Resumo
A presente pesquisa tem o objetivo de analisar as diferenças e similaridades dos métodos brasileiros de avaliação do desenvolvimento sustentável em propriedades agrícolas: Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural e ISA. O método utilizado foi o de meta-estudo. Os resultados indicaram que os três métodos Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural e ISA possuem cada um com suas similaridades e diferenças. Como conclusões, na escolha do método, deve-se dar especial ênfase à decisão sobre a delimitação na propriedade agrícola do que vai ser analisado (uma tecnologia, uma atividade agrícola ou a propriedade como um todo). Além disso, os três métodos partem de indicadores e foram estabelecidos a priori, o que impossibilita a opção de escolhê-los.
Palavras-chave:
Agronegócio; desenvolvimento sustentável; métodos; avaliação; propriedade agrícola
Abstract
The aim of the present research is to analyze differences and similarities in Brazilian methods used to assess farms’ sustainable development, namely: Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural and ISA. Meta-study was the adopted method. According to the results, all three methods (Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural and ISA) presented similarities to, and differences from, each other. The choice for the method demands special emphasis on decision-making about what to be analyzed in the farms, namely: technology, agricultural activity or the farm as a whole. In addition, based on the indicators, the three methods were previously set and it made their choice impossible.
Keywords:
Agribusiness; sustainable development; methods; assessment; farm
Resumen
Esta investigación tiene como objetivo analizar diferencias y similitudes de los métodos brasileños para evaluar el desarrollo sustentable en establecimientos agropecuarios: Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural e ISA. La metodología utilizada fue meta-estudio. Los resultados indicaron que los tres métodos, Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural e ISA tienen entre sí similitudes y diferencias. Como conclusión, en oportunidad de elegir el método, debe otorgarse especial énfasis al alcance que tendrá el análisis a realizar en el establecimiento agropecuario (una tecnología, una actividad agrícola o el establecimiento en su conjunto). Adicionalmente, los tres métodos parten de indicadores establecidos a priori, lo cual imposibilita su elección.
Palabras-clave:
Agronegocios; desarrollo sustentable; métodos; evaluación; establecimiento agropecuario
Introdução
Este artigo analisa as similaridades e diferenças de três métodos brasileiros de avaliação do desenvolvimento sustentável (DS) em propriedades agrícolas. Em relação ao DS nas propriedades agrícolas, um conjunto de problemas tem sido associados a elas. Dentre os problemas, destacam-se as práticas modernas de uso das terras agrícolas, que podem ter como consequência perdas de longo prazo em serviços ecossistêmicos (Foley et al., 2005), contaminação de lagos, rios e da própria atmosfera pelo uso de nitrogênio (Therond et al., 2017), mudanças no uso da terra e consequentes emissões de gases associadas às mudanças climáticas (IPCC, 2014), resistência dos insetos pelo uso intensivo de agrotóxicos, com efeitos negativos sobre os serviços ecossistêmicos de regulação biológica (Therond et al., 2017), a pobreza (Aquino; Gazolla; Schneider, 2016) e, até mesmo, o trabalho análogo ao escravo (Leão et al., 2021).
O DS das propriedades agrícolas pode ocorrer pela promoção de formas sustentáveis de produção agrícola com inclusão social e ações de proteção ambiental (Seidler et al., 2018). Mas, para que haja, efetivamente, um avanço na contribuição das propriedades agrícolas para o DS, faz-se necessário avaliar o grau de sustentabilidade delas através de métodos que permitam o monitoramento dos agroecossistemas (Binder; Feola; Steinberger, 2010; Marchand et al.,2014; De Olde et al., 2016; De Olde et al., 2017).
Lampridi, Sørensen e Bochtis (2019) ressaltam que os métodos de avaliação do desenvolvimento sustentável em propriedades agrícolas mais utilizados se baseiam em indicadores. Os indicadores são definidos como um parâmetro ou um valor derivado de parâmetros, que descrevem o estado de um fenômeno (De Olde et al., 2017). Para Ferreira et al. (2012), indicadores podem ser compreendidos como instrumentos que permitem mensurar as modificações em um determinado sistema e avaliar uma situação presente e a sua tendência de comportamento, bem como estabelecer um termo de comparação em escala temporal e espacial.
Diversos são os métodos internacionais desenvolvidos para mensurar a sustentabilidade das atividades agrícolas baseadas em indicadores. De Olde et al. (2016) listam cerca de sessenta métodos publicados, destacando os mais citados: o MESMIS (Marco para la Evaluación de Sistemas de Manejo de Recursos Naturales), incorporando Indicadores de Sustentabilidade (Masera; Astier; López Ridaura, 1999), tais como: o IDEA (Indicateurs de Durabilité des Explotations Agricoles) (Briquel et al., 2001) e o Método para Sustentabilidade Agrícola Integrada (MOTIFS) (Meul et al., 2008).
No Brasil, também foram desenvolvidos métodos para mensurar o DS das propriedades agrícolas, podendo-se destacar o Método AMBITEC (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006); o APOIA Novo Rural (Rodrigues et al., 2010); e o Método Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas - ISA (Ferreira et al., 2012).
Essa quantidade de métodos de avaliação do desenvolvimento sustentável das propriedades agrícolas faz surgir o questionamento: quais as diferenças entre eles? O que cada um deles analisa? Quais as contribuições da utilização nos diferentes estilos de agricultura e do desenvolvimento rural? De Olde et al. (2017) corroboram a importância desse questionamento ao destacar que falta uma visão abrangente dos métodos de avaliação de sustentabilidade disponíveis e de suas características para auxiliar e apoiar os usuários na seleção de qual delas é mais relevante.
A falta de uma visão abrangente está relacionada ao fato de que os métodos podem ter diferentes finalidades, como pesquisa, certificação, autoavaliação, informação ao consumidor, aconselhamento agrícola ou desenvolvimento de políticas, ou suporte à tomada de decisão (De Olde et al., 2017). Além disso, os métodos de avaliação de sustentabilidade podem se concentrar em diferentes níveis como produto, campo, propriedade e região e cobrir uma ou várias dimensões de sustentabilidade ambiental, econômico e social (De Olde et al., 2017).
No que diz respeito à comparação, há estudos comparativos de métodos internacionais entre o IDEA, SAFA, RISE (Binder; Feola; Steinberger, 2010); MOTIFS (Marchand et al., 2014); IDEA e o MESMIS (Cândido et al., 2015); RISE; SAFA, PG, IDEA (De Olde et al., 2016); IDEA, RISE e MOTIFS (Seidler et al., 2018). Mas, ao se analisar a bibliografia, percebe-se uma carência de estudos comparativos para os métodos desenvolvidos no contexto brasileiro.
Considerando a importância da avaliação do DS para as propriedades agrícolas e a falta de uma visão abrangente dos métodos disponíveis, estabeleceu-se como objetivo geral desse artigo: analisar as diferenças e similaridades dos métodos brasileiros de avaliação da sustentabilidade em propriedades agrícolas.
Para atender a esse objetivo, foi realizado um estudo comparativo dos três métodos brasileiros. Os resultados indicaram que os três métodos Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural e ISA possuem cada um suas similaridades e diferenças, as quais se constituem em trade-offs a serem analisados na decisão sobre qual método adotar. Especial ênfase deve se dar à decisão sobre o que vai ser analisado na propriedade agrícola (uma tecnologia, uma atividade agrícola ou a propriedade como um todo). Por fim, esses resultados contribuem para que os tomadores de decisão possam fazer suas escolhas com base científica, contribuindo para que essa decisão seja baseada numa correspondência entre um método e o objetivo do usuário final (Marchand et al., 2014, Soulé et al., 2021).
Métodos brasileiros de avaliação do DS em propriedades agrícolas
Método de avaliação de impactos ambientais de inovações tecnológicas agropecuárias - AMBITEC- Agro
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), em 2002, na busca por ferramentas eficientes para a avaliação da sustentabilidade, criou o sistema de avaliação dos impactos ambientais possíveis pelo emprego de inovações tecnológicas na agropecuária, denominado método AMBITEC- Agro (Lima et al., 2014). O objetivo do método é prover uma abordagem simples e prática, expedita e de baixo custo, aplicável à avaliação multicritério de impactos socioambientais, para a ampla variedade de inovações tecnológicas e atividades rurais focadas nos projetos de P&D da Embrapa e seus parceiros do sistema brasileiro de pesquisa agropecuária (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006). Os resultados de avaliação de impactos são utilizados para compor o Balanço Social da EMBRAPA (Rodrigues, 2015).
O método Ambitec-Agro é formado por um conjunto de matrizes multicritério integrado por indicadores de desempenho das inovações tecnológicas e das novas práticas de manejo usadas em atividades rurais. Considera dois tipos de impactos e sete subdimensões de avaliação. O primeiro tipo de impacto analisado é o ecológico, que contempla as dimensões: eficiência tecnológica e qualidade ambiental. O segundo tipo de impacto analisado é o impacto socioambiental, que contempla as dimensões: respeito ao consumidor, trabalho/emprego, renda, saúde, e gestão e administração (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006). As sete dimensões são subdivididas em 27 critérios, que por sua vez, relacionam-se a 148 indicadores. Os critérios podem ser ponderados pela ocorrência do impacto e pela importância do indicador: e em relação a ocorrência do impacto pode ser ponderado da seguinte forma: (0) não se aplica, (1) pontual, (2) local, (5) entorno. Em relação à ponderação da importância do indicador, esta pode ser dividida entre os indicadores associados ao critério e à soma total da distribuição dos pesos dos indicadores que deve ser igual a 1 (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006).
Após a inserção de todos os coeficientes de alteração dos indicadores nas matrizes, o método apresenta o índice de impacto da tecnologia, o qual é a média ponderada da importância do critério multiplicado pelo coeficiente de desempenho observado. O método também apresenta um índice de impacto ambiental, econômico e social. Os índices de avaliação são expressos graficamente, na escala variando entre -15 e +15 (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006) e permitem ao produtor/administrador conhecer quais critérios tem maior impacto na sua atividade e, aos tomadores de decisões e gestores, definirem políticas e instrumentos para a melhoria no desempenho das tecnologias rurais (Lima et al., 2014).
O método AMBITEC-Agro já foi aplicado para avaliar os impactos ambientais, por exemplo, do plantio direto de hortaliças (Lima et al., 2014). Os resultados atestam que a adesão à tecnologia do plantio direto de hortaliças tem gerado um impacto ambiental positivo, sobretudo no que concerne à conservação do solo (Lima et al., 2014). A AMBITEC-Agro também foi aplicada para analisar o impacto do cultivo da Palma, uma das oleaginosas de maior potencial para a produção de biodiesel, com alto potencial para sequestrar carbono, gerar renda e recompor áreas alteradas (Monteiro et al., 2013).
Método de Avaliação Ponderada de Impacto Ambiental de Atividades do Novo Rural - APOIA-NovoRural
O método APOIA-NovoRural também foi desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), em 2003. Foi criada com o objetivo de medir os impactos ambientais da atividade agropecuária em um determinado agroecossistema (Rodrigues; Campanhola, 2003).
Este método surgiu da necessidade detectada por Rodrigues e Campanhola (2003) de criar uma ferramenta que atendesse a grande variedade de atividades agrícolas e não-agrícolas desenvolvidas em diferentes condições ambientais do Brasil. Rodrigues e Campanhola (2003) não encontraram um método completamente satisfatório que atendesse às atividades emergentes no Novo Rural, por isto, propuseram o método APOIA-NovoRural com seguintes princípios: ser aplicável a qualquer atividade do meio rural brasileiro; atender ao rigor exigido pela comunidade científica, ao mesmo tempo que permitisse o uso prático pelos agricultores/empresários rurais; contemplar os aspectos ecológicos, econômicos e sociais em um número adequado e suficiente de indicadores específicos; ser informatizado e prover uma medida final integrada do impacto ambiental da atividade.
O método desenvolvido emprega um conjunto de planilhas eletrônicas (plataforma MS-Excel) integrando 62 indicadores, subdivididos em cinco dimensões de avaliação: ecologia da paisagem, qualidade ambiental (subdivididos em atmosfera, água superficial, água subterrânea e manutenção da capacidade produtiva do solo), valores socioculturais, valores econômicos e gestão e administração (Rodrigues et al., 2010). Dos 62 indicadores, 24 são subdivididos em duas escalas: 1) uma de avaliação do aumento ou decréscimo das causas do impacto no indicador em questão; 2) e outra da participação dos impactos nas atividades agrícolas. Os outros 38 indicadores são medidos por valores absolutos diretamente na propriedade agrícola (Rodrigues et al., 2010).
O resultado é um índice de impacto e um índice geral das contribuições das atividades para a sustentabilidade do estabelecimento rural analisado, numa escala que varia de 0 a 1. Além disso, fornece um índice para as dimensões: ecologia da paisagem, valores socioculturais, valores econômicos e gestão e administração, assim como para as subdimensões: atmosfera, água e manutenção da capacidade produtiva do solo (Rodrigues et al., 2010).
Esse método tem sido aplicado à gestão ambiental territorial, a programas de desenvolvimento rural em escala de país, a setores produtivos e cadeias produtivas agrícolas, bem como a sistemas de produção e no entorno de áreas de proteção ambiental (Rodrigues et al., 2010). Para Ramos Filho et al. (2004), o método APOIA-NovoRural se revelou como um método útil para os produtores, em grupo, ou individualmente, podendo, também, constituir-se em um importante método para os gestores de políticas públicas, contribuindo para as ações que visam ao desenvolvimento local sustentável. O APOIA - Novo Rural foi utilizado, por exemplo, com o intuito de verificar o desempenho ambiental de atividades voltadas ao agroturismo (Ramos Filho et al., 2004), utilizando dez propriedades do interior de São Paulo. Também em outra pesquisa, avaliou-se o desempenho ambiental das agriculturas familiares de produtores de horticultura orgânica vinculados à Cooperativa Coopermin, no município de Mineiros-GO (Lopes; Sturza, 2022). E ainda avaliou a performance ambiental da horticultura orgânica e da horticultura convencional no interior do estado de São Paulo em 2003 (Rodrigues et al., 2003).
Método de Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas - ISA
O método ISA foi desenvolvido pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - EPAMIG, em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais - EMATER-MG, com o Instituto Estadual de Floresta - IEF, com a Embrapa, com a Universidade Federal de Minas Gerais e com a Fundação João Pinheiro, entidade do governo de Minas Gerais de apoio técnico à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão e demais sistemas operacionais do Estado (Ferreira et al., 2012). O método ISA tem por objetivo realizar um diagnóstico social, econômico e ambiental da propriedade como um todo (Ferreira et al., 2012) e auxiliar o produtor na gestão da propriedade rural, melhorando a qualidade do sistema de produção e do meio ambiente, e na minimização de fragilidades ambientais dentro dos limites do estabelecimento, que podem comprometer a sustentabilidade das atividades agrossilvipecuárias (Costa et al., 2013).
O método é dividido em sete dimensões (balanço econômico, balanço social, gestão do estabelecimento rural, capacidade produtiva do solo, qualidade da água, manejo dos sistemas de produção, ecologia da paisagem agrícola). Cada uma dessas subdimensões é subdividida por indicadores, que na soma representam 23 indicadores (Ferreira et al., 2012).
O método prevê um índice a partir da média aritmética simples das notas atribuídas aos 23 indicadores, considerando 0,7 o valor de referência para um bom desempenho ambiental, social ou econômico (Ferreira et al., 2012). A ferramenta de aplicação do método gera gráficos e tabelas agregando os índices e temas, os quais permitem auxiliar o gestor público na identificação de vulnerabilidades socioeconômicas, fragilidades ambientais, programas de monitoramento e outros, revelando-se eficiente para mensurar o balanço econômico e social, o gerenciamento da propriedade, a qualidade do solo e da água, o manejo dos sistemas de produção, a diversificação da paisagem e o estado de conservação da vegetação nativa (Ferreira et al., 2012).
O método ISA foi aplicado para avaliar propriedades rurais. Destacam-se a seguir dois estudos que utilizaram o método ISA. No estudo de Ferreira et al. (2012), o método ISA foi aplicado em mais de 500 propriedades rurais do Estado de Minas Gerais. Silva et al. (2017) também utilizaram o método ISA, e propuseram que, para implantar o programa de pagamento de serviços ambientais - PSA, um diagnóstico socioeconômico e ambiental da área contemplada deveria ser realizado com a metodologia ISA, que se mostrou eficiente para revelar a realidade da região.
Metodologia
O método utilizado foi o meta-estudo (Paterson, 2001), pois se caracteriza pela pesquisa dos resultados e processos de pesquisas anteriores. Além disso, o método meta-estudo foca também nos quadros teóricos que apontam para as questões de pesquisas e orientam as interpretações dos resultados desses estudos anteriores (Timulak, 2011).
Como objeto de análise, foram analisados três métodos nacionais de avaliação da sustentabilidade de propriedades agrícolas: o método de avaliação de impactos ambientais de inovações tecnológicas agropecuárias Ambitec-Agro (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006), Método de Avaliação Ponderada de Impacto Ambiental de Atividades do Novo Rural - APOIA-NovoRural (Rodrigues et al., 2010) e Método Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas - ISA (Ferreira et al., 2012). A escolha desses três métodos foi feita, inicialmente, por serem métodos desenvolvidos e utilizados por organizações brasileiras de pesquisa e extensão rural e pelo destaque que esses métodos vêm recebendo no Brasil por pesquisadores nacionais (Rodrigues et al., 2010; Gabrielli et al., 2023).
A avaliação comparativa dos métodos do desenvolvimento sustentável das propriedades agrícolas faz surgir os seguintes questionamentos: quais as diferenças entre eles? O que cada um deles analisa? Quais as contribuições da utilização nos diferentes estilos de agricultura e do desenvolvimento rural?
Para responder as questões, os três métodos foram comparados através das dimensões normativa e sistêmica, conforme proposto por Binder, Feola e Steinberger (2010) originalmente e aprimorados por Marchand et al. (2014) e De Olde et al. (2016) (Quadro 1). A escolha dessas dimensões baseou-se no fato de que são categorias elaboradas e reconhecidas internacionalmente para essa finalidade de comparação de métodos (Binder, Feola e Steinberger, 2010; Marchand et al., 2014, De Olde et al., 2017). Além disso, já foram utilizadas em várias outras pesquisas com o mesmo objetivo de comparação, tais como, os estudos comparativos entre os métodos internacionais IDEA, SAFA, RISE (Binder; Feola; Steinberger, 2010); RISE; SAFA, PG, IDEA (De Olde et al., 2016); IDEA, RISE e MOTIFS (Seidler et al., 2018).
A dimensão normativa considera cinco questões importantes: objetivo e público-alvo, conceito de sustentabilidade subjacente, definição de metas e tipo de avaliação (referente a padrões regulatórios, metas, limites e intervalos). A dimensão sistêmica desempenha um importante papel na seleção e desenho dos indicadores para a avaliação. Nessa dimensão, duas questões devem ser consideradas: simplicidade (ser apresentado com a maior simplicidade possível), suficiência (com a complexidade necessária para o sucesso da avaliação).
Os dados para a análise foram coletados nas principais publicações e manuais das ferramentas relacionados aos três métodos (Quadro 2).
Dimensões normativa e sistêmica dos métodos analisados
A dimensão normativa envolve a análise do objetivo (1), unidade de análise (2), público-alvo (3), conceito de sustentabilidade (4), origem dos indicadores (5), origem das metas (6), níveis hierárquicos dos métodos (7), agregação dos dados (8) e, função (10). Cada uma dessas dimensões é discutida a seguir. A síntese dos resultados é apresentada no Quadro 3.
Quanto ao objetivo (1), os três métodos avaliam os impactos ambiental, social e econômico, compreendidos como alterações nessas três dimensões, que podem ser positivos ou negativos. Entretanto, questionou-se, exatamente, o que em cada um dos métodos gera os impactos, o que se denominou de unidade de análise (2). O método Ambitec-Agro objetiva avaliar, mais especificamente, os impactos de determinada tecnologia (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006). Como exemplo de tecnologias avaliadas são citadas: (a) o estudo de caso do Sistema de Plantio Direto de Hortaliças (Lima et al., 2014) e (b) análise do impacto do cultivo da Palma para gerar renda e recompor áreas alteradas (Monteiro et al., 2013). Já o método APOIA-NovoRural tem como objetivo conhecer os impactos de atividades selecionadas na propriedade agrícola (Rodrigues; Campanhola, 2003, Rodrigues et al., 2010). Como exemplo de atividades avaliadas são citadas: (a) o desempenho ambiental do agroturismo (Ramos Filho et al., 2004) e (b) a gestão ambiental de atividades rurais no polo de agricultura natural de Ipeúna - SP (Demattê Filho, 2014). Por fim, o método ISA tem como objetivo avaliar os impactos do que ocorre na propriedade como um todo. Não faz nenhum recorte de análise, como nos métodos anteriores (tecnologia ou atividades) (Ferreira et al., 2012). Como exemplo de análise do todo da propriedade agrícola citam-se: a) a aplicação do sistema ISA em mais de 500 propriedades rurais do Estado de Minas Gerais (Ferreira et al., 2012); b) utilização do método ISA para implantar um programa de Pagamento de Serviços Ambientais PSA (Silva et al., 2017).
Em relação ao público-alvo (3), todos os métodos se assemelham, dando ênfase aos produtores rurais, agricultores e gestores públicos, de fomento agrícola e desenvolvimento rural (Ferreira et al., 2012; Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006; Rodrigues et al., 2010).
Já para a categoria conceito de sustentabilidade (4), buscou-se analisar as dimensões do tripé da sustentabilidade (triple botton line). O método ISA conta com 23 indicadores, dá maior ênfase à dimensão ambiental (13 indicadores) e ênfase equivalente para as dimensões sociais (5 indicadores) e econômica (5 indicadores) (Silva et al., 2017; Ferreira et al., 2012, EPAMIG, 2020). Já o método APOIA-NovoRural adota 5 critérios de abordagem multiatributos contendo 62 indicadores. Também dá maior ênfase a dimensão ambiental (45 indicadores), e ênfase semelhante para as dimensões sociais (9 indicadores) e econômica (8 indicadores) (Rodrigues et al., 2010; EMBRAPA, 2003a). O método Ambitec-Agro usa 27 critérios divididos em 148 indicadores, dando maior ênfase à dimensão ambiental (77 indicadores), seguido pelas dimensões social (54 indicadores) e econômica (17 indicadores) (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006; EMBRAPA, 2003b).
A análise seguinte foi da origem dos indicadores (5) e das metas (6). Em relação aos indicadores em todos os métodos, os indicadores estão todos pré-estabelecidos. Em nenhum dos métodos estudados existe a possibilidade de inclusão de algum indicador que não se encontre pré-estabelecido (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006; Rodrigues et al., 2010; Silva et al., 2017). Em relação às metas, o método APÓIA-NovoRural e ISA adotam um baseline de 0, 7 (Rodrigues et al., 2010; Silva et al., 2017), sendo um diferencial do método Ambitec-Agro avaliar as alterações ocorridas num determinado tempo (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006).
Sobre os níveis hierárquicos (7), o método Ambitec-Agro, assim como o APOIA-NovoRural possuem 3 níveis de agregação (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006; Rodrigues et al., 2010). Entretanto, o Ambitec-Agro possui o maior número de indicadores (148) em relação ao número de indicadores do Apoia Novo Rural (62). O método ISA apresenta menor número de níveis de agregação (2) e de indicadores (23). (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006). O ISA apresenta menor número de níveis de agregação (2) e de indicadores (23) (Ferreira et al., 2012).
Em relação à agregação dos dados (8), buscou-se avaliar se elas geram índices de sustentabilidade ou não. O Ambitec-Agro utiliza uma planilha multicritério onde cada indicador é avaliado entre -3 (impacto negativo) e 3 (Impacto positivo), ponderado pelo peso de cada indicador e também pela abrangência do impacto (1, 2 e 5, respectivamente para pontual, local e entorno). Os pesos relativos dos indicadores nos 27 critérios podem ser alterados pelo usuário do método de acordo com necessidades do contexto em análise, desde que o total seja igual à unidade (=1) em cada um dos critérios. O resultado é apresentado através de um gráfico de colunas, gerando um índice que varia entre - 15 (máximo decréscimo = diminuição do impacto) a + 15 (máximo acréscimo = aumento do impacto). Os critérios (agregação dos indicadores) não podem ser ponderados (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006; EMBRAPA, 2003b).
No APOIA-NovoRural há duas ponderações com valores fixos: 1) uma de severidade do impacto, com escala variável, mas com ponderações fixas, os quais somam 1; 2) e outra de abrangência (0: inalterado; 0,25: pontual; 0,50: local; 0,75: entorno; 1,00: regional). As alterações provocadas pela atividade podem ser medidas por valores absolutos de cada indicador (antes e depois da atividade), os quais são transformados para uma função de valor que o relaciona a performance ambiental da atividade em uma escala de utilidade que varia de 0 a 1, com o valor da linha de base de conformidade ambiental padronizado em 0,7. Os critérios (agregação dos indicadores) não podem ser ponderados (Rodrigues et al., 2010; EMBRAPA, 2003a).
O ISA não utiliza ponderação para seus indicadores. Todos têm a mesma ponderação. Para cada indicador é gerado um índice que varia de 0 a 1, obtido a partir de funções que atribuem valor às variáveis, comparando o valor aferido no estabelecimento com o valor de referência, utilizando-se fatores de ponderação para cada parâmetro avaliado. O valor 0,7 é considerado como a linha de base ou limiar de sustentabilidade. O sistema gera automaticamente um índice final a partir da média aritmética simples das notas atribuídas aos 23 indicadores. O método de avaliação permite a geração automática de tabelas e um gráfico radar agregando os indicadores em temas (Ferreira et al., 2012; EPAMIG, 2020).
Em relação a função (10), buscou-se analisá-la em quatro funções propostas por um sistema de gestão ambiental, que de acordo com (Barbieri, 2012) são: planejamento, organização, implementação e controle. Os três métodos estudados possibilitam gerar um diagnóstico, entretanto o ISA se diferencia dos demais, pois possibilita também a proposição de “planos de ação”. O ISA conta com uma planilha de “diagnóstico” e uma de “elaboração de planos de ação”, encontrada na planilha de E xcel de aplicação do método, chamada de plano de adequação, elaborada por um técnico, contendo proposições e um período para serem executadas, permitindo um controle diante do diagnóstico resultante. Possibilita ao produtor rural que adotar as ações a levar seu imóvel rural pelo caminho da sustentabilidade. Recomenda-se que a avaliação seja realizada com periodicidade para que se tenha comparativos de melhora ou piora nos indicadores analisados (Ferreira et al., 2012; EPAMIG, 2020).
O APOIA-NovoRural produz um relatório de “diagnóstico” emitido para o agricultor na conclusão de todas as avaliações. Os resultados combinados de acordo com as dimensões integradas (ecológica, econômica, sociocultural) fornecem aos tomadores de decisão uma visão geral dos efeitos, positivos e negativos, da atividade rural no desenvolvimento sustentável local, facilitando a seleção e recomendação de políticas de incentivo ou medidas de controle. Os autores do método ressaltam a importância do controle das ações recomendadas, podendo contribuir para uma melhor orientação e monitoramento que visem ao desenvolvimento local sustentável (Ramos Filho et al., 2004; EMBRAPA, 2003a).
O Ambitec-Agro gera uma planilha de “diagnóstico” o qual é sintetizada num índice resultante de uma AIA (Avaliação do impacto ambiental) tendo como sua última etapa do processo a interpretação desses índices e indicação de alternativas de manejo e de tecnologias que permitam minimizar os impactos negativos e potencializar os impactos positivos, contribuindo para seu monitoramento e desenvolvimento local sustentável (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006; EMBRAPA, 2003b).
Na dimensão sistêmica, duas categorias foram analisadas: simplicidade (11) e suficiência (12). A síntese dos resultados é apresentada no Quadro 3. Quanto a simplicidade (11), os três métodos apresentam os resultados de forma gráfica de fácil entendimento. Quanto a suficiência (12), os três métodos mencionam, explicitamente, a importância de uma abordagem integrativa da sustentabilidade, abordando as três dimensões da sustentabilidade (triple botton line). Mas quanto ao número de indicadores, o método Ambitec-Agro apresentou a maior complexidade, representada pelo maior número de indicadores nas três dimensões comparativamente aos métodos Apoia-NovoRural (complexidade intermediária) e ISA (maior parcimônia). Entretanto, todos dão ênfase na dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável.
Discussão
Em relação às semelhanças identificadas (Quadro 3), buscou-se discutir três delas com maior profundidade, as quais são: 1) a presença do conceito de desenvolvimento sustentável; 2) a origem dos indicadores; e a 3) Suficiência da parcimônia dos métodos.
Em relação à primeira semelhança, os três métodos contemplam o conceito de desenvolvimento sustentável, o que é mais do que sustentabilidade. Sustentabilidade pode ser entendida como a capacidade de manter a existência de um sistema, ou seja, por quanto tempo um sistema pode ser mantido (Cruz; Mena; Rodriguéz-Estevez, 2018). O termo sustentabilidade está relacionado a capacidade de se sustentar. Do ponto de vista ecológico e mesmo econômico, o termo implica em explorar um recurso sem que o mesmo se esgote, que possa ser mantida para sempre (Mikhlailova, 2004).
Já o conceito de desenvolvimento sustentável surge da discussão sobre a possibilidade de conciliar o crescimento econômico sem o esgotamento dos recursos naturais (Veiga, 2010). Baseia-se na relação de que a sociedade e o ambiente se retroalimentam, assim como a equidade social que também é fundamental (Veiga, 2010). Desenvolvimento sustentável possui muitos conceitos distintos, mas o mais internalizado pelas organizações é o que é definido como: o desenvolvimento que atende às necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades (Brundtland, 1987), complementado pela necessidade de considerar pelos menos os três pilares: social, ambiental e econômico (Elkington, 1997), e ainda por dimensões institucionais, culturais ou éticas, incluindo governança, eficiência, motivação, valores e outros fatores que podem ser importantes para a prosperidade humana estável (Cruz; Mena; Rodriguéz-Estevez, 2018).
Uma tentativa de deixar claro a diferença entre os dois conceitos está no quadro proposto por Kattes, Parrise e Leiserowitz (2005) a partir do Relatório de Brundtland, que sintetiza e diferencia os aspectos do que devem ser sustentados, daqueles que devem ser desenvolvidos. Kattes, Parris e Leiserowitz (2005) destacam que o que deve ser sustentado é a natureza (terra, biodiversidade, ecossistemas), suporte à vida (serviços ecossistêmicos, recursos, ambiente), comunidade (culturas, grupos e lugares) e o que deve ser desenvolvido são as pessoas (crianças, expectativas de vida, educação, equidade, igualdade de oportunidades), economia (prosperidade, setores produtivos, consumo) e a sociedade (instituições, capital social, estados e regiões).
Sobre a segunda semelhança, os três métodos têm como característica comum a impossibilidade de escolher os indicadores. Em todos os três métodos analisados os indicadores são pré-estabelecidos. Essa característica comum é criticada por De Olde et al. (2016) e Soulé et al. (2021), o qual consideram que uma das características mais importantes nos métodos de análise do desenvolvimento sustentável em propriedades agrícolas deveria ser a possibilidade de selecionar os indicadores, oposto ao encontrado nos métodos brasileiros analisados. De Olde et al. (2016) fundamentaram sua crítica através de uma pesquisa realizada com especialistas na área onde foi constatada a falta de consenso entre os participantes sobre quais eram os indicadores mais importantes para a avaliação do DS. De Olde et al. (2016) explicam que o contexto pessoal pode levar os indivíduos a priorizar indicadores diferentes.
Na discussão sobre a seleção dos indicadores, De Olde et al. (2017), De Olde et al. (2016) e Chopin et al. (2021) argumentam que a participação das partes interessadas (produtores rurais, agricultores, agentes governamentais, etc.) é de grande importância para o processo de avaliação, já que estes quando inclusos permitem o desenvolvimento e a disseminação de concepções mais robustas de desenvolvimento sustentável pela criação de um sentimento de pertencimento e responsabilidade deles. Aqui merece ser destacado a diferença entre produtor rural e agricultor. O produtor rural é o proprietário de terras delimitadas e que podem ou não se engajar em atividades agrícolas, mas possuem papel específico na gestão (Rosa, 2023). Por outro lado, um agricultor é a pessoa que, basicamente, cultiva o solo (Rosa, 2023). Além disso, a participação das partes interessadas oportuniza discussões sobre diferenças de referência, debates, argumentação, desafio e contracrítica, os quais devem ser vistos de forma positiva, como parte do processo vital de interpretar o conceito de desenvolvimento sustentável, melhorando o diálogo e a aprendizagem sobre o desenvolvimento sustentável das propriedades em análise (De Olde et al., 2017).
Esta interação entre as partes, torna-se um aprendizado conjunto e auxilia no desenvolvimento de conhecimento para a tomada de decisões gerenciais nas propriedades (Binder; Feola; Steinberger, 2010), facilita a conscientização das partes dentro do processo, criando compromissos, entendimento e confiança compartilhada, oportunizando avaliações relevantes e específicas do texto para melhorar o desempenho em sustentabilidade (Binder; Feola; Steinberger, 2010). Também é preciso considerar que a interação entre os sistemas agrícolas e o seu ambiente requer uma reflexão sobre diferentes fatores, como a escala espacial e temporal, os comportamentos institucionais e os tipos de conhecimento, demandando diferentes tipos de indicadores e diferentes funções dos métodos de sustentabilidade (De Olde et al., 2017; De Olde et al., 2016, Chopin et al., 2021).
Ainda, a necessidade de incluir a possibilidade de seleção dos indicadores pode ser vista como uma oportunidade, já que uma gama de conhecimentos pode gerar uma exploração mais rigorosa dos indicadores e um desenvolvimento mais sólido da avaliação, à medida que múltiplos tipos de conhecimento são reunidos, enfatizando assim a necessidade de incluir uma pluralidade de visões do mundo em um quadro flexível para a seleção de indicadores (De Olde et al., 2016, Chopin et al., 2021).
Como solução para o problema da origem e possibilidade de escolha dos indicadores, De Olde et al. (2016) propõem, como uma possível solução, o desenvolvimento de métodos modulares, através das quais os utilizadores finais podem selecionar subconjuntos de indicadores dentro da avaliação de sustentabilidade, dependendo do objetivo do projeto e das condições locais relacionadas. Neste caso, possibilitaria que as partes interessadas pudessem executar seu próprio processo de seleção e desenho dos indicadores, mas de forma bem documentada para facilitar as análises e comparações. Essa possibilidade tornaria as avaliações mais transparentes, transformadoras e duradouras e permitiria a compreensão profunda da sustentabilidade de um sistema numa abordagem sistêmica, envolvendo o contexto e as interações do sistema (De Olde et al., 2016). O método SAFA já apresenta evolução nesta caraterística, possibilitando a escolha dos indicadores (De Olde et al., 2017).
A terceira semelhança entre os métodos comparados foi a ausência de interações entre os indicadores. Soulé et al. (2021) afirmam que esta característica tem sido muito pobremente abordada pelos métodos, apesar da recomendação de Binder, Feola e Steinberger (2010) como um dos critérios de avaliação dos métodos. Mais recentemente, está sendo lançada a terceira geração, com indicadores construídos, correspondendo a indicadores sinérgicos ou transversais vinculados, incorporando vários atributos ou dimensões simultaneamente. Demattê Filho (2014) concluíram ser necessário que as avaliações da sustentabilidade explorem nos sistemas agrícolas uma abordagem inter-relacionada de indicadores multidimensionais, avaliando tanto as partes separadas do sistema quanto suas relações. Como exemplo da possibilidade de interações, pode-se citar a representação sistêmica de diferentes indicadores avaliando os fluxos de nitrogênio e as perdas no sistema agrícola (Küstermann; Christen; Hülsbergen, 2010).
Em relação às diferenças identificadas (Quadro 3), buscou-se discutir com maior profundidade sobre a unidade de análise de cada método. O método Ambitec-Agroobjetiva avalia, mais especificamente, os impactos de determinada tecnologia (Rodrigues; Campanhola, 2003; Monteiro; Rodrigues, 2006). Já o método APOIA-NovoRural tem como objetivo conhecer os impactos de “atividades” selecionadas na propriedade agrícola (Rodrigues; Campanhola, 2003, Rodrigues et al., 2010). Por fim, o método ISA tem como objetivo avaliar os impactos do que ocorre na “propriedade como um todo”. Não há nenhum problema quanto aos diferentes objetos de análise observados nos métodos analisados. Entretanto, isto reforça a necessidade de se ter claro o propósito da avaliação e relacionar esse propósito com respectiva ferramenta. Consequentemente, diferentes métodos de análise da sustentabilidade em propriedades agrícolas são necessários para refletir propósitos diferentes de análise (De Olde et al., 2016; Chopin et al., 2021).
Diferentes objetos de análise observados nos métodos analisados podem possibilitar diferentes contribuições, como por exemplo, para as políticas de desenvolvimento local e para os sistemas de produção agrícola ao se analisar os impactos delas por método para essas temáticas.
Em relação ao desenvolvimento territorial, o método APOIA-NovoRural, possibilita conhecer o impacto ambiental de atividades com empreendimentos, atuando em múltiplos setores (produção agrícola, agroindústria, comercialização), como é o caso do estudo realizado por Ramos Filho et al. (2004) em relação à atividade do Agroturismo. Entretanto, se o objetivo do estudo for compreender os impactos ambientais para o desenvolvimento territorial de propriedades agrícolas, os três métodos podem contribuir, cada um com a sua unidade de análise. Isto pode ser evidenciado no exemplo no estudo sobre a atividade de produção de cocos utilizando o APOIA-NovoRural por Rodrigues, Martins e Barros (2018); no estudo sobre diferentes tecnologias de produção de óleo de palma utilizando o método Ambitec-Agro de Monteiro (2013); ou no estudo das propriedades rurais de Minas Gerais utilizando o ISA por Gabrielli et al. (2023).
Em relação aos tipos de sistemas agrícolas, os quais podem ser sintetizados em sistema baseado em insumos químicos, sistema baseado em insumos biológicos e sistema agrícola baseado na biodiversidade (Therond et al., 2017), os três métodos têm potencial para contribuir para a compreensão dos impactos ambientais, observando os diferentes objetos de análise de cada método. A aplicação, considerando a amplitude dos diferentes sistemas agrícolas, já tem sido evidenciado nos estudos com o método APOIA-NovoRural. Em relação aos Sistemas Integrados de Produção Agrícola (Calegario et al., 2010); de agricultura de precisão (Rodrigues et al., 2008); de agricultura orgânica e agroecológica (Rodrigues et al., 2010), ou de agricultura natural (Demattê Filho, 2014). Nos outros dois métodos (AMBITEC-Agro e ISA), ainda não há aplicações que possam caracterizar amplitude dos diferentes sistemas agrícolas, mas já é possível fazer essa inferência com base nos estudos sobre diferentes tecnologias de produção de óleo de palma utilizando o método Ambitec-Agro de Monteiro (2013); ou, no estudo das propriedades rurais de Minas Gerais utilizando o ISA por Gabrielli et al. (2023).
Considerações finais
A elaboração desta pesquisa foi orientada pelo objetivo geral de analisar as diferenças e similaridades dos métodos brasileiros de avaliação da sustentabilidade em propriedades agrícolas. A análise comparativa demostra que os três métodos Ambitec-Agro, APOIA-NovoRural e ISA possuem cada um suas similaridades e diferenças, que se constituem em trade-offs a serem analisadas na decisão sobre qual método adotar, deve-se dar especial ênfase à decisão sobre a delimitação na propriedade agrícola do que vai ser analisado (uma tecnologia, uma atividade agrícola ou, a propriedade como um todo).
Com relação aos possíveis limites dos métodos brasileiros em relação à aplicação delas no contexto rural, destacou-se a característica de que todos os indicadores foram estabelecidos a priori, assim como, a impossibilidade de escolhê-los, o que limitou a inclusão do entendimento sobre a sustentabilidade de produtores rurais, stakeholders e das características locais do estabelecimento rural a ser analisado. Por outro lado, métodos padronizados, como os três analisados, possuem potencial para utilização de um propósito de certificação das propriedades agrícolas. Além disso, entende-se que elas também podem contribuir para o aprendizado e para iniciar o diálogo com os produtores rurais sobre desenvolvimento sustentável em suas propriedades.
Pensando em prosseguir com as pesquisas na linha desenvolvida no presente trabalho, a experiência vivenciada aponta para a conveniência de reduzir o nível de complexidade dos métodos a empregar. Outro aspecto importante a ser considerado, refere-se ao aperfeiçoamento dos métodos a serem aplicados, no sentido de permitir escolher os indicadores de sustentabilidade, conforme as peculiaridades encontradas nas condições ambientais, econômicas e sociais das propriedades de uma região a ser avaliada.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Dez 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
01 Jun 2023 -
Aceito
06 Ago 2024
