A Conferência das Partes 30 (COP 30) vai ocorrer em Belém, no Pará (região Norte do Brasil), entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025. O evento coloca mais uma vez o Brasil no centro das discussões climáticas globais e coincide com os 10 anos do Acordo de Paris, o tratado internacional de combate às mudanças climáticas, tornando-se um momento estratégico para avaliar os avanços e desafios desse acordo. Dois desafios em especial se colocam para a COP 30. O primeiro é que será a primeira conferência após a superação, em 2024, dos 1,5 °C na temperatura média da superfície terrestre acima do nível pré-industrial (WMO, 2025). O segundo está vinculado ao anúncio oficial pelo governo Trump do abandono do Acordo de Paris pelos Estados Unidos, maior emissor histórico e segundo maior emissor atual de gases do efeito estufa (Sinimbú, 2025).Também se deve considerar que a posição leniente de Trump estimula a saída de outros países, sendo o pretexto para que outros mais não avancem nas suas metas. E não se pode ignorar que o governo Trump também declarou emergência energética nacional e afirmou que o país voltaria a utilizar largamente energia de origem fóssil, ampliando a exploração de petróleo e gás.
Assim, ao ocorrer a COP 30 em um momento geopolítico, climático e científico conturbado, a comunidade internacional terá de acordar a revisão de suas metas nacionais de redução de emissões com base nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e definir novas bases de financiamento climático para os anos seguintes. Nesse sentido, há uma necessidade urgente de aumentar a ambição climática global. Cabe enfatizar que desde o primeiro balanço global (Global Stocktake), concluído na COP 28 em Dubai, ficou demonstrado que os compromissos atuais são insuficientes para limitar o aquecimento global a 1,5 °C, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris. A revisão das NDCs, que estão na agenda de 2025, será um teste decisivo de compromisso político e de capacidade técnica dos países para alinhar suas trajetórias de desenvolvimento a metas climáticas mais robustas.
Outro ponto crítico é a necessidade de um avanço concreto no financiamento climático, sobretudo no estabelecimento de um novo objetivo coletivo pós-2025 que supere os US$ 100 bilhões anuais prometidos e que nem sequer foram plenamente entregues pelos países altamente industrializados Entende-se que a previsibilidade e a acessibilidade a esses recursos são fundamentais para viabilizar políticas de mitigação e adaptação nos países do sul global, especialmente as nações mais vulneráveis aos efeitos da crise climática.
A agenda da COP 30 precisará avançar nas discussões sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis; na continuação dos debates sobre o financiamento climático, incluindo a questão do Fundo de Perdas e Danos, um dos poucos consensos obtidos nas conferências anteriores. Sobre isso, o desafio será garantir que esse instrumento não se torne apenas simbólico, mas que disponha de recursos efetivos e governança transparente, contemplando as realidades de territórios já afetados por eventos extremos. Além disso, a COP 30 será um momento decisivo para discutir a Meta Global de Adaptação, que define indicadores para orientar os países a adotarem medidas para adaptação à crise climática e para o monitoramento da implementação dessas ações.
A transição energética para a eliminação dos combustíveis fósseis também é um debate relevante, assim como o combate ao desmatamento e à degradação de vegetação nativa. A isto soma-se a expectativa de que a COP 30 promova uma ampla participação da sociedade civil, incentivando a justiça climática e a valorização dos saberes e as soluções dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e dos grupos tradicionais e periféricos, que estão entre os mais impactados pelos efeitos da crise climática Entretanto, no momento em que escrevemos este editorial, representantes destes grupos reclamam sobre sua exclusão da organização da Conferência.
A realização desta Conferência na Amazônia projeta esse bioma como fundamental para o equilíbrio ambiental do planeta e destaca a importância de proteger os ecossistemas globais como uma das formas de frear a crise climática. O fato da Conferência se realizar na Amazônia coloca a pauta da centralidade das florestas tropicais e dos biomas megadiversos na agenda climática global. Portanto, se espera que o Brasil e os países amazônicos apresentem resultados concretos no combate ao desmatamento e proponham mecanismos inovadores para valorizar a floresta em pé. Assim, a Conferência representa também uma oportunidade de internacionalizar as discussões sobre uma transição ecológica justa na região, integrando conservação ambiental, soberania territorial, conhecimento tradicional e justiça climática.
Entende-se, então, que a COP 30 deve definir o início de um novo ciclo de ação climática: mais ambicioso, mais equitativo e verdadeiramente transformador. Em março de 2025, mais de 260 organizações de diversos países divulgaram um documento exigindo da presidência da COP 30 a adoção de medidas concretas para garantir transparência e conter a influência indevida do lobby dos combustíveis fósseis e do agronegócio nas discussões da conferência. Em meio a um cenário global de crise climática já no presente, o documento destaca a necessidade de impedir que esses setores continuem a travar a transição energética mundial.
É com “a coragem de ouvir a Terra” (Krenak, 2024) e com a expectativa de que a COP 30 ouça a Terra, que se apresenta a primeira edição de 2025 da Revista Ambiente & Sociedade, com o Volume 28, trazendo mais um conjunto de textos com discussões e debates no campo das questões socioambientais em uma perspectiva interdisciplinar.
Assim, abre-se este volume com o artigo “Recicláveis em São Gabriel da Cachoeira: possibilidades de maior desenvolvimento socioambiental no Alto Rio Negro” de autoria de Marcelo Côrtes Silva, Estefany Padilha da Silva, Quedma Karolayne Otero Azevedo, Taynara Gonçalves Almeida, Paulo José da Silva Nascimento e Pedro Moreno Feio de Lemos analisa a gestão de resíduos que tem se tornado tema de primeira linha para a sustentabilidade ambiental. O artigo analisa o papel dos catadores de recicláveis em São Gabriel da Cachoeira, município mais indígena do Brasil, localizado no Alto Rio Negro, interior do estado do Amazonas. Através de análise documental, literatura de referência na área e de informações obtidas junto aos órgãos municipais, o artigo traça um panorama atual sobre a destinação de resíduos recicláveis no município, discute a importância das ações para o desenvolvimento local e direciona possibilidades para a qualidade de vida no Alto Rio Negro.
Em “Resíduos de equipamentos eletroeletrônicos como fonte secundária de materiais críticos e estratégicos”, Marcelo Pilotto Cenci, Priscila Silva Silveira, Felipe Antônio Lucca Sánchez, Andrea Moura Bernardes e Hugo Marcelo Veit caracterizam alguns tipos de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (REEE), a fim de verificar a presença e quantidades desses materiais, e fomentar, desse modo a sua reciclagem. Foram identificados, nas placas de circuito impresso, baterias, LED e paineis solares altas concentrações de materiais estratégicos como alumínio, cobre, níquel, lítio, monóxido de carbono, silício, ouro e terras raras. Conclui-se que os REEE são fontes importantes de matéria- prima e que a consolidação de um sistema nacional de reciclagem é essencial para fomentar a economia circular e a soberania nacional.
O artigo “Mulher Jiboia e Mulher de Barro: Arte, Consumo e Agenciamentos na Comunidade Huni Kuin”, elaborado por Patrícia Magalhães Bevilaqua, Rita Huni Kuim, Frederico Tavares Junior e Celso Sánchez Pereira analisa as transformações psicossociais, culturais e ambientais, que ocorrem na comunidade Huni Kuin do Acre, com o incurso das ofertas de consumo e de dispositivos comunicativos dirigida ao consumo, especialmente sob a perspectiva do corpo-paisagem feminino e suas transições relacionais. É abordado o cenário de fricção entre a resistência dos intensos processos de retomada das tradições dessa população e as (re)existências decorrentes dos conflitos e interações com o mundo dominante dos nawás, os não indígenas no bairro Kaxinawá do Jordão e na aldeia Chico Curumim. Esta discussão está associada também a entrevistas com a artista Rita Huni Kuin e às inferências sobre suas pinturas. Esse conjunto de impressões revela tanto vulnerabilidades às formas de colonização do mundo dominante quanto forças reativas e criativas da floresta, das mulheres e da arte Huni Kuin.
No artigo “Alternativas à Mineração: passado, presente e futuro em Nova Lima, Minas Gerais, Brasil”, de autoria de Marília Luisa de Oliveira, Maria Amália Silva Alves de Oliveira e Rodrigo Machado Vilani discutem alternativas à mineração no município de Nova Lima, especificamente no distrito de São Sebastião de Águas Claras. Tem por hipótese central que o (eco)turismo de base comunitária pode se tornar uma atividade contra-hegemônica à expansão minerária na região. Apresenta reflexões teóricas no campo da Ecologia Política Latino-americana e do Turismo, dos movimentos sociais e das políticas públicas, utilizando pesquisa bibliográfica, documental e observação participante. Identificou-se que o município de Nova Lima é altamente dependente da atividade de extração mineral que exerce influência política no processo decisório local. Conclui-se que o ecoturismo de base comunitária é uma alternativa à mineração e fortalecimento do protagonismo local na gestão do território.
As autoras Erica Vicente Onofre, Flávia Rossato e Carina Catiana Fopp abordam em “Colonialidades e Disputas Cartográficas em Territórios Tradicionais no Litoral Sudeste-Sul Do Brasil”, abordam os processos de elaboração cartográfica no âmbito da pesquisa acadêmica em contextos de territórios ocupados tradicionalmente no litoral do Paraná e São Paulo, sobrepostos por projetos de empreendimentos desenvolvimentistas e Unidades de Conservação. As cartografias enunciadas permitem problematizar sobreposições envolvendo territórios do povo indígena Guarani e de comunidades tradicionais da pesca artesanal, ao considerar a autocartografia desses grupos sociais para produzir contra-informação ao apagamento de subjetividades e territorialidades embutido nos instrumentos associados às políticas ambientais e de ordenamento territorial.
Em “Compras Públicas Sustentáveis: avaliação do programa de alimentação escolar de São Paulo”, Kátia Carolino, Eduardo Meireles, Marcondes Geraldo Coelho Junior, Fernando Melo da Silva e Marcos Sorrentino analisam o potencial das compras públicas sustentáveis para a alimentação escolar a partir do programa instituído no município de São Paulo, com o objetivo de compreender as fragilidades no processo de implementação da lei. O estudo se baseou em pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas junto aos agentes públicos implementadores do programa. A análise demonstrou que são diversos os desafios e problemas enfrentados pelos agricultores e pelo governo municipal para implementar este programa, desde condições impostas pela legislação federal para reconhecer os produtores locais como agricultores familiares até insuficiência de produção para atender a demanda.
Andreia de Matos Peixoto Fanzeres e Ricardo da Costa Carvalho discutem, em “os Apiaká e o Parque Nacional do Juruena: uma experiência de gestão territorial compartilhada”, sobre o conflito sobre a desconsideração do pertencimento territorial dos Apiakás e dos Povos Isolados no processo de criação do Parque Nacional do Juruena, minimizando a importância estratégica deste território para a delimitação do Corredor de Conservação da Amazônia Meridional. A análise confronta documentos de demarcação de terras, o Plano de Manejo do Parque Nacional do Juruena para delimitar o conflito e avaliar o processo de diálogo com a administração pública Os autores concluem que, apesar do recente reconhecimento formal e definitivo da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados, bem como da importância do Conselho Consultivo do Parque Nacional do Juruena, a omissão e os erros da administração pública federal promoveram conflitos e a morosidade de mais de 30 anos para que fosse assegurado o direito indígena ao seu território ancestral.
O artigo “Potenciais serviços ecossistêmicos prestados por insetos aquáticos em arrozais irrigados sob diferentes sistemas de cultivo”, elaborado por Pauline Amanda Vognach, Mateus Marques Pires, Marina Schmidt Dalzochio e Eduardo Périco, apresenta um marco conceitual, voltado à avaliação da capacidade de polinização, da fertilização do solo e do controle de pragas, que se apresenta como ferramenta capaz de orientar estratégias sustentáveis na agricultura. Entre outras conclusões, a metodologia de análise, permitiu estimar como diferentes insetos, no sistema convencional e orgânico de cultivo orizícola no Rio Grande do Sul, Brasil, apresentam variações na oferta de serviços de suporte e regulação de processos ecossistêmicos. Ficou demonstrado que, em arrozais orgânicos, há maior oferta de serviços de regulação, o que significa menos pragas, menor necessidade de controle químico e mais alta biodiversidade em comparação com arrozais convencionais.
Em “Desastre da Mineração em Maceió-AL: Avaliando o Impacto na Saúde dos Atingidos”, Anacássia Fonseca de Lima, Diego Freitas Rodrigues, Janaína Accordi Junkes, Bibiana Toshie Onuki de Mendonça e Juliana Matos Ferreira Bernardo analisam o impacto à saúde dos moradores dos bairros de Maceió-AL, que foram afetados pelo afundamento do solo decorrente da extração de salgema pela empresa mineradora Braskem. Para tanto se utilizou uma abordagem mista, com uma primeira fase de estudo transversal, na qual uma escala validada de depressão, ansiedade e estresse (DASS-21) e um questionário sociodemográfico, e numa segunda fase se realizou pesquisa qualitativa. Os resultados indicaram que o desastre teve um impacto significativo na saúde mental desses indivíduos, com prevalência de estresse, ansiedade e depressão acima dos níveis normais, sugerindo implicações físicas prolongadas do desastre na saúde dos atingidos, que num estado constante de incerteza tem efeitos como transtornos mentais e agravamento de doenças crônicas preexistentes. O estudo demonstra a importância da AIS na identificação de riscos e na tomada de decisão para mitigar os impactos do desastre.
O artigo “O papel das Áreas Protegidas durante a pandemia de COVID-19” é uma análise da percepção dos visitantes elaborada por Cláudia Domingos Torres e Jerônimo Boelsums Barreto Sansevero. O estudo avalia o impacto nos visitantes de Áreas Protegidas (APs) no Brasil, por meio da aplicação de questionário a 219 pessoas em 136 APs, no período da pandemia de COVID-19 de março de 2020 a março de 2022. A pesquisa apontou, entre outros problemas, que os Parques foram a categoria de manejo mais visitada, representando 71,37% das APs citadas pelos participantes, entre as 12 categorias de Unidades de Conservação , de acordo com a definição legal. O estudo conclui sobre a questão interdisciplinar relativa aos benefícios sociais das áreas protegidas como parte dos critérios de priorização para o estabelecimento de novas Áreas Protegidas.
Desejamos a todas e todos uma ótima leitura e que os artigos possam contribuir para ampliar conhecimentos que nos desafiam.
Referências bibliográficas
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Krenak, A. Temos que ter a coragem de ouvir a terra. [Entrevista cedida a Maria Victória Oliveira. Revista Casa Comum. Sefras - Ação Social Franciscana. {São Paulo}, n. 10, jul/ago/set 2024. Disponível em: https://revistacasacomum.com.br/wp-content/uploads/2024/09/RCC_10edicao.pdf >. Acesso em: 03 abr. 2025.
» https://revistacasacomum.com.br/wp-content/uploads/2024/09/RCC_10edicao.pdf -
Sinimbú, F. Saída dos EUA do Acordo de Paris deve ser efetivada somente em 2026. Agência Brasil: 26 jan. 2025. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/meio-ambiente/noticia/2025-01/saida-dos-eua-do-acordo-de-paris-deve-ser-efetivada-somente-em-2026>. Acesso em: 03 abr. 2025.
» https://agenciabrasil.ebc.com.br/meio-ambiente/noticia/2025-01/saida-dos-eua-do-acordo-de-paris-deve-ser-efetivada-somente-em-2026 -
WMO. World Meteorological Organization. WMO confirms 2024 as warmest year on record at about 1.55°C above pre-industrial level. 10 jan. 2025. Disponível em: <https://wmo.int/news/media-centre/wmo-confirms-2024-warmest-year-record-about-155degc-above-pre-industrial-level>. Acesso em: 02 abr. 2025.
» https://wmo.int/news/media-centre/wmo-confirms-2024-warmest-year-record-about-155degc-above-pre-industrial-level
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Maio 2025 -
Data do Fascículo
2025
