Nacional", de Anderson Eduardo Silva Oliveira e Carlos José Saldanha Machado, objetiva contribuir à formulação de uma Política Pública Nacional de controle de espécies exóticas, através da caracterização do arcabouço institucional-legal brasileiro. Para os autores, existem obstáculos à construção dessa política pública e urge definir e estruturar um organismo coordenador intersetorial dos agentes, de modo a assegurar a consistência das ações e a eficiência prática dessa política.

Por fim, as três resenhas elaboradas por Antônio Augusto Rossotto Ioris, Lúcia da Costa Ferreira e Rafael D'Almeida Martins são um indício do quanto o ano de 2009 foi positivo para a produção editorial de qualidade na interface interdisciplinar abarcada por este periódico. O que, por sua vez, assinala o próprio crescimento na produção no interior desse campo científico.

Assim, a resenha do livro "O Que é Justiça Ambiental", de Henri Acselrad, Cecília Campello Amaral Mello e Gustavo das Neves Bezerra, autores ligados à Rede Brasileira de Justiça Ambiental, destaca a importância dos princípios de justiça ambiental. Princípios utilizados para ressaltar os efeitos desiguais, social, histórica e geograficamente, dos problemas ambientais, e orientar um olhar crítico tanto ao discurso ambientalista quanto aos modelos de desenvolvimento econômico.

A resenha do livro: "Ecossistemas florestais: interação homem-ambiente", organizado por Emílio F. Moran e Elinor Ostrom, merece destaque pela obra e por seus organizadores.

Moran, pesquisador conhecido no Brasil pela discussão conceitual em torno da adaptabilidade humana, ecologia humana das populações da Amazônia, com seu conhecimento profundo sobre a Amazônia brasileira e os grupos sociais que a compõem, é co-diretor do Centro de Estudos sobre Instituições, População e Mudanças Ambientais CIPEC; professor catedrático de antropologia na Spea e professor na Universidade de Indiana. A cientista política Elinor Ostrom, é co-diretora do Workshop em teoria e análise política, diretora-fundadora do Centro para Estudo de Diversidade Institucional, Arizona State University, Tempe; professora na Universidade de Indiana e na Spea. Pesquisadora associada no CIPEC, que, em 2009 ganhou o Prêmio Nobel de Economia.

A obra traz a público, de forma sistematizada os resultados que vinham sendo divulgados em diversos periódicos importantes nessa área, mas careciam de uma publicação que reunisse a grande produção em um todo integrado e coerente teórica e metodologicamente. Este monumental esforço intelectual dos pesquisadores do CIPEC da Universidade de Indiana em Bloomington (USA) sintetiza a longa produção dos colaboradores do Centro, em torno do objetivo comum de vislumbrar concomitantemente árvores, florestas e os diferentes usos e restrições ao uso dos indivíduos e do coletivo que compõem, pelos grupos humanos nas áreas florestadas ao redor do planeta.

Já a resenha do livro "População e mudança climática: Dimensões humanas das mudanças ambientais globais", organizado por Daniel Joseph Hogan e Eduardo Marandola Júnior, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) aponta as contribuições da obra para a consolidação do recente estudo das mudanças climáticas, no Brasil, realizadas a partir das ciências humanas, sobretudo sob a perspectiva populacional. Com destaque para questões como a vulnerabilidade, o desenvolvimento e o fenômeno da urbanização, dentre outros contextos brasileiros específicos.

Mais uma vez Ambiente & Sociedade agradece aos leitores pelo seu apoio crescente, à Cubo e à Annablume pela viabilização editorial, à FAPESP pelo aporte financeiro e à equipe editorial. Todos são peças fundamentais na produção da revista, que cumpre, desde 1997, a importante função de divulgar trabalhos que busquem introduzir novas questões e temas, e estimular o diálogo interdisciplinar na interface entre Ambiente e Sociedade, em um contexto permeado por tanta complexidade e incerteza, como o que se observou na COP-15. Apesar da imensa quantidade de dados científicos disponíveis hoje, confirmando a necessidade de se tomar medidas urgentes para a redução das emissões globais dos gases de efeito estufa, e da enorme expectativa da sociedade civil mundial para que isso seja feito, a mais recente conferência do clima – realizada em Copenhagen, em dezembro de 2009 – fechou as suas portas sem apresentar qualquer acordo de cumprimento obrigatório para os principais países emissores de gases-estufa. Fazemos votos para que na próxima versão do evento, a ser realizada no México, em dezembro de 2010, os obstáculos sejam superados. Por enquanto, lamentamos que a proteção dos interesses nacionais pareça ter prioridade, na ótica da maioria dos governos, sobre a proteção do planeta e dos interesses da humanidade como um todo.

Desejamos a todos uma boa leitura e, mais uma vez, contamos com a colaboração de nossos leitores como multiplicadores e disseminadores desta proposta editorial.

Os editores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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