Acessibilidade / Reportar erro

Correlacionando textos em diferentes perspectivas teóricas

Cada palavra (cada signo) do texto leva para além dos seus limites. Toda interpretação é o correlacionamento de dado texto com outros textos.

Mikhail Bakhtin

Com muita satisfação, anunciamos que, com este número 13 (1), Bakhtiniana chega a seu décimo ano de existência. Criada em 2008 pelo Grupo de Pesquisa /CNPq Linguagem, Identidade e Memória, no âmbito do Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem /LAEL-PUCSP, com o objetivo de promover e divulgar pesquisas produzidas no campo dos estudos do discurso, apresenta um crescimento constante de leitores/autores, nacionais e internacionais, sempre aliado ao reconhecimento acadêmico, também nacional e internacional. Tem se mantido entre os principais periódicos de qualidade brasileiros, com visibilidade internacional. Ainda que isso seja motivo de orgulho para os editores, é fundamental reconhecermos que não há discurso separado de sua situação, da relação com o ouvinte e das situações que os vinculam (BAKHTIN, 2006BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.261-306., p.334). Por isso, autores, leitores, editores, conselho editorial e de língua estrangeira, pareceristas, tradutores, instituições apoiadoras e indexadores, somos todos responsáveis por sua realização responsivo-ativamente competente (cf. BAKHTIN, 2006BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.261-306., p.298, entre outros).

E, se cada palavra do texto leva para além de seus limites, os estudos apresentados neste volume correlacionam textos a partir de diferentes perspectivas teóricas, configurando um número razoavelmente heterogêneo - ainda que haja certa predominância da perspectiva bakhtiniana -, também em termos dos enunciados concretos em análise. Assim, ao lado da ADD, vamos encontrar a ADF, a retórica e a teoria literária, fundamentando estudos sobre a literatura, a educação e ainda o discurso jurídico.

Iniciemos a apresentação pelos estudos que tomam por objeto a literatura. João Anzanello Carrascoza (Escola Superior de Propaganda e Marketing-SP, SP), reconhecido escritor brasileiro contemporâneo, lança novo olhar sobre a poesia de Manoel de Barros, em O consumo, o estilo e o precário na poesia de Manoel de Barros. Investiga a relevância de sua estratégia discursiva, em especial a sua ênfase nas coisas e seres “precários”, a partir das relações de seu universo poético com o fenômeno do consumo. Para isso, mobiliza conceitos da teoria literária, da interface comunicação e consumo e preceitos de Análise de Discurso de linha francesa. O peruano Camilo Rubén Fernández-Cozman (Universidad de Lima, Lima, Perú), analisa Os estilos de pensamento em Os heraldos negros, de César Vallejo. Sua fundamentação teórica é tanto a Retórica Geral Textual como a tipologia estilística proposta por Giovanni Bottiroli, utilizadas na análise das figuras que expressam o pensamento do poeta. No artigo A vanguarda florentina de Lacerba e Portugal Futurista: afinidades e divergências, Barbara Gori (Università de Pádua, Itália) coloca em diálogo elementos do futurismo florentino italiano da revista Lacerba com o manifesto propagandista mais completo do futurismo em Portugal, a revista Portugal Futurista, por meio da retomada de elementos da história literária de ambos os países.

O próximo agrupamento de artigos é constituído por aqueles que se aproximam das questões de educação, tema que, especialmente no Brasil, tem atraído muitos pesquisadores que se apoiam na fundamentação teórico-metodológica bakhtiniana. No artigo Trabalho docente em cursos livres de idiomas: discurso direto e a voz da hierarquia, Luciana Maria Almeida de Freitas (Universidade Federal Fluminense - UFF, Niterói, Rio de Janeiro) e Carlos Fabiano de Souza (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense - IFF, Cabo Frio, Rio de Janeiro, Brasil) trazem uma análise das falas de docentes de cursos livres de idiomas, em particular, sobre o processo de seleção e treinamento de professores, destacando as fronteiras com relação à voz da hierarquia e a percepção autoritária da palavra alheia. Em Produção discursiva de espaços-tempos em relatos de professores: sentidos reorientadores de formação, novamente, observamos a análise de relatos de professores, mas agora, relatos escritos por professores em formação. Nilsa Brito Ribeiro (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA, Marabá, Pará, Brasil) mostra ao leitor as trajetórias de vida desses sujeitos e como se atualizam em seus discursos por meio de coordenadas espaço-temporais que constroem sua posição no mundo. O último artigo ligado à educação é redigido por Vanessa França Simas (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil; Universidade de Granada - UGR, Granada, Granada, Espanha), Guilherme do Val Toledo Prado (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil) e Jesús Domingo (Universidade de Granada - UGR, Granada, Granada, Espanha). Trata-se de Dimensões de consciência possíveis na pesquisa e na escrita narrativa sobre si - uma perspectiva bakhtiniana, texto que problematiza a escrita narrativa e a pesquisa narrativa como meios potentes para tomadas de consciência e para o autodesenvolvimento profissional, apresentando a maneira por meio da qual uma pesquisadora investigou a própria prática, questionando-se como se constituíra professora no início da docência.

Finalmente, em Ethos e pathos no discurso do Ministro-Relator do Supremo Tribunal Federal, Maria Helena Cruz Pistori (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP; São Paulo/SP; Brasil. Editora Associada de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso) analisa dialógica e retoricamente aspectos do voto do Ministro-Relator que instruiu a votação da Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI 3510). O artigo mostra como o voto reflete e refrata a polêmica social em torno da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias, e como a imagem de si, construída discursivamente - o ethos, ao lado das paixões suscitadas no auditório - o pathos, servem à persuasão do auditório, mas não atingem o consenso, nem no STF nem na sociedade. Fiel à missão de divulgar obras e pesquisas importantes na área do discurso, o periódico termina com a resenha de Júlia Salvador Argenta (Universidade de Brasília - UnB, Brasília, Distrito Federal, Brasil), sobre a obra de Magalhães, Martins e Resende, intitulada Análise de Discurso Crítica: um método de pesquisa qualitativa.

Como podemos ver, são muitos os pesquisadores e instituições representados no número, tanto brasileiros (ESPM-SP, PUC-SP, UNICAMP, UFF, IFF-Cabo Frio, UNIFESSPA-Marabá, Pará) como estrangeiros (Universidad de Lima, Perú, Università de Pádua, Itália, Universidade de Granada, Espanha). Cabe ainda lembrar que, no difícil momento vivido pelo país, além do empenho de todas as pessoas, seria impossível chegar à publicação do número sem o auxílio do MCTI/CNPq/MEC/CAPES e da PUC-SP, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq) / Publicação de Periódicos (PubPer-PUCSP) - 2017, a quem agradecemos imensamente. Mais uma vez, uma alta quantidade de submissões, assim como sua rigorosa seleção, permitiu chegar a um excelente conjunto, como o leitor poderá constatar. Nesse momento de início da maturidade de nosso periódico, reiteramos nossos compromissos com a pesquisa, nacional e internacional, ligada aos estudos da linguagem e suas relações com a ética, a estética, a cultura e o humano.

Beth Brait*
Maria Helena Cruz Pistori**
Bruna Lopes-Dugnani***
Orison Marden Bandeira de Melo Júnior****

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.261-306.
  • _______.O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.307-336.
  • _______. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.393-410.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com