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“Um plantão que partiu meu coração”: o trabalho de Enfermagem sob as perspectivas dialógica e ergológica em tempos de covid-19

RESUMO

Considerando a relevância de pesquisas nas interfaces da linguagem para a compreensão das atividades humanas, o artigo objetiva verificar aspectos de usos de si na atividade do trabalhador de Enfermagem que lida com pacientes contaminados pela covid-19. Baseia-se teoricamente na perspectiva dialógica da linguagem, em interlocução com os estudos de abordagem ergológica. O material de reflexão desta pesquisa constitui-se de um relato de uma enfermeira publicado em seu perfil, no Facebook, em que se lê: “Relato de um plantão que partiu meu coração”. Esse sujeito dialoga nas redes sociais com enunciados advindos de acontecimentos do seu universo de trabalho: o hospital. A análise revela posições axiológicas de ordem subjetiva que remetem a um sujeito que compartilha enunciados neste meio no intuito de aliviar a tensão existente na complexidade de lidar com a morte e o desgaste humano e psicológico dos profissionais no cuidado da covid-19.

PALAVRAS-CHAVE:
Dialogismo; Ergologia; Enfermagem; Coronavírus

ABSTRACT

Taking into consideration the relevance of studies on language interfaces for the better understanding of human activities, this paper aims to verify aspects of uses of the self in the work activity of a nurse who deals with patients infected with covid-19. This paper is theoretically based on the dialogical perspective of language in interlocution with ergological approach studies. The object of reflection for this study consists of a nurse’s report published on her profile, on Facebook, in which she states: “Report of a shift that broke my heart.” This person dialogues with others on social media using utterances derived from events in her labor environment, the hospital. The present analysis reveals axiological positions of a subjective nature, which refer to one subject who shares utterances in this mean in order to evaluate the existing tension in the complexity of coping with death and the professionals’ human and psychological exhaustion while dealing with covid-19.

KEYWORDS:
Dialogism; Ergology; Nursing Activity; Coronavirus

Considerações iniciais

Este artigo opera uma interface entre conceitos que abordam a linguagem e o trabalho, sob o ponto de vista da atividade humana, bem como entrevê posições axiológicas decorrentes de enunciados publicados na internet via rede mundial de computadores (a World Wide Web). Sites e redes sociais digitais1 1 Recuero (2014, p.102) define sites de redes sociais como “uma categoria do grupo de softwares sociais, que seriam softwares com aplicação direta para a comunicação mediada por computador”. Já quanto às redes sociais digitais, Recuero (2009, p.24) afirma que: “uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)”. se tornaram espaço de expressão, pluralidades e diversidades e têm provido encontros e manifestações advindas de diversas origens e posição sociais. Nesse espaço de interlocução, prenhe de significações, chamou-nos a atenção o desabafo de uma profissional da área de Enfermagem, Taísa Land, de 37 anos, que fez um post2 2 Segundo Costa (2009), um post é um texto narrativo, descritivo e opinativo. O nome foi originado dos blogs e agora é utilizado também nas redes sociais. sobre a rotina no plantão de trabalho com pacientes infectados pela covid-19 em sua página do Facebook3 3 O recurso pode ser conhecido em: https://www.facebook.com/help/460711197281324/. Acesso em: 11 jun. 2020. , em 28 de maio de 2020. Essa fala remete a práticas recorrentes na atualidade, perante o evento das redes sociais, em que a “vida do discurso”, para usar as palavras de Bakhtin (2018BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018., p.207), referindo-se ao discurso em sentido amplo, mostra-se em sua complexidade multifacetada, ao ser caracterizada por “atos” do sujeito que se hibridizam em tempos-espaços, sejam eles digitais, sejam não digitais.

Partindo dessa exposição espontânea que demanda fatos, atos e emoções na atividade de trabalho de Enfermagem,4 4 “Uma ação ou atividade realizada predominantemente por mulheres, que precisam dela para reproduzir a sua própria existência e utilizam um saber advindo de outras ciências e de uma síntese produzida por ela própria para apreender o objeto da saúde naquilo que diz respeito ao seu campo específico (cuidado de Enfermagem), visualizando o produto final, que é atender às necessidades sociais, ou seja, a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a recuperação do indivíduo ou o controle da saúde da população” (ALMEIDA; ROCHA, 1997). verificamos a relevância de motivar estudos na área da Linguística e da Ergologia, por ocasião de isolamento social, quanto às mais diversas profissões. Todavia, diante do cenário de maior risco de morte por contaminação, alguns profissionais têm como seu objeto de trabalho resguardar a vida humana desse vírus, como é o caso dos trabalhadores da área da saúde. Nesse sentido, problematizamos o trabalho humano a partir da condição em que os profissionais de saúde, em juramento, dispuseram-se a realizar atividades laborais, conscientes das condições de trabalho insalubres. Em vista dessa percepção, e diante das possibilidades que as tessituras teóricas proporcionam, tomou-se como material de reflexão, neste trabalho, o relato da profissional de Enfermagem postado em rede social após um plantão. Ao ser descrito, esse relato traz palavras que subjazem à sua atividade laboral tanto no universo off-line (espaço em que realiza o seu trabalho no hospital), quanto no on-line (espaço usado para narrativas da vida cotidiana em rede social5 5 Pela teoria bakhtiniana, trataremos “rede social” como auditório. ). Tendo em vista as conexões em rede permanentemente estabelecidas entre locutores e interlocutores na internet, no espaço constituído por relações discursivas, e embasados pela teoria bakhtiniana, compreendemos que as palavras nesse espaço “devem personificar-se na linguagem, tornar-se enunciados, converter-se em posições de diferentes sujeitos expressas na linguagem” (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018., p.209).

As escolhas linguísticas do enunciador, ao ganharem o mundo pela postagem via Facebook, tecem posições axiológicas de ordem subjetiva no universo on-line. Nesse sentido, entende-se, segundo Volóchinov (2019, p.286), que o “conteúdo e o sentido do enunciado precisam de uma forma que os concretize e os realize, fora da qual eles nem existiriam”, nem provocariam as reações tensionais nos interlocutores diversos que a página da enfermeira possui. O enunciado, por sua vez, é visto “como um ato singular, irrepetível, concretamente situado e emergindo de uma atitude ativamente responsiva” (FARACO, 2009FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009., p.23-24). Ao realizar a publicação, a profissional de saúde propõe um debate ativo, vivo, em tensão, sobre os acontecimentos no trabalho em ambientes críticos como os centros de saúde que tratam a covid-19, ou seja, faz face à atividade industriosa6 6 Conforme Schwartz (2014, p.261), “toda sequência de atividades industriosas envolve arbitragens, debates, imersos num mundo social em que a comunidade de destino é sempre eminentemente problemática, em permanente reconstrução”. do profissional, conforme trata Schwartz (2014)SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
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.

Nessa perspectiva, partindo de uma abordagem de interface entre as perspectivas dialógica e ergológica, temos o objetivo, neste artigo, de verificar aspectos da subjetividade e dos usos de si na atividade do trabalhador de Enfermagem que lida diretamente com pacientes contaminados pela covid-19. Realizada por meio de pesquisa qualitativa, recorremos à análise de enunciados em tempos-espaços síncronos e de ordem pública; pois, apesar de a postagem ter viralizado e ser compartilhada em diversas plataformas digitais de informação7 7 Uma das reportagens a esse respeito, dentre outras, foi publicada no site jornalístico da BBC News. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52974325. Acesso em: 11 jun. 2020. , optamos pela análise do texto disponível no próprio perfil da autora no Facebook.

A escolha dessa postagem justifica-se por dois motivos. O primeiro deve-se ao teor do depoimento, um desabafo, que, na interação on-line, com diferentes interlocutores, traz à tona a dramaticidade vivida por uma profissional de saúde que atua diretamente com os pacientes infectados pelo novo coronavírus. O segundo motivo está associado ao entendimento de que “a verbalização sobre o trabalho possibilita observar o que não é visível no trabalho real” (DI FANTI, 2012DI FANTI, M. G. Linguagem e trabalho: diálogo entre a translinguística e a ergologia. Desenredo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, v. 8, n. 1, p.309-329, jan./jun. 2012. Disponível em http://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/2651. Acesso em 20-09-2021.
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, p.326). Analisar o relato da profissional de enfermagem é, assim, um modo de nos aproximarmos de diferentes facetas da construção da subjetividade e dos usos de si por si e pelos outros na dinâmica do trabalho e nos desafios impostos à sociedade em tempo de pandemia.

O artigo em curso compõe-se de: (i) breve explanação sobre o percurso axiológico e (inter)subjetivo dos enunciados; (ii) reflexão sobre o contexto pandêmico e a Enfermagem em suas dramáticas relações laborais; (iii) aspectos metodológicos; (iv) tessituras dialógicas e ergológicas, a proposta de análise; e (v) considerações finais.

1 O percurso axiológico dos enunciados

O Círculo de Bakhtin focaliza as relações humanas estabelecidas por meio da linguagem e na sociedade. Ao buscarmos um sentido social para eventos, contextos e sujeitos, e não apenas um sentido psicológico individual, está implicado um aprofundamento das relações dialógicas e semânticas entre enunciados. Entendemos, portanto, que o conceito de dialogismo, nesta teoria, ganha forma e pode ser visto como um modo de se compreender a vida nas suas diversas dimensões frente aos embates da condição da existência humana. Assim, uma visão dialógica implica compreender a linguagem como submersa às “forças criadoras da vida da língua” (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. Teoria do Romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015., p.41) que travam um embate entre forças centrípetas (centralizadoras) e forças centrífugas (descentralizadoras), constituindo a produção de sentidos (FARACO, 2009FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.).

Para Volóchinov (2019, p.249), “a atividade coletiva só foi possível mediante uma concordância mínima de ações e uma ideia mínima sobre um objetivo comum”, o que remete às atividades de linguagem e de trabalho. Conforme Bakhtin (2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.47), “a escolha dos meios linguísticos e dos gêneros do discurso é determinada, primeiramente, pelas tarefas (pela ideia) do sujeito no discurso (ou autor) centradas no objeto e no sentido”. Isso orienta o leitor quanto ao gênero em que os enunciados serão apresentados, conectando estilo, composição e expressão valorativa.

O entendimento de diálogo, para o Círculo de Bakhtin, varia desde uma forma básica de comunicação discursiva até a compreensão - e essa é a mais relevante - do diálogo como propriedade da linguagem, do discurso.

O diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a forma clássica da comunicação verbal. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui um acabamento específico que expressa a posição do locutor, sendo possível responder, sendo possível tomar, com relação a essa réplica, uma posição responsiva (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.294).

Se a forma clássica do diálogo é importante para a compreensão das interações discursivas, a constituição dialógica da linguagem é o que revela a sua heterogeneidade, e inconclusibilidade, as relações de sentido que se estabelecem desde uma única palavra até o mais complexo enunciado. Todo enunciado - unidade mínima e elo da comunicação discursiva - advém de interlocutores passados, é ressignificado e se dirige a novo(s) destinatário(s), um “outro”, na cadeia complexa das interações. Segundo Faraco (2009FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009., p.23-24), a linguagem, entendida “como atividade (e não como sistema)”, remete à compreensão de que o enunciado é “um ato singular, irrepetível, concretamente situado [que emerge] de uma atitude ativamente responsiva”. Podemos dizer que, na relação eu e outro, nas redes sociais, contexto do enunciado que aqui analisamos, o sujeito enunciador (eu) responde a discursos já ditos e antecipa respostas do interlocutor, o qual poderá ou não se identificar com as palavras usadas pelo locutor.

Volóchinov (2018), em consonância com as discussões do Círculo de Bakhtin, afirma que a consciência individual está impregnada de signos, e estes só emergem na relação entre os indivíduos, em uma relação interindividual, coletiva, ou seja, na interação entre sujeitos. Em linhas gerais, o signo é sempre ideológico e é o produto da interação entre duas consciências individuais, dentro de uma coletividade.

Diante dessa afirmação, verifica-se que a consciência é social e “a própria consciência pode se realizar e se tornar um fato efetivo apenas encarnada em um material sígnico” (VOLÓCHINOV, 2018, p.95). Para tanto, irá depender dos valores adquiridos pelo signo no processo interindividual e coletivo formador dessa consciência que, no caso de nossa análise, vem de um coletivo que lida com a morte, dentre seus materiais sígnicos. A concepção de signo ideológico, exemplificado por Volóchinov (2018) a partir do martelo e da foice, é entendida pela transformação de instrumentos de produção, que, ao formarem uma única imagem na bandeira soviética, tornam-se um signo ideológico; ou seja, um material sígnico que a representa. Volóchinov (2018, p.94) afirma que “o campo ideológico coincide com o campo dos signos. Eles podem ser igualados. Onde há signo há também ideologia”. O autor também salienta que:

cada campo da criação ideológica possui seu próprio modo de se orientar na realidade, e a refrata ao seu modo. Cada campo possui uma função específica na unidade da vida social (VOLÓCHINOV, 2018, p.94).

E, ainda, o “signo é um fenômeno do mundo externo”, oriundo das relações interindividuais, ele pode gerar uma multiplicidade de signos e novos signos a partir destes, sendo que:

tanto ele mesmo, quanto todos os efeitos por ele produzidos, ou seja, aquelas reações, aqueles movimentos e aqueles novos signos que ele gera no meio social circundante, ocorrem na experiência externa (VOLÓCHINOV, 2018, p.94).

Nesse prisma, em uma conexão do signo e da sua ideologia no campo em que incidem, os trabalhos da Enfermagem podem adquirir a ideologia ou os índices valorativos que remetem ao cuidado do outro e à morte. Assim, concordando com a afirmação de Volóchinov (2018, p.113), há uma “multiacentuação do signo ideológico [...] e um cruzamento de acentos valorativos que proporciona ao signo a capacidade de viver, de movimentar-se e de desenvolver-se” pela e na atividade humana.

Seguindo essa linha, Volóchinov (2018, p.111; grifos do autor) considera que “somente aquilo que adquiriu um valor social poderá entrar no mundo da ideologia, tomar forma e nele consolidar-se”. No caso do desabafo da enfermeira que tomaremos para análise, quando estabelecida a relação constitutiva entre ideologia e signo/linguagem na dimensão valorativa presente nos discursos sobre o coronavírus que circulam, surge a plurivalência sígnica que está presente nas escolhas linguísticas que avaliam a noite de plantão enfrentada pela enfermeira, visto que “as avaliações subentendidas”, como discorre Volóchinov (2019 p.121), “não são emoções individuais, mas os atos socialmente lógicos e necessários”, que, no caso em foco, podem ser depreendidos do universo off-line constituído pelas vivências pessoais e profissionais de Taísa Land.

Com efeito, no tocante aos enunciados, há de se considerar que é pela entonação expressiva que o verbal se liga ao extraverbal presente nas escolhas lexicais autorais da profissional de saúde ao usar as redes sociais para desabafar. “A palavra está sempre repleta de conteúdo e de significação ideológica ou cotidiana” (VOLÓCHINOV, 2018, p.81), e é a sua concretude contextual e ideológica que permitirá a existência de certos enunciados. De acordo com a afirmação de Volóchinov (2018), podemos dizer que eles serão representativos de diferentes fenômenos da vida social e do trabalho, como é o caso da nova pandemia gerada pelo coronavírus.

2 A pandemia e a Enfermagem em perspectiva

A doença provocada pelo coronavírus (covid-19) não será a primeira gripe que se prova uma pandemia mundial, mas é a que tem meios de divulgação das informações tão velozes quanto a disseminação do vírus entre as pessoas. De acordo com dados da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz (ROCHA, 2020ROCHA, J. Pandemia de gripe de 1918. Invivo, Fiocruz, 2020. Disponível em http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=815&sid=7. Acesso em: 22 mar. 2021.
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), relembremos uma delas, a Gripe Espanhola, que, em 1918, vitimou tropas da Primeira Guerra Mundial e se espalhou pelo mundo. Na época, em muitos países acometidos pela moléstia, não era permitida a divulgação de informações sobre o assunto por razões políticas; assim, como as notícias chegavam pela Espanha, a pandemia de 1918 ficou conhecida como Gripe Espanhola, e não porque tenha se originado no país, como muitos pensam. Tal qual estamos vivendo hoje, aquela época foi, também, um momento de crise mundial, de caos político e social. No entanto, aquele foi provocado pelo cenário do pós-guerra; agora, ele é provocado pelas instâncias governamentais.

A Primeira Guerra Mundial trouxe os primeiros registros oficiais de cuidados básicos de Enfermagem. Para atender soldados que precisavam de tratamentos terapêuticos intensivos devido à gravidade dos ferimentos, muitas mulheres eram treinadas e enviadas à guerra. Na contemporaneidade, ao se buscar registros na história da Enfermagem e nos cuidados intensivos de Enfermagem, não se pode deixar de citar o nome de duas mulheres pioneiras que mudaram o cenário internacional no campo da profissão. Foram elas: Florence Nightingale, que atuou na Guerra da Crimeia, e Ana Nery, que atuou na Guerra do Paraguai. Além de Nightingale e Nery, uma brasileira, chamada Edith Fraenkel, aparece em registros relacionados ao atendimento de pessoas com Gripe Espanhola no Brasil, bem como tem seu nome como expoente na história da Enfermagem deste país (FURUKAWA, 2009FURUKAWA, P. O. Comparativo de personagens da história da enfermagem brasileira. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 13, n. 2, p.402-405, abr./jun. 2009. Disponível em https://www.scielo.br/j/ean/a/YD6VYqR75p86YsK7jXLbycC/?lang=pt&format=pdf. Acesso em 20-09-2021.
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).

Isso posto, consideremos que os sujeitos que estão frente às pandemias, às guerras, aos desastres ou demais situações que possam lhe tolher a vida compreendam em si e na atividade humana o real valor de seu trabalho como ato responsável em relação à vida de si e à vida do outro, não sendo possível tolerar abstrações nessa atividade em relação à vida. Em Para uma filosofia do ato responsável, Bakhtin (2011bBAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. 3. ed. São Carlos: Pedro e João, 2011b., p.66) comenta que:

compreender um objeto significa compreender meu dever em relação a ele (a orientação que preciso assumir em relação a ele), compreendê-lo em relação a mim na singularidade do existir evento: o que pressupõe minha participação responsável, e não a minha abstração.

Nesse sentido, o hospital é um cenário conhecido historicamente por seguir normas e prescrições no desenvolvimento dos trabalhos lá empreendidos. O sujeito inserido nesse espaço sabe que todo movimento, toda a atividade deverá ser infalível. No trabalho rotineiro, frente ao que está prescrito para o paciente, a atividade de Enfermagem não se esgota na ordinária execução de tarefas.

Diante da reflexão sobre o trabalho de Enfermagem, ressaltamos a importância de reconhecer a memória das mulheres precursoras dessa atividade, citadas anteriormente. Elas exerceram seus trabalhos em épocas que não se tinha a tecnologia de hoje, quando as dificuldades de diagnósticos, acessos a materiais e cuidados eram outros, e contribuíram para um embate no debate de normas naquela época. As atividades de Enfermagem praticadas no trabalho de Enfermagem dessas mulheres na guerra ainda reverberam na atualidade e ajudam a estabelecer conexões com o presente dessa atividade. Dito de outro modo, permeada pelo contato humano e pela dor alheia, as práticas de Enfermagem, através dos tempos, não se desfazem do cerne da profissão, o que implica restabelecer a saúde do outro, afetada por comorbidades, e a sua integridade física, devolvendo à sociedade um indivíduo saudável.

Outrora, com a Gripe Espanhola, não havia redes sociais ou outros canais que pudessem denunciar ao mundo os anseios e as angústias em relação à vida e ao trabalho diante do que se tem hoje, podendo ser feito um ou outro registro num diário, por exemplo. Registros dessa época apontam apenas para a preocupação sobre os registros de Enfermagem referentes ao paciente, destacados pelo trabalho de Florence Nightingale (LYER; CAMP, 1995LYER, W. P.; CAMP, N. Nursing documentation: a nursing process approach. New York: Mosby, 1995.), tornando-a precursora na história das anotações de Enfermagem. Entretanto, diante do advento da internet na contemporaneidade, as facilidades de comunicação levam profissionais, como no caso da enfermeira em foco, a escrever um depoimento de cunho particular em uma página de Facebook, que é uma rede social em essência. Ao descrever a atuação em dado plantão, por meio de uma simbiose de si com o trabalho e com o outro, podemos compreender, de acordo com Schwartz (2002SCHWARTZ, Y. A abordagem do trabalho reconfigura nossa relação com os saberes acadêmicos: as antecipações do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, M. C. P.; FAÏTA, D. Linguagem e trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p.09-137., p.113), “como as atividades de trabalho transformam continuamente os espaços da vida, as maneiras de conceber a vida social”. Também nos deparamos com o fato, observado por Volóchinov (2018, p.220; grifos do autor), de que “a comunicação discursiva nunca poderá ser compreendida nem explicada fora dessa ligação com a situação concreta”, o que pressupõe, no enunciado em discussão, a relação entre a língua e a vida, a atividade de linguagem e a atividade de Enfermagem.

O turno de trabalho de Enfermagem, materializado pela égide “plantão”, produz elementos que constituem a produção da comunicação verbal que, associando ao olhar de Volóchinov (2019, p.252), “sempre está ligada às condições de vida real, às ações (atos) reais do homem: de trabalho, de culto (rituais), lúdicos e de outros tipos”. Nesse espaço de tempo, início e fim de plantão, o trabalho é realizado e a atividade humana real é posta à prova a todo momento, via prescrições, normas e leis, o que leva o profissional a registrar dentro de si um “permanente debate de normas, que põe em jogo a dialética entre as normas antecedentes e as renormalizações” (DI FANTI, 2014DI FANTI, M. G. Apresentação: Linguagem e trabalho: diálogos entre estudos discursivos e ergológicos. Letras Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.253-258, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19111. Acesso em 20-09-2021.
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, p.255).

De acordo com Di Fanti e Machado (2012)DI FANTI, M. G.; MACHADO, I. B. Da criação de espaços de dizer: (re)normalizações e usos de si no trabalho. Moara, Belém, n. 38, p.21-36, jul./dez. 2012. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/1268. Acesso em 20-09-2021.
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, vemos que a abordagem ergológica revela o trabalho como atividade industriosa e enigmática, o que pressupomos, aqui, estar em permanente ciranda com a linguagem. Pela linguagem, desvela-se “toda a expressão de uma ‘vivência’, ela é ‘o documento de um acontecimento social’ do sujeito que executa o trabalho” (DI FANTI; MACHADO, 2012DI FANTI, M. G.; MACHADO, I. B. Da criação de espaços de dizer: (re)normalizações e usos de si no trabalho. Moara, Belém, n. 38, p.21-36, jul./dez. 2012. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/1268. Acesso em 20-09-2021.
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, p.22). Sendo a linguagem/língua entendida no sentido amplo como discurso interior e exterior, não há como concebê-la “sem um enunciado verbal ou mesmo gestual, não há expressão sem as condições reais e sem participantes reais” (VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019., p.257).

Ao relacionarmos as perspectivas da linguagem e do trabalho, encontramos, na interface dialógica da linguagem, um sujeito dialógico inacabado, marcado por infinita incompletude e que não se emudece diante dos fatos. Ele transmuta, torna-se o “Eu vivo em um mundo de palavras do outro. E toda a minha vida é uma orientação nesse mundo; é reação às palavras do outro” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.379). Por conseguinte, considerando a interface ergológica do trabalho, todo ato de trabalho é único, por isso, recuperamos o entendimento de que o trabalho humano não permite repetições; e, numa alquimia indefinida (DI FANTI; MACHADO, 2012DI FANTI, M. G.; MACHADO, I. B. Da criação de espaços de dizer: (re)normalizações e usos de si no trabalho. Moara, Belém, n. 38, p.21-36, jul./dez. 2012. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/1268. Acesso em 20-09-2021.
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), problematizar o trabalho humano é convocar uma reflexão sobre práticas profissionais, constituídas pelas tensões entre o visível e o invisível (SCHWARTZ, 2011SCHWARTZ, Y. Conceituando o trabalho, o visível e o invisível. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p.19-45, 2011. Disponível em https://www.scielo.br/j/tes/a/HTF7DtBVhZfgVZXqhkPX4Mx/abstract/?lang=pt. Acesso em 20-09-2021.
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) na singularidade de cada ação dos sujeitos.

Assim, desconsiderando o caráter abstrato das palavras escolhidas pela profissional de Enfermagem e olhando para a natureza dos enunciados, observa-se a potencialidade semântica na materialidade da linguagem como objeto vivo e real que se constrói no trabalho de cuidar. Nos estudos do Círculo de Bakhtin, a palavra é considerada a maneira mais pura de relação social, pois é na linguagem que se materializam as formas da comunicação social. O encadeamento das palavras traduz, portanto, uma consciência de si, diante da importância do seu fazer laboral e, ao mesmo tempo, o quanto há de si na realização do trabalho que desenvolve, como atividade humana.

Nessa relação, podemos pensar na profissional de Enfermagem que, em uma dinâmica de alteridade, manifesta, pela atividade responsiva da linguagem, a relação que estabelece no espaço de trabalho no hospital, que envolve a covid-19, com os interlocutores na rede social. Tais nuances apontam para caraterísticas de como a enfermeira se vê, a imagem de si no discurso; como vê o outro via projeções observáveis; e, por fim, como projeta que os outros a vejam a partir da experiência semelhante vivida. Tais reflexões remetem à afirmação de Schwartz (2014SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
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, p.261), o qual considera que “a pessoa em questão faz uma escolha de ato de trabalho de que não se podem excluir as modalidades da incidência sobre ela de um universo de valores que integram de maneiras variáveis a outra num hipotético mundo comum”.

Seguindo essas concepções, a perspectiva dialógica se encontra com o enfoque ergológico, visando compreender características da complexidade envolta no trabalho humano, mais especificamente na atividade de trabalho, em oposição a um pensamento que compreende o trabalho como um fazer mecânico que concebe o ser humano como um simples executor de tarefas.

3 Aspectos metodológicos

Diante dos pressupostos teóricos expostos, apresentamos, brevemente, os aspectos metodológicos que sustentaram nosso estudo. As reflexões teóricas e discursivas aqui propostas partem da análise da seguinte materialidade: o desabafo de uma profissional da área de Enfermagem, Taísa Land, de 37 anos, que fez um post sobre a rotina no plantão de trabalho com pacientes infectados pela covid-19 em sua página do Facebook, em 28 de maio de 2020. Partindo dessa exposição espontânea, que demanda fatos, atos e emoções na atividade de trabalho de Enfermagem, verificamos a relevância do estudo de enunciados dessa esfera de atuação laboral, no contexto social singular em que nos encontramos, como importante contribuição para os estudos na área da Linguística e da Ergologia. Isto é, entendemos esse relato como um discurso dialógico que, em rede social, com caráter digital e público, além de responder a discursos passados, provoca respostas nos usuários da rede, os destinatários, de quem se espera uma compreensão responsiva ativa, até imediata, de certo modo, por estarem situados na temporalidade do evento.

Logo, este artigo aproxima a perspectiva dialógica e a abordagem ergológica, discorrendo sobre a importância da verbalização do trabalhador diante da sua atividade laboral realizada em centros de alta complexividade quanto ao cuidado da vida. Para realizar as etapas de análise, seguimos os pressupostos da teoria dialógica do Círculo de Bakhtin e ergológica de Schwartz (2002SCHWARTZ, Y. A abordagem do trabalho reconfigura nossa relação com os saberes acadêmicos: as antecipações do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, M. C. P.; FAÏTA, D. Linguagem e trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p.09-137.; 2011SCHWARTZ, Y. Conceituando o trabalho, o visível e o invisível. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p.19-45, 2011. Disponível em https://www.scielo.br/j/tes/a/HTF7DtBVhZfgVZXqhkPX4Mx/abstract/?lang=pt. Acesso em 20-09-2021.
https://www.scielo.br/j/tes/a/HTF7DtBVhZ...
; 2014).

Para a análise, nos deteremos unicamente no relato postado pela enfermeira em seu perfil público. Para tanto, dispensaremos o conjunto de comentários implicados, suas réplicas ou tréplicas, por entender que o texto original contém pistas linguísticas suficientes para compor os dados que alimentarão a análise.

4 Tessituras dialógicas e ergológicas

Relato de um plantão que partiu meu coração8 8 O relato foi enumerado em uma sequência de parágrafos de 1 a 16, os quais chamaremos excerto 1, excerto 2, subsequentemente, conforme exposição a seguir. 😭

1 Paciente internada conosco há alguns dias, sempre simpática e lutando contra o covid. Perdeu o marido semana passada, que também estava internado conosco. Nem pode se despedir...

2 Ontem o seu quadro piorou, estava muito cansada e ao ser comunicada que seria intubada, pediu ao médico: Não, doutor, por favor! Não faça isso! Eu sei que eu não voltarei.

3 Nesse momento, agradeci por estar de máscara e face shield. Assim, ninguém pode ver as lágrimas que escorriam.

4 Tive que sair, andar pelo corredor sem rumo, respirar e voltar.

5 Penso que uma das piores coisas, deve ser ter consciência que em breve você poderá morrer e não poderá estar mais com quem ama. Como tenho medo disso.

6 Retornei...

7 O paciente ao lado chorava.

8 Ela pediu o celular pra ligar pra filha. Ligou no viva voz. Do outro lado, a filha em desespero, rezando, pedindo a Deus com toda força pela vida mãe. Mais uma vez não aguentei...

9 Pode ter sido o último “encontro” dessa mãe com essa filha, sem um abraço, sem o conforto de estar com quem ama.

10 Demos a mão pra ela, rezei em silêncio, pedimos para confiar pq faríamos o melhor.

11 Mais tarde... o paciente da mesma enfermaria, internado também já alguns dias, agravou. Estávamos ao lado dele, fazendo tudo que podíamos para estabilizar sua pressão.

12 Ele ainda consciente, perguntou: Posso dormir? Estou com medo de dormir e não acordar.

13 Respondi: Pode relaxar, estaremos aqui cuidando de você.

14 Ele disse: eu sei que eu vou morrer essa noite! Realmente, ele sabia.

15 Aquele que chorou pela paciente ao lado, agora fechou o olho para não ver o da frente. E com certeza estava pedindo a Deus para que não fosse o próximo.

16 É inexplicável o que estamos vivendo. Jamais seremos os mesmos. Que vírus maldito!

Schwartz (2002SCHWARTZ, Y. A abordagem do trabalho reconfigura nossa relação com os saberes acadêmicos: as antecipações do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, M. C. P.; FAÏTA, D. Linguagem e trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p.09-137.; 2001; 2014) entende que a reflexão sobre as dramáticas de uso de si exige que a observação da linguagem seja voltada: (i) para a linguagem do cotidiano do trabalho, tomada na horizontalidade da atividade, em que o trabalhador a utiliza para regular sua atividade, (ii) para uma dimensão mais distanciada em relação à história e à atividade. Quanto à perspectiva dialógica, buscamos nas verbalizações desvelar a atividade humana refletida e refratada em forma de signo e as suas posições ideológicas (VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019.).

Associado ao debate de normas e valores da atividade de Enfermagem, esta pesquisa tem como foco a análise das dramáticas de uso de si de uma enfermeira que desabafa sobre um turno de seu trabalho em meio à pandemia. Para tanto, buscamos na web, por meio do mecanismo de pesquisa do Google, a plataforma on-line Facebook. Em busca de reportagens sobre trabalho na pandemia por coronavírus, chamou-nos a atenção a postagem ocorrida em 28 de maio de 2020, que se constitui do relato de uma enfermeira que trabalha na linha de frente para atender pacientes com covid-19, em um Centro de Tratamento Intensivo (CTI) de um hospital no Rio de Janeiro. Esse relato foi amplamente comentado nas redes sociais, replicado por usuários no próprio Facebook e, também, em plataformas jornalísticas9 9 Um exemplo de divulgação feita pelo jornal BBC encontra-se disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52974325 . Acesso em: 28 nov. 2020. .

Iniciemos a análise pelo título da postagem, Um plantão que partiu meu coração. A enfermeira potencializa o que Volóchinov (2019, p.134-135) traz, em “A palavra na vida e a palavra na poesia”, ao referir que “a palavra é um esqueleto, que ganha carne viva somente no processo da percepção criativa e, por conseguinte, somente no processo da comunicação social viva”. Dada a relevância do título, iniciamos nossa análise com evidências claras das teorias que embasam essa proposta de estudo, pois, em “O autor e a personagem na atividade estética”, mais precisamente no capítulo 2, seção 5, temos “O corpo como valor: o corpo interior”, (BAKHTIN, 2011, p.44-55) em seus aspectos volitivo-emocionais e em relação à esfera que a enfermeira se encontra implicada, o Centro de Tratamento Intensivo do Hospital.

Então, a referância aos pacientes excede a relação eu/outro sobre o que chamamos trabalho de Enfermagem, que consiste basicamente em dar assistência ao outro, cuidar. Nesse sentido, ao expor subjetividades advindas desse excedente que está pautado pelos tons volitivo-emocionais que habitam seu interior, buscamos apoio em Bakhtin (2011aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a., p.3-92., p.44), pois esses tons dados, ao que se vê, são verbalizados em “dizem respeito ao seu estado interior e às suas possibilidades como sofrimentos, gozo, paixões, satisfações etc.”. O ato de fazer o relato em tom de desabafo parece esvaziar-se de si, do que transborda do seu corpo interior, posto em relação ao que está em contato com o seu exterior.

O discurso é construído em uma relação com o interlocutor e brota das expressões concretas e vivas da língua. É nesse sentido que se considera discursivamente o sujeito como produtor de enunciados, seja para ele mesmo, seja na relação com o outro. Seguindo essa direção, o título do enunciado rege esta análise, pois, ao construir enunciado, Relato de um plantão que partiu meu coração, a profissional de Enfermagem faz escolhas linguísticas, vale-se de signos ideológicos e elabora uma trajetória sobre os usos de si que a profissão exige para refletir sobre a sua vivência naquele espaço (Centro de Tratamento Intensivo de um hospital) e período (período de plantão) de trabalho determinados.

Pelo uso da palavra, ela estrutura as bases, emoldura o relato, imprime nele os elementos linguísticos com o tom expressivo do que sente e o lança em rede social. No excerto 1, percebemos uma característica comum nos registros de Enfermagem: situar espacial e temporalmente o paciente. Esse instante de seu relato é como se estivesse registrando o seu plantão no prontuário do paciente. Temos Paciente internada conosco há alguns dias e, em seguida, no mesmo relato, ela prossegue com as suas percepções axiológicas (sempre simpática e lutando contra o covid) e, nos enunciados que seguem e que vão percorrer todo o corpo do texto, inicia sua excursão pelas relações dialógicas constituídas pelos enunciados presentes em seu relato, mas que estão implicados diretamente no que Faraco (2009)FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. resume sobre as conceituações da subjetividade na linguagem no Círculo de Bakhtin, de que o si não é sem o outro. Ou seja, os enunciados de Taísa estão permeados pela inter-relação constitutiva entre si e o outro. Perdeu o marido semana passada, que também estava internado conosco. Nem pode [sic] se despedir... Nesse final do excerto 1, em relação à responsividade do enunciado, percebemos que o discurso da enfermeira dirigido à rede social dialoga não apenas com os interlocutores, mas com vozes sociais que emergem da sua interação com os pacientes. Há uma expectativa social de que as pessoas possam se reunir e se despedir de quem morre. O contexto em que nascem os enunciados é um ambiente também gerador de vozes sociais, causador de expectativas sobre vida e morte, pois há a generalização de que a internação no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) é grave e, com ela, corre-se risco de não sobreviver.

Por essa razão, não se pode olhar para tal sequência de termos linguísticos encadeados nos enunciados da enfermeira sem deixar de considerar o todo, a situação extraverbal no seu contato com a realidade vivida por ela, constitutiva, que fortalece e axiologiza cada palavra escolhida. Como afirma Volóchinov (2018, p.123), “toda palavra comporta duas faces e é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém”, ou seja, fortalece a relação direta com discursos alheios e semanticamente determina a posição responsiva que ocupa o outro falante.

Em cada ato da sua atividade de Enfermagem, percebe-se uma retroalimentação de sentimentos quando o seu corpo entra em contato com o corpo do outro, como vemos no excerto 10: Demos a mão pra ela, rezei em silêncio, pedimos para confiar pq faríamos o melhor. No que tange à teoria bakhtiniana, os “atos que pratico em relação a mim mesmo e devem ser realizados para o outro; no entanto, não se pode falar de transferência para o outro da relação axiológica interior que nutro comigo mesmo” (BAKHTIN, 2011aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a., p.3-92., p.45). Assim, por mais que a profissão exija uma posição exotópica, ela não consegue se distanciar dos tipos de sentimentos que abriga em si. No ato e no gesto com o corpo exterior, ela toca a mão. Há o tom axiológico da mão que se estende para ajudar, acalentar, dar afeto e espantar a solidão do outro que reflete aquele ambiente, refrata na enfermeira e cala no seu interior. Ainda respaldados em Bakhtin (2011aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a., p.3-92., p.45), buscamos entender que esses sentidos tratam “da criação de uma relação volitiva-emocional inteiramente nova com o outro enquanto tal, a qual chamaremos de amor e não se pode, absolutamente, ser vivenciada em relação a [si] mesmo”, não naquele momento de refração de dor e de angústia, no qual cada um, o eu/enfermeira e o outro/paciente, habita suas singularidades reais e vívidas.

Seguindo a nossa análise, no decorrer dos excertos, verificamos que ela não só queria esvaziar-se dos sentimentos, mas gritar frente à pandemia e à forçada nova concepção do termo “morte” como algo naturalmente comum e corriqueiro do cotidiano. Ao escrever, responsabiliza-se pela autoria, entretanto, não escreve para si, em uma individualização. Ela se inscreve como representante de uma classe de trabalho. Ao projetar seu relato nas redes sociais, ela reacentua as vivências e dialoga com vozes alheias; vozes que se vinculam ao exercício de cuidado e proteção à vida, imagem construída pela e na atividade de trabalho da Enfermagem. Externamente, relaciona-se com o outro, com as normas da instituição e o trabalho prescrito, tudo isso envolto em uma esfera médico-social, contextualizada por normas e prescrições, que gera em si uma atividade industriosa expressada no pertencimento à classe.

Da atividade realizada dentro do CTI, esperam-se cuidado e zelo pelo conforto e pela vida, observados, por exemplo, nos excertos 11, Estávamos ao lado dele, fazendo tudo que podíamos para estabilizar sua pressão, e 13, Respondi: Pode relaxar, estaremos aqui cuidando de você. Nesses enunciados, ainda observamos a potencialidade valorativa presente nessas marcas, pois as ações verbalizadas por ela configuram-se por tomar para si a responsabilidade pela vida do outro dentro da imprevisibilidade da doença. Porém, um trabalho que lida com as subjetividades dialoga com as imprevisibilidades do meio que confrontam as normas. Contudo, como dizem Di Fanti e Machado (2012DI FANTI, M. G.; MACHADO, I. B. Da criação de espaços de dizer: (re)normalizações e usos de si no trabalho. Moara, Belém, n. 38, p.21-36, jul./dez. 2012. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/1268. Acesso em 20-09-2021.
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, p.33; grifo das autoras), “em cada situação, o indivíduo precisa renormalizá-las [as normas], ou seja, singularizar seu modo de agir, fazendo uso de si”. Nesse sentido, ao mediar o contato eu/outro, subjaz às renormalizações frente à aplicação das normas e prescrições. Schwartz (2014)SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
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trata como “arbitragens” no trabalho, ou seja, são decisões desvinculadas da generalização das normas que são sempre repetíveis. Por assim dizer, no excerto 3, Nesse momento, agradeci por estar de máscara e face shield. Assim, ninguém pode ver as lágrimas que escorriam, e no excerto 4, Tive que sair, andar pelo corredor sem rumo, respirar e voltar, o profissional transcende as normas que lhe prescrevem sobre como deve se dar a sua presença no ambiente do CTI e descreve, por meio da escolha das marcas linguísticas pelas quais estrutura o enunciado, a tensão existente na profissão, pois, ao dizer que ninguém pode ver as [suas] lágrimas que escorriam, evidencia que o sujeito enunciador, sufocado pela dor do outro refratada em si, não quer se deixar notar nesse envolvimento emocional. Essas palavras são reveladoras do envolvimento que há desses profissionais com o outro, com a dor alheia, compactuando com as suas ansiedades, medos e tensões entre vida e morte, que são próprias da profissão, por essa razão sendo difíceis de se manter equilibradas. No entanto, entende-se que há uma necessidade de equilíbrio nas tensões na atividade de Enfermagem, como vemos nos sentidos que são dados ao enunciado do próximo excerto, o 4, no qual ela sai para andar pelos corredores de modo a se reorganizar interior e externamente, e busca esvaziar-se de sentimentos que a invadem naquele momento. Apesar dessa definição, abre diálogo com o que propõe Di Fanti (2012DI FANTI, M. G. Linguagem e trabalho: diálogo entre a translinguística e a ergologia. Desenredo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, v. 8, n. 1, p.309-329, jan./jun. 2012. Disponível em http://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/2651. Acesso em 20-09-2021.
http://seer.upf.br/index.php/rd/article/...
, p.314) quando afirma que:

a postura de associar ambos os saberes (constituídos e investidos) “consiste em uma atitude deontológica e ética, mas se trata, sobretudo, de uma postura científica”, em que a experiência do trabalhador na microgestão da atividade, no retrabalho das normas antecedentes, põe em evidência características da atividade.

Todavia, esse percurso aponta que não há como separar o ato de desenvolver tarefas e o ato humano de sentir emoções, ambos estão imbricados. Nesse espaço constituído por tensões entre sujeitos que trabalham e sujeitos que necessitam de cuidados entre um e outro, ficam as microescolhas, em que se renormalizam as normas, pois as “renormalizações” recriam sem cessar uma história: “ocorre continuamente algo novo” (SCHWARTZ, 2014SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
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, p.261) que, obrigando-nos a escolher, força-nos a nos escolher, na qualidade de seres às voltas com um mundo de valores. Ao escolher andar sem rumo pelo corredor (excerto 4) enquanto chora, a enfermeira busca realocar-se no que é preconizado quanto às normas da profissão e sobre a competência técnica dentro do seu âmbito específico, “a autonomia e a autoridade [...] a definição de critérios técnico-científicos e ético-profissionais que nem sempre colocam como prioritários o atendimento de necessidades” (KIRCHHOF, 2003KIRCHHOF, A. L. C. O trabalho da enfermagem: análise e perspectivas. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 56, n. 6, p.669-673, nov./dez. 2003. Disponível em https://www.scielo.br/j/reben/a/fdW4yBHcWxF6gtJjQ8yzthC/abstract/?lang=pt. Acesso em 20-09-2021.
https://www.scielo.br/j/reben/a/fdW4yBHc...
, p.669). Ao normalizar aquilo que lhe fora imposto pela mecanicidade das técnicas empreendidas no hospital, oportuniza-se dar vazão às emoções, a mecanizar-se e endurecer-se frente à dor do outro. Segundo o enfoque ergológico, tal como trata Schwartz (2014)SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, fazer essas microescolhas é dar vazão ao uso de si, em uma dramática cotidiana industriosa da sua atividade.

Ainda em Schwartz (2014SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p.261; grifos do autor), entendemos que “esse uso de si é uma imposição contínua dessas microescolhas permanentes e disso surge a expressão do trabalho como dramática do uso de si”, que visa a uma atitude de inteireza do sujeito trabalhador nas atividades realizadas no desenvolvimento do seu trabalho. Observamos, no excerto 6, que, ao proferir Retornei..., recentraliza-se na ação de cuidar diante do que lhe é prescrito, embora, na sequência, no excerto 8, a enfermeira retorne à profundidade dos usos de si ao relatar: Mais uma vez não aguentei... Nesse excerto, fica clara a força subjetiva que move a profissão em relação ao cuidado e à preservação da vida. De fato, é visto que o caráter humano não se desprende do ato do trabalho, contudo, uma exposição frequente à dor pode levar quem exerce essa atividade a se proteger do que pode causar sofrimento a si mesmo. Nesse caso, o excerto demonstra que não há vestígios de autopreservação da enfermeira, visto que, na visão de Bakhtin (2011aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a., p.3-92., p.45), “autopreservação é uma diretriz volitiva-emocional fria, totalmente desprovida de quaisquer elementos de amor-carinho e estética”. Pelo contrário, a responsabilidade afetiva em relação aos pacientes que estão aos seus cuidados cria uma inter-relação de sentidos que estimulam uma consciência de si mesmo e da sua relação com o outro. Segundo Bakhtin (2011bBAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. 3. ed. São Carlos: Pedro e João, 2011b., p.129), “o indivíduo proprietário dos conteúdos de sua consciência, como autor das suas ideias, como uma personalidade responsável por suas ideias e desejos”, vagueia nesse entremeio das relações de si com o(s) outro(s) social(is) que o circunda(m). Nesse movimento de ir e vir do sujeito que trabalha e lida com a vida e a morte, para ele, “a atividade industriosa se torna cada vez mais um encontro de dramáticas do uso de si, a de um agente no trabalho e a do usuário, do cliente, do paciente, do aluno etc.” (SCHWARTZ, 2014SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p.261).

Seguindo a teoria dialógica (BAKHTIN, 2018BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2018.), no discurso em análise, observamos um confronto de vozes entre a enfermeira e seus interlocutores, os pacientes. As diferentes expectativas diante da sobrevivência criam possibilidades de entonações potenciais evidenciadas na interação discursiva, porque todo discurso é “pleno das palavras dos outros, de grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.54). Observamos, na reprodução do excerto 2, o quanto ela acentua, por meio de entonações expressivas, pelo uso de exclamação, o que é dito pela paciente: Ontem o seu quadro piorou, estava muito cansada e ao ser comunicada que seria intubada, pediu ao médico: Não, doutor, por favor! Não faça isso! Eu sei que eu não voltarei. Em outros excertos presentes no relato, como o 12, é visto também: Ele ainda consciente, perguntou: Posso dormir? Estou com medo de dormir e não acordar; e, no excerto 14, Ele disse: eu sei que eu vou morrer essa noite!, há sempre a escolha pelo tom expressivo na fala, mas, na escrita do relato, este é caracterizado pelo uso dos sinais exclamativos e interrogativos, o que evidencia a dramaticidade do que ocorre com a doença causada pela covid-19, visto pelo extraverbal presente nesses enunciados dos pacientes, os quais evidenciam incertezas quanto a continuar vivo encarnadas pelo temor da morte. Ao mesmo tempo, estão em embate as tensões advindas do campo de cuidados de Enfermagem, visto que não cabe ao enfermeiro só administrar medicações e efetuar medidas de conforto, ou seja, não só cuida da doença do outro; ele se envolve no cuidado de aspectos emocionais ocasionados pelo contexto da doença e pelo espaço onde a internação se dá. As relações dialógicas estabelecidas na constituição de sentidos dessa interação discursiva que ocorre dentro do espaço hospitalar apontam incertezas, medos, pavor, entre outros sentimentos que se exteriorizam para um coro de apoio via rede social. Ela é inundada pelos sentimentos do outro que, junto aos próprios, axiologizam os enunciados e os fazem emergir do universo off-line para o on-line. Esse espaço de trabalho off-line é constituído por ruídos, aparelhagens e procedimentos que aguçam os cinco sentidos dos recém-chegados ao lugar; em contrapartida, para quem está ali desenvolvendo seu trabalho cotidianamente, é um lugar comum, onde os ruídos aos poucos vão deixando de ser audíveis pela perda da sensibilização da escuta.

Para Bakhtin (2011aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011a., p.3-92., p.116), “todo discurso termina, mas não no vazio, e dá lugar ao discurso do outro (ainda que seja o discurso interior), à expectativa de resposta, de emoção” e, assim, infinitamente, os discursos que surgem a partir do já dito promovem um elo discursivo que nos leva a refletir sobre essa relação responsiva entre o eu e o outro no espaço hospitalar. Essa atividade de trabalho pressupõe uma expectativa latente de resposta do outro, o que deixa Taísa vulnerável para exercer a sua posição exotópica, entregando-se ao não distanciamento do humano, do afeto e do seu sentimento de impotência que essa relação de trabalho lhe causa. Ela não se desfaz desses discursos ao término de seu plantão, eles ecoam em sua mente, pois carrega, em sua consciência, memórias vivas, como flashbacks de uma noite norteada pela insegurança e pela exaustão física e emocional.

Nos excertos 5 e 9, evidencia-se um embate com essas memórias advindas do estresse causado pelo sofrimento na dor do outro, pressupondo em si a consciência da morte iminente. Vejamos em 5: Penso que uma das piores coisas, deve ser ter consciência que em breve você poderá morrer e não poderá estar mais com quem ama. Como tenho medo disso; e no excerto 9, Pode ter sido o último “encontro” dessa mãe com essa filha, sem um abraço, sem o conforto de estar com quem ama. Essas ideias transportam Taísa para a dimensão maternal, já que ela é mãe e filha e valora as representações ideológicas presentes nessas relações indissociáveis de afeto e de presença constante ditadas pela maternidade - outrora separadas pelo cordão umbilical, agora separadas pelas paredes duras e frias do hospital. Assim, como em um jogo de alternância de lugares, ora Taísa é a enfermeira, ora é mãe, filha, irmã. Deve haver um recentramento, imediato, pois tais acentuações de valores são reveladoras de usos de si que precisam ser gerenciadas de imediato, dentro das imprevisibilidades que este setor de trabalho oferece. De fato, o Centro de Tratamento Intensivo, enquanto um ambiente, um espaço onde se travam embates de vida e de morte, saúde e doença, dor e bem-estar:

torna-se então um espaço de tensões problemáticas, de negociações de normas e de valores, daí considerá-lo um drama para um corpo-si, uma entidade enigmática que indissocia o corpo físico e a mente, abrangendo interações sociais, memória, emoções, posição postural etc. (DI FANTI; MACHADO, 2012DI FANTI, M. G.; MACHADO, I. B. Da criação de espaços de dizer: (re)normalizações e usos de si no trabalho. Moara, Belém, n. 38, p.21-36, jul./dez. 2012. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/1268. Acesso em 20-09-2021.
https://periodicos.ufpa.br/index.php/moa...
, p.25)

É dentro desse espaço laboral que o desabafo da enfermeira é valorado e, pelos sentidos que dá aos enunciados, percebe-se que a sua atividade de trabalho ultrapassa o que lhe fora prescrito. Pensando nisso, conforme trata Di Fanti (2014DI FANTI, M. G. Apresentação: Linguagem e trabalho: diálogos entre estudos discursivos e ergológicos. Letras Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.253-258, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19111. Acesso em 20-09-2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p.255), “o vazio das normas impõe arriscar-se no trabalho, ao fazer uso de si”, e resiste a limitar-se somente ao cumprimento do que é prescrito que seja feito no paciente. Nessa perspectiva, ainda, entende-se que as dramáticas dos usos de si no trabalho consistem na criação, pelo sujeito trabalhador, de uma “entidade enigmática que resiste às tentativas de ser objetivado” (DI FANTI, 2014DI FANTI, M. G. Apresentação: Linguagem e trabalho: diálogos entre estudos discursivos e ergológicos. Letras Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.253-258, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19111. Acesso em 20-09-2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p.255), o qual chama de corpo-si.

Os excertos 15 e 16 são reveladores de conflito entre usos de si na atuação de Taísa, porque revelam uma atividade que lida com a dor alheia. Nesse ponto, buscamos apoio na teoria de Schwartz (2014SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
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, p.262), pois “justo por se levar em conta o peso da gestão das dramáticas da atividade nos ‘serviços’ é que não causa surpresa que eles sejam hoje um lócus privilegiado de proliferação de ‘riscos profissionais vinculados com fatores psicossociais’”. Na perspectiva pontuada por Schwartz (2014)SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, considera-se que, ao se sobrecarregarem pelo uso de si em suas atividades, esses profissionais, que estão em permanente contato com a dor e o sofrimento, adoecem.

Nesse sentido, no excerto 15, é mencionado: Aquele que chorou pela paciente ao lado, agora fechou o olho para não ver o da frente. E com certeza estava pedindo a Deus para que não fosse o próximo. Assim, ela compactua com a consciência do outro, e, por meio de seus gestos, entende e sofre na e pela dor [alheia] desse outro. Porque todo discurso é “pleno das palavras dos outros, de grau vário de alteridade ou de assimibilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.54), por isso, o 16, o último excerto, visto como ápice de tudo que relatou, tem ares de finalização, mas, como contempla Volóchinov (2018, p.221) sobre a totalidade dos enunciados, “o processo do discurso, compreendido de modo amplo como um processo de vida discursiva exterior e interior, é ininterrupto e não conhece nem início e nem fim”. Então, ao usar o enunciado, É inexplicável o que estamos vivendo. Jamais seremos os mesmos. Que vírus maldito!, ela não encerra o relato; pelo contrário, ela busca a ação responsiva do seu auditório e, pela expressividade, faz ecoar sobre as consciências a materialização da vida e da morte, presenças constantes na sua atividade-trabalho.

Taísa, ao abrir um espaço de reflexão sobre sua profissão, sobre si e sobre o outro, “deixa claro que o uso de si por si de cada um depende não apenas das características individuais e do contexto em que estão inseridos, como também do uso que fazem do outro (uso de si pelo outro)” (DI FANTI; MACHADO, 2012DI FANTI, M. G.; MACHADO, I. B. Da criação de espaços de dizer: (re)normalizações e usos de si no trabalho. Moara, Belém, n. 38, p.21-36, jul./dez. 2012. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/1268. Acesso em 20-09-2021.
https://periodicos.ufpa.br/index.php/moa...
, p.33; grifos das autoras) no cotidiano de trabalho, tendo em vista que há embates na profissão de enfermagem, principalmente, em Centros de Tratamento Intensivo, frente ao trabalho desempenhado no cuidado de pacientes de alta complexidade. No discurso em análise, a enfermeira revela, seguindo a teoria dialógica (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016.), uma imagem discursiva do outro. Pela constituição dos enunciados, ela emoldura os sentidos do dizer em tons de expectativa frente a sua atuação, de onde emerge o potencial enunciativo pelas relações dialógicas estabelecidas na constituição de sentidos no discurso.

Considerações finais

Considerando a internet como espaço discursivo na esfera midiática, encontramos um campo fértil nas redes sociais para investigarmos discursos de sujeitos que trazem para o debate enunciados advindos de acontecimentos do trabalho em contexto hospitalar. Nesse sentido é que, respaldados pela teoria dialógica e ergológica, tecemos as análises das vivências do sujeito que trabalha na Enfermagem, a partir do tom emotivo-volitivo da profissional de saúde em ambiente on-line.

Com isso, destacamos a relevância de desenvolvermos pesquisas na interface linguagem e trabalho, dentre a grande massa de profissionais que circulam e comentam em rede social seus trabalhos, adversidades, satisfações, perdas e ganhos. Para tanto, escolhemos o relato de uma profissional da saúde que, após um plantão exaustivo físico e emocional, gerou um desabafo com entonação expressiva, o qual se constituiu como material de reflexão desta pesquisa.

Em seu perfil no Facebook, o ambiente on-line, a enfermeira publicou o seguinte título: Relato de um plantão que partiu meu coração e, em seguida, discorreu sobre a atividade de trabalho daquela noite de plantão, o ambiente off-line. De fato, a enfermeira dá voz não só à classe de profissionais de saúde, mas também a todos que estejam engajados na luta contra a propagação do vírus, constituindo, então, o que a teoria bakhtiniana chama de auditório, cuja ação discursiva passa a representar ao se enunciar pelas redes sociais.

A partir das verbalizações que constituem o relato, percebemos que os enunciados foram proferidos com entonação expressiva e tom emotivo, carregados de sentidos constituídos por dois elementos paradoxais do seu trabalho, a vida e a morte. De acordo com Bakhtin (2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016., p.48), “a entonação expressiva é um traço constitutivo do enunciado”, relacionando sentidos que o sujeito enunciador quer dar ao que é dito; e, dentro desse prisma, é que esse trabalho é conduzido. As reflexões que fizemos por meio da teoria bakhtiniana exploraram os valores contidos nos enunciados postos na internet, os quais revelaram posições axiológicas, em seu diálogo, que o posicionam subjetivamente na atividade de enfermagem realizada. Ao mesmo tempo, os sentidos dados aos enunciados servem de denúncia do trabalho realizado dentro de um Centro de Tratamento Intensivo, visto que descreve o trabalho nesse espaço como constituído por uma arena de embates e enfrentamentos dos usos de si do sujeito trabalhador na área de Enfermagem frente à nova rotina proporcionada pelo coronavírus.

Pelas dramáticas do uso de si, conforme trata a Ergologia, a enfermeira se revela emocionalmente atingida pelo sofrimento gerado no paciente internado e que está contaminado pelo coronavírus. Assim, concebe-se que a manifestação em rede social mostra, também, uma profissional potencialmente atingida por atos externos ao hospital em relação ao enfrentamento da pandemia; seja pelos órgãos competentes que deveriam apoiar esse embate à doença; seja pela sociedade que desafia o vírus, minimizando-o enquanto se expande e se agrava o problema de saúde pública.

Diante da complexidade de se revelar por meio de desabafo em forma de texto, e afetada por todo um contexto que implica o exercício do seu trabalho, a enfermeira mostra-se consciente dos seus embates e age pela persuasão da massa leitora das redes sociais. Investindo em seu coro de apoio, os seus interlocutores na rede social, ao emitir a publicação, o faz dentro da singularidade de ser trabalhadora da área da saúde, no tempo irrepetível dos atos praticados em um espaço de tempo chamado por ela de pós-plantão. Portanto, ela se apropria do ambiente interconectado para aliviar a tensão da atividade laboral, no seu uso de si para si e para o outro, do permanente risco de contágio pelo coronavírus e dos enfrentamentos rotineiros que a profissão exige.

Por meio de entonações e dos sentidos dados ao que verbaliza na rede, Taísa demonstra a profunda carga das emoções contidas dentro de si, seja pela morte dos pacientes, dos colegas de profissão, seja pela própria disseminação desenfreada pelo vírus que, em maio de 2020, mês de seu relato, atingia números altíssimos no país.

Reiterando a relevância desta investigação quanto à atividade de trabalho, os estudos de enfoque ergológico mapeiam o desgaste humano e psicológico do profissional junto ao trabalho com a covid-19. Desse ponto de vista, foca-se nos usos de si, tanto uso de si por si, como uso de si pelo outro. Nessa perspectiva, evidenciam-se tensões entre os saberes adquiridos na permanência da atividade no cotidiano do trabalho e as normas e prescrições da instituição. Os saberes instituídos em diálogo (pela experiência cotidiana), somados aos saberes teóricos (vindos de formação teórica, normas e prescrições) para poderem chegar aos saberes investidos (os usos de si), só se desenrolam na prática das atividades. Ao tecer enunciados no Facebook, a enfermeira excede os espaços formais desse trabalho e se expande para o universo virtual on-line: o relato como voz das vozes que se calam no Centro de Tratamento Intensivo, um apelo axiologizado pelas experiências que ilustram, por meio de palavras, a dura realidade da sua atividade no trabalho de enfrentamento à pandemia provocada pelo novo coronavírus.

  • 1
    Recuero (2014RECUERO, R. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2014., p.102) define sites de redes sociais como “uma categoria do grupo de softwares sociais, que seriam softwares com aplicação direta para a comunicação mediada por computador”. Já quanto às redes sociais digitais, Recuero (2009RECUERO, R. Redes sociais na Internet. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2009., p.24) afirma que: “uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)”.
  • 2
    Segundo Costa (2009)COSTA, S. R. Minidicionário do discurso eletrônico-digital. Belo Horizonte: Autêntica, 2009., um post é um texto narrativo, descritivo e opinativo. O nome foi originado dos blogs e agora é utilizado também nas redes sociais.
  • 3
    O recurso pode ser conhecido em: https://www.facebook.com/help/460711197281324/. Acesso em: 11 jun. 2020.
  • 4
    “Uma ação ou atividade realizada predominantemente por mulheres, que precisam dela para reproduzir a sua própria existência e utilizam um saber advindo de outras ciências e de uma síntese produzida por ela própria para apreender o objeto da saúde naquilo que diz respeito ao seu campo específico (cuidado de Enfermagem), visualizando o produto final, que é atender às necessidades sociais, ou seja, a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a recuperação do indivíduo ou o controle da saúde da população” (ALMEIDA; ROCHA, 1997ALMEIDA, M. C. P.; ROCHA, S. M. M. O trabalho de enfermagem. São Paulo: Cortez, 1997.).
  • 5
    Pela teoria bakhtiniana, trataremos “rede social” como auditório.
  • 6
    Conforme Schwartz (2014SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si, atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3, p.259-274, jul./set. 2014. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/19102. Acesso em 20-09-2021.
    https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
    , p.261), “toda sequência de atividades industriosas envolve arbitragens, debates, imersos num mundo social em que a comunidade de destino é sempre eminentemente problemática, em permanente reconstrução”.
  • 7
    Uma das reportagens a esse respeito, dentre outras, foi publicada no site jornalístico da BBC News. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52974325. Acesso em: 11 jun. 2020.
  • 8
    O relato foi enumerado em uma sequência de parágrafos de 1 a 16, os quais chamaremos excerto 1, excerto 2, subsequentemente, conforme exposição a seguir.
  • 9
    Um exemplo de divulgação feita pelo jornal BBC encontra-se disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52974325 . Acesso em: 28 nov. 2020.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Oct/Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2020
  • Aceito
    06 Ago 2021
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