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Racismo e a constituição de um signo ideológico de resistência

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de compreender a disseminação e a consolidação de um signo ideológico de resistência, a partir da análise de um enunciado verbo-visual, uma fotorreportagem publicada no jornal português Expresso. A matéria, por meio de uma série de fotografias e um breve texto, mostra uma manifestação ocorrida em Lisboa, em junho de 2020, contrária ao assassinato de George Floyd por policiais nos EUA. A Análise Dialógica do Discurso, advinda da obra de Mikhail Bakhtin e o Círculo, fundamenta teórica e metodologicamente o trabalho, mobilizando especialmente as noções de signo ideológico e relações dialógicas. A partir de uma das fotos, referida no título da reportagem, a análise levantou sentidos produzidos nos diversos diálogos axiológicos que ocorreram entre enunciados espacial e temporalmente distintos, com a utilização de palavras, imagens e gestos compartilhados por ocasião das manifestações de protesto. As cadeias dialógicas de enunciados mostram como se constitui um discurso de resistência ao racismo e outras desigualdades sociais, expresso em um signo ideológico.

PALAVRAS-CHAVE:
Black Lives Matter ; Bakhtin e o Círculo; Relações dialógicas; Valores; Signo ideológico

ABSTRACT

This article aims to understand the dissemination and consolidation of an ideological sign of resistance, starting with the analysis of a verbal-visual utterance, a photo reportage published in the Portuguese newspaper Expresso. That reportage, through a series of photographs and a brief text, shows a demonstration in Lisbon, in June 2020, against the murder of George Floyd, by police officers, in the USA. The Dialogical Discourse Analysis, grounded in the work of Mikhail Bakhtin and the Circle, is the theoretical and methodological basis for this article, which mobilizes the notions of ideological sign and dialogic relations. Starting with one of the photos referred to in the title of the reportage, the analysis raised meanings produced in the various axiological dialogues among spatially and temporally distinct statements, using words, images, and gestures shared during the protest demonstrations. The dialogic chains of statements show how a discourse of resistance to racism and other social inequalities is constituted, and expressed in an ideological sign.

KEYWORDS:
Black Lives Matter; Bakhtin and the Circle; Dialogical Relations; Values; Ideological Sign

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Em relação ao homem, o amor, a compaixão, o enternecimento e quaisquer outras emoções sempre são dialógicas nesse ou naquele grau.

Mikhail Bakhtin

O racismo é uma realidade social: no Brasil, em Portugal – sede do jornal que produziu a fotorreportagem a ser analisada neste artigo –, no mundo. Supõe sujeitos em polos diferentes numa relação de poder e de dominação, mas também de resistência e enfrentamento. Em outras palavras:

(...) é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019., p.25).

Independente do modo como é definido, pois há um debate acirrado em torno da questão, a violência reiterada e as tremendas injustiças que acarreta são inquestionáveis1 1 Em janeiro deste ano (2022), a Folha de S. Paulo deu espaço a um debate sobre racismo/racismo estrutural a partir do texto “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, escrito pelo romancista e antropólogo Antonio Risério. Entre outros artigos, cf. entrevista de Samuel Santana Vida republicada no Portal Gelèdes (cf. Galf, 2021). . Ainda que, de modo geral, seja razoavelmente percebido pelos brasileiros, suas consequências profundas costumam lhes escapar. Oliveira e Resende (2020, p.149-171)OLIVEIRA, D.; RESENDE, V. M. Branquitude, discurso e representação de mulheres negras no ambiente acadêmico da UFBA. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 15, n. 4, p.140-171. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/47682/33369 . Acesso em: 20 ago. 2022.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
nos oferecem importantes reflexões sobre o tema num trabalho realizado a partir de questionários abertos e grupo focal com estudantes de graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), isto é, num estado em que mais de 75% da população é negra. O trabalho investigou a percepção do racismo brasileiro por discentes autodeclarados/as brancos/as daquela universidade. A pesquisa é restrita a um grupo, mas algumas questões nela nos chamam a atenção: em primeiro lugar, o amplo reconhecimento da existência do racismo pelos discentes autodeclarados brancos; em segundo, o fato de que a reflexão (ou a quase ausência de reflexão) desses alunos sobre o tema é, de modo geral, socialmente estereotipada, o que pode fundamentar práticas e/ou discursos racistas; em terceiro lugar, o pouco interesse na discussão do tema, levando as autoras a afirmar: “Fica-se com a impressão de que as pessoas brancas não estão interessadas em ouvir o que as pessoas negras têm a dizer sobre racismo” (OLIVEIRA; RESENDE, 2020OLIVEIRA, D.; RESENDE, V. M. Branquitude, discurso e representação de mulheres negras no ambiente acadêmico da UFBA. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 15, n. 4, p.140-171. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/47682/33369 . Acesso em: 20 ago. 2022.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
, p.162).

Alguns acontecimentos, porém, rompem com este suposto torpor em relação ao tema, com destaque para a violência policial contra o negro. Fato tristemente comum, pode gerar protestos e tornar-se um mote para o debate a respeito da questão. Essa violência, no Brasil, registrada no Mapa da Violência desde 1998 a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, mostrava, em 2021, que negros têm mais do que o dobro de chance de serem assassinados no país; tal grupo representava 78% das vítimas de homicídio (PORTO, 2021PORTO, D. Negros representam 78% das pessoas mortas por armas de fogo no Brasil. CNN, São Paulo, 20 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/negros-representam-78-das-pessoas-mortas-por-armas-de-fogo-no-brasil/. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/ne...
). Recentes crimes contra negros, vítimas de violência, pobreza e exclusão, seguem acontecendo dia após dia, no Brasil e no mundo. São noticiados, mas a perplexidade diante deles muitas vezes também dá espaço à indiferença.

Em Portugal, no final de dezembro de 2021, peritos em direitos humanos da ONU denunciaram que os afrodescendentes sofrem racismo sistêmico naquele país (cf. Redação. Veja , 2021REDAÇÃO. ONU denuncia racismo sistêmico em Portugal. Veja, 14 de dezembro de 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/onu-denuncia-racismo-sistemico-em-portugal/. Acesso em: 20 jun. 2020.
https://veja.abril.com.br/mundo/onu-denu...
). O relatório mostrou que, em boa parte, isso acontece porque a sociedade portuguesa ainda está atrelada a seu passado colonial. A escravatura, o comércio e o tráfico de africanos mal os reconhecem numa “visão alargada da identidade portuguesa”, afirma Dominique Day, diretora do Grupo de Trabalho de Peritos da ONU sobre Afrodescendentes na mesma matéria assinada pela Redação. O texto faz ainda referência a grandes protestos antirracistas ocorridos em Portugal em 2020, como aquele que motivou a fotorreportagem: Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa, publicada em 06 de junho de 2020, às 22h48, no jornal português Expresso (FERNANDES, 2020FERNANDES, J. Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa. Expresso, 06 de junho de 2020. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06-Bracos-negros-entrelacados-com-bracos-brancos.-As-imagens-da-manifestacao-em-Lisboa. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06...
), apresentada adiante. Quanto à violência policial, um dos aspectos mais agressivos da manifestação do racismo em todo mundo, Mamadou Ba, ativista luso-senegalês, afirma: “Quando olhamos para a violência policial, percebemos que há a síndrome da farda, porque a maioria das agressões físicas contra pessoas negras, em Portugal, são cometidas por pessoas fardadas, sejam elas policiais ou seguranças de empresas particulares” (apud COUTINHO, 2022COUTINHO, R. Mamadou Ba: ‘Portugal é um país estruturalmente racista’. Carta Capital, 22 de outubruo de 2021. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/mamadou-ba-portugal-e-um-pais-estruturalmente-racista/. Acesso em: 20 jun. 2022.
https://www.cartacapital.com.br/mundo/ma...
).

O movimento Black Lives Matter [Vidas negras importam/contam] surgiu nos Estados Unidos em 2013, organizado por ativistas norte-americanas, e foi concebido como uma luta de todos contra o racismo2 2 As fundadoras do movimento foram Alicia Garza, da Aliança Nacional de Trabalhadoras Doméstica; Patrisse Cullors, da Coalizão contra a Violência Policial em Los Angeles; e Opal Tometi, da Aliança Negra pela Imigração Justa. . Segundo Silvana Inácio, jornalista brasileira e criadora do podcast Zumbido – podcast quinzenal sobre o universo negro, o “Black Lives Matter deu visibilidade, mas a nossa luta é muito mais antiga, pela existência como seres humanos, pelo direito de viver e sair na rua sem ser alvejado” (apud ARRUDA, 2020ARRUDA, J. Black Lives Matter: entenda movimento por trás da hashtag que mobiliza atos. Universa Uol. 03-06-2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/03/black-lives-matter-conheca-o-movimento-fundado-por-tres-mulheres.htm. Acesso em: 7 mai. 2022.
https://www.uol.com.br/universa/noticias...
).. Em 25 de maio de 2020, o assassinato de George Floyd por um policial em Mineápolis, Estados Unidos (homicídio causado por asfixia), foi o estopim de novas ondas de protesto contra o racismo em todo o mundo, convocadas pelo movimento ou evocando-o.

A luta contra o racismo é essencial, indubitavelmente. Por isso, julgamos importante a retomada daquele momento, em que a indignação e os protestos ganharam as ruas do mundo inteiro, na análise da fotorreportagem publicada no jornal português Expresso logo após aquele assassinato, em junho de 2020, a partir da foto que dá título ao texto. Medviédev (2019, p.48-49; grifos nossos) nos ensina que

[a]s concepções de mundo, as crenças e mesmo os instáveis estados de espírito ideológicos também não existem no interior, nas cabeças, nas “almas” das pessoas. Eles tornam-se realidade ideológica somente quando realizados nas palavras, nas ações, na roupa, nas maneiras, nas organizações das pessoas e dos objetos, em uma palavra, em algum material em forma de um signo determinado . Por meio desse material , eles tornam-se parte da realidade que circunda o homem.

Ao se referir às palavras, ações, roupa, maneiras, organizações das pessoas e objetos, a algum material em forma de um signo determinado, Medviédev está nos levando a observar como cada um desses aspectos aponta para concepções de mundo próprias, crenças e realidades ideológicas específicas. Eles se constituem como signos ideológicos , apontando para valores sociais de indivíduos organizados socialmente em uma determinada esfera da atividade humana. Observar a multiacentuação dos signos ideológicos, a diferença e intensidade na expressão de valores é observar o modo como a existência reflete e refrata a realidade social, num entrecruzamento de interesses sociais: “em todo signo ideológico cruzam-se ênfases multidirecionadas ” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da língua. Problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.113; grifo no original).

Dessa forma, ao descrever, analisar e interpretar a fotorreportagem Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa a partir da foto que recebeu o título Black Lives Matter da GESCO (Arquivo e Centro de Documentação do jornal Expresso ), baseando-nos em conceitos advindos da obra de Mikhail Bakhtin e o Círculo, os objetivos deste artigo são: (1) buscar sentidos possíveis da foto e da fotorreportagem, explicitando as relações dialógicas (expressão de posicionamentos) que encetam em tempo e espacialidades distintas; (2) a partir daí, recuperar cadeias discursivas de sentido, entendendo que cada enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e responde a enunciados anteriores; e (3) reconhecer as acentuações dos signos ideológicos de resistência, isto é, a ênfase valorativa que os acompanha.

Na primeira seção, o artigo recupera noções bakhtinianas que serão mobilizadas na análise, em termos teóricos e metodológicos; na segunda, apresenta a análise propriamente. Nas considerações finais, o texto mostra como os caminhos da análise e da interpretação nos levam a reconhecer os vários modos assumidos pelos discursos de enfrentamento e resistência em resposta à dominação, violência e poder gerados pelo racismo e demais desigualdades e injustiças sociais.

1 Signo ideológico, relações dialógicas e valores. Ainda: anotações metodológicas

A Análise Dialógica do Dicurso (cf. BRAIT, 2006BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, n. 20, p.47-62, 1. sem. 2006. Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238. Acesso em: 8 jul. 2021.
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
, 2008BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: outros conceitoschave. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2008. p.9-31.), ancorada em preceitos e conceitos da obra de Mikhail Bakhtin e o Círculo3 3 Ainda que o Círculo de Bakhtin seja composto de um número maior de membros, estamos utilizando apenas as obras assinadas por Mikhail Bakhtin, Valentin N. Volóchinov e Pavel N. Medviédev. , será nossa fundamentação teóricometodológica, conforme expresso anteriormente; inclusive porque também oferece subsídios para a análise de enunciados verbo-visuais, conforme Brait explicita amplamente em diferentes textos (cf., entre outros, BRAIT, 2009aBRAIT, B. A palavra mandioca do verbal ao verbo-visual. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 1, n. 1, p.142-160, 2009a. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3004/1935. Acesso em: 23 jun. 2022.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakh...
, 2009bBRAIT, B. Dulce sabor a Brasil antiguo: perspectiva dialógica. Páginas de Guarda. Revista de lenguaje, edición y cultura escrita. Buenos Aires: Editoras del Calderon, p.52-66, 2009b., 2010BRAIT, B. Tramas verbo-visuais da linguagem. In: BRAIT, B. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto, 2010. p.193-228., 2013BRAIT, B. Olha e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. São Paulo, v. 8, n. 2, p.43-66, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bak/a/RjfLWT8xz63JrBKXhyw3ZRq/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 23 jun. 2022.
https://www.scielo.br/j/bak/a/RjfLWT8xz6...
). Explica a autora que a obra bakhtiniana apresenta uma teoria da linguagem em geral , e não somente uma teoria da linguagem verbal, oral ou escrita. Por isso,

(...) a perspectiva semiótico-filosófica-ideológica, justamente a que vai construir o que Voloshinov designa como signo ideológico, (a que) serve de fundamento para a leitura do visual, da cultura visual, ainda que Voloshinov, aparentemente , não tenha se dedicado à imagem (2013, p.46; grifo no original).

Neste item, porém, tratamos tão-somente de alguns conceitos bakhtinianos essenciais a serem mobilizados na análise da fotografia intitulada Black Lives Matter e da fotorreportagem da qual é parte, composta de um breve texto e 12 imagens do jornal português Expresso (FERNANDES, 2020aFERNANDES, J. Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa. Expresso, 06 de junho de 2020. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06-Bracos-negros-entrelacados-com-bracos-brancos.-As-imagens-da-manifestacao-em-Lisboa. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06...
). Iniciamos com a noção de signo ideológico , já mencionada anteriormente. Volóchinov nos apresenta esta noção na primeira parte de Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem, especialmente nos capítulos 1 e 2 (2017, p.91-114), ligando-a com a ciência das ideologias (os estudos sobre a ciência, a literatura, a religião, a moral etc.). Ao longo desses dois capítulos, vai nos mostrando como todo signo está ligado a diferentes campos da criação/criatividade ideológica4 4 Com Grillo (2008, p.133-160), estamos considerando esfera da comunicação discursiva , ou da criatividade ideológica , ou da atividade humana , ou da comunicação social , ou da utilização da língua , ou simplesmente ideologia, termos e expressões intercambiáveis na obra bakhtiniana. Segundo Grillo (2008, p.143), a noção de esfera ou campo da comunicação discursiva, um conceito-chave na obra do Círculo: “é compreendida como um nível específico de coerções que, sem desconsiderar a influência da instância socioeconômica, constitui as produções ideológicas, segundo a lógica de cada esfera/campo”. O conceito de ideologia é ainda definido por Volóchinov (2019, p.243): “todo o conjunto de reflexos e refrações no cérebro humano da atividade social e natural, expressa e fixada pelo homem na palavra, no desenho artístico e técnico ou em alguma outra forma sígnica”. , pois cada um deles tem seu modo próprio de se orientar socialmente na realidade e refratá-la. Adiante acrescenta que, embora a palavra seja o signo ideológico por excelência, ela é, a princípio, neutra; no entanto, ela acompanha toda comunicação cotidiana e toda comunicação ideológica, delas participando; assim, pode assumir qualquer valor e qualquer função nas diferentes esferas científica, estética, moral, religiosa... Além disso, Volóchinov lembra que os discursos verbais se acompanham de outros signos, que também lhes conferem/acrescentam sentidos, como a expressão facial, a gesticulação etc., questão importante de ser observada na fotografia e na fotorreportagem.

Ao apontar que um dos aspectos distintivos do signo ideológico é a “ênfase valorativa que acompanha todo conteúdo” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da língua. Problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.110), o linguista russo explica que tal valoração está ligada ao horizonte social de uma época e de um grupo social, que os acentua e enfatiza de modo próprio, expressando valores ligados a cada esfera de atividade humana. Na realidade, a questão axiológica , o modo como todo enunciado expressa valores por meio de sua entonação , é fundamental na obra do Círculo, seja nos textos de Volóchinov, Medviédev ou Bakhtin. Por exemplo, ao tratar do discurso no romance, Mikhail Bakhtin afirma:

A vida social viva e a formação histórica criam, no âmbito de uma língua nacional abstratamente única, uma pluralidade de universos concretos, de horizontes verboideológicos sociais e fechados. Os elementos fechados e abstratos da língua no interior desses diferentes horizontes são completados por conteúdos semânticos e axiológicos e soam de modo diferente (2015, p.63; grifos nossos).

Se os signos ideológicos soam de modo diferente “na pluralidade de universos concretos, de horizontes verboideológicos sociais e fechados”, a produção dos sentidos dos enunciados concretos – constituídos verbal, visual ou verbo-visualmente – ocorre a partir das relações dialógicas com outros enunciados, já que a orientação dialógica é constitutiva de qualquer discurso5 5 Estamos considerando “discurso” na acepção bakhtiniana expressa muito claramente no capítulo “O discurso em Dostoiévski”, de Problemas da poética de Dostoiévski . Diz o filósofo russo da linguagem: “Intitulamos este capítulo ‘O discurso em Dostoiévski’ porque temos em vista o discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente letítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas são justamente esses aspectos, abstraídos pela linguística, os que têm importância primordial para os nossos fins” (BAKHTIN, 2008, p.207). , que sempre se encontra com outros discursos em “uma interação viva e tensa” (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. Teoria do romance I. A estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015., p.51); nesse encontro entre discursos expressam-se posicionamentos e valores. Nos dizeres de Faraco:

Vivemos e agimos, portanto, num mundo saturado de valores, no interior do qual cada um dos nossos atos é um gesto axiologicamente responsivo num processo incessante e contínuo. (...) a relação eu/outro e a dimensão axiológica – serão, portanto, os eixos constantes e nucleares do pensamento bakhtiniano e seus pares (2009, p.22).

É a dialogicidade interna do discurso que leva a uma compreensão responsiva e ativa entre os parceiros da comunicação discursiva: “a compreensão de um signo ocorre na relação deste com outros signos já conhecidos; em outras palavras, a compreensão responde ao signo e o faz também com signos” (VOLÓCHÍNOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da língua. Problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.95; grifos nossos).

Retomamos: as relações dialógicas são valorativas e extralinguísticas e podem ocorrer entre textos, enunciados integrais, uma palavra isolada, ou quaisquer “fenômenos expressos em qualquer matéria sígnica”, como veremos na análise da foto; elas permitem ouvir nesses fenômenos a voz do outro, na medida em que expressam posicionamentos (BAKHTIN, 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 4ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008., p.210-211). Desse modo, os variados discursos mostram posições e valores do sujeito, uma voz (social) entre vozes (sociais), em diferentes áreas de atividade, expressas em matéria sígnica variada.

Todas essas noções estão estreitamente ligadas: assim, se o signo ideológico participa de dada esfera ou campo da atividade humana, tal esfera ideológica, como toda esfera, está ligada a um uso da linguagem, isto é, a um gênero de discurso6 6 A noção de gênero do discurso está presente na obra do Círculo desde seus primeiros textos, da década de 1920 (cf. BRAIT; PISTORI, 2012, p.371-401), embora o conhecido ensaio “Os gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2016, p.11-70) tenha sido elaborado apenas entre 1952-1953 e publicado em Moscou em 1979, na coletânea Estética da criação verbal [Stetika soviésnovo tvórtchesva ]. https://doi.org/10.1590/S1981-57942012000200002 : os gêneros, diz Bakhtin (2016, p.11)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editoria 34, 2016. p.11-107., são tão “multiformes” e variados quanto as próprias esferas de atividade humana. Cada um deles domina “determinados aspectos da realidade, possui seus próprios princípios de seleção, determinadas formas de visão e de compreensão dessa realidade, certos graus na apreensão e na profundidade de penetração nela”, nas palavras de Medviédev (2012, p.196)MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012..

Ao tratar dos gêneros, em sua obra O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica (2012, p.193-210), Medviédev afirma que os gêneros apresentam uma dupla orientação na realidade, uma voltada para o exterior, espaço e tempo real; outra para o interior, tematicamente:

Em primeiro lugar, a obra se orienta para os ouvintes e os receptores, e para determinadas condições de realização e percepção. Em segundo lugar, a obra está orientada na vida, como se diz, de dentro, por meio de seu conteúdo temático. A seu modo, cada gênero está tematicamente orientado para a vida, para seus acontecimentos, problemas e assim por diante (MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012., p.195).

Quer dizer, a orientação externa do enunciado se refere a ouvintes, condições de realização e percepção: tempo, espaço e esfera ideológica definidos, em nosso caso, o contexto mais amplo da foto/fotorreportagem, cuja análise apresentamos a seguir (cf. BRAIT, 2012BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa: Revista de Linguística, v. 56, n. 2 p.371-401, 2012. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/5531. Acesso em: 23 jun. 2022.
https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/a...
, p.15); a orientação interna, de dentro do enunciado, está ligada ao tema, composição e estilo (elementos linguísticos, enunciativos e formais), o que pode sugerir uma metodologia de análise. No entanto, ambas as orientações estão tensamente articuladas e se inter-relacionam intimamente: entre receptor e autor estabelece-se uma relação própria da esfera ideológica em foco, “que envolve e constitui a produção, circulação e recepção de um gênero, pontuando sua relação com a vida...” (BRAIT, 2012BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa: Revista de Linguística, v. 56, n. 2 p.371-401, 2012. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/5531. Acesso em: 23 jun. 2022.
https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/a...
, p.15).

Bem observados, esses ensinamentos dialogam com a ordem metodologicamente fundamentada para o estudo da língua proposta por Volóchinov (2017, p.220)VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da língua. Problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.. Diz o linguista russo que devemos partir da observação das interações dialógicas entre discursos: em primeiro lugar, as interações com a ampla esfera em que se constitui o evento enunciativo – seus aspectos históricos, sociais, políticos, culturais e religiosos; a seguir, as interações com a esfera mais estreita, especialmente o gênero em questão – no caso deste artigo, uma fotorreportagem; finalmente, a análise se detém nas formas da língua (em correlação com as imagens, neste caso), em sua concepção linguística habitual. Em suma, orientações externa e interna do enunciado. Essa ordem nos guiará na análise das interações tensamente articuladas e intimamente ligadas temporal e espacialmente propostas pela fotorreportagem (e fotografia selecionada).

3 Diálogos verbo-visuais. A foto Black Lives Matter

O contexto mais amplo da fotorreportagem foi brevemente apresentado no início do texto; mas retornaremos a ele adiante. Iniciaremos a análise pela definição e compreensão do próprio gênero fotorreportagem , do qual a foto escolhida é parte. Como parte de um todo – a fotorreportagem Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa (FERNANDES, 2020aFERNANDES, J. Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa. Expresso, 06 de junho de 2020. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06-Bracos-negros-entrelacados-com-bracos-brancos.-As-imagens-da-manifestacao-em-Lisboa. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06...
) –, a foto selecionada (Figura 1 ) é resultado de um projeto discursivo único que produziu a matéria, projeto assinado por um sujeito social, histórica e culturalmente contextualizado (individual ou coletivo). No caso, os produtores da matéria são o fotojornalista José Fernandes (2020b)FERNANDES, J. Autores. Expresso. 2020b. Disponível em: https://expresso.pt/autores/2019-09-26-Jose-Fernandes-67acfa97. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://expresso.pt/autores/2019-09-26-J...
, que a assina, mas também o próprio jornal, que a publica. Os sentidos emergem dos diálogos depreendidos deste conjunto inseparável – foto selecionada/fotos da fotorreportagem/texto. Mas também de diálogos outros, como veremos adiante.

Figura 1
Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa. Foto do jornal português Expresso , de 06 de junho de 2020 (FERNANDES, 2020aFERNANDES, J. Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa. Expresso, 06 de junho de 2020. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06-Bracos-negros-entrelacados-com-bracos-brancos.-As-imagens-da-manifestacao-em-Lisboa. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06...
)

Esses enunciados concretos serão analisados como discursos , que apontam para o objeto a que se referem, para o contexto e também para o discurso do outro. Lembremos: as relações dialógicas são a premissa da interação discursiva e, embora pertençam ao discurso, não pertencem a um campo puramente linguístico; por isso, a possibilidade de observarmos tais enunciados sob diferentes ângulos dialógicos que se confrontam, se complementam, concordam, discordam ou não; e são propostas pelo analista, pelo leitor, pelo destinatário na observação e compreensão responsiva e ativa do enunciado, buscando-lhes os sentidos.

Em termos de gênero do discurso , observamos que se trata de fotografia e fotorreportagem da esfera jornalística, que seria, numa definição preliminar, o conjunto de organismos especializados que têm a finalidade de informar o cidadão, destinatário dos veículos de comunicação, e formar-lhe a opinião. O Dicionário on-line de portuguêsDICIONÁRIO on-line de português. Fotorreportagem. https://www.dicio.com.br/fotorreportagem/
https://www.dicio.com.br/fotorreportagem...
define fotorreportagem como: “Reportagem em que as fotografias constituem a parte principal, acompanhadas apenas de legendas ou pequeno texto explicativo”7 7 https://www.dicio.com.br/fotorreportagem/ . É exatamente o que acontece nessa matéria, cujo texto transcrevemos adiante; no entanto, não há legendas neste caso.

A fotorreportagem, fotojornalismo em série, hoje é bastante comum na apresentação de reportagem na web , mas se constitui em um recurso de apresentação da notícia que não cabe no jornal impresso da mesma forma. Matéria online , pode ser acessada pelo leitor no ritmo e interesse que lhe forem convenientes. Assim, a foto dos braços entrelaçados é a nona das doze fotos de uma série que mostra as manifestações contra o racismo e a violência policial em Lisboa. É a nona, mas certamente se destaca por sua presença no título: Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa .

Como podemos verificar, a fotorreportagem domina certos aspectos da realidade e dá-lhe acabamento de um modo próprio: são as formas desse enunciado, “e não da língua, que desempenham o papel essencial na tomada de consciência e na compreensão da realidade” (MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012., p.198). Assim, a compreensão de cada imagem só é possível considerando-a parte do todo, o enunciado concreto – texto e série de imagens. O enunciado mostra o modo como o homem se orienta na realidade, como constitui seu posicionamento diante dela, por meio das 12 fotos descritas brevemente adiante e do texto.

Na compreensão mais aprofundada do gênero, é importante tratarmos um pouco mais das condições de produção da fotorreportagem, conforme dados da web , observáveis na Figura 028 8 https://promo.impresa.pt/data/content/binaries/custom/expresso/papeloudigital/?returnUrl=https://express o.pt/&utm_source=expresso&utm_medium=subscribe_button&locked=false&article_id=expresso.pt/&au thor_id=undefined&category=Home. Acesso em: 27 jun. 2022. . Numa economia de tipo liberal, a esfera de atividade jornalística adquire uma lógica comercial de empresa, uma lógica de mercado. Isso lhe dá uma finalidade ambígua, na medida em que o jornal visa não apenas à informação/formação do leitor, mas à captação/sedução do maior número de leitores. Assim, a credibilidade do jornal se configura como uma de suas coerções, e isso se observa no convite à assinatura do jornal, aliado à própria publicidade do veículo, no qual se afirma: “Informação credível onde quer que esteja” (Figura 2 ; grifo nosso); como um corolário dessa afirmação, a opção de escolha do formato da assinatura: “Expresso Papel. Subscrever. Receba comodamente em sua casa; Expresso Digital. Subscrever. Leia em primeira mão onde quer que esteja”. A imagem dos leitores na publicidade corrobora as possibilidades de leitura do jornal em qualquer lugar, em papel ou em meio digital.

Figura 2
Promoção de assinaturas. Fonte: internet.

Essa necessidade de captar/seduzir leitores leva-nos a observar a importância da fotografia, um dos modos de obter a credibilidade, um “retrato” da realidade que, na verdade, assim como a língua, tanto a reflete quanto a refrata, já que qualquer “produto ideológico é não apenas uma parte da realidade natural e social... – [mas] reflete e refrata outra realidade que se encontra fora dos seus limites” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da língua. Problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.91). Desse modo, por meio do que é veiculado – no caso, texto e imagem –, o jornal pretende sempre a construção do efeito de sentido de verdade , que não pode ser desconsiderada na análise.

Figura 3
Aplicativo. Fonte: internet.

Ainda em termos de condições de produção e circulação do enunciado, é importante conhecermos um pouco mais de seu contexto mais próximo – o jornal em que a matéria se insere. O Expresso é um jornal português de periodicidade semanal, publicado desde janeiro de 1973, surgido pouco antes da Revolução dos Cravos, ocorrida em 25 de abril de 1974. Isto é, surge num momento em que Portugal está se encaminhando para a democracia, após quase 30 anos de regime ditatorial – a ditadura salazarista, que se caracterizou por forte repressão democrática e censura das liberdades de expressão. A conjuntura em que é inaugurado, aliada a seu slogan, “Liberdade Para Pensar” (Figura 4 ), colocado logo abaixo do título no aplicativo, aponta para aspectos que dificilmente podem caracterizá-lo como um jornal conservador. Destina-se a um leitor pertencente às classes ABC, quadros médios e superiores, residentes em regiões urbanas, conforme informações de seu site (Perfil do leitor. Expresso. s/dPERFIL DE LEITOR. Reader’s Profile. Expresso. Disponível em: https://www.mediabooking.pt/guia-dos-media/jornais/economia-e-negocios/publicidade-expresso. Acesso em: 7 abr. 2022.
https://www.mediabooking.pt/guia-dos-med...
). O título atribuído à foto pela GESCO, centro de documentação do jornal – Black Lives Matter – aparece num cartaz em apenas uma das fotos (foto 4), mas poderíamos afirmar que se constitui, nos dizeres de Bakhtin, como uma “palavra-lema” (ou expressão-lema) do movimento, capaz de contagiar um amplo círculo por sua aspiração semântica e expressiva, por seus tons axiológicos, em língua inglesa, e por seu alcance praticamente universal (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. Teoria do romance I. A estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015., p.65).

Figura 4
La Pasionaria17 17 Fonte: https://brasildelonge.com/tag/la-pasionaria/

Na web 9 9 Expresso , 06 de junho de 2020. https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06-Bracos-negros-entrelacados-com-bracos-brancos.-As-imagens-da-manifestacao-em-Lisboa. Acesso em 27 de junho de 2022. , encontramos o modo como o texto aparece na página do jornal: sob uma fotografia da manifestação – a fotografia n. 1, que não é a dos braços entrelaçados (Figura 1 ), aparecem muitas pessoas de máscaras carregando cartazes (FERNANDES, 2020aFERNANDES, J. Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa. Expresso, 06 de junho de 2020. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06-Bracos-negros-entrelacados-com-bracos-brancos.-As-imagens-da-manifestacao-em-Lisboa. Acesso em: 24 ago. 2022.
https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06...
). Ainda que o foco primeiro de nossa análise seja aquela foto da Figura 1 , antes de apresentarmos o texto, descrevemos de modo sucinto as 12 fotos, nenhuma delas legendada. A análise fará algumas referências a elas10 10 Com certeza, o acesso ao link permite complementar a breve descrição. :

  1. A foto mostra parte da manifestação, com muitos manifestantes de máscaras carregando cartazes. Em primeiro plano, um negro carrega um cartaz com os dizeres “20 Educar” (Vim te educar); dentro do círculo que compõe o zero, um punho fechado de luta está erguido; um pouco atrás, outros cartazes: “Alma não tem cor”; “O racismo é educação”, entre outros;

  2. A foto foi retirada da matéria;

  3. A foto mostra uma moça negra, com um microfone na mão esquerda, o punho direito erguido e o joelho esquerdo no chão, à frente de muitas faixas e cartazes. Alguns dizeres se destacam, como “Fim à violência policial”;

  4. A foto mostra uma aglomeração de pessoas, muitas delas carregando cartazes ao alto, vários em inglês: “Quero sonhar com o futuro, não rece(ar)”; “Marielle Franco presente”; “Black lives matter”; “Dark skin is not a crime”; “We are not our ancestors, we will fuck you up”, ...;

  5. Na quinta foto, vemos com clareza os sobrados de azulejos azuis portugueses, que ladeiam a manifestação e apenas as cabeças de novos manifestantes empunhando cartazes;

  6. A foto foi retirada da matéria;

  7. Em primeiro plano, os manifestantes, negros em sua maioria, empunham microfones e carregam megafones, muito possivelmente gritando palavras de ordem;

  8. A foto mostra a sacada de uma das casas: olhando abaixo a manifestação, um dos manifestantes a filma com um celular, outros três a aplaudem;

  9. A foto dos braços entrelaçados (Figura 1 );

  10. Novos cartazes nesta foto, carregados principalmente por mulheres negras, com novos dizeres: “Currículo (foto pessoal). Vês a minha cor ou o meu valor?”; “Até quando a minha cor será um crime?”;

  11. Diante de um céu nublado de azul esmaecido, o busto de um negro (de máscara e boné) levanta determinado o braço direito com o punho fechado;

  12. Em frente ao Terreiro do Paço, que tem ao fundo um antigo prédio amarelo, obra arquitetônica e urbanística do século XVIII, um manifestante negro discursa diante da multidão de manifestantes.

Abaixo da primeira das fotos, encontramos o texto que segue:

Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa

06.06.2020 às 22h48

Cerca de cinco mil pessoas estiveram presentes na tarde deste sábado no centro de Lisboa numa manifestação contra o racismo, contra a violência policial – principalmente sobre os cidadãos negros, e a favor de uma maior tolerância e inclusão sociais. Houve muitas máscaras, mas o distanciamento social rapidamente se revelou impossível de manter dada a quantidade de pessoas que acabaram por comparecer. A morte do afroamericano George Floyd sob o joelho de um polícia foi apenas a última notícia que correu mundo, mas há muitas histórias que continuam por contar. A luta – em imagens.

Ainda que a fotorreportagem se constitua como um projeto discursivo único, na análise precisamos tratar de cada aspecto de uma vez, relacionando-os sempre. Quanto ao texto, a primeira observação é a constatação de que é breve e direto, como convém a uma fotorreportagem, e responde ao conhecido lead jornalístico: o que, quem, quando, onde, como e por quê. Verificamos, porém, que nele há a apreciação a partir “das condições reais da vida , que geram o caráter partilhado das avaliações ” (VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. p.109-146., p.120; grifo no original). Inicialmente, constatamos que os números e a quantidade exercem um papel argumentativo no texto, destacando a força representativa do protesto: “Cerca de cinco mil pessoas (...)”; “Houve muitas máscaras, mas o distanciamento social rapidamente se revelou impossível de manter dada a quantidade de pessoas que acabaram por comparecer” (grifos nossos). As avaliações presentes no enunciado são partilhadas em torno da noção de cidadania, da própria noção de humanidade, de injustiça relativa à desigualdade no tratamento de negros e brancos; da condenação ao racismo e à violência policial – principalmente sobre os cidadãos negros, e a favor de uma maior tolerância e inclusão sociais, como afirma o texto, reiteradamente, numa réplica dialógica aos fatos que suscitaram a manifestação: “contra o racismo, contra a violência policial – principalmente sobre os cidadãos negros, e a favor de uma maior tolerância e inclusão sociais” (grifos nossos).

O título da fotorreportagem Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa , se inicialmente retoma a imagem da nona foto, acrescenta novas imagens àquela referenciada. O termo “entrelaçados”, referindo-se à junção, ao enlaçamento de braços negros e brancos , dialoga coerentemente com os dizeres de Silvana Inácio, mencionados anteriormente, ao explicitar o modo como a luta acontece no Brasil: “uma luta de todos contra o racismo” (ARRUDA, 2020ARRUDA, J. Black Lives Matter: entenda movimento por trás da hashtag que mobiliza atos. Universa Uol. 03-06-2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/03/black-lives-matter-conheca-o-movimento-fundado-por-tres-mulheres.htm. Acesso em: 7 mai. 2022.
https://www.uol.com.br/universa/noticias...
; grifo nosso). O destinatário, aquele público leitor urbano das classes ABC, pode ainda se juntar ao jornal e aos manifestantes ao constatar que “A morte do afroamericano George Floyd sob o joelho de um polícia foi apenas a última notícia que correu mundo, mas há muitas histórias que continuam por contar ” (grifos nossos). Nessa frase, na primeira oração, destaca-se o apenas – exclusivo, que introduz a informação de que a morte de George Floyd é uma dentre muitas: “apenas a última notícia que correu mundo”, seguida coerentemente da frase que se inicia com a adversativa “mas”, cujo conteúdo prevalece: “há muitas histórias que continuam por contar”. É um discurso bivocal de orientação única, autor – o jornal instituição e jornalistas, fotógrafos, se juntam aos personagens da manifestação, estão lado a lado (BAKHTIN, 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 4ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008., p.228). O jornal não é neutro. “A luta – em imagens” continua...

Em interação com a ampla esfera em que se constitui o evento enunciativo, esta fotorreportagem se relaciona à vida, ouvintes, receptores, leitores e, de certo modo, à reação a essa recepção/percepção, em seus aspectos históricos, sociais, políticos, culturais e religiosos... Vejamos como: a matéria trata das manifestações que ocorreram em Lisboa, após o assassinato de George Floyd por policiais, em Mineápolis, em 25 de maio de 2020. O momento é da pandemia da covid-19, como atestam tanto as máscaras da foto quanto os dizeres do texto: “Houve muitas máscaras, mas o distanciamento social rapidamente se revelou impossível de manter dada a quantidade de pessoas que acabaram por comparecer”. Desse modo, notamos que a orientação interna do enunciado se relaciona tensamente com a externa: tal como numa performance dramática, os personagens da foto dos “braços entrelaçados” se harmonizam e se destacam pelas cores que vestem: o negro se veste de negro – camisa e boné; o branco, de cores claras. O fundo mostra uma parte das cinco mil pessoas noticiadas no texto, multidão que pode ser conferida na foto de capa da notícia e também em várias outras das 12 fotos. Ética e estética se juntam não apenas nos braços entrelaçados, mas também nos belos azulejos (azuis) dos sobrados da rua lisboeta, mostrados com sensibilidade pelo olhar de José Fernandes.

Os jornais do mundo todo cobriram o assassinato e ainda inúmeras manifestações, o que constitui ainda o contexto mais amplo da fotorreportagem. Num diálogo de intensa concordância entre elas, esse amplo contexto pode ser observado em várias outras ilustrações em diferentes mídias, das quais destacamos algumas abaixo, ocorridas em diferentes espaços 11 11 As imagens selecionadas/mencionadas provêm do portal Globo G1, ligado ao Grupo Globo, conglomerado de mídia e comunicação brasileiro. Nosso interesse ao tratar dessas imagens é apenas mostrar o diálogo que empreendem com a fotorreportagem e foto em análise; isto é, não investigamos posicionamentos mais constantes dos jornais ou do grupo ao longo dos anos. :

  • - Primeiramente, na matéria “Protestos contra a morte de George Floyd pelo mundo nesta sexta-feira”12 12 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/05/protestos-contra-a-morte-de-george-floyd-pelo-mundo-nesta-sexta-feira-5-fotos.ghtml. Acesso em 25 de junho de 2022. , de 05 de junho de 2022, no portal Globo G1 – Mundo , podemos observar protestos semelhantes que ocorreram em cidades como Londres, Hamburgo, Berlim, Washington, Pretória, entre outras. Dessa reportagem, destacamos duas fotos que dialogam coerentemente com os “braços negros entrelaçados com brancos”, uma de Londres, outra do Paquistão. A primeira mostra o ativista Dee Ndlovu discursando em Trafalgar Square, no centro de Londres, tendo ao fundo manifestantes apoiados sobre um dos joelhos e com o punho direito erguido; a segunda apresenta ativistas do Partido Democrata que protestam em Karachi, no Paquistão, com cartazes que levam a foto de George Floyd com os dizeres Let him breathe [Deixe que ele respire] e Oxygen is surplus [Oxigênio é excedente]. O ativista que está ao centro, de branco, faz o gesto de luta, com o punho direito erguido; o manifestante à frente dele faz o mesmo gesto.

  • - Em segundo lugar, podemos entrever um diálogo com a matéria da Globo G1 , SP13 13 Manifestantes fazem ato contra Bolsonaro, contra o racismo e a favor da democracia em São Paulo https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/07/manifestantes-distribuem-flores-para-a-policia-durante-protesto-contra-bolsonaro-em-sao-paulo.ghtml. Acesso em 25 de junho de 2022. , de 07 de junho de 2020, no Brasil, que faz parte de uma reportagem maior cobrindo manifestações contra o racismo e também contra o governo Bolsonaro no Largo da Batata, em São Paulo. A manchete geral, Manifestantes distribuem flores para a polícia durante o protesto contra Bolsonaro em São Paulo , é seguida de um vídeo que mostra tal ação. O texto da matéria informa que a distribuição de flores aos policiais foi inspirada na Revolução dos Cravos, em Portugal (1974), e promovida por alunos de três escolas privadas do município (Santa Cruz, Vera Cruz e Bandeirantes), simbolizando um momento de união, sem conflito ou baderna. A seguir, a reportagem trata propriamente da manifestação organizada pelos “movimentos negros, torcidas organizadas dos quatro grandes clubes de São Paulo e por movimentos sociais integrantes da ‘Frente Povo Sem Medo’”. O protesto não lembra apenas o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, mas também o assassinato do menino “João Pedro, que morreu após ser baleado durante uma operação conjunta das polícias Civil e Federal, em 18-05-2020, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro”. Abaixo, há outra foto da manifestação, com a legenda: “Manifestantes negros ajoelham no Largo da Batata, em SP, e reproduzem o gesto que está sendo reproduzido no mundo inteiro, em protesto contra o assassinato de negros”. Como pode ser observado, o título da matéria, a legenda da foto e as imagens mais uma vez expressam o movimento de solidariedade compartilhada e repúdio ao racismo representado pelos assassinatos de Floyd e do menino João Pedro.

  • - Novas relações dialógicas de concordância podem ser observadas nas demais fotos da mesma fotorreportagem14 14 Nota de rodapé n. 9. do jornal Expresso destacada inicialmente. A imagem de manifestantes apoiados sobre um dos joelhos e com o punho direito erguido em posição de luta, novamente mostra a solidariedade e o compartilhamento de emoções (indignação) em luta contra o racismo. Importante destacar a terceira foto (3), na qual, em primeiro plano, vemos uma menina apoiada em um dos joelhos, com uma das mãos segurando o microfone e com a outra erguida em posição de luta no meio da rua, enquanto, ao fundo, estão os manifestantes; e também a décima primeira foto (11), que dá ao leitor uma ideia da determinação do manifestante ao fazer o gesto do punho erguido.

Num mundo globalizado, essas manifestações dialogam coerentemente, compartilhando valores semelhantes de repúdio ao racismo: “A avaliação social é aquele denominador comum ao qual se reduzem o conteúdo e a forma em cada elemento da construção” (MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012., p.206; grifo no original). Por meio dos mesmos gestos, que se tornam signos ideológicos: ajoelhados, mas com apenas um dos joelhos no chão, os manifestantes – lá e cá – simbolizam a compaixão, a solidariedade e mesmo a reverência diante do outro que foi brutalmente assassinado sob os joelhos do policial, expressam-se moralmente contrários ao racismo. O braço direito erguido e o punho fechado tornam-se símbolos da luta contra a asfixia de uma população que não tem seu justo espaço garantido na sociedade. Quer dizer, aquela manifestação noticiada no jornal português não é única, é parte de um todo global, que teve destaque diverso nas diferentes mídias.

No entanto, se a foto da página inicial da matéria não é aquela que selecionei, ainda que seu título – “Braços negros entrelaçados com braços brancos”, sem dúvida, remeta a ela, para compreendê-la mais profundamente é importante atentar à chamada ao final do texto: “A luta – em imagens”. A íntima e tensa correlação entre tempo, espaço e esfera ideológica é profunda e nos diz mais a seu respeito. Os braços negros e brancos não estão apenas entrelaçados, unidos, mas em posição de luta, num gesto que não se encerra nele mesmo. Sobre os gestos, Volóchinov, no ensaio “A palavra na vida e a palavra na poesia”, afirma:

(...) a entonação e o gesto tendem a ser ativos e objetivos . Eles expressam não apenas o estado emocional ou passivo do falante, mas sempre contêm uma relação viva e enérgica com o mundo exterior e o meio social: os inimigos, amigos e aliados. Ao entonar e gesticular, o homem ocupa uma posição social ativa em relação a determinados valores, condicionada pelos próprios fundamentos da sua existência social. Justamente esse aspecto da entonação e do gesto, que é objetivosociológico e não subjetivo-psicológico, deve interessar aos teóricos das artes correspondentes, pois nele se encontram as forças estéticocriativas, construtivas e organizadoras desses fenômenos (2019, p.127; grifos no original).

Observando o mesmo gesto em outras fotos de manifestações no mundo, verificamos que há um diálogo não apenas espacial entre os protestos que ocorreram, mas também temporal; isto é, trata-se de um signo ideológico que historicamente expressa valores de resistência. O gesto de punho erguido foi popularizado durante a Guerra Civil Espanhola de 1936 a 1939, quando foi usado pela facção republicana como saudação e era conhecido como “saudação da Frente Popular” ou “saudação antifascista”. Esse gesto pode ser conferido em uma conhecida foto de La Pasionaria 15 15 Dolores Ibarruri. La pasionaria https://www.marxists.org/portugues/ibarruri/index.htm. Acesso em: 7 abr. 2022. (Figura 4 ), política e líder revolucionária comunista espanhola, que exerceu importante papel na Guerra Civil Espanhola ao instigar os republicanos contra as tropas do General Franco.

A saudação do punho direito se espalhou posteriormente entre esquerdistas e antifascistas em toda a Europa. Numa das fotos que ilustra o verbete sobre a invasão do Iraque na Wikipedia , vemos uma senhora americana branca fazendo o gesto do punho erguido no meio da multidão e lemos: “Em fevereiro de 2003, ocorreu em São Francisco, Califórnia, um dos maiores protestos antiguerra nos Estados Unidos. Entre 60.000 e 200.000 pessoas se manifestaram contra o conflito”16 16 https://pt.wikipedia.org/wiki/Invas%C3%A3o_do_Iraque_em_2003#/media/Ficheiro:Raised_Fist_at_antiwar_demo.jpg. Acesso em: 7 abr. 2022. .

O mesmo gesto é repetido pelos corredores americanos John Carlos e Tommie Smith, ao receberem respectivamente as medalhas de ouro e de bronze nas Olimpíadas do México, no dia 16 de outubro de 1968 (Figura 5 )20 20 O gesto que se tornou um dos símbolos da luta contra o racismo nos Estados Unidos https://horadopovo.com.br/o-gesto-que-se-tornou-um-dos-simbolos-da-luta-contra-o-racismo-nos-estados-unidos/. Acesso em: 7 abr. 2022. : durante a execução do hino americano, eles abaixam a cabeça e erguem o punho, como um protesto contra a discriminação racista e ausência de direitos civis para todos nos Estados Unidos, num “silêncio que se torna ensurdecedor”, diz a matéria. O gesto dos atletas recuperava o gesto dos militantes do Partido dos Panteras Negras, que atuaram entre 1966 e 1982, cuja pauta era a luta pelos direitos civis, denunciando toda sorte de discriminação e violência policial contra os negros, e defendendo a autodeterminação dos negros norte-americanos. A foto da Figura 6 nos mostra um aspecto diferente na difusão do gesto de resistência. Trata-se de quadro em quarto de adolescente de uma série televisiva de 2021 (Clickbait ); na realidade, é apenas um exemplo de como o gesto se disseminou, mas sempre expressando resistência do mais fraco em relação ao poder e dominação. Outros filmes e séries têm colocado o gesto como manifestação de resistência21 21 Apenas mais um exemplo, o filme Samaritain , 2022 (Diretor: Julius Avery; Amazon Studions, United Artists Released). .

Figura 5
John Carlos e Tommie Smith, Olimpíadas do México, 196818 18 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:John_Carlos,_Tommie_Smith,_Peter_Norman_1968cr.jpg .

Figura 6
Série de TV (Clickbait )19 19 https://www.netflix.com/br/title/80991754 .

Novos exemplos podem ainda ser conferidos nas fotos das Figuras 7, 8, 9 e 10 , da Retrospectiva 2020 realizada pela Rede Globo de Televisão22 22 As fotos das Figuras 7, 8, 9 e 10 são de arquivo pessoal da autora (TV). . A partir do conhecimento desses diálogos, o gesto da foto no jornal Expresso ganha novos sentidos – objetivos e sociológicos, e torna-se mais rico, pois os braços que se entrelaçam mostram a união e a coerência à já longa luta em favor da igualdade social; e, como afirmamos, tornam-se signos ideológicos da luta contra o racismo. O eco das lutas sociais passadas, contra a exclusão social e a favor da igualdade entre todos os cidadãos, a favor da paz e contra a violência é ouvido e repetido por meio dos gestos de luta: é mais uma luta a ser travada, mas também é a continuidade de outras já travadas e que ainda precisam ser vencidas. O gesto dos manifestantes apoiados em um dos joelhos, com a mão erguida em posição de luta, torna-se o signo ideológico da luta pelos direitos iguais para todos, um fenômeno ideológico dado “no movimento do corpo” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da língua. Problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.94).

Figuras 7 e 8
Manifestação em New York após o assassinato de G. Floyd

Figura 9
Manifestação em New York, após o assassinato de G. Floyd

Figura 10
Manifestação diante de um supermercado em São Paulo, onde ocorreu o assassinato de um negro (20-11-2020, Dia da Consciência Negra)

Chamamos a atenção, ainda, para a concordância entre a foto da Figura 9 e aquela dos braços entrelaçados (Figura 1 ): ambas ecoam o art. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
https://www.unicef.org/brazil/declaracao...
, especialmente em seu início “todos os seres humanos” e na expressão “espírito de fraternidade”. Aliás, se por um lado todos os enunciados concretos que apresentamos dialogam coerentemente entre si, por outro lado, são vozes sociais que dialogam de modo veemente e indignado contrariamente à situação que gerou cada uma das manifestações. E isso nos evoca os dizeres de Bakhtin (2016, p.86)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editoria 34, 2016. p.11-107. no ensaio que trata do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas, afirmando que os sentimentos também dialogam: “Em relação ao homem, o amor, a compaixão, o enternecimento e quaisquer outras emoções [a indignação, acrescentamos] sempre são dialógicas nesse ou naquele grau”23 23 Na realidade, a rejeição ao racismo deveria ser tão-somente racional, mas ao menos desde Aristóteles (Retórica ) sabemos que ethos (o caráter do orador), pathos (as emoções) e logos (o discurso pelo que ele demonstra ou parece demonstrar) – razão e emoção – funcionam argumentativamente na escolha de posicionamentos e tomada de decisões. O aprofundamento desta questão, no entanto, excede os limites e propósitos deste artigo. .

Enfim, a apreciação social expressa na fotorreportagem mostra o caráter partilhado das avaliações, corroborado pelas cadeias discursivas que levantamos: e aqui podemos reafirmar que jornal – como instituição – e manifestantes compartilham a mesma avaliação, expressa na escolha do título da matéria e no próprio sentido de “luta” retratado nas doze imagens da fotorreportagem. A análise poderia continuar, talvez com a proposição de novos diálogos que aprofundassem a leitura deste enunciado concreto, pois respondemos às leituras com nossa compreensão responsivo-ativa , posicionandonos perante o outro e perante a sociedade.

Considerações finais

Neste texto tivemos como objetivo descrever, analisar e interpretar a fotorreportagem cujo título remete para a foto dos “braços entrelaçados” (Figura 1 ), do jornal português Expresso , por meio da Análise Dialógica do Discurso. Noções como signo ideológico, relações dialógicas e cadeias de enunciados permitiram-nos avançar na compreensão dos sentidos da foto e da fotorreportagem. Partindo do modo como se organizou o gênero em suas orientações interna e externa, a análise nos permitiu ampliar a percepção e compreensão de textos e imagens, tomados como discursos, que apontam para relações dialógicas linguísticas e extralinguísticas relevantes; e destacar a importância do contexto mais amplo e mais próximo na leitura e compreensão deste material da esfera jornalística, na medida em que iluminaram o texto analisado, acrescentando-lhe novos sentidos.

As valorações presentes nos enunciados – fotos e texto verbal, foram consideradas nas relações dialógicas que emergem das cadeias de enunciados por eles suscitadas. Temporal e espacialmente, manifestações no mundo inteiro compartilharam valores de igualdade, dignidade e respeito ao outro; em diferentes tempos e espaços, o gesto do punho erguido foi compreendido como signo ideológico da luta por direitos iguais para todos, e especialmente contra o racismo. A análise nos mostrou, inclusive, a historicidade do gesto de resistência, um signo ideológico disseminado ao redor do mundo ao menos desde a Guerra Civil Espanhola.

Em 1970, Gilberto Gil publicava, no Pasquim de 19 a 25 de agosto de 1970GIL, G. Recuso + Aceito = Receito. O Pasquim, 19 a 25 de agosto de 1970. Disponível em: http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/verbo-tropicalista/recurso-aceito-receito. Acesso em: 27 jun. 2022.
http://tropicalia.com.br/eubioticamente-...
, um texto que denominou “O verbo tropicalista: Recuso + Aceito = Receito”, recusando um prêmio que lhe era dado pelo Museu da Imagem e do Som por sua canção “Aquele abraço”. Nele afirmava, entre outras coisas:

E que fique claro para os que cortaram minha onda e minha barba que “Aquele Abraço” não significa que eu tenha me “regenerado”, que eu tenha me tornado “bom crioulo puxador de samba” como eles querem que sejam todos os negros que realmente “sabem qual é o seu lugar”. Eu não sei qual é o meu e não estou em lugar nenhum; não estou mais servindo a mesa dos senhores brancos e nem estou mais triste na senzala em que eles estão transformando o Brasil (GIL, 1970GIL, G. Recuso + Aceito = Receito. O Pasquim, 19 a 25 de agosto de 1970. Disponível em: http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/verbo-tropicalista/recurso-aceito-receito. Acesso em: 27 jun. 2022.
http://tropicalia.com.br/eubioticamente-...
).

Sabemos que pouco mudou em relação à “senzala” na qual os “senhores brancos” estariam (ainda estão?) transformando o Brasil naquele momento. Na tese de doutorado em que analisou a identidade da mulher negra brasileira, Rodrigues (2021, p.203)RODRIGUES, T. R. B. Análise dialógica dos discursos de mulheres negras em eventos de leitura – construção de sentidos e identidades. 2021. 230 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2021. atesta que “[as] relações entre esses grupos [de negros e brancos] são verticais, atravessadas por discursos de dominação, violência e hostilidade”. No entanto, textos como esta fotorreportagem e, sobretudo, os diálogos contrários ao racismo suscitados pelo assassinato de George Floyd e mostrados na análise de cadeias discursivas mostram a constituição de um signo ideológico de resistência, indicadores de que “a luta continua...”

Agradecimentos

Este artigo, um dos frutos de minha pesquisa de pós-doutorado, congrega muitas outras vozes que não aparecem aqui e a quem sou muito grata. Muito especialmente, porém, quero nomear três delas: Lucas Nascimento Silva, que me convidou a proferir uma palestra no Grupo Dialógicos (UEFS, BA), posteriormente transformada neste texto; Beth Brait, que me instou a apresentar o trabalho para suas turmas de pós-graduação, a debater e dialogar com os alunos e colegas, e a redigir o artigo; finalmente, Paulo Rogério Stella, que leu e comentou o texto antes de sua submissão. Finalmente, agradeço à PUC-SP, pela oportunidade do pós-doutorado. A todos, muito obrigada!

  • Pareceres
    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtinina. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • 1
    Em janeiro deste ano (2022), a Folha de S. Paulo deu espaço a um debate sobre racismo/racismo estrutural a partir do texto “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, escrito pelo romancista e antropólogo Antonio Risério. Entre outros artigos, cf. entrevista de Samuel Santana Vida republicada no Portal Gelèdes (cf. Galf, 2021GALF, R. Racismo estrutural virou álibi para justificar práticas individuais e institucionais, diz professor. Portal Gelédes. 05 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.geledes.org.br/racismo-estrutural-virou-alibi-para-justificar-praticas-individuais-e-institucionais-diz-professor/. Acesso em: 20 ago. 2022.
    https://www.geledes.org.br/racismo-estru...
    ).
  • 2
    As fundadoras do movimento foram Alicia Garza, da Aliança Nacional de Trabalhadoras Doméstica; Patrisse Cullors, da Coalizão contra a Violência Policial em Los Angeles; e Opal Tometi, da Aliança Negra pela Imigração Justa.
  • 3
    Ainda que o Círculo de Bakhtin seja composto de um número maior de membros, estamos utilizando apenas as obras assinadas por Mikhail Bakhtin, Valentin N. Volóchinov e Pavel N. Medviédev.
  • 4
    Com Grillo (2008, p.133-160), estamos considerando esfera da comunicação discursiva , ou da criatividade ideológica , ou da atividade humana , ou da comunicação social , ou da utilização da língua , ou simplesmente ideologia, termos e expressões intercambiáveis na obra bakhtiniana. Segundo Grillo (2008, p.143), a noção de esfera ou campo da comunicação discursiva, um conceito-chave na obra do Círculo: “é compreendida como um nível específico de coerções que, sem desconsiderar a influência da instância socioeconômica, constitui as produções ideológicas, segundo a lógica de cada esfera/campo”. O conceito de ideologia é ainda definido por Volóchinov (2019, p.243)VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. p.109-146.: “todo o conjunto de reflexos e refrações no cérebro humano da atividade social e natural, expressa e fixada pelo homem na palavra, no desenho artístico e técnico ou em alguma outra forma sígnica”.
  • 5
    Estamos considerando “discurso” na acepção bakhtiniana expressa muito claramente no capítulo “O discurso em Dostoiévski”, de Problemas da poética de Dostoiévski . Diz o filósofo russo da linguagem: “Intitulamos este capítulo ‘O discurso em Dostoiévski’ porque temos em vista o discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente letítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas são justamente esses aspectos, abstraídos pela linguística, os que têm importância primordial para os nossos fins” (BAKHTIN, 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 4ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008., p.207).
  • 6
    A noção de gênero do discurso está presente na obra do Círculo desde seus primeiros textos, da década de 1920 (cf. BRAIT; PISTORI, 2012BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa: Revista de Linguística, v. 56, n. 2 p.371-401, 2012. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/5531. Acesso em: 23 jun. 2022.
    https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/a...
    , p.371-401), embora o conhecido ensaio “Os gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editoria 34, 2016. p.11-107., p.11-70) tenha sido elaborado apenas entre 1952-1953 e publicado em Moscou em 1979, na coletânea Estética da criação verbal [Stetika soviésnovo tvórtchesva ]. https://doi.org/10.1590/S1981-57942012000200002
  • 7
  • 8
  • 9
  • 10
    Com certeza, o acesso ao link permite complementar a breve descrição.
  • 11
    As imagens selecionadas/mencionadas provêm do portal Globo G1, ligado ao Grupo Globo, conglomerado de mídia e comunicação brasileiro. Nosso interesse ao tratar dessas imagens é apenas mostrar o diálogo que empreendem com a fotorreportagem e foto em análise; isto é, não investigamos posicionamentos mais constantes dos jornais ou do grupo ao longo dos anos.
  • 12
  • 13
    Manifestantes fazem ato contra Bolsonaro, contra o racismo e a favor da democracia em São Paulo https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/07/manifestantes-distribuem-flores-para-a-policia-durante-protesto-contra-bolsonaro-em-sao-paulo.ghtml. Acesso em 25 de junho de 2022.
  • 14
    Nota de rodapé n. 9.
  • 15
    Dolores Ibarruri. La pasionaria https://www.marxists.org/portugues/ibarruri/index.htm. Acesso em: 7 abr. 2022.
  • 16
  • 17
  • 18
  • 19
  • 20
    O gesto que se tornou um dos símbolos da luta contra o racismo nos Estados Unidos https://horadopovo.com.br/o-gesto-que-se-tornou-um-dos-simbolos-da-luta-contra-o-racismo-nos-estados-unidos/. Acesso em: 7 abr. 2022.
  • 21
    Apenas mais um exemplo, o filme Samaritain , 2022 (Diretor: Julius Avery; Amazon Studions, United Artists Released).
  • 22
    As fotos das Figuras 7, 8, 9 e 10 são de arquivo pessoal da autora (TV).
  • 23
    Na realidade, a rejeição ao racismo deveria ser tão-somente racional, mas ao menos desde Aristóteles (Retórica )ARISTÓTELES. Retórica. 3ed. Trad. e introdução de Manuel Alexandre Júnior. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 2006. sabemos que ethos (o caráter do orador), pathos (as emoções) e logos (o discurso pelo que ele demonstra ou parece demonstrar) – razão e emoção – funcionam argumentativamente na escolha de posicionamentos e tomada de decisões. O aprofundamento desta questão, no entanto, excede os limites e propósitos deste artigo.

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
  • ARISTÓTELES. Retórica. 3ed. Trad. e introdução de Manuel Alexandre Júnior. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 2006.
  • ARRUDA, J. Black Lives Matter: entenda movimento por trás da hashtag que mobiliza atos. Universa Uol 03-06-2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/03/black-lives-matter-conheca-o-movimento-fundado-por-tres-mulheres.htm Acesso em: 7 mai. 2022.
    » https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/03/black-lives-matter-conheca-o-movimento-fundado-por-tres-mulheres.htm.
  • BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 4ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editoria 34, 2016. p.11-107.
  • BAKHTIN, M. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2016. p.71-107.
  • BAKHTIN, M. Teoria do romance I A estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015.
  • BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, n. 20, p.47-62, 1. sem. 2006. Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238 Acesso em: 8 jul. 2021.
    » https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238
  • BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: outros conceitoschave 4.ed. São Paulo: Contexto, 2008. p.9-31.
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  • BRAIT, B. Dulce sabor a Brasil antiguo: perspectiva dialógica. Páginas de Guarda. Revista de lenguaje, edición y cultura escrita Buenos Aires: Editoras del Calderon, p.52-66, 2009b.
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  • COUTINHO, R. Mamadou Ba: ‘Portugal é um país estruturalmente racista’. Carta Capital, 22 de outubruo de 2021. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/mamadou-ba-portugal-e-um-pais-estruturalmente-racista/ Acesso em: 20 jun. 2022.
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  • DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
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  • DICIONÁRIO on-line de português. Fotorreportagem https://www.dicio.com.br/fotorreportagem/
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  • FERNANDES, J. Braços negros entrelaçados com braços brancos. As imagens da manifestação em Lisboa. Expresso, 06 de junho de 2020. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/2020-06-06-Bracos-negros-entrelacados-com-bracos-brancos.-As-imagens-da-manifestacao-em-Lisboa Acesso em: 24 ago. 2022.
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  • FERNANDES, J. Autores. Expresso 2020b. Disponível em: https://expresso.pt/autores/2019-09-26-Jose-Fernandes-67acfa97 Acesso em: 24 ago. 2022.
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  • GIL, G. Recuso + Aceito = Receito. O Pasquim, 19 a 25 de agosto de 1970. Disponível em: http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/verbo-tropicalista/recurso-aceito-receito Acesso em: 27 jun. 2022.
    » http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/verbo-tropicalista/recurso-aceito-receito
  • MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários Introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012.
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  • PERFIL DE LEITOR. Reader’s Profile. Expresso Disponível em: https://www.mediabooking.pt/guia-dos-media/jornais/economia-e-negocios/publicidade-expresso Acesso em: 7 abr. 2022.
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  • PORTO, D. Negros representam 78% das pessoas mortas por armas de fogo no Brasil. CNN, São Paulo, 20 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/negros-representam-78-das-pessoas-mortas-por-armas-de-fogo-no-brasil/ Acesso em: 20 ago. 2022.
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  • REDAÇÃO. ONU denuncia racismo sistêmico em Portugal. Veja, 14 de dezembro de 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/onu-denuncia-racismo-sistemico-em-portugal/ Acesso em: 20 jun. 2020.
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  • RODRIGUES, T. R. B. Análise dialógica dos discursos de mulheres negras em eventos de leitura – construção de sentidos e identidades. 2021. 230 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2021.
  • VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da língua Problemas fundamentais do método sociológico nas ciências da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017.
  • VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. p.109-146.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

Trabalho de qualidade no uso preciso dos conceitos e das proposições da teoria bakhtiniana e do Círculo. Análise fina, adequada e enriquecedora das cadeias discursivas que constituem o sentido do corpus tratado.

  • recomendação: aceitar

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

Embora haja dois ou três erros de digitação em algumas citações e notas de rodapé, o artigo está muito bem redigido e fundamentado. O autor aborda a teoria do Círculo de Bakhtin de forma didática, organizada e fácil de se entender. O artigo traz uma excelente contribuição para a Análise Dialógica do Discurso e estudos sobre os Signos Ideológicos a partir de enunciados verbo-visuais. As investigações que têm o racismo como tema principal são efetivamente formas de resistência, e a luta a favor da igualdade deve continuar.

  • recomendação: aceitar

Review I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Review I

Quality work in the precise use of concepts and propositions from Bakhtinian theory and the Circle. Fine, adequate, and enriching analysis of the discursive chains that constitute the meaning of the treated corpus

  • recomendação: aceitar

Review II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Review II

Although there are two or three spelling mistakes in some citations and footnotes, the article is very well written and reasoned. The author approaches the theory of the Bakhtin Circle in a didactic, organized and easy way to understand. The article makes an excellent contribution to Dialogic Discourse Analysis and studies on Ideological Signs based on verbal-visual utterances. Investigations that have racism as their main theme are effective ways of resistance, and the fight in favor of equality must go on.

  • recomendação: aceitar

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2022
  • Aceito
    28 Dez 2022
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
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