Acessibilidade / Reportar erro

Evasão no ensino superior público do Brasil: estudo de caso da Universidade de São Paulo

Evasion in public higher education in Brazil: a case study of the University of São Paulo

Resumos

A evasão é um dos problemas mais recorrentes do ensino superior, seja este público ou privado. Diante disso, o presente artigo realiza tanto uma revisão sistematizada da literatura sobre evasão quanto um estudo de caso sobre a situação acadêmica e o significado das experiências de evasão na perspectiva de estudantes na Universidade de São Paulo no período 2010-2020. Verificou-se que os cursos de graduação nas áreas de ciências exatas apresentaram as maiores taxas de evasão no período contemplado. As medidas de intervenção destacadas no presente artigo norteiam a elaboração de futuras propostas e diagnósticos para combater à evasão.

Palavras-chave:
evasão; ensino superior; ensino público


Evasion is one of the most recurrent problems in higher education, be it public or private. In light of this, this article performs both a systematic review of the literature on dropout and a case study on the academic situation and the meaning of dropout experiences from the perspective of students at the University of São Paulo in the period 2010-2020. It was found that undergraduate courses in the areas of exact sciences had the highest dropout rates in the contemplated period. The intervention measures highlighted in this article guide the preparation of future proposals and diagnoses to combat evasion.

Keywords:
dropout; higher education; public education


1 Introdução

Nas duas últimas décadas, a educação superior brasileira foi marcada por forte expansão sob todos os aspectos, como por exemplo, o aumento do número de instituições, de cursos, de vagas, de ingressantes, de matrículas e de concluintes (RISTOFF, 2014RISTOFF, Dilvo. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil sócio econômico do estudante de graduação. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 19, n. 3, p. 723-747, nov. 2014. Disponivel em: http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/avaliacao/article/view/1065
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php...
). Com o crescimento das universidades brasileiras por meio de programas como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e, também, do Programa Universidade para Todos (PROUNI), houve a implementação de novas políticas públicas no ensino superior (ALVES; GAYDEZKA; CAMPOS, 2018ALVES, Moyses de Oliveira Pereira; GAYDEZKA, Beatriz; CAMPOS, Ariana de. Projeto para Registro e Controle da Evasão na UFTM. Rev. Triang, Uberaba, MG, v. 11, n.1, p. 125-135, jan./abr. 2018.). Para tanto, foram necessários grandes investimentos em infraestrutura como a criação de novos campus em todo o Brasil, bem como a oferta de novos cursos e consequentemente, o aumento da oferta de vagas no ensino superior público (ALVES; GAYDEZKA; CAMPOS, 2018).

Ao falarmos de expansão do ensino superior, seja ele público ou privado, se faz necessário discutirmos sobre evasão. Para Fritsch, Rocha e Vitelli (2015FRITSCH, Rosangela; ROCHA, Cleonice; VITELLI, Ricardo Ferreira. A evasão nos cursos de graduação em uma instituição de ensino superior privada. Revista Educação em Questão, Natal, RN, v. 52, n. 38, p. 81-108. 2015.), é considerado evasão no Ensino Superior, o ingresso e a não conclusão de um curso de graduação por desistência. Para os autores, trata-se de um processo de exclusão determinando fatores e variáveis internas e externas às instituições de ensino superior (IES). A evasão é, certamente, um dos problemas que mais afligem as instituições de ensino em geral (SILVA FILHO et al., 2007SILVA FILHO, Roberto Leal Lobo e; MOTEJUNAS, Paulo Roberto; HIPÓLITO, Oscar; LOBO, Maria Beatriz de Carvalho Melo. A evasão no ensino superior brasileiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, SP, v. 37, n. 132, p. 641-659, set./dez. 2007. ). A compreensão de suas causas tem sido objeto de muitos trabalhos e pesquisas educacionais. Para Lobo et al. (2012LOBO, Maria Beatriz Carvalho de Mello. Panorama da evasão no ensino superior brasileiro: aspectos gerais das causas e soluções Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior . . Cadernos, Brasília, DF, v. 25, 2012.), no ensino superior, a evasão estudantil:

[...] é um problema internacional que afeta o resultado dos sistemas educacionais”. As perdas de estudantes que iniciam, mas não terminam seus cursos são desperdícios sociais, acadêmicos e econômicos. Para o setor público, são recursos públicos investidos sem o devido retorno, já para o setor privado, é uma importante perda de receitas. Em ambos os casos, a evasão é uma fonte de ociosidade de professores, funcionários, equipamentos e espaço físico (LOBO et al., 2012LOBO, Maria Beatriz Carvalho de Mello. Panorama da evasão no ensino superior brasileiro: aspectos gerais das causas e soluções Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior . . Cadernos, Brasília, DF, v. 25, 2012., p. 642).

Para Mello et al. (2013MELLO, Simone Portela Teixeira de et al. O fenômeno evasão nos cursos superiores de tecnologia: um estudo de caso em uma universidade pública no sul do Brasil. 2013 In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE GESTÃO UNIVERSITÁRIA..13, 2013, Buenos Aires, Anais.... ), a evasão pode ser dividida em fatores internos e externos. Os fatores internos geralmente estão ligados à universidade, dentre eles podemos citar à desistência do curso pelo descontentamento com os métodos didáticos pedagógicos ou com a infraestrutura da universidade. Já os externos, são aqueles vinculados ao próprio discente, como a dificuldade de adaptação ao ambiente universitário, problemas de ordem financeira e pessoal ou o curso escolhido não era o que o discente esperava. Os elementos relacionados à evasão e seus motivos, é algo que merece atenção e devem ser objeto de estudo e de preocupação das instituições de ensino superior, principalmente, o que tange a coleta de dados no momento em que o discente realiza seu pedido de desligamento da universidade (ALVES; GAYDEZKA; CAMPOS, 2018ALVES, Moyses de Oliveira Pereira; GAYDEZKA, Beatriz; CAMPOS, Ariana de. Projeto para Registro e Controle da Evasão na UFTM. Rev. Triang, Uberaba, MG, v. 11, n.1, p. 125-135, jan./abr. 2018.).

Baseado no que foi exposto, pode-se observar que a evasão é um fenômeno de múltiplos fatores, que pode ocorrer com pessoas de todos os contextos socioeconômicos, culturais e modalidades de ensino. Para tanto, é necessário compreendê-lo para criar alternativas de retenção, apoiando os estudantes na permanência e êxito em seus cursos. Diante disto, o presente artigo aborda a evasão no ensino superior público. Com isso, este estudo tem por objetivo analisar a situação acadêmica e o significado das experiências de evasão na perspectiva de estudantes na Universidade de São Paulo.

2 Metodologia

Trata-se de uma revisão sistematizada da literatura sobre evasão e estudo de caso, predominantemente qualitativo e descritivo, realizado pela análise documental da situação acadêmica de estudantes (2010-2020) da Universidade de São Paulo, e pelos dados disponibilizados pelo Censo da Educação Superior (CES), realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Foi realizada uma revisão de literatura nas bases de dados Scielo, Scopus e Web of Science, com a busca “evasão AND ensino superior OR educação superior”. Para todas foram utilizados os mesmos filtros: Brasil, idioma português, 2010 a 2020. Os artigos encontrados foram utilizados para a elaboração deste estudo.

A escolha pelos anos indicados baseou-se em adequar-se há um período de 10 anos conjunto aos dados encontrados da Universidade de São Paulo. Já e escolha pela Universidade de São Paulo foi motivada pelo fato de que os autores atuam como pesquisadores nesta instituição. A escolha da universidade pública estadual “justifica-se pois, historicamente, são estas instituições que constituem um campo diferenciado na formação inicial de professores pela ênfase na articulação entre ensino, pesquisa e extensão” (FONSECA et al., 2019FONSECA, Márcia Souza, et al. A oferta de matrículas e cursos de licenciatura presenciais em universidades gaúchas. Educação (UFSM), Santa Maria, RS, v. 44, p. 57-1, 2019., p. 2).

3 Resultados e discussão

3.1 Evasão no Ensino Superior Brasileiro

No Brasil, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) define os eventos que desencadeiam a evasão como (a) abandono (deixar de se matricular); (b) desistência (formalização junto da universidade); (c) exclusão por norma institucional; e (d) transferência (mudança de curso), sendo esta última circunstância considerada apenas uma adaptação, uma vez que o discente permanece determinado em cursar o ensino superior (RISTOFF, 1999RISTOFF, Dilvo. A tríplice crise da universidade. Avaliação Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas; Sorocaba, SP, v. 4, n. 3, p. 9-14, 1999. Disponível em: http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/avaliacao/article/view/1065
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php...
). No entanto, esta vaga ociosa onera o sistema e promove desperdícios econômicos e acadêmicos para toda sociedade (CARDOSO, 2008CARDOSO, Claudete Batista. Efeitos da política de cotas na Universidade de Brasília: uma análise do rendimento e da evasão. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.).

A evasão escolar é um evento que apresenta maior incidência durante o primeiro ano de ensino superior. Este período é considerado como crítico por implicar na ruptura de etapas na vida do indivíduo, associado a inúmeras variáveis acadêmicas, financeiras e institucionais (BERNARDO et al., 2017BERNARDO, Ana, et al. Freshmen Program Withdrawal: Types and Recommendations. Frontiers in Psychology, Lausanne, Switzerland, v. 8, p. 1-11, 2017.). Reduzir a taxa de desistência e ampliar a permanência dos discentes nas instituições de ensino superior são desafios dos gestores e profissionais da educação brasileira (BRASIL, 2020BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da Educação Superior. dez 2020. Disponível em: Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/censo-da-educacao-superior Acesso em: 20 jun. 2020.
http://portal.inep.gov.br/web/censo-da-e...
). Os dados do Censo da Educação Superior apontam que 56,8% dos estudantes ingressos em 2010 e apenas 37,9% concluíram os estudos. Os outros 5,3% continuavam na graduação após 6 anos (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Altos índices de desistência na graduação revelam fragilidade do ensino médio, avalia ministro. 06 out 2016. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32044-censo-da-educacao-superior . Acesso em: 7 jul. 2020.
http://portal.mec.gov.br/component/tags/...
).

Peltier, Laden e Matranga (1999PELTIER, Gary L; LADEN, Rita; MATRANGA, Mirna. Student persistence in college: a review of research. Journal of College Student Retention: Research, Theory and Practice, Thousand Oaks, CA, v.1, p. 4, p. 357-375, 1999. ) sugerem que discentes do sexo feminino valorizam mais o ensino superior e possuem menor tendência a evasão. Os estudantes do sexo masculino e discentes que descendem de famílias com menor grau de escolaridade, possuem maior taxa de intenção de abandono (CASANOVA et al., 2018CASANOVA, Joana, et al. Abandono no ensino superior: impacto da autoeficácia na intenção de abandono. Revista Brasileira de Orientação Profissional, Campinas, SP v. 19, n. 1, p. 41-49, 2018.). A tradição e a família são redes de apoio que combatem sentimentos de fragilidade, insegurança urbana e solidão, motivam melhor desempenho do discente e reduz as chances de evasão (AINA, 2013AINA, Carmen. Parental background and university dropout in Italy. Higher Education, Suiça, v. 65, n. 4, p. 437-456, 2013).

Para Lamers et al. (2017LAMERS, Juliana Maciel de Souza, et al. Retenção e Evasão no ensino superior público: Estudo de caso em um curso noturno de odontologia. Educação em Revista, Belo Horizonte, BH, n. 33, p. 1-26, 2017.) a evasão do discente pode estar relacionada com a dificuldade que o discente apresenta em conciliar o estudo com o trabalho, habilidade do docente ou instituição propor atividades mais dinâmicas que dialoguem com a realidade em que o discente está inserido, capacidade organizacional para executar tarefas e cumprir os prazos estabelecidos pela instituição, reconhecer e adaptar-se aos fracassos e conquistas que fazem parte do processo em construção de ensino-aprendizagem.

3.2 A evasão na Universidade de São Paulo

Criada em 1934, a Universidade de São Paulo (USP) é formada por diversas unidades, tais como faculdades, institutos e escolas. Além disto, também fazem parte museus (Museu de Arqueologia e Etnologia, Museu de Arte Contemporânea, Museu Paulista entre outros) e hospitais. É formada pelo campus de São Paulo, Bauru, Lorena, Ribeirão Preto, Piracicaba, Pirassununga, Santos e São Carlos. Possui 42 unidades de ensino e 183 cursos de graduação voltados a todas as áreas do saber. A USP faz parte de um seleto grupo de instituições de padrão mundial, ocupando, por exemplo, o segundo lugar na edição de 2020 do The Latin America University Rankings1 1 https://www.timeshighereducation.com/world-university-rankings/2020/latin-america-university-rankings#!/page/0/length/25/sort_by/rank/sort_order/asc/cols/undefined .

Os dados estatísticos da USP partem, inicialmente, de três fontes, sendo elas: o Anuário Estatístico2 2 https://sistemas.usp.br/anuario/ , o Sistema Jupiterweb3 3 https://sistemas2.usp.br/jupiterweb e o Sistema Fênix4 4 https://sistemas.usp.br/fenixweb/ . A partir dessas fontes, Kassai et al. (2010KASSAI, José Roberto, et al. Reflexões sobre o nível de evasão e o custo anual per capita das unidades de ensino da usp com base no método inquired balance sheet. Rio de Janeiro: ANPAD. (2010). ) realiza uma pesquisa exploratória dos dados referentes aos anos de 1998 a 2008 e se baseia numa metodologia de contabilidade, abordando questões como o custo anual e o nível de evasão de cada uma das unidades da USP. Neste estudo o balanço social da USP é estabelecido com base em três pontos: (i) Ativo Social, que seria o orçamento anual per capita de cada instituto da USP; (ii) Passivo Social, correspondente ao número de discentes que evadiram e que migraram do curso original; (iii) Patrimônio Líquido Social, relativo à diferença Ativo - Passivo.

Fazendo uma divisão em três áreas do conhecimento (biológicas, exatas e humanas), neste trabalho concluiu-se que a área de ciências biológicas é a mais cara da USP, seguida de exatas e por fim humanas. Porém a correlação entre os níveis de evasão e o custo per capita das unidades é inversamente proporcional, onde biológicas apresenta uma taxa de evasão de 8,8%, exatas com taxa de evasão em alguns institutos até mesmo superior a 50% e humanas com taxa de 31,52% (todos os valores médios). O curso de Medicina possuía o menor nível de evasão de toda a USP (em torno de 2,93%), a USP obteve neste período de 1998 a 2008 um nível de evasão médio de 36%, que seria superior à média brasileira (22%) neste mesmo período (LOBO, 2007).

Adachi (2017ADACHI, Ana Amélia Chaves Teixeira. Evasão de estudantes de cursos de graduação da USP - Ingressantes nos anos de 2002, 2003, 2004. 2017. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.), realizou um estudo da evasão de discentes da USP especificamente entre os anos de 2002 a 2004. O estudo realiza um levantamento do número total de vagas de transferências internas e externas oferecidas pela USP neste período e seleciona cursos com alto índice de evasão, de forma a se mapear as possíveis causas. O resultado desse levantamento pode ser verificado na Figura 1. Entre os cursos citados estão Biblioteconomia, Geofísica, Geografia e Licenciatura em Matemática.

Os resultados obtidos mostram que a evasão é alta em cursos cuja nota de ingresso e relação candidatos/vaga é mais baixa. Através das taxas de transferências internas e externas oferecidas pelos cursos, tem-se um indicador direto das taxas de evasão. Os cursos que mais apresentaram transferências internas são os cursos de Licenciatura em Física (75), Matemática Aplicada e Computacional (54), Economia (46) e Bacharelado em Física (36). Em complemento, de acordo com dados do Anuário estatístico USP (reunião de Dirigentes USP, 2019) a taxa média de evasão de discentes no período de 2000 a 2018 é de 22,4%.

Figura 1
Total de vagas, transferência interna USP - Carreiras da Capital - Período de 2003 a 2005

Segundo Adachi (2017ADACHI, Ana Amélia Chaves Teixeira. Evasão de estudantes de cursos de graduação da USP - Ingressantes nos anos de 2002, 2003, 2004. 2017. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.) é possível estabelecer quatro perfis de trajetórias: aqueles que concluem no prazo regulamentar, reconhecidos como ‘bons discentes’ a partir do ponto de vista institucional; aqueles que evadem antes dos dois primeiros anos, os quais redirecionam suas escolhas para outros cursos da USP; os ‘estudantes trabalhadores’ cujo perfil indicado é de discentes que permanecem por mais de dois anos, evadem e depois conclui o curso na USP com pedidos de reingresso, o que pode ser em outra instituição; e aqueles que permanecem por mais de dois anos, mas não chegam a concluir a formação superior, configurando o perfil de discente desmotivado e que perdeu o interesse pela instituição.

Por fim, para Martucceli (2007MARTUCCELLI, Danilo. Cambio de rumbo: la sociedade a la del indivíduo. Santiago: LOM Ediciones, 2007.) as trajetórias dos discentes não são necessariamente definidas por classe do ponto de vista econômico e social, mas que as concretizações pessoais, estudantis e profissionais dos ex-discentes são constituídas nas relações estabelecidas no meio acadêmico e nos diferentes espaços em que se inserem no cotidiano.

3.3 Evasão e possíveis soluções

Segundo Lobo (2012LOBO, Maria Beatriz Carvalho de Mello. Panorama da evasão no ensino superior brasileiro: aspectos gerais das causas e soluções Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior . . Cadernos, Brasília, DF, v. 25, 2012.), apesar da existência de regras definidas para o cálculo da evasão, existe uma dificuldade em apurar o número. Primeiramente, a autora menciona a necessidade de distinguir o tipo de evasão que se refere. Neste aspecto, ele pode ser relacionado a Evasão do Curso5 5 A evasão do curso refere-se à situação em que o discente abandona o curso por qualquer razão. Ele pode mudar de curso e permanecer na mesma instituição de ensino. O discente pode mudar para outro curso de outra IES. Por fim, pode abandonar seus estudos superiores. , a Evasão da IES6 6 A evasão da IES ocorre quando o discente deixa a IES, mas permanece no sistema de ensino superior. Em outras palavras, ele muda de IES. e a Evasão do Sistema7 7 A evasão do sistema refere-se à situação em que o discente abandona o curso, deixa a IES e não retorna ao sistema de ensino superior. . Em segundo lugar, é necessário realizar um “acompanhamento da corte”, ou seja, verificar se o discente abandonou os estudos de forma temporária ou definitiva.

Nem sempre é possível acompanhar o que ocorre com cada discente, individualmente, o que se chama de acompanhamento da corte, apenas os grandes números são estudados, na maioria das vezes a partir da soma da Evasão do conjunto dos diferentes cursos de todas as IES que compõem o Sistema de Ensino Superior (LOBO, 2012LOBO, Maria Beatriz Carvalho de Mello. Panorama da evasão no ensino superior brasileiro: aspectos gerais das causas e soluções Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior . . Cadernos, Brasília, DF, v. 25, 2012., p. 7).

Em decorrência desse quadro, os resultados da Evasão dos cursos tornam-se os mais comuns de serem calculados. Para Lobo (2012LOBO, Maria Beatriz Carvalho de Mello. Panorama da evasão no ensino superior brasileiro: aspectos gerais das causas e soluções Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior . . Cadernos, Brasília, DF, v. 25, 2012.) as causas mais comuns da evasão do sistema de ensino superior, público e privado, relacionam-se à: (1) baixa qualidade da Educação Básica brasileira, (2) baixa eficiência e o diploma do Ensino Médio, (3) limitação das políticas de financiamento ao estudante, (4) escolha precoce da especialidade profissional, dificuldade de mobilidade estudantil, (5) rigidez do arcabouço legal e das exigências para autorização/reconhecimento de cursos, (6) falta de pressão para combater a Evasão, (7) legislação sobre a inadimplência no Brasil, e (8) enorme quantidade de docentes despreparados para o ensino e para lidar com o discente real.

Adicionalmente, Carvalho e Taveira (2012CARVALHO, Marisa; TAVEIRA, Maria Céu. A implementação de decisões vocacionais: Revisão da literatura. Revista Brasileira de Orientação Profissional, Campinas, SP, v. 13, n. 1, p. 27-35, 2012.) argumentam que a evasão é mais frequente durante o primeiro ano de ensino superior. Para os autores, é fundamental que as instituições implementem programas de apoio aos discentes ingressos visando melhorar à adaptação do mesmo ao ensino superior. Os autores defendem que esses programas devam estimular habilidades de autorregulação da aprendizagem, além de promover oportunidades de projetos de carreira e ratificar o sentimento de pertencimento à instituição de ensino. Matta, Lebrão e Heleno (2017MATTA, Cristiane Maria Barra da; LEBRÃO, Susana Marraccini Giampietri; HELENO, Maria Geralda Viana. Adaptação, rendimento, evasão e vivências acadêmicas no ensino superior: revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, SP, v. 21, n. 3, p. 583-591, 2017.) complementam, defendendo que os relacionamentos interpessoais podem contribuir para um melhor rendimento escolar e postergar as chances de evasão.

Com base nessas causas e tendo em vista que a trajetória do estudante sofre influências, anterior a inserção do discente no contexto acadêmico, torna-se possível formular algumas repostas para combater à evasão. Nesse sentido, é pertinente que seja realizado um estudo para obter informações essenciais sobre os possíveis fatores relacionados à evasão escolar no ensino superior brasileiro. Espera-se que estas informações sejam úteis para nortear as tomadas de decisões futuras e consequentemente a diminuição da evasão no ambiente universitário.

A primeira proposta seria a aplicação de um questionário online a ser respondido pelo discente evadido. Tal questionário basear-se-á na Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES), proposta por Ambiel (2015AMBIEL, Rodolfo A. M. Construção e validade de construto da Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior. Avaliação Psicológica, Campinas, SP, v. 14, n. 1, p. 41-52, 2015.), para diagnosticar o abandono. Tal escala apresenta sete motivos, sendo eles: 1. Motivos Institucionais; 2. Motivos Pessoais; 3. Motivos relacionados à Falta de Suporte; 4. Motivos relacionados à Carreira; 5. Motivos relacionados ao Desempenho Acadêmico; 6. Motivos Interpessoais e 7. Motivos relacionados à Autonomia.

Defende-se que a aplicação de um questionário online possibilitará diagnóstico acerca dos motivos que ocasionaram a evasão. Além de conter questões relativas a escala proposta por Ambiel (2015AMBIEL, Rodolfo A. M. Construção e validade de construto da Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior. Avaliação Psicológica, Campinas, SP, v. 14, n. 1, p. 41-52, 2015.), o questionário também deve conter perguntas que possam direcionar o discente sobre os reais motivos que o levam/levaram ao trancamento ou desistência do curso. Ressalta-se que esta primeira proposta apresenta algumas limitações, tendo em vista que o discente pode optar por não responder ou não fornecer todas as informações necessárias ao questionário, dificultando assim a tomada de decisões futuras por parte da gestão no que tange à evasão.

A segunda proposta refere-se a criação e implementação de um Sistema de Controle Acadêmico (SISCAD). Este sistema visa gerenciar o controle da evasão, as solicitações de trancamentos, de cancelamentos e de transferências de matrícula, conforme os regulamentos e diretrizes traçados pela instituição. Por meio dele é possível: a) implantar um novo fluxograma operacional dos procedimentos relacionados ao trancamento e cancelamento de matrícula; b) implantar um instrumento eletrônico de registro dos motivos da evasão (o instrumento da proposta 1 se enquadraria neste sistema se fosse o caso) com base em fatores relacionados à organização do curso, processo de ensino aprendizagem, infraestrutura, orientação e assistência ao discente e também motivos pessoais, objetivando produzir relatórios e disponibilizá-los aos coordenadores de curso.

A terceira proposta é a criação de grupo de trabalho responsável por recepcionar os calouros, promover a troca de experiências e apoiar os estudantes recém-chegados. Tal grupo de trabalho seria também responsável por estudar/analisar a desvinculação e evasão dos estudantes do ensino superior (PINHO; TUPINAMBÁ; BASTOS, 2016PINHO, Ana Paula Moreno; TUPINAMBÁ, Antonio Caubi Ribeiro; BASTOS, Antonio Virgílio Bittencourt. O desenvolvimento de uma escala de transição e adaptação acadêmica. Revista de Psicologia, Fortaleza, CE, v. 7, n. 1, 2016.). Outro ponto importante é que este grupo de trabalho atue tanto junto ao corpo docente quanto ao ingresso, garantindo assim a permanência e sucesso dos estudantes. Klein (2006KLEIN, Ruben. Como está a educação no Brasil? O que fazer? Ensaio: Avaliação política e pública da educação, Rio de Janeiro, RJ, v. 14, n. 51, p. 139-171, 2006.) argumenta a criação deste tipo de grupo de trabalho pode promover um ambiente propício para a autonomia, autoestima e confiança dos discentes.

Recomenda-se que este grupo de trabalho seja formado pelos coordenadores de cursos, coordenador acadêmico, serviço sociais e representantes discentes dos respectivos cursos existentes nas universidades. A aproximação da realidade do alunado permite identificar com maior precocidade e lançar mão de estratégias compartilhadas que previnam o abandono do discente. De posse deste material, este grupo formulará o diagnóstico e planejamento estratégico de mudanças, sobretudo nos cursos com baixa relação candidato/vaga e alta taxa de desvinculação/evasão, visando assim a diminuição do índice de evadidos das universidades (BARDAGI; HUTZ, 2009BARDAGI, Marucia Patta; HUTZ, Cláudio Simon. “Não havia outra saída”: percepções de discentes evadidos sobre o abandono do curso superior. Psico-USF, Campinas, SP, v. 14, n. 1, p. 95-105, 2009.).

Considerações finais

O presente artigo trouxe contribuições significativas, tendo em vista que os resultados encontrados servirão de base para que os gestores do sistema universitário conheçam o perfil do discente evadido assim como o seu quantitativo, e com isso aperfeiçoem programas já existentes bem como desenvolvam e implementem estratégias que visem a redução ou extinção da problemática da evasão, tais como: maior atenção com discentes dos períodos iniciais, fortalecimento e disseminação dos programas de monitoria e tutoria, ampliação da política assistencialista e implantação de feira de profissões em parceria com as escolas.

Referências

  • ADACHI, Ana Amélia Chaves Teixeira. Evasão de estudantes de cursos de graduação da USP - Ingressantes nos anos de 2002, 2003, 2004. 2017. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
  • AINA, Carmen. Parental background and university dropout in Italy. Higher Education, Suiça, v. 65, n. 4, p. 437-456, 2013
  • ALVES, Moyses de Oliveira Pereira; GAYDEZKA, Beatriz; CAMPOS, Ariana de. Projeto para Registro e Controle da Evasão na UFTM. Rev. Triang, Uberaba, MG, v. 11, n.1, p. 125-135, jan./abr. 2018.
  • AMBIEL, Rodolfo A. M. Construção e validade de construto da Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior. Avaliação Psicológica, Campinas, SP, v. 14, n. 1, p. 41-52, 2015.
  • BARDAGI, Marucia Patta; HUTZ, Cláudio Simon. “Não havia outra saída”: percepções de discentes evadidos sobre o abandono do curso superior. Psico-USF, Campinas, SP, v. 14, n. 1, p. 95-105, 2009.
  • BERNARDO, Ana, et al Freshmen Program Withdrawal: Types and Recommendations. Frontiers in Psychology, Lausanne, Switzerland, v. 8, p. 1-11, 2017.
  • BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da Educação Superior. dez 2020. Disponível em: Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/censo-da-educacao-superior Acesso em: 20 jun. 2020.
    » http://portal.inep.gov.br/web/censo-da-educacao-superior
  • BRASIL. Ministério da Educação. Altos índices de desistência na graduação revelam fragilidade do ensino médio, avalia ministro. 06 out 2016. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32044-censo-da-educacao-superior Acesso em: 7 jul. 2020.
    » http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32044-censo-da-educacao-superior
  • CARDOSO, Claudete Batista. Efeitos da política de cotas na Universidade de Brasília: uma análise do rendimento e da evasão. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
  • CARVALHO, Marisa; TAVEIRA, Maria Céu. A implementação de decisões vocacionais: Revisão da literatura. Revista Brasileira de Orientação Profissional, Campinas, SP, v. 13, n. 1, p. 27-35, 2012.
  • CASANOVA, Joana, et al Abandono no ensino superior: impacto da autoeficácia na intenção de abandono. Revista Brasileira de Orientação Profissional, Campinas, SP v. 19, n. 1, p. 41-49, 2018.
  • SILVA FILHO, Roberto Leal Lobo e; MOTEJUNAS, Paulo Roberto; HIPÓLITO, Oscar; LOBO, Maria Beatriz de Carvalho Melo. A evasão no ensino superior brasileiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, SP, v. 37, n. 132, p. 641-659, set./dez. 2007.
  • FONSECA, Márcia Souza, et al A oferta de matrículas e cursos de licenciatura presenciais em universidades gaúchas. Educação (UFSM), Santa Maria, RS, v. 44, p. 57-1, 2019.
  • FRITSCH, Rosangela; ROCHA, Cleonice; VITELLI, Ricardo Ferreira. A evasão nos cursos de graduação em uma instituição de ensino superior privada. Revista Educação em Questão, Natal, RN, v. 52, n. 38, p. 81-108. 2015.
  • KASSAI, José Roberto, et al Reflexões sobre o nível de evasão e o custo anual per capita das unidades de ensino da usp com base no método inquired balance sheet. Rio de Janeiro: ANPAD. (2010).
  • KLEIN, Ruben. Como está a educação no Brasil? O que fazer? Ensaio: Avaliação política e pública da educação, Rio de Janeiro, RJ, v. 14, n. 51, p. 139-171, 2006.
  • LAMERS, Juliana Maciel de Souza, et al Retenção e Evasão no ensino superior público: Estudo de caso em um curso noturno de odontologia. Educação em Revista, Belo Horizonte, BH, n. 33, p. 1-26, 2017.
  • LOBO, Maria Beatriz Carvalho de Mello. Panorama da evasão no ensino superior brasileiro: aspectos gerais das causas e soluções Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior . . Cadernos, Brasília, DF, v. 25, 2012.
  • MARTUCCELLI, Danilo. Cambio de rumbo: la sociedade a la del indivíduo. Santiago: LOM Ediciones, 2007.
  • MATTA, Cristiane Maria Barra da; LEBRÃO, Susana Marraccini Giampietri; HELENO, Maria Geralda Viana. Adaptação, rendimento, evasão e vivências acadêmicas no ensino superior: revisão da literatura. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, SP, v. 21, n. 3, p. 583-591, 2017.
  • MELLO, Simone Portela Teixeira de et al O fenômeno evasão nos cursos superiores de tecnologia: um estudo de caso em uma universidade pública no sul do Brasil. 2013 In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE GESTÃO UNIVERSITÁRIA..13, 2013, Buenos Aires, Anais....
  • PELTIER, Gary L; LADEN, Rita; MATRANGA, Mirna. Student persistence in college: a review of research. Journal of College Student Retention: Research, Theory and Practice, Thousand Oaks, CA, v.1, p. 4, p. 357-375, 1999.
  • PINHO, Ana Paula Moreno; TUPINAMBÁ, Antonio Caubi Ribeiro; BASTOS, Antonio Virgílio Bittencourt. O desenvolvimento de uma escala de transição e adaptação acadêmica. Revista de Psicologia, Fortaleza, CE, v. 7, n. 1, 2016.
  • RISTOFF, Dilvo. A tríplice crise da universidade. Avaliação Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas; Sorocaba, SP, v. 4, n. 3, p. 9-14, 1999. Disponível em: http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/avaliacao/article/view/1065
    » http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/avaliacao/article/view/1065
  • RISTOFF, Dilvo. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil sócio econômico do estudante de graduação. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 19, n. 3, p. 723-747, nov. 2014. Disponivel em: http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/avaliacao/article/view/1065
    » http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/avaliacao/article/view/1065
  • 1
    https://www.timeshighereducation.com/world-university-rankings/2020/latin-america-university-rankings#!/page/0/length/25/sort_by/rank/sort_order/asc/cols/undefined
  • 2
    https://sistemas.usp.br/anuario/
  • 3
    https://sistemas2.usp.br/jupiterweb
  • 4
    https://sistemas.usp.br/fenixweb/
  • 5
    A evasão do curso refere-se à situação em que o discente abandona o curso por qualquer razão. Ele pode mudar de curso e permanecer na mesma instituição de ensino. O discente pode mudar para outro curso de outra IES. Por fim, pode abandonar seus estudos superiores.
  • 6
    A evasão da IES ocorre quando o discente deixa a IES, mas permanece no sistema de ensino superior. Em outras palavras, ele muda de IES.
  • 7
    A evasão do sistema refere-se à situação em que o discente abandona o curso, deixa a IES e não retorna ao sistema de ensino superior.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2020
  • Aceito
    15 Jun 2021
  • Revisado
    06 Jun 2022
Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
E-mail: revistaavaliacao@uniso.br