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Relações dialógicas e discurso bivocal na atividade de trabalho do revisor em teses acadêmicas: tensões e(m) sentidos

RESUMO

Este trabalho ancora-se no estudo dos conceitos de relações dialógicas e de discurso bivocal para analisar interações discursivas estabelecidas entre uma revisora e uma doutoranda durante diferentes etapas de realização da atividade de revisão textual em uma tese acadêmica. O material da pesquisa é constituído por discursos advindos: i) de e-mails entre a revisora e a doutoranda, nos quais elas discutem o conceito da atividade de trabalho contratada; e ii) por um excerto do texto em processo de revisão, junto à inserção de comentários de ambas na escrita. Os discursos investigados possibilitam-nos contemplar as tensas relações dialógicas envoltas no fazer de um revisor de textos, trazer pistas dos diferentes estágios de desenvolvimento da tessitura textual, assim como nos permitem discutir o discurso bivocal constitutivo do trabalho com revisão textual, a partir das palavras da revisora ressoadas no texto da doutoranda, que compõem o texto acadêmico revisado em sua versão final.

PALAVRAS-CHAVE:
Revisão de textos; Relações dialógicas; Discurso bivocal

ABSTRACT

This paper is based on the study of the concepts of dialogic relationships and double-voiced discourse to analyze discursive interactions between a proofreader and a doctoral student during different stages of proofreading an academic thesis. The research material are discourses from: i) e-mails exchanges between the proofreader and the doctoral student regarding their understanding of the work the proofreader performs and ii) an excerpt of the thesis during the proofreading process with the proofreader’s and the doctoral student’s comments in the text. The analysis of these discourses allows us to see the tense dialogic relationships that constitute the proofreader’s work, to observe the clues on the various stages of the writing process, as well as to discuss the double-voiced discourse that constitutes the work with proofreading based on the proofreader’s words resounded in the doctoral student's final version of the revised text.

KEYWORDS:
Proof-reading; Dialogic relationships; Double-voiced discourse

La parola non è una cosa, ma l'ambiente eternamente mobile, eternamente mutevole dello scambio sociale.

Mikhail Bachtin

A palavra não é um objeto, mas um meio constantemente ativo, constantemente mutável de comunicação dialógica.

Mikhail Bakhtin

Introdução

Investigar a linguagem, tomando-a como um elemento discursivo, dialógico, marcado pela intrínseca relação eu/outro e carregado de valorações sociais que, ao mesmo tempo em que buscam dar mais espaço e visibilidade a algumas vozes, silenciam outras, tem sido uma prática recorrente em nossas pesquisas. Ao partirmos de postulados escritos por Mikhail Bakhtin e por outros autores que fizeram parte do Círculo, buscamos analisar a linguagem pela mobilização das palavras postas em relação, por meio das quais materializamos experiências e maneiras de olhar para o mundo carregadas de múltiplos e até mesmo distintos acentos valorativos.

Desenvolver estudos, situados na perspectiva dialógica do discurso, tem-nos possibilitado refletir sobre a linguagem em seu complexo e multifacetado processo de produção e instauração de sentidos, o qual é protagonizado por sujeitos responsivos, situados nas mais variadas esferas enunciativas. Em nossa caminhada acadêmica, particularmente, temos no ancorado, desde nossa pesquisa de mestrado1 1 Nosso trabalho de mestrado: Uma análise dialógica da atividade de revisão em EaD foi orientado pelo professor Adail Sobral e defendido no ano de 2012 no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Nossa pesquisa de doutorado, intitulada Uma voz apagada? Análise da atividade de revisão de textos acadêmicos sob as perspectivas bakhtiniana e ergológica, foi orientada pela professora Maria da Glória Corrêa di Fanti e defendida em 2017 no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. , nos pressupostos dos autores do Círculo para refletir sobre a atividade de revisão textual desenvolvida em gêneros que circulam na esfera acadêmica, como artigos científicos e materiais didáticos por exemplo.

Nesse movimento investigativo, buscamos melhor compreender a atividade profissional do revisor de textos, a qual, apesar da grande demanda apresentada por autores de artigos científicos, de dissertações e até mesmo de teses de doutorado, ainda se mantém silenciada e conta com poucas reflexões científicas a respeito do complexo processo de tessitura textual de uma produção que passa pelo trabalho de revisão de textos. Assim, em nossos estudos, ao tratarmos do fazer profissional do revisor que atua na esfera acadêmica e trabalha com uma perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem, almejamos trazer contribuições para melhor compreensão desse fazer enigmático e multifacetado.

Nessa trajetória, já mostramos, por exemplo, que a atividade profissional de um revisor de textos pode ser realizada de maneiras bastante distintas, a depender, em especial, da compreensão de linguagem dos profissionais que a desempenham, sendo, portanto, a pluralidade nos modos de fazê-la uma de suas principais características. Isso, muitas vezes, é responsável inclusive por alguns desentendimentos ocorridos devido a conflitos entre as expectativas do contratante e aquilo que, na concretude do trabalho, o revisor realiza (BARBOSA, 2017BARBOSA, V. F. Uma voz apagada? Análise da atividade de revisão de textos acadêmicos sob as perspectivas bakhtiniana e ergológica. Tese (Doutorado em Linguística) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.; 2018BARBOSA, V. F. “É só uma olhadinha?”: o fazer do revisor de textos acadêmicos em perspectiva dialógica e ergológica. In: RIBEIRO, K. R; SCHWAB, S; MARTINS, A. A. (Orgs.). Estudos bakhtinianos em diálogo: diferentes perspectivas. Campinas: Pontes Editores, 2018. p.115-134.). Ademais, como temos sinalizado em nossas pesquisas, na maior parte das vezes, esse fazer não dispõe de um espaço para a divulgação nos gêneros acadêmicos que passam pelo olhar de um revisor textual, o que contribui com a invisibilidade e o constante silenciamento dessa prática laboral (BARBOSA, 2012BARBOSA, V. F. Uma análise dialógica da atividade de revisão linguística em EaD. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2012.; 2017BARBOSA, V. F. Uma voz apagada? Análise da atividade de revisão de textos acadêmicos sob as perspectivas bakhtiniana e ergológica. Tese (Doutorado em Linguística) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.).

A essas considerações soma-se outro desafio dessa atividade, sobre o qual também nos detemos: o revisor ocupa uma zona fronteiriça entre o autor e o leitor presumido da produção textual. Em outras palavras, apesar de, em tese, o revisor não ser o leitor pressuposto pelo autor da escrita no planejamento e na elaboração do texto, uma vez contratado, ele passa a desempenhar um importante papel na (re)organização e na finalização do dizer do autor. Esse espaço ocupado pelo profissional

[...] é marcado por aproximações e distanciamentos tanto do autor do texto quanto da produção textual em si, cabendo ao revisor a constante procura pelo equilíbrio entre o colocar-se no lugar do outro – movimento empático – para compreender a tessitura geral da escrita, e o afastar-se – movimento exotópico –, para atuar como um leitor crítico, capaz de observar o todo do projeto de dizer e de vislumbrar melhores possibilidades de finalização do texto, a fim de que possa desenvolver, com êxito, sua atividade laboral (BARBOSA, 2017, p.193BARBOSA, V. F. Uma voz apagada? Análise da atividade de revisão de textos acadêmicos sob as perspectivas bakhtiniana e ergológica. Tese (Doutorado em Linguística) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.).

Em outro trabalho por nós realizado, ao voltarmos nossa atenção para o processo de instauração desse importante outro desempenhado pelo revisor, mostramos algumas das maneiras por meio das quais ele acaba preenchendo um papel constitutivo na teia de sentidos presente na versão final do texto revisado, apesar do apagamento e da invisibilidade que permanecem atreladas ao seu fazer (BARBOSA & DI FANTI, 2018BARBOSA, V. F.; DI FANTI, M. G. C. A (in)visibilidade da atividade de revisão de textos acadêmicos: um outro na teia dos sentidos. Letrônica, v. 11, p.s35-s53, 2018.). Tivemos também a oportunidade de aprofundar nossa reflexão sobre essa posição enunciativa ocupada pelo revisor e constatamos que ele, muito similar à atividade desempenhada pelo tradutor, assume um dado estatuto enunciativo na rede de interlocução desenvolvida “[...] que é a relação autor-leitor, algo que faz dele um colaborador vital do autor, uma voz presente no resultado final do texto desse autor, ainda que não necessariamente um nome autoral reconhecido” (SOBRAL & BARBOSA, 2019, p.22SOBRAL, A.; BARBOSA, V. F.; Sobre tipos de revisão textual e suas redes enunciativas: uma proposta bakhtiniana. In: RODRIGUES, D. L. D. I. (Org.). No ritmo do texto: questões contemporâneas de preparação, edição e revisão textual. Divinópolis: Artigo A, 2019, v. 1, p.15-40.).

Embora tenhamos percorrido certa caminhada de investigação científica sobre o fazer do revisor de textos que atua na esfera acadêmica, cabe-nos destacar que isso não esgota o objeto ou mesmo diminui a importância de novas pesquisas sobre o tema, tendo em vista, como salientamos, que se trata de uma atividade bastante complexa e com múltiplas facetas a serem ainda estudadas e que merecem ganhar maior visibilidade nas pesquisas científicas. Nesse sentido, desenvolvemos o presente trabalho a fim de dar continuidade à nossa caminhada investigativa e ao compromisso estabelecido em nosso projeto de pós-doutoramento em curso, no qual assumimos, entre outros objetivos elencados, a busca pelo aprofundamento do estudo de aspectos conceituais da teoria bakhtiniana para subsidiar a análise da atividade de revisão textual desenvolvida em teses acadêmicas.

Com esse fim, nesta pesquisa, voltaremos nossa atenção ao estudo dos conceitos de relações dialógicas e de palavra bivocal – presentes em Problemas da Obra de Dostoiévski (POD), de 1929, e na segunda edição deste texto, Problemas da Poética de Dostoiévski (PPD), de 1963 – para tratar do fazer profissional do revisor de textos. Apesar do foco das reflexões de Bakhtin nessas escritas estar voltado ao discurso literário, as considerações nelas tecidas permitem-nos refletir sobre toda realização discursiva, a partir de uma perspectiva dialógica da linguagem, considerando o discurso e, em consequência a língua, como elementos a serem tomados “[...] em sua integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 2015, p.207 [1963]BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]).

Segundo Brait (2015, p.55)BRAIT, B. Problemas da Poética de Dostoiévski e estudos da linguagem. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto 1.ed. 3. reimpressão, 2015. p.45-72., ao nos ancorarmos nos estudos de Bakhtin a respeito das obras de Dostoiévski, entramos em contato com “[...] textos que vão sendo costurados com elementos que sinalizam a perspectiva bakhtiniana de linguagem e não somente seu interesse por Literatura e Poética”. Ancoramo-nos nessa perspectiva, considerando também o pressuposto de que, para ela, o discurso nunca é monológico, mas plurivocal, carregado axiologicamente por uma multiplicidade de valores, vozes, verdades e tons, concretizado no contínuo e ininterrupto processo de comunicação interlocutiva em que estamos imersos e do qual fazemos parte nas mais variadas esferas enunciativas de que participamos, tal como pretendemos demonstrar com a presente reflexão.

Assim, neste artigo, voltaremos ao estudo das obras bakhtinianas mencionadas para a realização da análise de diálogos estabelecidos por uma revisora e uma doutoranda que contratou o trabalho da profissional para a revisão de sua tese. Constituirão nosso material de pesquisa, portanto, dois e-mails que foram trocados entre a doutoranda e a revisora investigadas no momento de contratação da atividade e um excerto da tese em processo de revisão, a partir do qual as duas dialogam, via inserção de comentários no corpo da escrita. As trocas discursivas selecionadas oferecem-nos pistas do complexo processo de trabalho que compõe essa atividade laboral e também nos permitem refletir a respeito da (in)tenso processo dialógico em que a revisão textual se insere.

1 Relações dialógicas e discurso bivocal: fenômenos constitutivos do(s) discurso(s)

Nos romances de Dostoiévski, conforme nos destaca Paulo Bezerra na introdução de PPD disponível em língua portuguesa, “[...] a representação das personagens é, acima de tudo, a representação de suas consciências plurais” (BEZERRA, 2015, p.XBEZERRA, P. Prefácio: Uma obra à prova de seu tempo. In: BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio de Paulo Bezerra. 5. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p.V-XXII. [1963]). É, pois, por meio da análise desse amplo e complexo universo das consciências plurais das personagens de Dostoiésvski que Bakhtin nos apresenta sua tese a respeito da instauração do romance polifônico, mostrando-nos que, na constituição do trabalho artístico do romancista russo, todos os elementos estão inter-relacionados, pois, nele, como assinala Bakhtin há um “[...] extraordinário dom artístico de ver tudo em coexistência e interação” (BAKHTIN, 2015, p.34BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]).

Nessa nova configuração do romance, as personagens não estão subordinadas à pura objetificação, seja de outros interlocutores seja do próprio autor, visto que este não é o detentor absoluto de suas vozes. Elas têm liberdade e autonomia no plano da obra e não representam seres unos e fechados em si, mas sim indivíduos resultantes da interação entre várias consciências, isto é, são personagens dotadas de universos de valores que mantêm entre elas diversas relações de interação e que “[...] preenchem com suas vozes as lacunas evasivas deixadas por seus interlocutores” (BEZERRA, 2015, p.XBEZERRA, P. Prefácio: Uma obra à prova de seu tempo. In: BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio de Paulo Bezerra. 5. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p.V-XXII. [1963]).

Assim, em Dostoiévski, “[...] o herói não é um ‘ele’ nem um ‘eu’, mas um ‘tu’ plenivalente [...], sujeito de um tratamento dialógico profundamente sério, presente, não retoricamente simulado ou literariamente convencional (BAKHTIN, 2015, p.71BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]). Tal como nos mostra Bakhtin, só é possível fazer tais considerações, se a análise dessas consciências alheias for tomada por meio das relações dialógicas, as quais, embora necessitem também das relações lógicas e concreto-semânticas para se desenvolver, pertencem a outro campo, são próprias do universo do discurso e se caracterizam por um fenômeno bem mais amplo do que as relações entre as réplicas do diálogo, um fenômeno “[...] quase universal, que penetra toda a linguagem humana, todas as manifestações da vida humana”. Nas palavras de Bakhtin: “O romance polifônico é inteiramente dialógico” (2015, p.47; itálicos no original), e todos os seus elementos, plenos de relações dialógicas, “[...] estão em oposição como contraponto” (2015, p.47).

Ainda segundo o filósofo russo, “Dostoiévski teve a capacidade de auscultar relações dialógicas em toda a parte, em todas as manifestações da vida humana consciente e racional” (BAKHTIN, 2015, p.47BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]). Desse modo, no universo dialógico estabelecido no âmbito da narrativa de Dostoiévski, “A ideia do autor sobre o herói é a ideia sobre o discurso, e até o discurso do autor sobre o herói é o discurso sobre o discurso. Ele está orientado tanto para o herói como para a palavra, daí dialogicamente orientado” (BAKHTIN, 2015, p.73BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]). Contudo, só conseguimos tratar das relações dialógicas estabelecidas entre os sujeitos, se considerarmos que as palavras necessitam da vivacidade dos enunciados para que possam existir. Para tanto, elas “Devem personificar-se na linguagem, tornar-se enunciados, converter-se em posições de diferentes sujeitos expressas na linguagem” (BAKHTIN, 2015, p.209BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]).

Ao entrar no âmbito discursivo a que pertencem os enunciados, as palavras ganham novas acentuações e também ganham autor e se tornam possíveis não apenas entre enunciações integrais, entre estilos de linguagem, dialetos sociais etc., mas também entre “[...] qualquer parte significante do enunciado”(BAKHTIN, 2015, p.209BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]), desde que neste possamos ouvir a(s) voz(es) do(s) outro(s).

Para Bakhtin, a instauração desse novo paradigma de compreensão do discurso faz que a análise metalinguística tenha como principal objeto de estudo o discurso bivocal, que “[...] surge inevitavelmente sob as condições da vida autêntica da palavra” (BAKHTIN, 2015, p.209BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]). E, em sua concretude enunciativa, a palavra tem dupla orientação, isto é, está voltada “[...] tanto para o objeto do discurso, como a palavra comum, e para outra palavra, a fala dos outros” (BACHTIN, 1997 [1929], p.186BACHTIN, M. M. Problemi dell’opera di Dostoevskij. Introduzione, Traduzione e comento di Margherita De Michiel. Prezentazione di Augusto Ponzio. Bari: Edizioni dal Sud, 1997. [1929])2 2 Na tradução italiana: “[...] la parola qui ha um duplice orientamento, sia verso l’oggetto del discorso, come la parola comune, sia verso un’altra parola, il discorso altrui”. As citações de Problemas da Obra de Dostoiévski (1929) presentes no artigo foram retiradas da versão em língua italiana (presente nas referências) e traduzidas livremente pela autora do trabalho. .

Ao tratar desse constitutivo imbricamento de discursos, Bakhtin afirma ainda que nosso discurso da vida prática é também recheado de palavras dos outros, sendo que com algumas delas chegamos inclusive a difundir plenamente a nossa voz, esquecendo-nos de a quem pertencem. Com outras, por sua vez, “[...] reforçamos nossas próprias palavras, aceitando-as como autorizadas por nós; por último, revestimos terceiras das nossas próprias intenções, que são estranhas e hostis a elas” (BAKHTIN, 2015, p.223BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]).

Desse modo, compreendemos que, na utilização da linguagem cotidiana, a utilização da palavra bivocal também se faz presente, sobretudo nas trocas dialogais de nosso dia a dia, pois “[...] ao repetirmos as palavras de nossos interlocutores, fazemo-la com a inserção de nosso tom ao enunciado, que pode ser carregado de dúvida, indignação, ironia, escárnio, etc.” (BACHTIN, 1997, p.199BACHTIN, M. M. Problemi dell’opera di Dostoevskij. Introduzione, Traduzione e comento di Margherita De Michiel. Prezentazione di Augusto Ponzio. Bari: Edizioni dal Sud, 1997. [1929])3 3 Na tradução italiana: “[...] dove l’interlocutore molto spesso ripete letteralmente l’affermazione dell’altro interlocutore, deponendo in essa una nuova intezione e dandole um suo proprio accento: con espressione di dubbio, di sdegno, di ironia, di irrisione, di scherno, etc”. . Isso quer dizer que as palavras do outro (ou palavras alheias) introduzidas em nossos discursos ganham novas refrações, “[...] são revestidas inegavelmente de algo novo, da nossa compreensão, e da avaliação, isto é, tornam-se bivocais” (BAKHTIN, 2015, p.223BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]).

Quanto à classificação do discurso bivocal, Bakhtin apresenta-nos ainda um esquema por meio do qual se distinguem os diferentes tipos de discurso bivocal: o de orientação única, de orientação vária e o de tipo ativo. Sobre o de orientação única, ele define-o como sendo aquele em que há a fusão das vozes do autor com a do outro, tal como acontece em alguns tipos de narração, de estilização e no discurso não objetificado das ideias do autor por exemplo. Já o discurso bivocal de orientação vária é caracterizado pela “[...] redução no grau de concretude e ativação da ideia do outro, a qual torna-se internamente dialógica e tende para a decomposição em dois discursos” (BAKHTIN, 2015, p.228BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]); neste tipo, além do diálogo entre as vozes ser mais perceptível do que no primeiro, a palavra alheia pode ser introduzida por diferentes acentos axiológicos, como desprezo, repulsa, chacota, sarcasmo etc.

No discurso bivocal de tipo ativo, por sua vez, o enfoque está voltado, mais do que para a palavra, para o diálogo com a voz alheia, por isso, nesse caso “O discurso do outro influencia de fora para dentro; são possíveis formas sumamente variadas de inter-relação com a palavra do outro e variados graus de sua influência deformante” (BAKHTIN, 2015, p.229 [1963]BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]), como é o caso da polêmica interna velada e da réplica do diálogo velado. A esse respeito, pela análise dos romances de Dostoiévski, Bakhtin destaca que, embora seja difícil, muitas vezes, delimitar em casos concretos de utilização da linguagem as fronteiras entre ambas, suas diferenças de significação são consideráveis e merecem ser destacadas.

A polêmica aberta “[...] está simplesmente orientada para o discurso refutável do outro, que é o seu objeto” (BAKHTIN, 2015, p.224BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]), ou seja, o autor utiliza-se da palavra do outro para contestá-la, questioná-la e refutá-la. Já a polêmica velada, segundo Bakhtin (2015, p.224)BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963], “[...] está orientada para um objeto habitual, nomeando-o, representando-o, enunciando-o, e só indiretamente ataca o discurso do outro, entrando em conflito com ele como que no próprio objeto”. Na polêmica velada, portanto, o discurso do outro não é está posto explicitamente, mas subentendido pelo discurso do autor; é o caso, por exemplo, dos variados tipos de ironia.

Bakhtin (2015, p.225)BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963] diz ainda que “Análoga à polêmica velada é a réplica de qualquer diálogo dotado de essência e profundidade”. Afinal, todas as palavras do diálogo, como vimos, costumam estar “[...] orientadas para o objeto e reagem ao mesmo tempo e intensamente à palavra do outro, correspondendo-lhe e antecipando-a. [...]. É como se esse discurso reunisse, absorvesse as réplicas do outro, reelaborando-as intensamente” (BAKHTIN 2015, p.225BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]).

Apesar do potencial dessas reflexões, cabe-nos destacar, porém, a ressalva de Bakhtin quanto à classificação mencionada. O autor alerta que, sem desconsiderarmos a importância dessa classificação, temos de compreender que a palavra concretamente enunciada pode apresentar diferentes variedades e tipos de discurso bivocal, posto que, na comunicação dialógica, ela mantém seu caráter dinâmico e vivo.

Os conceitos brevemente apresentados serão importantes para tratarmos das interações analisadas na sequência, considerando que, depois dos estudos de Bakhtin sobre a obra de Dostoiévski, aprendemos que “[...] a palavra não é mais suficiente a uma única voz, a uma consciência” (BACHTIN 1997, p.211BACHTIN, M. M. Problemi dell’opera di Dostoevskij. Introduzione, Traduzione e comento di Margherita De Michiel. Prezentazione di Augusto Ponzio. Bari: Edizioni dal Sud, 1997. [1929])4 4 Na tradução italiana: “[La parola] non è mai sufficiente a una sola voce, a una sola coscienza”. , já que toda a sua vida consiste “[...] no passagem de uma boca para outra, de um contexto para outro, de um coletivo social para outro, de uma geração para outra geração” (BACHTIN, 1997, p.211BACHTIN, M. M. Problemi dell’opera di Dostoevskij. Introduzione, Traduzione e comento di Margherita De Michiel. Prezentazione di Augusto Ponzio. Bari: Edizioni dal Sud, 1997. [1929])5 5 Na tradução italiana: “La vita della parola è nel passagio di bocca in bocca, da un contesto all’outro, da un colletivo sociale all’outro, da una generazione a un’altra generazione”. . Isso nos permite dizer, portanto, que, embora os pressupostos tecidos pelo autor estivessem voltados à análise dos romances de Dostoiévski, as relações dialógicas e o discurso bivocal são fenômenos constitutivos do(s) discurso(s), produzidos nas mais diversas esferas e situações da comunicação. É sobre esse processo de pluriacentuação, de multiplicidade de sentidos, vozes e valores instaurados discursivamente que nos deteremos neste trabalho.

2 Movimentos dialógicos da revisão textual: discurso bivocal na teia de sentidos

Os discursos presentes nesta reflexão são resultantes de interações ocorridas no ano de 2014 entre uma doutoranda e uma revisora durante a contratação da atividade de revisão textual e foram trocados entre ambas via e-mail e a partir de em um excerto do texto da tese que estava em processo de revisão. A autora da tese que solicita o trabalho tem graduação na área de licenciatura em Ciências, mestrado em Educação em Ciências e, na época, cursava o doutorado na mesma área do mestrado. Já a revisora tem graduação em Letras e mestrado em Linguística Aplicada. Nos discursos em foco, as interlocutoras dialogam, dentre outros tópicos, sobre a realização da atividade de trabalho que está sendo solicitada, seus procedimentos metodológicos e também discutem a reescrita de um parágrafo da tese.

Esse material, como veremos, nos possibilitará refletir acerca dos diferentes tipos de bivocalidade instaurados pelos enunciados trocados bem como examinar a quais vozes sociais os discursos de ambas se filiam, observando relações dialógicas que fazem emergir o (in)tenso processo dialógico em que a atividade de revisão de textos se insere e se desenvolve. Antes de passarmos à apresentação dos diálogos e à análise do material, explicamos também que os discursos selecionados apresentam pistas de um diálogo maior, constituído, no total, pela troca de 27 e-mails e por cinco arquivos de documento em versão word, os quais continham versões do texto durante o trabalho de revisão.

Para esta reflexão, no entanto, optamos pela seleção daqueles enunciados em que as participantes fazem menção mais direta ao trabalho realizado, ou seja, discutem a sua definição, seus modos de compreendê-lo, assim como revelam os estágios de desenvolvimento do texto. Esse recorte nos permite observar uma pluralidade de vozes a que se filiam os discursos das interlocutoras em seus dizeres e, em consequência, tratar dos tipos de bivocalidade instaurados em torno de suas distintas compreensões a respeito do fazer profissional do revisor de textos.

Dessa maneira, exibiremos a primeira troca enunciativa estabelecida entre a doutoranda e a revisora, na qual há a solicitação do trabalho, via correspondência eletrônica. Depois, mostraremos a resposta da revisora ao convite recebido e, na seção seguinte, apresentaremos um trecho da tese no decorrer do trabalho realizado pela profissional. Todas as trocas discursivas apresentadas estão seguidas por suas respectivas análises.

2.1 Axiologias e tensão em discurso: e-mails em foco

Solicitação da atividade

Olá [Revisora],

Me chamo [Nome], estou na fase final da escrita da minha tese e você me foi me foi muito bem recomendada para fazer a revisão do trabalho. Algumas partes da minha pesquisa são constituídas de artigos que já passaram pela revisão linguística realizada por [nome de outra revisora]. No entanto, eu desmembrei e misturei tudo (hehe). A tese terá no máximo 130 páginas, espaçamento 1,5 e letra arial tamanho 12. Tem várias tabelas, figuras e gráficos, mas acredito que a parte da revisão será necessário só uma olhadinha, porque, como falei, já foi revisado uma parte. Tenho ate o dia [x] para entregar a tese no Programa. Já no início da próxima semana terei dois capítulos [nome dos capítulos] para te repassar (70 páginas somando os dois). E na outra semana te entregaria o resto. Tens como fazer a revisão e me entregar até o dia [data]? Pode ser devolvido em partes como eu estarei te enviando. Sei que está muito apertado e não é a melhor maneira de fazer, mas sou brasileira!!! Fica tudo pra última hora. Tens como fazer a revisão linguistica? Diz que sim!!! Aguardo, [Autora].

Tal como nos mostrou Bakhtin (BAKHTIN, 2015, p.232BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]), “Um membro de um grupo falante nunca encontra previamente a palavra como uma palavra neutra da língua, isenta das aspirações e avaliações de outros ou despovoada das vozes dos outros”. Na análise do discurso que constitui este primeiro e-mail enviado pela doutoranda com a solicitação do trabalho de revisão, podemos vislumbrar uma pluralidade de vozes presentes no discurso da locutora que são engendradas em seu dizer com vistas a convencer a revisora à aceitação do trabalho proposto.

Nesse sentido, já no início do contato com sua interlocutora, a doutoranda coloca o seguinte enunciado: “você me foi me foi muito bem recomendada para fazer a revisão do trabalho”, ou seja, a partir da utilização do discurso bivocal de orientação única, ela funde sua voz com outras vozes sobre a profissional e busca, além de criar um tom amistoso entre elas, mostrar que a boa fama do trabalho da profissional pode servir também como um argumento para que esta conceda ao convite feito. Embora a locutora tenha ciência do problema quanto ao prazo para a realização do trabalho de revisão, há vozes retomadas em seu enunciado que reforçam o profissionalismo da revisora e que devem fazê-la compreender a situação em que a doutoranda se encontra, afinal, “ser muito bem recomendada” não é algo comum a qualquer profissional.

Podemos perceber que, nesse caso, o signo recomendada congrega vozes que não só refletem a indicação ao trabalho da profissional como refratam a legitimação da atividade desempenhada pela revisora, a qual, depois do elogio feito, poderá ser compreensiva e dar apoio ao pedido realizado, tal como é desejado pela locutora. Sabemos ainda que, por se tratar de uma atividade exercida na maior parte dos casos de maneira informal, a recomendação “boca a boca” é a melhor propaganda nessa profissão. Logo, ter clientes satisfeitos é essencial para a indicação de novos contratos de trabalho e é com essas vozes que a doutoranda dialoga na construção de seu projeto enunciativo.

Em outras palavras, a locutora possivelmente conhece as particularidades características do trabalho com revisão de textos, que conta com a recomendação como um de seus principais meios de divulgação, assim, ela se vale desse conhecimento na tentativa de persuasão da profissional para que esta concorde com o pedido realizado. Nesse intuito, observamos também a repetição da pergunta da locutora (inserida inclusive com a antecipação da resposta esperada por ela), repleta de pontos de exclamação que reforçam a solicitação e visam alcançar seu objetivo, como mostram os enunciados: “Tens como fazer a revisão e me entregar até o dia [data]?” e “Tens como fazer a revisão linguistica? Diz que sim!!!”.

Vislumbramos ainda a presença de discurso bivocal tanto de orientação única quanto de tipo ativo nos enunciados da doutoranda, por meio dos quais ela antecipa possíveis respostas de recusa da revisora, a partir da enumeração de prováveis obstáculos ao desenvolvimento da atividade. Nesse caso, ao retomar essas vozes, a locutora, faz um duplo movimento: primeiramente, concorda com elas, assimila-as e toma como se fossem suas – quando prevê possíveis respostas negativas da revisora à solicitação do trabalho – e, depois, ela reorganiza essas vozes, de modo a convencer a revisora a aceitar a oferta proposta.

Com esse objetivo, a locutora expõe quatro contra-argumentos que ratificam a simplicidade do trabalho e que, em consequência, devem conduzir a profissional a concordar com o convite. O primeiro deles se constitui pela aproximação com vozes sociais que têm uma compreensão simplista da atividade de revisão textual e que acreditam, portanto, que “[...] a parte da revisão será necessário só uma olhadinha” no texto para que o trabalho seja concluído.

O segundo busca a legitimação desse discurso por meio do fazer já realizado por outra revisora no texto: “Algumas partes da minha pesquisa são constituídas de artigos que já passaram pela revisão linguística realizada por [nome de outra revisora]”. Para a locutora, o fato de outra revisora já ter feito o trabalho em partes do texto deve auxiliar no desenvolvimento da tarefa e facilitar ainda mais a realização da atividade solicitada.

O terceiro contra-argumento é direcionado a possíveis respostas que poderão emergir na voz da revisora e é edificado em razão da extensão do texto, o qual, além de ser relativamente curto para uma tese, tem muitas imagens, o que também deve simplificar o trabalho, como nos revela a voz presente no enunciado: “A tese terá no máximo 130 páginas, espaçamento 1,5 e letra arial tamanho 12. Tem várias tabelas, figuras e gráficos [...]”. O quarto, por sua vez, diz respeito à questão da flexibilidade na constituição da dinâmica do trabalho: “Já no início da próxima semana terei dois capítulos [nome dos capítulos] para te repassar (70 páginas somando os dois). E na outra semana te entregaria o resto”; “Pode ser devolvido em partes como eu estarei te enviando”. Assim, apesar de dispor de um prazo apertado para a concretização da revisão em seu texto, a locutora traz para a sua voz discursos que buscam neutralizar a questão do tempo e ratificar a simplicidade do trabalho requerido.

A respeito dessa questão do tempo, vale observamos também o seguinte enunciado: “Sei que está muito apertado e não é a melhor maneira de fazer, mas sou brasileira!!! Fica tudo pra última hora”. Nele, vislumbramos características do discurso bivocal também presente, uma vez que as palavras da locutora estão direcionadas tanto à revisora quanto a ela própria, isto é, por meio de vozes advindas de um coletivo social que naturaliza o atraso no cumprimento de prazos e o aproxima de algo característico de todo brasileiro, a doutoranda busca efeitos de sentido que não apenas amenizem a solicitação de realização do trabalho em curto período, mas que também suavizem seu provável sentimento de culpa quanto ao tempo disposto, afinal, o atraso é ressignificado em seu discurso como um elemento constitutivo de sua brasilidade.

Na sequência, vislumbramos a resposta da revisora à solicitação da doutoranda, seguida da análise do material.

Resposta da revisora à solicitação do trabalho de revisão textual

Olá [Nome], tudo bem?

Na verdade, conforme disseste, o prazo realmente é bastante curto, mas eu compreendo a correria e imagino o sufoco desta etapa de entrega da Tese! Sendo assim, penso que podemos tentar, hehe. No entanto, antes de qualquer coisa, preciso te dizer como compreendo a revisão e justificar o porquê nunca se trata apenas de “só uma olhadinha”, hehe, afinal, mesmo parte do texto já sendo revisada, primeiramente, não sei como essa revisão ocorreu e, em segundo lugar, deves saber que, em forma de artigo, a tua escrita tinha uma identidade e, agora, em forma de tese, certamente terá outra. Preciso averiguar a organização geral do texto, ver se as partes estão coesas e coerentes, se estão devidamente amarradas etc. Isso, no entanto, demanda tempo, até porque eu faço esse trabalho, mas não modifico os textos, sem antes conversar com os autores dos trabalhos e dar sugestões de reescrita. Para mim, a revisão tem de ser um trabalho cooperativo, construído através do diálogo intenso entre autor e revisor. Por isso, [Nome], gosto de deixar clara a minha metodologia, pois acredito que esta é a melhor maneira de fazer revisão de textos. Quanto ao teu texto, penso que, embora seja bastante detalhista no trabalho, vou procurar colocar o mínimo de questões possível, a fim de que, quando retornares a leitura, ela possa ser mais dinâmica. O que achas? Meu preço por página é [preço]. Tudo bem? Aguardo teu contato. Beijos e muita força neste finalzinho [Revisora].

Ao estudar o trabalho de Dostoiévski, Bakhtin nos mostra que o discurso de suas personagens é pleno de vozes que carregam “[...] uma posição racional e valorativa do homem em relação a si mesmo e à realidade circundante” (BAKHTIN 2015, p.53BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]). Esse ensinamento é válido para pensarmos sobre toda troca discursiva concretizada e fica bastante evidente quando nos debruçamos na análise dos dizeres da doutoranda e da revisora em nosso exemplo, pois, como vemos, cada uma delas valora a atividade de revisão textual a partir de seus universos circundantes, ou seja, o discurso da doutoranda é todo voltado para o convencimento da profissional a concordar com seu convite. Para tanto, ela se vale de vozes que descomplexificam a atividade e destacam a praticidade do trabalho a ser desenvolvido pela revisora. Esta, por outro lado, apesar de aceitar o convite e de buscar compreender o lugar de fala da doutoranda, sobretudo relativo ao prazo (“[...] conforme disseste, o prazo realmente é bastante curto, mas eu compreendo a correria e imagino o sufoco desta etapa de entrega da Tese!”), organiza o seu discurso com vistas a delimitar sua compreensão da atividade, e chega inclusive a refutar determinadas vozes presentes no dizer de sua interlocutora, traçando com elas uma polêmica aberta, tal como discutiremos a seguir.

Essa polêmica aberta, instaurada pela orientação refutável do discurso do outro no dizer da revisora, pode ser observada pela retomada da voz da doutoranda, marcada linguisticamente pelas aspas disponíveis no seguinte enunciado da profissional “[...], antes de qualquer coisa, preciso te dizer que nunca se trata apenas de ‘só uma olhadinha’, hehe”. Tal discurso, colocado em relação dialógica com o dizer da doutoranda, revela-nos uma tensão discursiva instaurada principalmente pelas diferentes refrações que o signo ideológico olhadinha admite para cada uma das locutoras. Mesmo que a profissional busque amenizar esse embate, por meio da colocação de risos após a repetição do enunciado da doutoranda, ainda assim, o embate discursivo não deixa de estar posto e só nos é possível compreendê-lo se considerarmos a análise das relações dialógicas entre os enunciados.

A esse respeito, podemos dizer, então, que há uma polêmica instaurada no signo olhadinha, porque, na voz da autora da tese, considerando que o texto passou por outro revisor, basta uma passada rápida com os olhos (uma olhadinha) pela segunda profissional, para se certificar de que não há problemas de linguagem na sua escrita, e, assim, o texto poderá ser encaminhado à banca avaliadora para a defesa do trabalho. Diferentemente, na voz da revisora contatada, o signo olhadinha reflete uma concepção simplista de trabalho com a linguagem e refrata uma voz que parece diminuir a importância e a complexidade da atividade profissional que ela desempenha.

Opondo-se à voz que parece minimizar seu fazer, a profissional estabelece uma relação polêmica com a voz de sua interlocutora e organiza seu discurso com vistas a discorrer a respeito do que significa revisar, a partir de suas vivências, mencionando também o que demanda um trabalho com a revisão textual sob sua compreensão. Nesse sentido, compreendemos a quais vozes se filia o discurso da revisora, ou seja, àquelas que destacam a multiplicidade de fatores e até mesmo algumas das particularidades envoltas no trabalho com revisão de textos e que em nada se aproximam da voz mais simplificada da tarefa, tal como colocado pela doutoranda. Essas considerações podem ser vislumbradas no dizer da revisora à autora da tese:

No entanto, antes de qualquer coisa, preciso te dizer como compreendo a revisão e justificar o porquê nunca se trata apenas de ‘só uma olhadinha’, hehe, afinal, mesmo parte do texto já sendo revisada, primeiramente, não sei como essa revisão ocorreu e, em segundo lugar, deves saber que, em forma de artigo, a tua escrita tinha uma identidade e, agora, em forma de tese, certamente terá outra. Preciso averiguar a organização geral do texto, ver se as partes estão coesas e coerentes, se estão devidamente amarradas etc.” (Revisora).

Ademais, como sabemos, nenhum discurso é neutro e ocorre independentemente de um projeto de dizer maior, ao qual estão relacionados os objetivos dos locutores. Nesse caso, ao organizar seu dizer, podemos perceber também que a revisora não só se dirige à sua interlocutora, para responder-lhe, bem como dialoga com já ditos que circulam socialmente e que se aproximam dessa compreensão mais mecânica e até mesmo reducionista do trabalho de revisão textual. E, apesar de buscar um tom mais ameno na construção da polêmica aberta que se instaura entre a voz de ambas – por meio da expressão que se refere a sorrisos, logo após a retomada do discurso da doutoranda (hehe) – ainda assim, a revisora não deixa de demarcar o seu posicionamento sobre o trabalho desde o início de sua conversa. A própria utilização de “[...] antes de qualquer coisa [...]” no começo do e-mail ratifica a importância dessas colocações, ou seja, apenas depois de explicar em primeiro lugar a quais vozes filia-se a sua posição enunciativa, é que, ao final da sua fala, ela chama a interlocutora a se posicionar com relação às afirmações desenvolvidas: “O que achas? Meu preço por página é [preço]. Tudo bem? Aguardo teu contato”.

No caso analisado, podemos observar ainda nas vozes tanto da doutoranda quanto da revisora os objetivos de seus enunciados, os quais, como mostramos, embora sejam diferentes, também são complementares. Da parte da autora, temos, portanto, um projeto de dizer que se constrói no intuito de convencer a profissional a fazer a revisão em seu texto, a partir da argumentação de que, apesar do pouco tempo, não será algo complexo e demorado; da parte da revisora temos um esforço para destacar uma voz voltada ao convencimento de uma perspectiva particular de trabalho com a linguagem e de fazer com que a doutoranda compreenda a atividade de trabalho com revisão textual como dotada de certa complexidade e que exige do trabalhador um relativo intervalo de tempo.

Na verdade, quanto à importância do tempo, cabe-nos discuti-la para mostrar que essa questão é bastante complexa e também está no âmago da atividade desenvolvida. De um lado, no mundo acadêmico conhecemos a importância do cumprimento dos prazos, principalmente nas entregas e defesas de trabalhos de conclusão, como é o caso de uma tese, assim, o tempo é um dos principais componentes dessa fase e, nesse exemplo, um dos maiores problemas da doutoranda em foco. De outro lado, na voz da profissional, a revisão textual é colocada como uma atividade que toma a linguagem e o texto como processos, não apenas como produto, e, nesse aspecto, o tempo é um elemento essencial, pois a revisora destaca que precisa de tempo para dialogar com a autora da tese e para que a escrita possa ir se constituindo no intercâmbio discursivo entre elas.

Contudo, é importante lembrarmos que também somos, como Bakhtin demonstrou na análise das personagens das obras de Dostoiévski, seres de consciências plurais que estão em eterna e constante relação de inconclusibilidade. Essa falta de fechamento ou, melhor dizendo, a não unicidade do ser pode ser percebida nas vozes das duas protagonistas do diálogo que ora analisamos. Percebemos que a doutoranda sabe que está com o prazo excedido, mas, ainda assim, deseja que seu texto passe por uma revisão antes da finalização e entrega final; do mesmo modo, a revisora, embora se oponha às considerações da doutoranda quanto ao que significa revisar, também não deseja perder a oportunidade de trabalho emergente. É justamente nesse meio tenso dialógico de sentidos que a interação entre as duas transcorre e que a profissional aceita a proposta de trabalho feita pela doutoranda.

Na seção a seguir temos acesso ao desenvolvimento da atividade realizada, a partir de um pequeno excerto da tese durante o processo de revisão.

2.2 Excertos discursivos de uma tese revisada em análise: palavra minha e palavra alheia na teia dos sentidos

A fim de facilitar a visualização da interação entre a revisora e a doutoranda no decorrer da escrita de um pequeno excerto da tese em processo de revisão, elaboramos a tabela disponível a seguir, na qual inserimos as seguintes etapas: na primeira coluna, estão dois parágrafos do texto tal como chegaram à revisora, ou seja, em sua primeira versão escrita pela doutoranda; na segunda coluna, temos os comentários elaborados pela profissional em cada um dos parágrafos (o primeiro numerado 1; e o segundo, 2) junto às sugestões de reescritas e modificações no texto, assinaladas em vermelho; na terceira coluna, por fim, temos a resposta da doutoranda aos comentários da revisora.

Após a tabela, está a análise dos diálogos desenvolvidos nesse contexto.

Tabela 1
Excerto do texto em processo de revisão textual. Fonte: A autora.

Estão assinaladas em vermelho no excerto analisado as alterações realizadas pela revisora, que foram aceitas pela doutoranda e compõem o texto na versão final, o que deixa inclusive o primeiro parágrafo significativamente maior (passando de 88 para 122 palavras) e as ideias da autora mais bem desenvolvidas do que quando foi escrito a primeira vez só pela autora da tese. As intervenções da profissional permitem-nos contemplar o discurso bivocal de orientação única que organiza a produção final da escrita, considerando o imbricamento entre a palavra da revisora com a da doutoranda, percebido não só pelo aumento na extensão da escrita do texto, mas também pela assimilação quase total das sugestões de reescritas da profissional que compõem o texto da doutoranda, ou seja, há a incorporação da voz da revisora na escrita do trabalho final.

Ademais, na interação desenvolvida, ao observarmos a maneira como a revisora inicia o diálogo com a doutoranda, percebemos que ela organiza seu discurso por meio de um elogio à originalidade da autora por iniciar a descrição da metodologia do trabalho com uma reflexão:

[Nome], adorei a tua ideia de começar a escrita da metodologia por um texto reflexivo. Muito bacana mesmo! Apenas penso que faltou contextualizar um pouquinho mais essa ideia, para não causar um estranhamento ou uma quebra de expectativa em teu leitor. Por isso, sugiro-te a seguinte opção de reescrita [...] (Revisora).

Esse modo amistoso de abordar a interlocutora com um elogio, antes de apontar que há lacunas no texto que podem prejudicar a compreensão do leitor e até mesmo antes de sugerir reescrita(s), é uma estratégia discursiva da profissional para atingir seu objetivo (desenvolver o seu trabalho em parceria com a autora da tese) e influenciar no tipo de relação que será estabelecida entre as protagonistas do diálogo.

Assim, ao invés de reescrever o texto ou de concentrar seus comentários apenas nos aspectos que devem ser revistos pela autora da pesquisa de acordo com a revisora, a profissional destaca pontos positivos do trabalho, o que cria um efeito discursivo (principalmente pelo signo ideológico pouquinho) que ameniza o olhar para as lacunas do texto e escolhe enfatizar a originalidade da doutoranda por iniciar a escrita de maneira particular. Em consequência, é também no mesmo tom amigável e gentil que a autora do texto responde às observações e dá prosseguimento à interação entre as duas, como mostra o enunciado: “Querida, ficou ótima a tua proposta, podemos deixar igual sugerisse” (Doutoranda). Ademais, a utilização do signo “podemos” pela doutoranda, nesse enunciado, exemplifica também a bivocalidade constitutiva do trabalho realizado, ou seja, um texto final que é escrito em conjunto, que pressupõe um nós responsável pelo desenvolvimento de uma escrita que é compartilhada e dialogada.

Além disso, é importante salientarmos também que se trata de uma atividade profissional que é realizada mediante a contratação de um serviço, o qual pressupõe, além do contrato desenvolvido, um pagamento pelo trabalho que é feito. Considerando esse contexto, a revisora poderia também lançar mão do elogio como um artifício mercadológico para manter sua cliente, ou seja, o tom amistoso pode ser parte do jogo comercial envolvido no trabalho da revisora, a fim de que ela consiga não só manter a atividade bem como realizá-la de modo afável.

Ademais, a produção do texto em cooperação entre a autora e a revisora revela que esse processo de escrita dialogada, embora apresente discordâncias (próprias do movimento dialógico de elaboração e circulação dos discursos), não cria um conflito na relação desenvolvida, tal como mostram os enunciados: “Sugiro-te também rever este ‘explicar a explicação’, pois é tão redundante, não? Que tal se disséssemos de outra maneira?” (Revisora) e “A parte do explicar a explicação não é redundante, é parte do meu referencial teórico, algo filosófico e profundo, hehehe” (Doutoranda). Conforme podemos perceber, a marcação linguística que indica risos ao final da resposta da autora da tese ao enunciado da profissional cria um efeito que suaviza o debate e, em consequência, a recusa à sugestão da revisora. Ainda que a autora afirme que o que parece redundante e sem relevância aos olhos da revisora é, na verdade, algo singular, resultado de um aprofundamento teórico-filosófico específico da sua área de pesquisa; e ela o diz por meio de um tom bastante sutil e agradável, criando um efeito de sentido com tonalidades de humor.

A entonação amistosa por meio da qual se desenvolve a discussão do texto entre as duas protagonistas cria o coral de apoio necessário para que o trabalho ocorra de modo bastante fluido entre esses dois sujeitos, que se sentem à vontade para fazer suas colocações e discutir melhores formas de finalização da tese analisada. Esse tom amigável também auxilia no processo de trabalho do revisor, o qual se coloca de modo exotópico na posição de mero “corretor/avaliador” do texto e busca se “conectar” de forma empática com a escrita alheia. Essas reflexões ratificam a importância da entonação ao discurso, a qual, muitas vezes, é responsável pela natureza das relações entre os interlocutores, o que tem grande influência na maneira como o diálogo e, em consequência, o trabalho irá se desenvolver.

Na análise do excerto em foco, mesmo que a revisora não tenha todas as suas sugestões acatadas pela autora da tese, isso não desmerece o seu trabalho ou minimiza a sua participação na escrita do texto final. Ademais, a maneira como as duas constroem seus discursos – seja para solicitar alterações, no caso da revisora, seja para recusá-las, no caso da autora – é alicerçada em acentos emotivo-volitivos, que ressaltam a cumplicidade e o respeito que ambas têm pelo trabalho. No exemplo em análise, percebemos que esse equilíbrio entre sugestões e alterações na escrita do texto final parece muito bem administrado pela revisora e bem avaliado pela doutoranda, que encerra o diálogo em foco com uma análise positiva do trabalho, conforme reflete o enunciado: “Tá ficando muitooooo bom, obrigada!” (Doutoranda).

Apesar de curtas, as considerações feitas entre as interlocutoras no recorte do texto analisado revelam-nos importantes aspectos característicos do trabalho de um revisor de textos, como a natureza das relações emergentes no e do trabalho bem como o papel que esse profissional desempenha na elaboração do texto final da autora.

Considerações finais

Neste artigo, examinamos a atividade de trabalho de revisão textual a partir da análise de diálogos entre uma doutoranda e a profissional da revisão de textos por ela contratada para o trabalho em sua tese. A análise das trocas discursivas estabelecidas foi contemplada a partir de uma filiação bakhtiniana de estudo da linguagem com ênfase nos conceitos de relações dialógicas e discurso bivocal.

Ao considerarmos as relações dialógicas advindas das interações em foco, observamos que, apesar da tensão discursiva instaurada entre as vozes da profissional e da doutoranda quanto ao que significa para cada uma o trabalho de revisão textual, elas refletiram um fazer que se desenvolve essencialmente em conjunto. Isso nos traz subsídios para afirmar que a revisão não pode ser compreendida apenas a partir da realização de um trabalho técnico, isto é, centrada somente nos saberes linguísticos e gramaticais do revisor. Revisar, como demonstramos, requer contínua interação discursiva entre o profissional da linguagem e o contratante do trabalho, sendo a natureza das relações estabelecidas entre eles outro importante elemento para a concretização da tarefa.

Além disso, os discursos analisados revelaram aspectos da complexidade do trabalho do revisor de textos que nos possibilitam melhor compreendê-lo. Dentre eles está o fato de que a revisora, além de realizar sua atividade com o texto, necessita muitas vezes também comprovar aos clientes, por meio de argumentos, que seu fazer abrange mais do que somente “corrigir" alguma questão que possa estar inadequada na escrita. Tal como vimos, a revisora em foco teve de desconstruir vozes que desqualificam socialmente o seu fazer – compreendendo-o apenas como uma olhadinha no texto – e demonstrou que participa ativa e responsivamente do processo de tessitura das ideias da autora. O meio (in)tenso de sentidos em que o fazer ocorre revela a heterogeneidade de elementos envoltos nessa profissão e nos permite melhor compreendê-la, sobretudo quando analisada, como o fizemos, no decorrer de seu processo, isto é, via a troca de e-mails entre cliente e profissional assim como por meio de excertos de textos no desenvolvimento da revisão.

Pelo (des)encontro de vozes instaurado, percebemos também diferentes valores sociais no discurso das locutoras que nos mostram, ainda que de modo velado, a maneira dialógica como o texto acadêmico que passa pelo processo de revisão se constitui. Neste estudo, ao tratarmos do processo de bivocalização da palavra do outro na versão final da tese revisada, apontamos que o texto revisado reflete uma escrita compartilhada entre autor e revisor.

Nesse sentido, indicamos a validade de um entendimento de texto e escrita como algo que não se encerra em si mesmo, mas que se dá em meio a múltiplas possibilidades de diálogos, (re)leituras e (re)escrituras. Processo este no qual o fazer profissional de um revisor de textos tem significativa contribuição, apesar de se situar em uma zona de entremeio que tem como polos opostos o protagonismo que exerce na (re)organização do texto revisado – tal como ele será entregue/apresentado – e o silenciamento que lhe é constitutivo, considerando que não há nos gêneros acadêmicos espaços de reconhecimento/comprovação do trabalho realizado.

Agradecimentos

Agradeço aos Membros do Grupo de Pesquisa Diálogo (CNPq/FFLCH/USP) e aos pareceristas da Revista Bakhtiniana a leitura atenta e as valiosas contribuições na (re)elaboração e finalização deste texto.

Notes

  • 1
    Nosso trabalho de mestrado: Uma análise dialógica da atividade de revisão em EaD foi orientado pelo professor Adail Sobral e defendido no ano de 2012 no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Nossa pesquisa de doutorado, intitulada Uma voz apagada? Análise da atividade de revisão de textos acadêmicos sob as perspectivas bakhtiniana e ergológica, foi orientada pela professora Maria da Glória Corrêa di Fanti e defendida em 2017 no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS.
  • 2
    Na tradução italiana: “[...] la parola qui ha um duplice orientamento, sia verso l’oggetto del discorso, come la parola comune, sia verso un’altra parola, il discorso altrui”. As citações de Problemas da Obra de Dostoiévski (1929) presentes no artigo foram retiradas da versão em língua italiana (presente nas referências) e traduzidas livremente pela autora do trabalho.
  • 3
    Na tradução italiana: “[...] dove l’interlocutore molto spesso ripete letteralmente l’affermazione dell’altro interlocutore, deponendo in essa una nuova intezione e dandole um suo proprio accento: con espressione di dubbio, di sdegno, di ironia, di irrisione, di scherno, etc”.
  • 4
    Na tradução italiana: “[La parola] non è mai sufficiente a una sola voce, a una sola coscienza”.
  • 5
    Na tradução italiana: “La vita della parola è nel passagio di bocca in bocca, da un contesto all’outro, da un colletivo sociale all’outro, da una generazione a un’altra generazione”.

REFERÊNCIAS

  • BACHTIN, M. M. Problemi dell’opera di Dostoevskij Introduzione, Traduzione e comento di Margherita De Michiel. Prezentazione di Augusto Ponzio. Bari: Edizioni dal Sud, 1997. [1929]
  • BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski Tradução direta do russo, notas e posfácio de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. [1963]
  • BAKHTIN, M. M. Problems of Dostoevsky’s Poetics Edited and Translated by Caryl Emerson. Introduction by Wayne C. Booth. Minneapolis/London: University of Minnesota Press, 1984.
  • BARBOSA, V. F. Uma análise dialógica da atividade de revisão linguística em EaD Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2012.
  • BARBOSA, V. F. Uma voz apagada? Análise da atividade de revisão de textos acadêmicos sob as perspectivas bakhtiniana e ergológica. Tese (Doutorado em Linguística) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.
  • BARBOSA, V. F. “É só uma olhadinha?”: o fazer do revisor de textos acadêmicos em perspectiva dialógica e ergológica. In: RIBEIRO, K. R; SCHWAB, S; MARTINS, A. A. (Orgs.). Estudos bakhtinianos em diálogo: diferentes perspectivas. Campinas: Pontes Editores, 2018. p.115-134.
  • BARBOSA, V. F.; DI FANTI, M. G. C. A (in)visibilidade da atividade de revisão de textos acadêmicos: um outro na teia dos sentidos. Letrônica, v. 11, p.s35-s53, 2018.
  • BEZERRA, P. Prefácio: Uma obra à prova de seu tempo. In: BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski Tradução, notas e prefácio de Paulo Bezerra. 5. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p.V-XXII. [1963]
  • BRAIT, B. Problemas da Poética de Dostoiévski e estudos da linguagem. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e polifonia São Paulo: Contexto 1.ed. 3. reimpressão, 2015. p.45-72.
  • FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009.
  • SOBRAL, A.; BARBOSA, V. F.; Sobre tipos de revisão textual e suas redes enunciativas: uma proposta bakhtiniana. In: RODRIGUES, D. L. D. I. (Org.). No ritmo do texto: questões contemporâneas de preparação, edição e revisão textual. Divinópolis: Artigo A, 2019, v. 1, p.15-40.

Apêndice.

Tabela 1

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2020
  • Aceito
    29 Mar 2021
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