Open-access Desastre da Mineração em Maceió-AL: Avaliando o Impacto na Saúde dos Atingidos

Resumo

Neste trabalho foi analisado o impacto à saúde dos moradores dos bairros de Maceió-AL, que foram afetados pelo afundamento do solo decorrente da extração de salgema pela empresa mineradora Braskem. Utilizou-se uma abordagem mista, com uma primeira fase de estudo transversal, na qual uma escala validada (DASS-21) e um questionário sociodemográfico foram aplicados, e uma segunda fase de pesquisa qualitativa. Os resultados indicaram que o desastre teve um impacto significativo na saúde mental desses indivíduos, com prevalência de estresse, ansiedade e depressão acima dos níveis normais. Identificou-se correlação entre os transtornos mentais e o diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica, sugerindo implicações físicas prolongadas do desastre na saúde dos atingidos, que estão expostos a um estado constante de incerteza resultando em transtornos mentais e agravamento de doenças crônicas preexistentes. O estudo demonstra a importância da AIS na identificação de riscos e na tomada de decisão para mitigar os impactos do desastre.

Palavras-chave:
Braskem; Saúde mental; Mineração; Ansiedade; Depressão

Abstract

This study analyzed the health impact on residents of neighborhoods in Maceió-AL, who were affected by ground subsidence resulting from halite extraction by the mining company Braskem. A mixed-methods approach was employed, beginning with a cross-sectional study phase in which a validated scale (DASS-21) and a sociodemographic questionnaire were administered, followed by a phase of qualitative research. The findings revealed that the disaster significantly impacted the mental health of these individuals, with heightened levels of stress, anxiety, and depression surpassing normal thresholds. A correlation between mental disorders and the diagnosis of systemic arterial hypertension was observed, suggesting extended physical health implications from the disaster for the affected individuals, who are subjected to a perpetual state of uncertainty leading to mental disorders and the worsening of pre-existing chronic diseases. The study underscores the significance of Health Impact Assessment (HIA) in risk identification and decision-making processes to mitigate the disaster’s impacts.

Keywords:
Braskem; Mental Health; Mining; Anxiety; Depression

Resumen

Este estudio analizó el impacto en la salud de los residentes de los barrios en Maceió-AL, afectados por el hundimiento del suelo resultante de la extracción de halita por la compañía minera Braskem. Se adoptó un enfoque de métodos mixtos, iniciando con una fase de estudio transversal en la que se administraron una escala validada (DASS-21) y un cuestionario sociodemográfico, seguida de una fase de investigación cualitativa. Los hallazgos revelaron que el desastre afectó significativamente la salud mental de estos individuos, con niveles elevados de estrés, ansiedad y depresión superando los umbrales normales. Se observó una correlación entre los trastornos mentales y el diagnóstico de hipertensión arterial sistémica, sugiriendo implicaciones prolongadas en la salud física de los afectados, quienes se encuentran sometidos a un estado perpetuo de incertidumbre que conduce a trastornos mentales y al empeoramiento de enfermedades crónicas preexistentes. El estudio subraya la importancia de la Evaluación del Impacto en la Salud (EIS) en la identificación de riesgos y en los procesos de toma de decisiones para mitigar los impactos del desastre.

Palabras-clave:
Braskem; Salud mental; Minería; Ansiedad; Depresión

Introdução

A mineração caracteriza-se como uma atividade lucrativa, com participação no PIB em 2019 e 2020 de 1,257% e 1,293%, respectivamente. Esta atividade se baseia em capital natural que promove impactos físicos, biológicos e antropológicos. Ocasiona impactos ambientais, que são definidos como uma ação antrópica que culmina em uma modificação permanente ou não do meio ambiente, podendo ser negativa ou positiva, com sua intensidade de degradação proporcional ao grau de exploração do solo (BRASIL, 1986). Ao se avaliar o licenciamento de grandes empreendimentos com capacidade de produção de impactos ambientais e sociais significativos, a literatura aponta que, embora os impactos físicos, bióticos e mesmo antrópicos sejam identificados nas áreas de influência de grandes empreendimentos, a identificação, a previsão e os riscos de impactos à saúde pública não são incorporados em grande medida aos estudos de impacto ambiental (BUSATO; GRISOTTI, 2022; RODRIGUES; GALVÃO; MENEZES, 2018).

Dentro da esfera dos impactos ambientais, é possível identificar o recorte da saúde, que pode ser avaliada pela Avaliação de Impacto em Saúde (AIS), uma ferramenta de caráter multidisciplinar que permite a identificação e a avaliação da importância dos impactos resultantes de atividades que afetem a saúde e o bem-estar da população. A AIS se caracteriza pela combinação tanto de abordagens quantitativas quanto qualitativas com o intuito não apenas de identificar e prever os impactos, como dimensionar os riscos e indicar caminhos para mitigar seus efeitos. Sejam eles tanto nos meios biofísicos quanto antrópicos, contribuindo para a geração de evidências que subsidiam a tomada de decisão (ABE; MIRAGLIA, 2018).

Levando em consideração os possíveis impactos da mineração, em 2018 uma área extensa na cidade de Maceió foi acometida por instabilidade do solo e tremor de intensidade 2,5 na Escala Richter segundo o Serviço Geológico Brasileiro (SGB). O que culminou na rachadura de inúmeros imóveis e no desalojamento de diversas famílias pela defesa civil, além da expulsão de mais de 57 mil pessoas. Essa região corresponde aos bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto. Esses quatro bairros totalizam uma dimensão média de 5,26 km² que sofreram com a instabilidade e consequente abalo sísmico decorrente da extração de sal-gema pela empresa Braskem, segundo reportado pelo Serviço Geológico Brasileiro vinculado à Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM - SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL, 2019).

No relatório da CPRM constou que houve desestabilização das cavidades da extração de sal-gema, o que resultou em halocinese (movimentação do sal) e subsidência (afundamento) do terreno em consequência da reativação de estruturas geológicas. O que também culminou em deformações rúpteis na superfície (trincas no solo e nas edificações) observadas nos bairros acometidos, levando ao estado de calamidade pública decretado pela prefeitura do município (CRPM - SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL, 2019).

A desapropriação das casas e as ações propostas não contribuíram para mitigar os impactos sofridos. Uma vez que o modelo adotado, no qual casas são compradas pelo estado e as famílias recebem um valor subsidiário para procurarem imóveis independentemente, têm piores resultados apontados pela literatura, intensificando as consequências deletérias, de acordo a empresa causadora do dano até março de 2023 mais de 14,3 mil imóveis foram desocupados (BERROETA; CARVALHO, 2021). Ademais, outros problemas paralelos surgem, como, por exemplo, o aumento de doenças infectocontagiosas e de agravos de saúde e segurança pública diante dos imóveis abandonados (ROMÃO et al., 2019).

Esse desastre que ocorreu nas comunidades se deu de forma intensa e permanente, afetando desde a esfera material, representada pelas casas e espaços públicos, como a imaterial, correspondendo principalmente à saúde física e mental desses indivíduos (FREITAS et al., 2019). Referente aos aspectos imateriais, sua repercussão é tão significante, se não mais, que os aspectos físicos, uma vez que acarreta várias consequências, na forma de transtornos psicossociais e psicossomáticos (KHACHADOURIAN et al., 2022).

O próprio processo de desapropriação da população de seu ambiente urbano e perda do sentimento de pertencimento comunitário deteriora os vínculos socioespaciais, promovendo sentimentos de estresse, incerteza e consequente ansiedade (BERROETA; CARVALHO, 2021). Essas modificações ambientais, ampliam o risco de exposição às doenças, afetando diretamente a qualidade de vida dos indivíduos, além de contribuir para a instauração e agravamento de outras situações como doenças mentais, doenças respiratórias, agravamento de doenças crônicas como diabetes e hipertensão (ROMÃO et al., 2019).

Este trabalho tem como objetivo geral avaliar o impacto à saúde dos moradores do afundamento de bairros em situação de desastre em Maceió-AL (Pinheiro, do Mutange, Bebedouro e Bom Parto). Além dos objetivos específicos de (1) Analisar a presença de ansiedade, depressão e estresse entre os moradores que tiveram suas residências atingidas pelo desastre; (2) Verificar a relação entre ansiedade, depressão e estresse e o diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica e, por fim; (3) Verificar o impacto do afundamento de bairros de Maceió-AL para a saúde de moradores atingidos, em especial os com doenças crônicas.

Metodologia

Para avaliar o impacto à saúde do desastre aos atingidos utilizou-se um estudo misto do tipo sequencial exploratório, em duas fases detalhadas a seguir.

A princípio descreveremos a metodologia usada na primeira fase. A amostragem foi não probabilística, por bola de neve virtual. Na qual uma escala validada foi aplicada às pessoas atingidas, indivíduos adultos (18 a 90 anos de idade), de forma virtual por meio de e-mail ou redes sociais virtuais, para efeito de diagnóstico do estado de saúde mental dos atingidos pelo desastre. A escala escolhida foi a DASS-21 (Escala de ansiedade, depressão e estresse), sendo aplicado também um questionário sociodemográfico. A amostra desta fase foi composta de 170 pessoas. Os dados foram coletados no período de novembro de 2021 a janeiro de 2023.

A Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS) é um instrumento do tipo Likert que consiste em 42 itens, divididos em três escalas de 14 itens, para avaliar sintomas experimentados na semana anterior. A versão reduzida, DASS-21, tem a mesma estrutura, mas com apenas sete itens em cada subescala, permitindo uma avaliação rápida e precisa dos estados emocionais. A DASS-21 é autoaplicável e baseada nas diferenças entre depressão, ansiedade e estresse, permitindo a identificação de diferentes níveis de gravidade. A escala foi adaptada e validada para o português brasileiro em 2013 (VIGNOLA, 2013).

Segundo a escala de DASS, a classificação dos sintomas de estresse foi:

  • 0-10 = normal;

  • 11-18 = leve;

  • 19-26 moderado;

  • 27-34 = severo e

  • 35-42 = extremamente severo.

A classificação dos sintomas de ansiedade foi:

  • 0-6 normal;

  • 7-9 = leve;

  • 10- 14 = moderado;

  • 15-19 = severo e

  • 20-42 extremamente severo.

A classificação dos sintomas de depressão foi:

  • 0-9 = normal;

  • 10-12 = leve;

  • 13-20 = moderada;

  • 21-27 = severo e

  • 28-42 = extremamente severo.

Em relação aos dados socioeconômicos foram obtidas as seguintes variáveis: gênero, faixa etária, escolaridade, raça/cor autodeclarada, estado civil, renda familiar, moradia atual, diagnóstico de doença crônica.

A variável de desfecho hipertensão arterial, foi autorreferida e medida com base nas respostas a três perguntas de um questionário:

  1. Você possui diagnóstico médico de pressão alta (hipertensão arterial)?

  2. Atualmente, você está fazendo uso de medicamento prescrito por médico para pressão alta (hipertensão arterial)?

  3. Você foi diagnosticada com hipertensão após ficar sabendo do afundamento do bairro em que vive?

As opções de resposta foram: não, sim. Foram considerados hipertensos os indivíduos que responderam “sim” a pelo menos uma das duas primeiras questões, os que responderam negativamente às duas questões, foram classificados como normotensos. Os indivíduos que responderam “sim” à terceira questão foram considerados diagnosticados após o desastre.

Quanto à análise estatística, os dados foram inicialmente submetidos à análise estatística descritiva. No nosso estudo, a confiabilidade da escala se mostrou adequada pelo coeficiente de alfa de Cronbach (estresse = 0,75; ansiedade = 0,81 e depressão 0,85) (NUNNALLY, 1978).

As variáveis foram dicotomizadas para permitir uma boa comparação dos resultados; participantes com corte pontuação ≥10 em depressão, ≥8 em ansiedade e >15 em estresse foram considerados como tendo esses transtornos conforme referenciado pelo DASS (KEATING, 1995). Regressões logísticas univariadas e multivariadas estimaram os odds ratios (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%), que permitiram avaliar a relação entre os sintomas de estresse, depressão e ansiedade com as características sociodemográficas e local de moradia dos participantes. Estes testes foram realizados usando o programa PAST 4.03 (HAMMER et al., 2001). Com relação à hipertensão também foi realizado teste t com finalidade de comparar se os dados obtidos no estudo são similares à média nacional. Além disso, buscou-se verificar se os transtornos mentais (ansiedade, depressão e estresse) contribuíram com o aumento do diagnóstico de hipertensão. Para isso, os dados já dicotomizados para cada transtorno (≥10 em depressão, ≥8 em ansiedade e >15 em estresse) foram testados frente o diagnóstico de hipertensão em três situações (antes, depois e antes/depois) do desastre. Estas análises de correlação foram feitas no programa Sigma 12.

Descreveremos agora os aspectos metodológicos da segunda fase do estudo. Quanto à amostra da pesquisa qualitativa, a amostragem foi determinada pela saturação dos dados, na qual se coletaram informações até não se obter mais nada de novo e atingir a redundância dos dados. Portanto, o número de participantes não pode ser determinado com exatidão, sendo definido pela necessidade de informações (POLIT; HUNGLER, 2011). Desta forma participaram da pesquisa 13 atingidos pelo desastre.

Os dados qualitativos foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com perguntas sobre a saúde atual, impacto do desastre na rotina de vida, saúde e desafios enfrentados pelos entrevistados (VORMITTAG; OLIVEIRA; GLERIANO, 2018). As falas dos participantes foram gravadas e transcritas na íntegra, os dados resultantes foram organizados individualmente em documentos no Word.

Foi utilizada a análise de conteúdo, modalidade análise temática, sob a perspectiva de Bardin (BARDIN, 2011), como referencial metodológico. Essa técnica de pesquisa permite tornar replicáveis e válidas inferências sobre dados de um determinado contexto. A análise temática consiste em descobrir núcleos de sentido presentes ou frequentes em uma comunicação que signifiquem algo para o objeto analítico visado (PARANHOS et al., 2016).

Operacionalmente, a análise temática desdobra-se em três etapas descritas na imagem 1, conforme orienta Bardin (BARDIN, 2011).

Figura 1
Análise temática segundo Bardin.

Os resultados encontrados foram confrontados com a literatura através de fragmentos das falas e diálogos com outros autores.

A técnica utilizada para a coleta dos dados foi a entrevista semiestruturada gravada, utilizando-se, para tal, um gravador de voz digital e um questionário guia com perguntas pertinentes à temática em questão, quais sejam:

  1. Sua casa foi afetada pelo que ocorreu nos bairros em Maceió devido à mineração de sal-gema?

  2. Você precisou sair da sua casa?

  3. Quando você escuta sobre o que ocorreu no bairro que você morava, o que vem à sua mente?

  4. Você tem alguma doença crônica?

  5. Sua doença crônica foi diagnosticada antes ou após o desastre?

  6. Você percebeu alguma mudança na sua saúde, quanto a doença crônica que possui, após o desastre?

  7. Como você definiria sua saúde mental antes e após o desastre?

O projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário Tiradentes (Número do Parecer: 4.668.538).

Resultados e Discussão

O estudo contou com a participação de 170 indivíduos afetados pelo desastre, que responderam ao formulário online, formando a amostra final da primeira fase. Quanto à caracterização da amostra (Tabela 1), a maioria dos entrevistados era composta por mulheres (70%) e estavam na faixa etária de 18 a 39 anos (48,8%). Em relação à escolaridade, 37,1% possuíam nível superior completo. Quanto à raça, a maioria se autodeclarou como pardos (45,3%) e brancos (42,9%). Com relação ao estado civil, 41,2% eram solteiros e 39,4% casados. A renda familiar dos entrevistados esteve distribuída principalmente entre três categorias: inferior a 2 salários-mínimos (31,2%), de 2 a 4 salários-mínimos (25,9%) e de 4 a 10 salários-mínimos (29,4%). A maioria dos entrevistados possuía moradia própria (57%) e o número de moradores na maioria das moradias (64,7%) variava de 3 a 5 pessoas. Quanto às condições de saúde, 42,9% dos entrevistados declararam possuir alguma doença crônica na ocasião da entrevista.

Tabela 1
Caracterização da amostra do estudo

A amostra do presente estudo apresenta semelhanças e diferenças em relação a outros estudos similares. Verificou-se similaridade em relação ao sexo e à raça dos participantes, enquanto houve diferenças significativas em relação ao estado civil, faixa etária, escolaridade e renda. Para ilustrar essas diferenças, podemos comparar os resultados de dois estudos prévios sobre desastres ambientais no Brasil.

Em um estudo de 2022 que investigou o perfil epidemiológico dos participantes do Projeto Saúde Brumadinho - uma coorte prospectiva que acompanha a saúde da população atingida pela ruptura da barragem da empresa Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019 - a amostra foi composta por 3.080 indivíduos com idade superior a 12 anos, sendo 56,7% do sexo feminino e 42,2% de cor de pele branca. A idade média dos participantes foi de 46,1 anos, a maioria era casada (60,0%), e 37,1% tinham ensino fundamental incompleto (VIANA-PEIXOTO et al., 2022).

Outro estudo que investigou a percepção quanto a saúde física, mental e social da população exposta à ruptura da barragem de rejeitos do Fundão em 5 de novembro de 2015, por autoavaliação usando um questionário semiestruturado elaborado pelos autores, entrevistou 507 pessoas, 11 meses após o desastre. O perfil da amostra foi de que 58,3% dos participantes eram do sexo feminino, 34% tinham entre 40 a 59 anos e 21% tinham entre 19 a 39 anos. A maioria dos participantes tinha baixa escolaridade, com 63,9% tendo estudado até o Ensino Fundamental, e uma renda de até três salários-mínimos (76,5%). Além disso, 43,5% dos entrevistados relataram ter tido algum problema de saúde após o desastre (VORMITTAG; OLIVEIRA; GLERIANO, 2018).

Visando avaliar o impacto à saúde mental dos moradores que tiveram suas residências atingidas pelo desastre, foi realizada a análise da presença de ansiedade, depressão e estresse por meio da determinação da prevalência desses transtornos psicológicos entre os entrevistados. Tais resultados serão apresentados e discutidos a seguir.

A descrição das variáveis de estresse, ansiedade e depressão pela escala DASS-21 mental são exibidas nas Tabelas 2. As pontuações médias do DASS-21 e a prevalência para cada estado mental são exibidas na Tabela 2.

Tabela 2
Descrição das variáveis de estresse, ansiedade e depressão pela escala DASS-21 e prevalência e média dos transtornos mentais (n=170).

Os resultados indicaram que o nível médio de estresse foi de 19,8 ± 11,8, variando entre 0 e 42 pontos, e que 59,41% dos entrevistados pontuaram acima do limite normal para estresse (Tabela 2). Desses indivíduos, 25,9% foram enquadrados na categoria leve, 17,1% na moderada, 17,6% severos e 13,5% extremamente severos (Tabela 2). Foi Possível observar na etapa qualitativa do estudo a presença de estresse emocional em alguns entrevistados, como P.O., que relata que apesar de não ter nenhuma doença crônica, o cenário é “(...) exaustivo, muito estressante, nesse sentido, emocionalmente, me afeta dessa forma, eu fico muito estressada, cansada, pressionada e preocupada né (...). Tem muito estresse emocional nesse sentido.”

Em relação à ansiedade, o nível médio foi de 13,3 ± 11,5, variando entre 0 e 42 pontos, e 53,53% apresentaram valores acima do normal (Tabela 2), sendo 7,1% sintomas leves, 15,3% moderados, 8,2% severos e 30,0% extremamente severos (Tabela 2). Números ainda mais elevados que a prevalência de transtornos de ansiedade no Brasil segundo a OMS, que refere em 9,3% da população (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017).

Na segunda etapa do nosso estudo, etapa qualitativa, obtivemos 13 entrevistas por meio de formulário semiestruturado, onde observamos que a ansiedade foi o transtorno mais relatado, com uma prevalência de 76,9% dos entrevistados. Essa frequência também é observada nas palavras mais repetidas em relação aos sentimentos, com preocupação (76,9%), medo (69,2%) e angústia (53,8%) sendo as três mais relatadas. Esse sentimento pode ser observado nos relatos dos entrevistados, um em especial no qual T.H.A. relatou que antes do desastre era “Uma pessoa sadia, alegre, muito comunicativa, gostava muito de sair, saída bastante e depois dessa mudança e tudo o que aconteceu, eu vim desenvolvendo crises de ansiedade (...). Comecei a colocar na minha cabeça que pra mim tanto faz minha vida já não importava mais (...)”.

Em outra entrevista, C.C.C. também relata que ansiedade, crises de pânico e hipertensão iniciaram após o desastre, devido aos sentimentos de desespero e os gatilhos que são acionados, como descreve no trecho “Uma coisa que era minha, de uma forma injusta. E quando você menos espera, você é tomada por esse sentimento de desespero, de ansiedade e entra em uma crise”. Outra entrevistada, M.A.C.P também relatou o desenvolvimento desse transtorno, o qual a levou a iniciar o uso de medicamentos controlados e o comprometimento de sua saúde, afirmando “Eu tô à base de remédio para ansiedade, a minha saúde hoje não é mais como era antes (...)”.

Já o nível médio de depressão foi 17,0 ± 12,6, variando entre 0 e 42 pontos, e 62,35% dos indivíduos apresentaram valores acima do normal (Tabela 2), sendo 12,4% sintomas leves, 20,6% moderados, 10,6% severos e 24,7% extremamente severos (Tabela 2). Números consideravelmente maiores que a prevalência de transtornos depressivos no Brasil, que ocupa o primeiro lugar entre os países em desenvolvimento, com prevalência de 5,8% (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017). Nas entrevistas realizadas, a depressão foi o segundo transtorno psicológico mais relatado, correspondendo a 6 (46,2%) dos entrevistados, enquanto os termos relacionados aos sentimentos que inferem esse transtorno foram frequentes. Dentre eles, os principais são a tristeza e a incerteza, mencionados em 4 (30,8%) e 3 (23,1%) das entrevistas, respectivamente.

Outro entrevistado, A.P.M.F relatou que foi diagnosticada com depressão durante o desastre, e que os sintomas iniciaram e permaneceram após saber das mudanças as quais seria imposta “A qualidade de vida mudou. Hoje eu percebo que todo dia podem aparecer alguns sintomas como, tremedeira, pânico”. Enquanto T.H.A. refere que foi essa situação que promoveu o início de quadro de depressão, síndrome de pânico e crises de ansiedade nela e em seus pais. Ela também relata que os sintomas dos transtornos desenvolvidos pelo desastre ainda a acompanham, comprometendo sua qualidade de vida “(...) ainda sou acompanhada por médicos e às vezes tenho reflexos de coisas e na hora perco a audição, a visão apaga e tudo isso ainda estou sendo acompanhada e tudo é reflexo do que eu passei por lá e venho passando ainda (...)”.

Esses resultados sugerem que o desastre teve um impacto significativo na saúde mental desses indivíduos, com uma alta proporção deles apresentando sintomas de estresse, ansiedade e depressão acima dos níveis normais, evidenciando a necessidade de intervenções para mitigar os efeitos negativos na saúde mental desses indivíduos.

Embora haja uma escassez de estudos que investiguem o impacto à saúde de desastres da mineração, bem como nenhuma investigação anterior sobre o caso que estudamos ou qualquer desastre da mineração em perímetro urbano semelhante, os resultados do nosso estudo corroboram com os achados da literatura. Em um estudo anterior que utilizou dados do “Projeto Saúde Brumadinho”, a prevalência dos sintomas psiquiátricos e seus fatores associados foram investigados na população afetada pelo desastre. Os resultados revelaram uma prevalência elevada de todos os sintomas psiquiátricos investigados, com 29,3% apresentando sintomas depressivos, 22,9% com transtorno de estresse pós-traumático, 18,9% com sintomas ansiosos e 12,6% relatando a presença de ideação suicida ou automutilação. Todos os sintomas psiquiátricos foram mais prevalentes nas mulheres (GARCIA et al., 2022).

Um estudo avaliando a saúde da população de Barra Longa afetada pelo desastre de Mariana revelou que 11% dos entrevistados relataram espontaneamente transtornos mentais e comportamentais. Quando apresentada uma lista de sintomas, a ansiedade foi citada por 10,6% dos entrevistados e depressão por 12,4%. Entre aqueles estudados, 83,4% relataram sintomas emocionais ou comportamentais, incluindo insônia (36,9%), preocupação ou tensão (21,7%), tristeza (18,1%), facilidade para assustar (17,8%), irritabilidade ou agressividade (15,6%), choro frequente (12,6%), dificuldade para tomar decisões (10,5%), apatia (10,1%) ou sonolência (9,5%). Esses achados sugerem que a população de Barra Longa foi afetada psicologicamente pelo desastre. No entanto, é importante destacar que a limitação do estudo foi o uso de um questionário semiestruturado criado pelos autores, em vez de um instrumento psicométrico com confiabilidade, validade e eficácia comprovadas (VORMITTAG; OLIVEIRA; GLERIANO, 2018).

É importante salientar que os achados de transtornos psiquiátricos observados em nosso estudo também podem estar relacionados à posição do Brasil como um dos países com as maiores taxas de prevalência de transtornos ansiosos e depressivos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em uma pesquisa publicada em 2017, o Brasil foi classificado como líder mundial em transtornos ansiosos. Esses dados sugerem que a população brasileira, em geral, pode estar predisposta a desenvolver transtornos psiquiátricos, o que pode ser exacerbado em situações de desastres, como o caso que estudamos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017). Destacamos também, que os dados foram coletados durante o período da pandemia de COVID-19, no qual pesquisas evidenciaram altas taxas de transtornos psiquiátricos (BRUIN, 2021; GOULARTE et al., 2021). Portanto, as prevalências elevadas de sintomas psiquiátricos identificadas podem indicar um impacto negativo na saúde mental dos residentes devido ao desastre somado à pandemia.

A Tabela 3 mostra a prevalência dos sintomas de ansiedade, estresse e depressão estratificada por sexo, idade, escolaridade, autorrelato étnico (raça), estado civil, renda, moradia e presença de doença crônica. Para os sintomas de estresse, foi observada prevalência significativamente superior entre os mais jovens (68,67%). O estudo realizado por GARCIA et al. (2022) revelou diferenças nas prevalências dos transtornos mentais investigados de acordo com a faixa etária, com maiores prevalências entre os mais jovens, exceto para ideias de morte e automutilação. Além disso, foi observada uma associação negativa entre os sintomas de TEPT, depressivos e ansiosos em indivíduos com 60 anos ou mais. Esses resultados sugerem que a faixa etária pode ter um papel importante na vulnerabilidade aos transtornos mentais, e que a idade avançada pode ser um fator protetor em relação a esses sintomas específicos.

Com relação à escolaridade, para os sintomas dos três transtornos em estudo, foi comprovada maior prevalência entre os entrevistados que cursaram apenas o ensino infantil e fundamental, e os que cursaram doutorado, tal disparidade de nível educacional é compreendida diante da abrangência territorial do desastre, sendo o bairro do Pinheiro predominantemente residencial e com uma diversidade populacional e padrão de renda mais elevado, principalmente quando comparado os bairros do Bebedouro e do Mutange, que apresentam predomínio de uma população com baixo poder aquisitivo. Em relação à população, o bairro do Pinheiro, com 19.062 habitantes, representa o 17º mais populoso de Maceió. Enquanto os bairros do Bebedouro, com 10.103 habitantes, e o bairro do Mutange, com 2.632 habitantes, ocupam as posições de 29º e 46º, respectivamente (CRPM - SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL, 2019). No entanto, a amostra do estudo evidencia uma predominância da população com maior escolaridade, com 27,1% com ensino médio, 37,1% na graduação e 23,5% com pós-graduação ou especialização. Assim, uma amostra mais diversa referente aos níveis de escolaridade poderia refletir melhor a real prevalência dos transtornos com o recorte dos níveis de educação.

Outro estudo observou uma associação positiva entre o nível médio de escolaridade e sintomas de estresse (GARCIA et al., 2022). Aqueles com menor nível de escolaridade tendem a ter uma maior probabilidade de residir em locais impactados por desastres, sofrendo perda de suas residências e necessitando de alojamentos temporários. Esses indivíduos também enfrentam maiores desafios financeiros para encontrar um local de moradia adequado. Em contrapartida, aqueles com maior escolaridade possuem maiores oportunidades, melhor estado de saúde, salários mais altos, expectativas de vida mais elevadas e tendem a residir em áreas menos afetadas pelos desastres, ou quando afetados tendem a ter maior facilidade com a realocação (LUTZ; KC, 2011).

Observaram-se ainda diferenças estatisticamente significativas entre os locais de moradia e todos os desfechos. É importante considerar a psicologia ambiental comunitária e as relações entre pessoas e lugares, bem como as relações comunitárias, para minimizar o impacto de desastres na saúde mental dos afetados. Mudanças residenciais e transformações do habitat urbano durante um desastre podem ter consequências diversas para o bem-estar e saúde mental, pois quebram os vínculos das pessoas com os lugares. Um estudo em quatro cidades chilenas descreveu como a perda desses vínculos afetou pessoas que foram realojadas após terremotos, tsunami e erupção vulcânica. A estratégia em que o conjunto habitacional foi reconstruído no mesmo local após um terremoto e tsunami teve resultados melhores, enquanto a estratégia em que as famílias tiveram que encontrar soluções individuais no mercado imobiliário após uma erupção vulcânica teve os piores resultados, pois dificultou a organização da comunidade e a realocação. Essa abordagem também aumentou a especulação imobiliária e consolidou a dissolução dos vínculos socioespaciais (BERROETA et al., 2021). Vale ressaltar que estratégia semelhante com desfecho também semelhante foi adotada no caso do desastre em Maceió.

Tabela 3
Mostra a prevalência dos sintomas psiquiátricos na amostra total e estratificada pelas características dos participantes.

Dentre os 170 moradores entrevistados, constatou-se que 73 (42,9%) haviam sido diagnosticados com alguma doença crônica, dentre esses indivíduos, 36 (21,2%) foram diagnosticados com hipertensão. Dos diagnosticados com alguma doença crônica, em 43 (25,3%) dos indivíduos o diagnóstico ocorreu após tomar conhecimento do desastre no bairro em que moravam, destes 14 (8,2%) foram diagnosticados com hipertensão. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2021, 26,3% da população brasileira foi diagnosticada com hipertensão, logo a frequência de hipertensos entre os entrevistados depois do desastre (21,2%) foi menor que a média nacional (p=0,016379).

No que se refere aos efeitos sobre a saúde, uma análise preliminar realizada após o desastre da mineração da Vale em Brumadinho destacou que a população afetada corria o risco de ver suas condições de saúde crônicas preexistentes, tais como hipertensão, diabetes, insuficiência renal e tuberculose, se agravarem, bem como desenvolver novos problemas de saúde prejudiciais, como doenças mentais (depressão e ansiedade), crises hipertensivas, doenças respiratórias, acidentes domésticos e surtos de doenças infecciosas (ROMÃO et al., 2019). No estudo realizado com os residentes de Barra Longa, que foram afetados pelo desastre de Mariana, constatou-se que 29% dos entrevistados que viviam em áreas rurais e 24% dos que viviam em áreas urbanas relataram ter sido diagnosticados com hipertensão após o desastre. Além disso, o estudo mostrou que 36,9% dos participantes foram diagnosticados com doenças cardiovasculares e diabetes após o desastre (VORMITTAG; OLIVEIRA; GLERIANO, 2018).

Para identificar dentre os indivíduos com alto grau de ansiedade a presença de quadro de hipertensão arterial sistêmica, analisou-se os resultados do DASS-21 para esses indivíduos. Dentre os 36 moradores hipertensos, 12 deles apresentaram sintomas normais quanto à ansiedade, o que corresponde a 33% do total, quatro (11%) sintomas leves, três (8%) sintomas moderados, dois sintomas severos (6%) e 15 (42%) sintomas extremamente severos. Não apresentando diferença significativa entre as classes de ansiedade (p=0,052277) para pessoas hipertensas.

Analisou-se os resultados para verificar a relação entre os transtornos mentais e o diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica. Considerando o número total de hipertensos, antes e após o desastre, não foi observada associação significativa entre hipertensão e transtornos de depressão e ansiedade. Porém, dentre os entrevistados com transtorno de estresse foi observada associação positiva (p=0,0396), com a hipertensão arterial (Tabela 4).

Tabela 4
Correlação entre diagnóstico de hipertensão arterial e transtornos de depressão, ansiedade e estresse, considerando o número total de hipertensos (antes e após o desastre, antes do desastre e após o desastre).

Conforme indica um estudo realizado por FIGUEIREDO & CASTRO (2015), o estresse é uma reação natural do corpo em resposta a situações que demandam um esforço adicional. Esse processo é cíclico e tem como objetivo a adaptação do organismo, podendo inclusive aumentar a produtividade e a capacidade de enfrentar desafios. No entanto, se o estresse persistir e a pessoa não conseguir lidar com a situação de forma construtiva, ele pode se tornar um problema e afetar a qualidade de vida.

Estudos sugerem que a exposição a situações estressantes no cotidiano pode aumentar a espessura íntimo-medial da artéria carótida em adultos saudáveis, o que é um indicador de aterosclerose subclínica. Os estressores parecem estar associados à elevação da pressão arterial e ao consequente espessamento arterial, o que sabidamente está relacionado a doenças cardiovasculares (KAMARCK et al., 2018).

Em relação ao número de hipertensos antes do desastre, não é observada associação significativa com nenhum dos transtornos (Tabela 4). Por outro lado, considerando o diagnóstico depois do desastre, dentre os entrevistados diagnosticados com os transtornos de depressão, ansiedade e estresse, é observada associação positiva com o diagnóstico de hipertensão (Tabela 4).

Durante nossa etapa qualitativa foi possível observar pelas respostas ao questionário semiestruturado nos relatos dos indivíduos que desenvolveram não apenas transtornos psicológicos, mas vieram a identificar ou notar o agravamento de outras doenças como a hipertensão. Do total de entrevistas, 31% relataram possuir diagnóstico de hipertensão, seja ele prévio ou posterior ao ocorrido. Algumas pessoas, como C.S.C, relatam o aparecimento após o desastre, “Obesidade e a hipertensão que apareceu agora. Tem um ano que a minha pressão começou a oscilar (...)”. Enquanto alguns indivíduos que já possuíam o diagnóstico dessa comorbidade sofreram seu agravo, como M.A.C.P., que afirmou que “Após o desastre, tenho ansiedade também, além da hipertensão. A pressão subia bastante ao ponto que cheguei a ter um AVC, foi isso.”.

Os resultados de um estudo realizado em 2002 indicaram que há a possibilidade de que fatores psicossociais possam ser responsáveis pelo aumento da pressão arterial (KAMARCK et al., 2002). Naquele mesmo ano, uma revisão de evidências de estudos de coorte prospectivos avaliando associações entre fatores psicológicos e desenvolvimento de hipertensão observou que existia um suporte moderado para os fatores psicológicos como preditores de desenvolvimento de hipertensão, com suporte mais forte para variáveis como raiva, ansiedade e depressão. A revisão destacou que os efeitos combinados desses fatores são de magnitude suficiente para sugerir relevância clínica e estatística potencial (RUTLEDGE; HOGAN, 2002).

Dentre as pesquisas sobre o tema duas foram revisões sistemáticas com metanálise. O estudo realizado por PAN et al. (2015) concluiu que existe uma associação entre ansiedade e aumento no risco de hipertensão, ressaltando a importância da detecção precoce e o controle da ansiedade em pacientes hipertensos. Já o estudo realizado por LIU et al. (2017) concluiu que embora os artigos analisados fossem muito heterogêneos, o que dificultou a metanálise, foi encontrada associação entre estresse psicossocial crônico e hipertensão.

Uma revisão da literatura teve como objetivo resumir as evidências mais recentes sobre a relação entre transtornos de ansiedade e hipertensão. Esta associação é de grande importância para a saúde pública, uma vez que a hipertensão é o principal fator de risco evitável para morte prematura, doença cardiovascular e acidente vascular cerebral em todo o mundo, e os transtornos de ansiedade são os transtornos psiquiátricos mais prevalentes mundialmente. A revisão de estudos longitudinais e transversais recentes, realizados em diversas regiões geográficas e faixas etárias, demonstrou predominantemente uma associação positiva entre ansiedade e hipertensão. Além disso, estudos observacionais indicam que adultos jovens diagnosticados com ansiedade têm um maior risco de desenvolver hipertensão, sugerindo uma exposição mais prolongada a alterações nos mecanismos autonômicos (JOHNSON, 2019),

Uma revisão sistemática e metanálise italiana baseada em 52 artigos (GALLARDO et al., 2018) abordou os efeitos de médio e longo prazo de terremotos nos países de alta renda, que apesar desse recorte não compreender o Brasil, é possível identificar semelhanças em relação ao aumento de doenças metabólicas. O estudo ainda apontou que pesquisas anteriores já havia demonstraram a relevância do estresse psicológico como fator preditor de doença coronariana, podemos assim ligar o aumento do índice de doenças coronarianas e o dano psicológico causado pelos desastres, como percebemos no nosso estudo o diagnóstico de doenças crônica após o desastre (25,3%), sendo 8,2% de diagnóstico de hipertensão após o desastre. Nesse estudo houve também o enfoque na diabetes, mostrando aumento do nível de hemoglobina glicada em 0,16 de 2 a 12 meses após os terremotos. Embora se tratem de desastres de causas distintas, os fatores propostos que levam a esse aumento são semelhantes aos encontrados em nosso estudo, como a interrupção das atividades rotineiras da população, estresse emocional e mudança no local de moradia.

Conclusão

As evidências apresentadas por este estudo sugerem que os moradores das áreas afetadas por desastres, que não têm a capacidade de retornar às suas residências e rotinas normais, estão expostos a um estado constante de estresse e incerteza que pode resultar em transtornos mentais, incluindo ansiedade, depressão e estresse. Esse estado prolongado pode ter implicações físicas, como o aumento da pressão arterial, contribuindo para o desenvolvimento da hipertensão arterial sistêmica, ou até mesmo agravar doenças crônicas preexistentes.

As análises deste estudo suportam que o desastre oriundo da mineração em perímetro urbano na cidade de Maceió, que ocasionou a expulsão de mais de 57 mil pessoas de suas residências, teve impacto à saúde mental e física dos atingidos. O aumento observado na prevalência de ansiedade, depressão e estresse, com valores maiores até que os descritos na literatura para desastres semelhantes, evidenciam o impacto à saúde mental. A associação positiva entre os transtornos de depressão, ansiedade e estresse e o diagnóstico de hipertensão sugerem que o impacto à saúde mental repercute sobre a saúde física. Sabendo que a hipertensão está diretamente relacionada a doenças cardiovasculares e aumento da morbidade e mortalidade dos indivíduos acometidos, especulam-se as possíveis consequências de tal diagnóstico a longo prazo.

A AIS demostrou ser uma ferramenta importante para avaliar o impacto do desastre na vida dos afetados, considerando a complexidade e a natureza multifacetada dos impactos de um desastre desta magnitude, é essencial que estes sejam analisados de maneira aprofundada. Isso garante que as estratégias de mitigação e as políticas públicas implementadas sejam efetivamente alinhadas às necessidades reais dos afetados e não contribuam inadvertidamente para a ampliação dos danos já sofridos. Logo, mais estudos que avaliem o impacto a saúde deste desastre fazem-se necessários, uma vez que uma das limitações deste estudo foi o tamanho e diversidade da amostra, já que a coleta de dados ocorreu em um período que os atingidos estavam saturados por estudos com estratégias de coleta semelhantes concernentes a pandemia de Covid-19.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2023
  • Aceito
    19 Ago 2024
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