Resumo
Os avanços da IA têm impulsionado uma nova era de inovação e transformação em diversos contextos, incluindo o educacional. Dessa forma, o objetivo deste estudo é investigar as principais oportunidades e desafios do uso da IA no contexto universitário sob a perspectiva docente no nível de pós-graduação. Para atingir esse objetivo, foi realizado um estudo de caso no Programa de Pós-graduação de Engenharia de Produção (PEP) da COPPE/UFRJ. Foram realizadas duas entrevistas semiestruturadas com os coordenadores das áreas de pesquisas que compõem o programa, além da busca por documentos na instituição e uma análise do documento “Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial” (EBIA), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Os resultados evidenciaram que os principais desafios levantados foram o risco de plágio, a dependência das ferramentas de IA, a falta de reflexão crítica e as dificuldades de infraestrutura e financiamento. Entretanto, destaca-se que a IA é reconhecida como um potencial apoio para o desenvolvimento de disciplinas e a facilitação da gestão administrativa. Tais resultados representam importantes insights que podem ser considerados para orientar estratégias institucionais voltadas para a adoção da IA na educação superior. Pesquisas futuras devem ser realizadas para abranger outros programas de pós-graduação e considerar a perspectiva de outros atores do ambiente universitário, como estudantes e funcionários administrativos, a fim de enriquecer a compreensão do tema de maneira mais abrangente.
Palavras-chave:
inteligência artificial; ensino superior; oportunidades e desafios
Abstract
The advancements in AI have driven a new era of innovation and transformation in various contexts, including education. Thus, this study aims to investigate the primary opportunities and challenges of using AI in the university context from the perspective of graduate-level educators. To achieve this objective, a case study was conducted at the Graduate Program in Production Engineering (PEP) at COPPE/UFRJ. Two semi-structured interviews were conducted with the research area coordinators within the program, in addition to searching for documents within the institution and analyzing the document “Brazilian Artificial Intelligence Strategy” (EBIA) from the Ministry of Science, Technology, and Innovation (MCTI). The results revealed that the main challenges identified were the risk of plagiarism, dependence on AI tools, a lack of critical reflection, and infrastructure and funding difficulties. However, it is worth noting that AI is recognized as a potential support for developing courses and administrative management facilitation. These findings provide valuable insights that can be considered to guide institutional strategies for adopting AI in higher education. Further research should be conducted to encompass other graduate programs and consider the perspectives of different stakeholders in the university environment, such as students and administrative staff, to enhance the understanding of the topic more comprehensively.
Keywords:
artificial intelligence; higher education; opportunities and challenges
Resumen
Los avances en la inteligencia artificial (IA) han impulsado una nueva era de innovación y transformación en diversos contextos, incluyendo la educación. Por lo tanto, el objetivo de este estudio es investigar las principales oportunidades y desafíos del uso de la IA en el entorno universitario desde la perspectiva de los docentes a nivel de posgrado. Para lograr este objetivo, se realizó un estudio de caso en el Programa de Posgrado en Ingeniería de Producción (PEP) de COPPE/UFRJ. Se llevaron a cabo dos entrevistas semiestructuradas con los coordinadores de las áreas de investigación que conforman el programa, además de la búsqueda de documentos en la institución y un análisis del documento “Estrategia Brasileña de Inteligencia Artificial” (EBIA) del Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación (MCTI). Los resultados revelaron que los principales desafíos identificados fueron el riesgo de plagio, la dependencia de las herramientas de IA, la falta de reflexión crítica y las dificultades de infraestructura y financiamiento. Sin embargo, cabe destacar que la IA es reconocida como un apoyo potencial para el desarrollo de asignaturas y la facilitación de la gestión administrativa. Estos hallazgos proporcionan ideas valiosas que pueden considerarse para orientar las estrategias institucionales para la adopción de la IA en la educación superior. Se deben realizar investigaciones adicionales para abarcar otros programas de posgrado y considerar las perspectivas de otros actores universitarios, estudiantes y personal administrativo, para mejorar la comprensión del tema de manera integral.
Palavras clave:
inteligencia artificial; enseñanza superior; oportunidades y desafíos
1 INTRODUÇÃO
A inteligência artificial (IA) tem se tornado presente em nossa vida diária, impactando significativamente nossa forma de interagir no mundo (Adiguzel; Kaya; Cansu, 2023). Embora o desenvolvimento da IA remonte aos anos 1950, é na atualidade que suas aplicações têm experimentado um enorme crescimento devido ao aumento exponencial de dados e pela rápida conectividade dos computadores de alto desempenho (Kuleto et al., 2021).
Uma pesquisa recente realizada pela Hibou (Mello, 2023), revelou que no Brasil 87% dos brasileiros já ouviram falar de IA e mais de 50% acreditam que ela já está impactando suas vidas de alguma forma. Esse cenário não é muito diferente no contexto educacional, onde a IA vem desempenhando um papel cada vez mais relevante. De acordo com Razia, Awwad e Taqi (2022), a incorporação da IA na educação superior é uma realidade cada vez mais presente e tem sido vista como uma oportunidade para aprimorar a qualidade do ensino.
No entanto, apesar dessa crescente presença da IA nas universidades, poucos estudos investigam suas potencialidades e desafios nesse contexto (Renz; Hilbig, 2020). Além disso, o lançamento do ChatGPT em 2022 desempenhou um papel fundamental ao ampliar o acesso e a utilização da IA. De acordo com Adiguzel, Kaya e Cansu (2023), desde então, o ChatGPT tem sido reconhecido como um recurso altamente relevante tanto para estudantes quanto para profissionais em diversas áreas.
Diante da necessidade de avaliar os impactos dessas tecnologias de IA no ensino superior, este estudo tem como objetivo investigar as principais oportunidades e desafios do uso da IA no contexto universitário sob a perspectiva docente, especificamente no nível de pós-graduação. A pesquisa foi desenvolvida a partir de um estudo de caso realizado do Programa de Engenharia de Produção (PEP) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A escolha desse programa específico se justifica pela sua relevância no campo da engenharia.
Este estudo de caso preenche uma lacuna na pesquisa ao fornecer uma visão aprofundada dos impactos da IA em um contexto específico, gerando insights relevantes para melhorar a qualidade do ensino e orientar estratégias institucionais.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Inteligência artificial na educação
Embora a tecnologia de IA tenha sido objeto de estudo e interesse científico há mais de seis décadas, suas aplicações práticas no campo da educação foram desenvolvidas recentemente (Russell; Norvig, 2010). Pesquisadores como Bates (2015), Renz e Hilbig (2020) e Tavares, Meira e Amaral (2020), destacam que as primeiras tentativas de replicar o processo de ensino utilizando IA surgiram na década de 1980, e, desde então, a IA na educação (Artificial Intelligence in Education - AIED, em inglês) tem se consolidado como um campo de pesquisa acadêmica, introduzindo novas ferramentas no ambiente educacional com potencial de transformar significativamente os métodos tradicionais de ensino e aprendizagem.
Uma das definições mais comuns de IA na educação (AIED) foi proposta por Popenici e Kerr (2017). Segundo esses autores, AIED refere-se a “sistemas de computação capazes de se envolver em processos semelhantes aos humanos, como aprendizado, adaptação, síntese, autocorreção e uso de dados para tarefas complexas” (Popenici; Kerr, 2017).
Com base nesse conceito, as tecnologias de IA têm tido um impacto significativo no processo educacional, especialmente com o surgimento de novas funcionalidades, como os sistemas de recomendação que proporcionam instrução personalizada; os sistemas de tutoria inteligente que oferecem feedback instantâneo; e os sistemas de avaliação automatizada (Adiguzel; Kaya; Cansu, 2023; Ouyang et al., 2023; Tavares; Meira; Amaral, 2020).
Conforme apontado por Malmström, Stöhr e Ou (2023), os estudantes no ensino superior estão cada vez mais imersos em um ambiente influenciado pela IA, tanto em suas vidas acadêmicas quanto cotidianas. Isso significa que os estudantes universitários de hoje têm a oportunidade de vivenciar um ambiente de aprendizagem interativo e personalizado, graças às aplicações da IA. Ao mesmo tempo, os professores podem explorar novas formas de ensino, identificando diferentes estilos de aprendizagem dos alunos e fornecendo orientações personalizadas, adaptando seus métodos de acordo com as necessidades individuais de cada aluno (Kuleto et al., 2021). Entretanto, Silveira e Vieira Junior (2019), ao analisarem a estrutura de ambientes de aprendizagem federais e estaduais mostram que existe uma defasagem tecnológica que depende do poder público para ampliação da comunicação de dados e da infraestrutura. Portanto, a exploração das possibilidades em IA está condicionada a melhorias estruturais que permitam sua implementação bem-sucedida (Silveira; Vieira Junior, 2019). Nesse sentido, Renz e Hilbig (2020) observam que ainda são muito escassos os casos de implementação bem-sucedida e sustentável da AIED no ensino superior.
Além disso, Adiguzel, Kaya e Cansu (2023), argumentam que, embora a IA tenha o potencial de revolucionar a educação, alcançar resultados educacionais positivos requer mais do que apenas o uso de tecnologias avançadas. É necessário que a aplicação da IA na educação esteja alinhada com as teorias educacionais e de aprendizagem, guiando o design instrucional e o progresso tecnológico.
Um avanço recente e controverso da AIED é a utilização de sistemas de chatbot para auxiliar nas atividades de ensino e aprendizagem. Esses agentes inteligentes têm a capacidade de interagir com os usuários, respondendo a perguntas e fornecendo respostas apropriadas (Adiguzel; Kaya; Cansu, 2023). Um dos exemplos mais conhecidos atualmente de chatbot é o ChatGPT.
2.2 Inteligência artificial generativa
Lecun, Bengio e Hinton (2015), indicam que a IA tem como base o aprendizado profundo (deep learning), o que permite que modelos computacionais com múltiplas camadas de processamento aprendam representações de dados em vários níveis de abstração. Esses métodos têm melhorado significativamente o estado da arte em áreas como reconhecimento de fala, reconhecimento de objetos visuais, detecção de objetos e descoberta de medicamentos. De acordo com os autores, utilizando o algoritmo de retropropagação, o aprendizado profundo ajusta os parâmetros internos para descobrir estruturas complexas em grandes conjuntos de dados. Além disso, as redes convolucionais profundas são eficazes no processamento de imagens, vídeos, fala e áudio, enquanto redes recorrentes são adequadas para dados sequenciais, como texto e fala.
Banh e Strobel (2023), explicam que esse aprendizado profundo serve de base para o que se tem chamado de IA generativa, recurso utilizado por usuários através de comandos simples para produzir conteúdo novo e realista em um amplo espectro (por exemplo, textos, imagens ou código de programação). Um exemplo de ferramenta de IA generativa é o GPT (Generative Pre-trained Transformer), um modelo de Processamento de Linguagem Natural (PLN) que utiliza aprendizagem profunda para aprimorar suas saídas (Adiguzel; Kaya; Cansu, 2023; Barbosa; Portes, 2023; Benevento; Meirelles, 2023). Desenvolvido em 2018 pela OpenAI, uma organização de pesquisa em IA, o modelo GPT passou por várias atualizações até chegar em sua versão mais conhecida, que é o ChatGPT. Essa versão foi especificamente projetada para interação humana, e desde então tem sido amplamente utilizada em aplicativos e serviços de chat para fornecer informações coerentes e rápidas aos usuários (Velásquez, 2023).
O funcionamento do ChatGPT baseia-se em um processo de pré-treinamento em que o modelo é exposto a grandes quantidades de dados textuais provenientes de diversas fontes, como artigos, websites, livros e conversas escritas. Durante o pré-treinamento, o GPT aprende a prever a próxima palavra em uma frase ou a completar uma frase com sentido, aprimorando assim sua capacidade de gerar textos coesos e semânticos (Benevento; Meirelles, 2023).
Segundo Barbosa e Portes (2023), a incorporação de milhares de exemplos de linguagem humana permitido que a tecnologia compreenda de forma profunda o contexto das solicitações dos usuários, resultando em respostas mais precisas às demandas.
O ChatGPT tem uma ampla variedade de funcionalidades, abrangendo desde a tradução de idiomas, resumos de texto e resposta a perguntas, até a escrita criativa, geração de conteúdo de alta qualidade e correção de erros em código existente ou geração de novos códigos (Eke, 2023). Segundo Adiguzel, Kaya e Cansu (2023), essas funcionalidades tornam o ChatGPT uma ferramenta valiosa em diversas áreas, tornando-se um recurso relevante para estudantes e profissionais.
No entanto, como qualquer sistema, o ChatGPT não está isento de falhas. Alguns dos principais desafios levantados por Adiguzel, Kaya e Cansu (2023) e Velásquez (2023), em relação ao desenvolvimento e programação de chatbots a partir de IA generativa, destaca-se que, primeiramente, a precisão das respostas fornecidas pelo chatbot está intrinsecamente ligada à qualidade dos dados de entrada. Ou seja, para obter respostas precisas, é essencial que os usuários forneçam dados de entrada precisos. Além disso, apesar de ser altamente preciso na maioria das vezes, o ChatGPT ainda pode cometer erros ou fornecer respostas imprecisas e incorretas em algumas situações. É importante mencionar que há problemas nas bases de dados desses sistemas, que podem estar enviesadas e não atender adequadamente às reais necessidades dos usuários. Por fim, há o risco de o chatbot fornecer instruções prejudiciais ao usuário, como por exemplo a divulgação de códigos de malware, além de poder reproduzir preconceitos e desigualdades presentes nos dados de treinamento obtidos da internet.
No campo educacional, a utilização do ChatGPT e de outras ferramentas de texto com IA generativa levanta preocupações significativas em relação à integridade acadêmica (Eke, 2023). Partes interessadas no ensino superior e estudiosos têm levantado questões sobre o avanço e a influência da IA no ensino e na aprendizagem, especialmente no contexto de avaliação/exame e ética acadêmica (Malmström; Stöhr e Ou, 2023).
Diante disso, torna-se indispensável e urgente analisar os principais desafios éticos e sociais relacionados à utilização dessa tecnologia (Barbosa, 2023), a fim de assegurar uma prática acadêmica íntegra e sustentável.
3 QUESTÕES ÉTICAS DA IA NA EDUCAÇÃO
A questão ética do uso do ChatGPT na era da IA é de extrema relevância (Silva, 2023). Em nível internacional, um documento importante que provê diretrizes e princípios éticos para o desenvolvimento, implantação e uso responsável da IA é a recomendação sobre a ética da inteligência artificial de 2022, publicada pela UNESCO. Essa recomendação considera os “impactos profundos e dinâmicos, positivos e negativos da IA nas sociedades, no meio ambiente, nos ecossistemas e nas vidas humanas” (UNESCO, 2022, p. 5), e tem como objetivo orientar os estados-membros na formulação de políticas e estratégias nacionais que promovam a ética no campo da IA.
No contexto educacional, uma série de desafios éticos vem sendo levantados por diversos pesquisadores (Adiguzel; Kaya; Cansu, 2023; Barbosa, 2023; Silva, 2023; Velásquez, 2023). Primeiramente, a questão da privacidade é um ponto de atenção no uso dessas tecnologias, uma vez que o chatbot pode coletar e armazenar informações pessoais dos alunos. É fundamental destacar a importância da qualidade e precisão das informações fornecidas pelo GPT. É possível que o modelo seja treinado com dados enganosos ou incorretos, o que representa uma preocupação relevante. Essa situação pode levar à disseminação de informações falsas, com potenciais consequências negativas para a sociedade. Por fim, por ser usado como ferramenta de análise e escrita, apresenta alguns dilemas éticos em relação aos direitos autorais e de propriedade intelectual.
No entanto, segundo Velásquez (2023), não há um consenso em relação a esse ponto, pois, alguns autores acreditam que a “presença de chatbots como coautores possa ser vista como uma evolução tecnológica e uma forma de agilizar o processo de pesquisa” (Velásquez, 2023, p. 1).
De forma mais abrangente, O’Neil (2017), discute em seu livro “Weapons of math destruction”, os riscos éticos associados aos algoritmos de IA na educação. Segundo a autora, algoritmos utilizados na educação, como sistemas de avaliação de desempenho de estudantes ou algoritmos de recomendação de cursos, podem reproduzir e ampliar desigualdades existentes. Por exemplo, se esses algoritmos são treinados com dados que refletem vieses históricos, como disparidades raciais ou econômicas, eles podem continuar a perpetuar essas desigualdades ao recomendar recursos ou decisões que beneficiam grupos privilegiados e prejudicam grupos marginalizados. Nessa mesma linha, Eubanks (2018), aponta que o impacto dos sistemas automatizados na educação muitas vezes simplifica a complexidade do aprendizado e reduz a educação a métricas quantitativas, ignorando as necessidades individuais e o contexto social dos estudantes.
Segundo Adiguzel, Kaya e Cansu (2023) e Velásquez (2023), para garantir o uso ético e responsável da IA na educação, é de suma importância fomentar um contínuo debate acerca dos aspectos positivos e negativos dessa tecnologia, envolvendo educadores, pesquisadores e formuladores de políticas, bem como estabelecer diretrizes e práticas que promovam a integridade acadêmica e mitiguem os riscos potenciais associados ao uso da IA no contexto educacional.
4 METODOLOGIA
A presente pesquisa adota uma abordagem qualitativa, de natureza interpretativa e fundamentada na análise de artigos referentes ao tema da IA no ensino superior, bem como documentos e normativas relacionadas. Visando explorar um contexto universitário único e articular a percepção docente deste cenário com as fontes de evidência citadas acima, esta pesquisa adota o método de estudo de caso proposto por Yin (2001). Posto isso, e tomando como base os estágios da metodologia de estudo de caso proposta por Yin (2001), a pesquisa seguiu as seguintes etapas: (i) plano, (ii) projeto, (iii) preparação, (iv) coleta de evidências, (v) análise de evidências e (vi) compartilhamento dos resultados.
O estudo de caso é uma investigação empírica “[...] que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (Yin, 2001, p. 32). A adoção do estudo de caso enquanto método da presente pesquisa se justifica em sua relação com o escopo de pesquisa - a percepção dos docentes acerca das oportunidades e desafios no uso da IA no ensino superior, pela atualidade do tema e pela crescente incorporação da IA em nossa sociedade.
Na fase de planejamento, foi formulada a questão de pesquisa sobre as principais oportunidades e desafios do uso de IA na universidade, levando em consideração a perspectiva docente no nível de pós-graduação. Essa questão foi elaborada com base nas lacunas de pesquisa identificadas na literatura existente. Na fase de projeto, o objeto de análise escolhido foi o Programa de Engenharia de Produção (PEP) devido à sua excelência acadêmica, pioneirismo e relevância no desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. O PEP, criado em 1967, se destaca por ser pioneiro no país e por promover o diálogo entre as ciências exatas e naturais, as ciências sociais e da saúde. Sua atuação abrange temas diversos, dedicando-se a concepção e gestão de sistemas produtivos que envolvem pessoas, materiais, equipamentos e ambiente. Essas características permitem a aplicação do conhecimento gerado em diversos setores, como indústria, agricultura, serviços, administração pública e iniciativas sociais. Ao longo de sua existência o PEP tem lidado com os avanços tecnológicos como oportunidades de melhoria dos sistemas produtivos, sendo a IA generativa uma das mais recentes tecnologias que vem sendo discutida não somente no âmbito dos sistemas produtivos em geral, como do próprio sistema produtivo da educação superior em nível de graduação e pós-graduação. Considerando a recente trajetória do PEP, que no quadriênio de 2013-2016 obteve conceito 4 (“bom”) na avaliação da CAPES e no quadriênio 2017-2020 obteve conceito 5 (“muito bom”), reconhece-se a iniciativa do PEP para um contínuo esforço em melhoria de sua avaliação e o reconhecimento de que a modernização de sua atuação (seja pela incorporação da IA generativa em suas linhas de pesquisa e como da melhoria de práticas educacionais) como caminho para manter o continuum de aumento do conceito recebido pela CAPES também no atual quadriênio 2021-2024. Assim, a escolha do PEP como objeto de estudo se justifica pela sua abordagem interdisciplinar e abrangente, que facilita a integração da IA em múltiplos contextos e promove um ambiente propício para explorar as oportunidades e desafios dessa tecnologia na pós-graduação.
Durante a etapa de preparação, foram definidas duas fontes principais de evidências: (i) documentos institucionais relacionados ao PEP, a COPPE, a UFRJ e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); e (ii) duas entrevistas semiestruturadas com os professores que atuam como chefes das duas áreas de concentração que compõem o PEP. Na estrutura universitária os chefes de área são considerados os primeiros elos de articulação entre os professores de pós-graduação e as instâncias administrativas e estratégicas da universidade. Nesse sentido, os dois chefes de área do PEP são responsáveis pelo processo de compilação das demandas e atuações dos professores para que sejam levados à coordenação do PEP, que por sua vez levam à diretoria da COPPE, que por sua vez levam à Decania do Centro de Tecnologia e às Pró-Reitorias da UFRJ. Esses chefes de área também são responsáveis por apoiar a incorporação das deliberações que vêm também das instâncias superiores da UFRJ, o que inclui as deliberações acerca do uso da IA na universidade. Dessa forma, os entrevistados possuem posição estratégica em diferentes frentes – da sala de aula à administração. Ademais, cabe destacar que todos os aspectos éticos envolvidos com a realização das entrevistas, e da pesquisa como um todo, foram esclarecidos junto aos entrevistados. Além disso, foi reforçado o compromisso com a confidencialidade e o anonimato, para além da possibilidade de solicitação a qualquer momento de deixar de fazer parte da pesquisa.
Em relação ao roteiro de entrevista, o mesmo foi elaborado com base na revisão de literatura realizada na fase de projeto. As perguntas foram separadas em blocos e grupos temáticos com o objetivo de facilitar o processo de análise e codificação das informações. O Quadro 1 apresenta os grupos temáticos utilizados.
A coleta de dados através dos documentos foi realizada nos sites das entidades mencionadas durante o mês de abril de 2023. Já as entrevistas foram realizadas em maio de 2023 por meio das plataformas digitais (Google Meet e ZOOM). Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas para facilitar a análise do conteúdo pelos pesquisadores. Vale ressaltar que por se tratar de uma entrevista semiestruturada, perguntas complementares e aprofundamentos foram feitos ao longo das entrevistas para acompanhar as ideias trazidas pelos entrevistados e explorar os aspectos levantados pelos mesmos. Além disso, ao final da entrevista os entrevistados tiveram liberdade de propor sugestões, ideias e esclarecer questões que não necessariamente foram perguntadas, mas que enxergavam fazer sentido trazer para o debate, de forma a complementar suas visões sobre o tema da IA no contexto educacional e, especificamente, na pós-graduação do PEP.
A análise se deu com base na técnica de adequação ao padrão definida por Yin (2001). Assim, as informações coletadas foram categorizadas e analisadas de acordo com os quatro grupos temáticos citados no quadro 1, ora correspondente ao referencial teórico da seção 2. Cada grupo temático foi elucidado por meio da categorização dos artigos que compuseram o referencial teórico. Esses grupos foram: (a) utilização da IA na prática docente; (b) treinamento e conhecimento normativo sobre IA; e (c) impactos da IA na prática docente: desafios e oportunidades. Para cada tema, foi realizada uma triangulação entre o referencial teórico, as falas dos entrevistados e trechos do EBIA, em especial aqueles referentes aos eixos transversais e verticais que dialogavam com os resultados. Essa triangulação permite compreender o que está circunscrito na literatura científica, cruzando essas informações com as percepções de atores que vivenciam o contexto e com o documento estratégico do governo, que serve como diretriz para a inserção da IA nos sistemas produtivos brasileiros.
Por fim, o compartilhamento dos resultados foi detalhado nas seções de resultados e considerações finais deste trabalho com o foco em profissionais e pesquisadores interessados no tema do desenvolvimento dos estudos e pesquisas sobre a educação superior. Nesse sentido, é essencial destacar as limitações deste estudo, que se baseia na análise de um programa específico de pós-graduação da COPPE/UFRJ e nas percepções de atores selecionados. Portanto, a generalização para graduação, outros programas de pós-graduação e outros contextos educacionais deve ser realizada com parcimônia, como indicado de forma geral por Yin (2001). Algumas a variáveis a serem considerados nesse aspecto podem ser relacionados a posição hierárquica dos entrevistados considerados nessa pesquisa (i.e., chefes de área de conhecimento), que pode diferir de outras posições (e.g., aluno/pesquisador, coordenador, pró-reitor, etc.), área de conhecimento, nível de formação (e.g., curso de curta duração, graduação, especialização). Apesar disso, é importante reconhecer também que os resultados obtidos a partir da triangulação entre documentos, entrevistas, e literatura científica permite iniciar a discussão da introdução da IA no ambiente educacional a partir de um caso específico, mas direcionado a discussões mais abrangentes. Assim, recomenda-se a realização de novos estudos que ampliem a discussão em outros casos e os contextos, de modo a identificar e validar oportunidades e desafios mais amplos. Tais pesquisas podem fundamentar rearranjos e o desenvolvimento de políticas para adoção de IA no contexto do ensino superior, seja na graduação e pós-graduação.
5 RESULTADOS
Inicialmente, foi realizada uma pesquisa documental no site institucional da universidade para investigar as relações entre IA e o contexto de pós-graduação no PEP, COPPE e UFRJ. A UFRJ possui uma estrutura hierárquica onde a Pró-Reitoria de Pós-Graduação apoia 11 centros universitários, sendo o Centro de Tecnologia (CT) um deles. A COPPE, uma das cinco unidades do CT, abriga o PEP, que é um dos 13 programas de pós-graduação da COPPE. Contudo, não foram encontrados documentos que abordassem diretamente essa temática, indicando não haver evidências diretas do uso ou discussão de IA no PEP.
Porém, em 2020, o documento “Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial” (EBIA), chancelado pela Portaria MCTI nº 1.122/2020, estabeleceu a IA como prioridade governamental. A EBIA formulou estratégias para projetos de pesquisa, desenvolvimento de tecnologias e inovações relacionadas à IA no período de 2020 a 2023 no Brasil (Brasil, 2021). Como o PEP é um programa federal de pós-graduação, esse documento tem potencial para impactar diretamente o PEP/COPPE/UFRJ, pois engloba os eixos de “educação” e “pesquisa, desenvolvimento, inovação e empreendedorismo”, além de abordar questões transversais de “legislação, regulação e uso ético” (Brasil, 2021, p. 16-34).
Para garantir uma análise consistente, foi realizada uma triangulação entre as informações da EBIA, as respostas das entrevistas e os artigos do referencial teórico deste artigo. Os resultados, subdivididos em três categorias relevantes, são apresentados em três agrupamentos: a) utilização da IA na prática docente, b) treinamentos e conhecimentos normativos sobre a IA e c) desafios e oportunidades da IA na prática docente.
a) A utilização da IA na prática docente
As tecnologias de IA têm exercido um impacto significativo no campo da educação, evidenciado por recursos como sistemas de recomendação, tutoria inteligente e avaliação automatizada (Adiguzel; Kaya; Cansu, 2023; Ouyang et al., 2023; Tavares; Meira; Amaral, 2020). Neste contexto, o documento EBIA enfatiza que a IA impactará o ambiente de pesquisa, desenvolvimento e inovação, como facilitadora de novas descobertas e avanços científicos, por meio da capacidade de tratar grandes volumes de dados, identificar padrões, explorar hipóteses e realizar inferências não passíveis de execução por seres humanos (Brasil, 2021).
Nesse sentido, o Entrevistado 1 destaca que a utilização da IA pode trazer avanços significativos na prática docente, referente ao desenvolvimento de disciplinas, elaboração de cases, criação de cenários virtuais e como ferramenta de busca. Segundo ele “a IA deveria ser aplicada no auxílio ao desenvolvimento de novos desafios e como ferramenta de buscas de determinados assuntos e na criação de realidades virtuais e no auxílio do mapeamento de demandas de mercado para inserção no conteúdo programático das disciplinas.”
Já o Entrevistado 2 traz a perspectiva que a IA deve ser utilizada desde que sempre priorize a abordagem pedagógica e sirva como facilitadora em potencializar a missão educacional da universidade, sem adentrar nas formas como essa utilização poderia se concretizar. Para ele “[...] a IA deve ser utilizada se ela liberta alunos e professores para fazerem suas missões fins, que é aprender e ensinar. As condições para que ela possa fazer isso eu não tenho resposta.”
Os entrevistados ainda ressaltam que a IA pode auxiliar os alunos no contexto de desenvolvimento de pesquisas, como uma tutoria inteligente ou um sistema de recomendação. “Quando você tá no zero do zero e você quer relacionar duas coisas que você não sabe nem por onde começar”. Entrevistado 2. Nessa perspectiva, “acredito que essas ferramentas podem ser utilizadas de forma a suporte de alunos, ajuda na pesquisa e resumo de grandes quantidades de conteúdo” Entrevistado 1.
Entretanto, o Entrevistado 1 chama atenção para contextos de não utilização da IA na pesquisa por questões éticas que tocam o desenvolvimento crítico e a dependências de ferramentas. Para ele, “[a IA] não deveria ser aplicada na própria atividade de reflexão e criação (...) aí teríamos um problema ético, pois o próprio profissional ou aluno pode ficar dependente desses starts e insights que a inteligência artificial pode promover”.
Ainda no sentido ético, o EBIA afirma que a IA deve “promover mecanismos de incentivo que estimulem o desenvolvimento de sistemas de IA que adotem princípios e valores éticos” (Brasil, 2021, p. 36).
O quadro 2 apresenta a triangulação dos dados da entrevista, referencial teórico e do EBIA, a fim de enriquecer e sintetizar nossa compreensão sobre o uso da IA no contexto educacional.
As oportunidades prescritas pelos entrevistados confirmam muitos aspectos positivos e potenciais da IA na educação, conforme destacado no referencial teórico e no EBIA. No entanto, não são apresentadas práticas reais da IA, suas preocupações são éticas e há ressalvas sobre a implementação da mesma. Assim, a escassez de casos bem-sucedidos e sustentáveis da AIED no ensino superior, ressaltada por Renz e Hilbig (2020), é confirmada pela abordagem prescritiva dos entrevistados, que não explicitam casos de IA na prática docente do Programa de Engenharia de Produção da COPPE em si. Por isso, estas análises trazem resultados que também corroboram as ideias de Silveira e Vieira Junior (2019), ao destacarem que a defasagem tecnológica em ambientes de aprendizagem estaduais e federais é um problema que impede práticas bem-sucedidas de IA nesse contexto.
b) Treinamentos e conhecimentos normativos sobre a IA
Tavares, Meira e Amaral (2020), afirmam que é crucial uma implementação da IA no campo educacional de forma planejada, gradual e com ênfase no suporte ao ensino, evitando a robotização do processo educativo. Isso perpassa pela capacitação dos profissionais que atuam nessa área, a partir do desenvolvimento de habilidades técnicas necessárias para interagirem e se apropriarem das possibilidades que a IA pode lhes proporcionar (Brasil, 2021). Entretanto, os entrevistados afirmaram não terem participado de nenhum treinamento específico sobre o tema e que não conhecem normativas ou diretrizes que os impactam direta ou indiretamente. Contudo, vale ressaltar que os entrevistados reconhecem algumas atividades de debate e experimentações livres sobre o tema dentro da universidade, principalmente relacionado ao ChatGPT.
Segundo o Entrevistado 1 “houve alguns debates [sobre o tema], mas não resultaram em normativa ou diretrizes. Em relação a Coppe não temos nada consolidado.” O Entrevistado 2 afirma que “ainda não recebeu nenhum comunicado a respeito. Acho que ainda estamos em discussões iniciais, palestras e começando uma reflexão sobre isso.”
O quadro 3 evidencia como as informações provenientes de diversas fontes convergem para uma visão mais completa e precisa da capacitação em IA e das diretrizes normativas relacionadas.
A triangulação aponta que os entrevistados corroboram a necessidade de capacitação e desenvolvimento de habilidades técnicas para a integração da IA na educação, conforme defendido pelo referencial teórico. No entanto, a falta de treinamentos específicos e conhecimento limitado sobre diretrizes normativas indica uma desconexão entre as diretrizes teóricas e a prática institucional na universidade. As atividades informais de debate e experimentação complementam, mas não substituem, a implementação estruturada e planejada sugerida pelo EBIA e por pesquisadores como Tavares, Meira e Amaral (2020).
c) Desafios e oportunidades da IA na prática docente
Os resultados da pesquisa revelam uma série de desafios e oportunidades que surgem com a aplicação da IA na prática docente. Em relação aos desafios, é importante destacar que a utilização de tecnologias como o ChatGPT e outros geradores de texto baseados em IA apresentam risco à integridade acadêmica e geram problemas relacionados à originalidade e autenticidade do trabalho acadêmico (Eke, 2023). Nesse sentido, o Entrevistado 1 ressalta que os desafios são justamente relacionados ao plágio “[...] você identificar que aquele trabalho é o inicial e a pessoal pegou a ideia de algum lugar como inspiração, mas às vezes ela pega tudo e isso é uma questão ética. Será que realmente foi feito, utilizei ou simplesmente copiei. A gente ainda não sabe como mapear isso ainda”.
Silveira e Barros (2021) falam sobre o desafio de motivar os alunos e alinhar as práticas de ensino e pesquisa a uma alta disponibilidade de conhecimentos advindos destas ferramentas. Nesse contexto, o Entrevistado 2 discorre sobre a mudança de papel do professor e como ele traz as temáticas para a sala de aula. Segundo ele, “na sala de aula, no ensino, eu realmente acho que o papel do professor mudou. Desde quando eu entrei na universidade e tive essa consciência, falei: giz não funciona mais... Eu vou começar a falar de um autor, o cara vai abrir o Wikipédia e vai ler sobre o autor, e vai saber sobre ele mais rápido do que eu possa falar. Ou numa fonte autorizada, como Stanford da vida”.
Vale ressaltar, que apesar do EBIA defender a ideia de “ampliar as possibilidades de pesquisa, desenvolvimento, inovação e aplicação de IA, por meio da viabilização do aporte de recursos específicos para esse tema e da coordenação entre iniciativas já existentes” (Brasil, 2021, p. 35), o Entrevistado 1 diz ainda ser um desafio a falta de infraestrutura da universidade, a falta de alunos com dedicação integral e as possibilidades de financiamento a projetos que abordem a temática. Segundo ele, “temos uma dificuldade de infraestrutura latente a alguns anos, principalmente se queremos começar a falar de inteligência artificial. Nós não temos preparo de infraestrutura, vista a própria internet que não é robusta, até para pensarmos em algo mais interativo com os alunos. [Além disso] outro desafio seria a falta de um escritório na Coppe a captar, manter e gerir projetos para que pudéssemos oferecer ao aluno uma bolsa que permitisse ele realizar o programa em tempo integral (estudando e desenvolvendo)”.
No que diz respeito às oportunidades, segundo Malmström, Stöhr e Ou (2023), o contexto universitário contemporâneo tem a possibilidade de vivenciar um ambiente de aprendizagem interativo e personalizado, graças às aplicações da IA. Nesse contexto, ambos os entrevistados ressaltam como a IA poderia auxiliar na interatividade e facilitação de processos gerenciais, administrativos e de rotina da universidade, poupando tempo dos docentes e aumentando a eficiência gerencial da universidade. O Entrevistado 2 ressalta que “se eu tivesse um cenário em que a IA me ajudasse nas atividades administrativas, permitindo que eu tivesse mais tempo para me dedicar às atividades fins, seria maravilhoso. [...] Desobrigar de atividades administrativas [já] que [...] a minha função é orientar os alunos!”
De forma semelhante, o Entrevistado 1 afirma que a IA poderia proporcionar sistemas mais eficazes para o gerenciamento da rotina e a gestão do acompanhamento acadêmico dos alunos. “Hoje, por exemplo, descobrir os prazos e informações de cada aluno é uma volta imensa. Não possuo registrado no SIGA [Sistema Integrado de Gestão Acadêmica] quais são todos os orientados e seria uma ferramenta que já poderia estar desenvolvida” Entrevistado 1.
Paralelamente, Kuleto et al., (2021), ressalta que a IA proporciona novas oportunidades para os professores explorarem diferentes formas de ensino, identificando os estilos de aprendizagem individuais dos alunos e fornecendo orientações personalizadas. Além disso, o EBIA “propõe estabelecer conexões e parcerias entre setor público, setor privado e instituições científicas e universidades em prol do avanço no desenvolvimento e utilização da IA no Brasil” (Brasil, 2021, p. 35). Nesse sentido, os entrevistados discorrem sobre como o uso da IA poderia fomentar as dinâmicas de aprendizagem. Segundo o Entrevistado 1 “a principal oportunidade seria trazer a realidade de vida para a sala de aula. Para fins profissionais, desenvolvimento e até gestão do dia a dia para dentro da sala de aula. Eu mesmo utilizei o ChatGPT para gerar alguns estudos de caso na disciplina de graduação, isso consegue trazer algumas coisas mais recentes também.”
Já o Entrevistado 2 acredita que a IA pode ter funções educacionais como por exemplo “‘abrir a cabeça’ ou apresentar coisas que não requeiram criatividade, invenção e criação de maneira geral [...] ela [a IA] pode se integrar a processos educacionais, mas dessa forma.”
Para além de oportunidades, as ideias levantadas pelos entrevistados anteriormente já denotam e se relacionam com a perspectiva de uma nova dinâmica de ensino, a partir de novas maneiras de se construir o processo formativo e porque não dos papéis de cada ator dentro de sala de aula. E, alinhado a isso, o EBIA reforça, no que tange as qualificações para um futuro digital, a necessidade de “práticas pedagógicas inovadoras e a importância de ressignificação dos processos de formação de professores para lidar com os desafios decorrentes da inserção da tecnologia e da IA como ferramenta pedagógica em sala de aula (Brasil, 2021, p. 28).
Nos quadros 4 e 5, destacamos a triangulação das informações a fim de enriquecer a compreensão dos desafios e das potencialidades (respectivamente) associados à integração da IA na educação.
Dessa forma, a partir da triangulação das informações nos quadros 4 e 5 foi possível verificar que os entrevistados confirmam e complementam as ideias apresentadas no referencial teórico e no EBIA. Eles reforçam os desafios apontados no referencial teórico, especialmente em relação à integridade acadêmica (Eke, 2023), mudança no papel do professor (Kuleto et al., 2021) e questões de infraestrutura (Malmström; Stöhr; Ou, 2023). Ao mesmo tempo eles complementam as oportunidades destacadas, reforçando o potencial da IA para criar ambientes de aprendizagem interativos e melhorar a eficiência administrativa e acadêmica.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação da IA na prática docente claramente apresenta desafios e oportunidades. Primeiramente, a pesquisa constatou a ausência de documentos institucionais e treinamento específico sobre a utilização da IA no meio acadêmico, além de uma defasagem tecnológica. Tal contexto, é considerado um grande desafio para o desenvolvimento e implementação da IA no contexto universitário e explicitam práticas inexistentes no programa. Outros desafios levantados incluem o risco de plágio, a dependência das ferramentas de IA, a falta de reflexão crítica no processo de criação e as dificuldades de infraestrutura e financiamento na universidade. Apesar de tais desafios, os resultados da pesquisa indicam que o potencial da IA na prática docente está relacionado com o desenvolvimento de disciplinas, elaboração de casos, criação de cenários virtuais e como facilitador no gerenciamento de rotina e das atividades administrativas.
É crucial destacar que a IA não se limita apenas à prática docente, mas também desempenha um papel fundamental na prática administrativa das universidades. Os entrevistados enfatizaram que a IA poderia ser uma aliada na gestão de processos administrativos, ajudando a otimizar recursos e tempo. Esta interseção entre IA e a administração universitária ressalta a necessidade de diretrizes específicas que orientem tanto o uso da IA quanto das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC). No entanto, a falta dessas diretrizes específicas resulta em uma abordagem unificada pelos docentes, tratando ambos os assuntos de forma integrada na ausência de estratégias separadas.
Diante dessa constatação, torna-se evidente a importância de a universidade direcionar investimentos de forma institucionalizada em iniciativas que envolvam IA. Essa abordagem alinharia não apenas com as diretrizes estratégicas do EBIA, que visa ampliar as possibilidades de pesquisa e desenvolvimento através da IA, mas também com as necessidades práticas dos docentes e administradores universitários. Propõe-se, portanto, a promoção de discussões contínuas, a implementação de treinamentos especializados, o estabelecimento de diretrizes programáticas claras e a criação de núcleos de pesquisa financiados, visando incentivar a adoção responsável e ética da IA no contexto educacional.
Como próximos passos, é sugerido realizar investigações adicionais que englobam outros programas de pós-graduação, bem como considerar a perspectiva de outros atores do ambiente universitário, como estudantes e funcionários administrativos. Essa abordagem visa ampliar as percepções acerca das oportunidades e desafios presentes nesse contexto, proporcionando uma compreensão mais abrangente.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) [88881.717009/2022-01, Código Financeiro 001].
REFERÊNCIAS
-
ADIGUZEL, T.; KAYA, M. H.; CANSU, F. K. Revolutionizing education with AI: exploring the transformative potential of ChatGPT. Contemporary Educational Technology, Montenegro, v. 15, n. 3, ep.429, 2023. Disponível em: https://www.cedtech.net/article/revolutionizing-education-with-ai-exploring-the-transformative-potential-of-chatgpt-13152 Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://www.cedtech.net/article/revolutionizing-education-with-ai-exploring-the-transformative-potential-of-chatgpt-13152 -
BANH, L.; STROBEL, G. Generative artificial intelligence. Electronic Markets, Berlin, v. 33, n. 63, 2023. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s12525-023-00680-1 Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://link.springer.com/article/10.1007/s12525-023-00680-1 -
BARBOSA, C. R. A. C. Transformações no ensino-aprendizagem com o uso da inteligência artificial: revisão sistemática da literatura. RECIMA21, São Paulo, v. 4, n. 5, p. 3103, 2023. Disponível em: https://recima21.com.br/index.php/recima21/article/view/3103 Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://recima21.com.br/index.php/recima21/article/view/3103 -
BARBOSA, L. M.; PORTES, L. A. F. A Inteligência artificial. Revista da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional – ABT, Rio de Janeiro, v. 236, p. 16-27, 2023. Disponível em: https://abt-br.org.br/wp-content/uploads/2023/03/RTE_236.pdf Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://abt-br.org.br/wp-content/uploads/2023/03/RTE_236.pdf - BATES, A. W. Teaching in a digital age: guidelines for designing teaching and learning. Vancouver: Tony Bates Associates Ltd., 2015.
-
BENEVENTO, M.; MEIRELLES, F. DE S. Prever e melhorar o desempenho dos alunos com o uso combinado de aprendizagem de máquina e GPT Revista de Gestão e Avaliação Educacional, Santa Maria, v. 12, n. 21, p. 1–22, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/regae/article/view/74348 Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://periodicos.ufsm.br/regae/article/view/74348 -
BRASIL. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (MCTI). Estratégia brasileira de inteligência artificial (EBIA). Brasília: MCTI, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/transformacaodigital/arquivosin-teligenciaartificial/ebia-documento_referencia_4-979_2021.pdf Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/transformacaodigital/arquivosin-teligenciaartificial/ebia-documento_referencia_4-979_2021.pdf -
EKE, D. O. ChatGPT and the rise of generative AI: threat to academic integrity? Journal of Responsible Technology, EUA, v. 13, p. 100060, 2023. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/368713523_ChatGPT_and_the_rise_of_generative_AI_Threat_to_academic_integrity Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://www.researchgate.net/publication/368713523_ChatGPT_and_the_rise_of_generative_AI_Threat_to_academic_integrity - EUBANKS, V. Automating inequality: how high-tech tools profile, police, and punish the poor. New York: St. Martin’s Press, 2018.
-
KULETO, V. et al Exploring opportunities and challenges of artificial intelligence and machine learning in higher education institutions. Sustainability, Suiça, v. 13, n. 18, 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/2071-1050/13/18/10424 Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://www.mdpi.com/2071-1050/13/18/10424 -
LECUN, Y.; BENGIO, Y.; HINTON, G. Deep learning. Nature, Londres, v. 521, n. 7553, p. 436-444, 2015. Disponível em: https://www.nature.com/articles/nature14539 Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://www.nature.com/articles/nature14539 -
MALMSTRÖM, H.; STÖHR, C.; OU, W. Chatbots and other AI for learning: a survey of use and views among university students in Sweden. Chalmers Studies in Communication and Learning in Higher Education, EUA, n. 1, p. 1-16, 2023. Disponível em: https://research.chalmers.se/en/publication/535715 Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://research.chalmers.se/en/publication/535715 -
MELLO, L. Inteligência artificial São Paulo: HIBOU Pesquisas & Insights, 2023. Disponível em: https://lehibou.com.br/wp-content/uploads/2023/10/23HB_AI01.pdf Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://lehibou.com.br/wp-content/uploads/2023/10/23HB_AI01.pdf - O’NEIL, C. Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. New York: Crown, 2017.
-
OUYANG, F. et al Integration of artificial intelligence performance prediction and learning analytics to improve student learning in online engineering course. International Journal of Educational Technology in Higher Education, Berlim, v. 20, n. 4, 2023. Disponível em: https://educationaltechnologyjournal.springeropen.com/articles/10.1186/s41239-022-00372-4 Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://educationaltechnologyjournal.springeropen.com/articles/10.1186/s41239-022-00372-4 -
POPENICI, S. A. D.; KERR, S. Exploring the impact of artificial intelligence on teaching and learning in higher education. Research and Practice in Technology Enhanced Learning, EUA, v. 12, n. 22, p. 2, 2017. Disponível em: https://telrp.springeropen.com/articles/10.1186/s41039-017-0062-8 Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://telrp.springeropen.com/articles/10.1186/s41039-017-0062-8 -
RAZIA, B.; AWWAD, B.; TAQI, N. The relationship between artificial intelligence (AI) and its aspects in higher education. Development and Learning in Organizations, Suiça, v. 37, n. 3, p. 21-23, 2022. Disponível em: https://www.scilit.com/publications/e45017822802a986d6ad49d947378a1f Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://www.scilit.com/publications/e45017822802a986d6ad49d947378a1f -
RENZ, A.; HILBIG, R. Prerequisites for artificial intelligence in further education: identification of drivers, barriers, and business models of educational technology companies. International Journal of Educational Technology in Higher Education, Berlim, v. 17, n. 14, 2020. Disponível em: https://educationaltechnologyjournal.springeropen.com/articles/10.1186/s41239-020-00193-3 Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://educationaltechnologyjournal.springeropen.com/articles/10.1186/s41239-020-00193-3 - RUSSELL, S. J.; NORVIG, P. Artificial intelligence a modern approach New Jersey: Pearson Education, 2010.
-
SILVA, V. L. Ética e responsabilidade na era da inteligência artificial: aprendizagem digital no ChatGPT 2023. Monografia (Especialização em Mídia e Educação) – Universidade Federal do Pampa (UAB), São Borja, 2023. Disponível em: https://repositorio.unipampa.edu.br/jspui/bitstream/riu/8334/1/Vinicius%20Lopes%20da%20Silva%202023.pdf Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://repositorio.unipampa.edu.br/jspui/bitstream/riu/8334/1/Vinicius%20Lopes%20da%20Silva%202023.pdf -
SILVEIRA, A. C. J.; VIEIRA JUNIOR, N. A inteligência artificial na educação: utilizações e possibilidades. Revista Interritórios, Pernambuco, v. 5, n. 8, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/index.php/interritorios/article/view/241622 Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://periodicos.ufpe.br/revistas/index.php/interritorios/article/view/241622 - SILVEIRA, R. C. B. DA; BARROS, M. J. F. DE. Impacto da inteligência artificial na empregabilidade docente Salvador: Universidade Salvador, 2021.
-
TAVARES, L. A.; MEIRA, M. C.; AMARAL, S. F. Inteligência artificial na educação: survey / artificial intelligence in education: survey. Brazilian Journal of Development, São José dos Pinhais, v. 6, n. 7, p. 48699–48714, 2020. Disponível em: https://ojs.brazilian-journals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/13539 Acesso em: 30 jan. 2025.
» https://ojs.brazilian-journals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/13539 -
UNESCO. Recomendação sobre a ética da inteligência artificial Conferência geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Paris: UNESCO, 2022. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381137_por Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381137_por -
VELÁSQUEZ, R. O ChatGPT na pesquisa em humanidades digitais: oportunidades, críticas e desafios. TEKOA, Foz do Iguaçu, v. 2, n. 2, 2023. Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/tekoa/article/view/3711 Acesso em: 31 jan. 2025.
» https://revistas.unila.edu.br/tekoa/article/view/3711
-
Editor de seção:
Rafael Bunhi
-
Editora de Layout:
Silmara Pereira da Silva Martins
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
10 Maio 2024 -
Aceito
11 Nov 2024 -
Revisado
24 Fev 2025