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Lótman continua a surpreender: revoluções e emoções coletivas

Resumo

Entre 1988 e 1993, Iúri M. Lótman formulou algumas proposições sobre “a voz da massa anônima”: uma voz coletiva que, em certas situacões ligadas a crises de caráter cultural, é portadora de paixões violentas que podem produzir interferências profundas no curso da história. Em seus últimos trabalhos, o semioticista russo postulou, diante disso, a noção de uma semiótica das emoções como objeto de estudo para entender a dinâmica cultural, em especial de períodos tidos como revolucionários ou de transição, a saber, quando a massa anônima é capaz de manipular os eventos ou quando, revendo o passado, confere aos eventos uma interpretação distorcida. Lótman focalizou, principalmente, a relação entre as grandes fraturas históricas, os mecanismos de autopropagação do medo e a criação cultural de bodes expiatórios. O presente estudo visa abordar a reflexão de Lótman sobre perseguição, com especial atenção à figura da mulher durante o fenômeno de caça às bruxas.

Palavras-chave:
Iúri Lotman; Semiótica das emoções; Semiótica do medo; Comportamento social; Caça às bruxas; Bode espiatório

ABSTRACT

Between 1988 and 1993, Yuri Lotman composed a series of reflections on “the voice of the anonymous mass”: a collective voice that, in particular situations linked to a cultural crisis, is the bearer of striking passions, which can deeply influence history. In his late works, the Russian semiotician postulated, therefore, the idea of a semiotics of emotions as an object of study to understand the dynamics of culture, especially during periods perceived as revolutionary or transitional―namely, when the anonymous mass manipulates the events or, when looking back, gives them a distorted interpretation. Lotman focused in particular on the relationship between great historical fractures, the self-propagating mechanisms of fear, and the cultural creation of scapegoats. This paper is devoted to framing Lotman’s reflection on persecution, paying particular attention to women during the phenomenon of the witch hunt.

KEYWORDS:
Yuri Lotman; Semiotics of emotions; Semiotics of fear; Social behavior; Witch-hunt; Scapegoat

Introdução

O título desta contribuição lembra um livro bem conhecido em círculos semióticos: Semiotics Continues to Astonish: Thomas A. Sebeok and the Doctrine of Signs (COBLEY et al., 2011COBLEY, P.; DEELY, J.; KULL, K.; PETRILLI, S. (ed.). Semiotics Continues to Astonish: Thomas A. Sebeok and the Doctrine of Signs. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2011.). Isso mesmo: a semiótica continua a surpreender, assim como o pensamento de um de seus principais representantes, Iúri Lótman. Esta edição monográfica dedicada ao consagrado estudioso russo é a expressão dos vastos fenômenos de disseminação e adoção da abordagem lotmaniana que, na última década, se estendeu das ciências literárias para várias disciplinas: biossemiótica, estudos políticos, antropologia e pós-colonialismo, estudos de comunicação e de tradução, estética e estudos filosóficos do pós-modernismo, e ecologia da mídia.

Além do trabalho editorial constante realizado por Tatiana Kuzóvkina, Mikhail Lótman, Igor Pilshchikov e Mikhail Trunin (só para citar alguns) na série Biblioteca Lotmaniana1 1 Recentemente foi publicada uma auspiciosa coleção de escritos dedicados a Zara Mints (KUZóVKINA et al., 2017). Entre 2017 e 2018 Conversations About Russian Culture. Television Lectures [Conversas sobre cultura russa. Leituras de televisão] (LOTMAN, 2017) e The Tartu-Moscow Semiotic School in the Correspondence Between Yu. Lotman and B. Uspensky[A escola de semiótica Tártu-Moscou na correspondência entre Iúri Lótman e B. Uspênskii (LOTMAN; USPENSKY, 2018), que foram traduzidas para o italiano. Exemplos de ensaios recentes de Lótman e sua reinterpretação incluem Restaneo (2018), Epstein (2018), Kroó; Torop (2018), Torop (2017), Gramigna; Salupere (2017), Novikova; Chumakova (2015). , encontramos a publicação de estudos muito recentes que tornam urgente a revisão da abordagem lotmaniana e do movimento intelectual que lhe serviu de berço, ou seja, a Escola Semiótica Tártu-Moscou (e suas ligações com a semiótica peirciana e estruturalista). Considere-se, por exemplo, Makarychev e Yatsyk (2017)Makarychev, A.; Yatsyk, A. Lotman’s Cultural Semiotics and the Political. London/New York: Rowman & Littlefield, 2017., Torop et al. (2015)TOROP, P. et al. International Journal of Cultural Studies. Special Issue: The Uses of Juri Lotman, v.18, n.1, January 2015. Available at: https://journalssagepub.com/toc/icsa/18/1. Access on: 26 Nov. 2018.
https://journalssagepub.com/toc/icsa/18/...
, Velmezova (2015)VELMEZOVA, E. (ed.). L’Ecole sémiotique de Moscou-Tartu/Tartu-Moscou: histoire, épistémologie, actualité. Slavica occitania, n.40, Toulouse: Université de Toulouse, 2015., Lorusso (2015)LORUSSO, A. M. Cultural Semiotics: For a Cultural Perspective in Semiotics. New York: Palgrave Macmillan, 2015., Grishakova e Salupere (2015)Grishakova, M.; Salupere, S. (ed.). Theoretical Schools and Circles in the Twentieth-Century Humanities: Literary Theory, History, Philosophy. New York/London: Routledge, 2015., Pilshchikov (2015)Pilshchikov, I. (ed.). Urban Semiotics: the City as a Cultural-Historical Phenomenon. Tallinn: TLU Press, 2015., Lang e Kull (2014)Lang, V.; Kull, K. Estonian Approaches to Culture Theory. Tartu: University of Tartu Press, 2014., Semenenko (2012)Semenenko, A., The Texture of Culture: An Introduction to Yuri Lotman’s Semiotic Theory. Basingstoke/New York: Palgrave Macmillan, 2012., Favareau (2010)Favareau, D. (ed.). Essential Readings in Biosemiotics: Anthology and Commentary. Dordrecht/Heidelberg/London/New York: Springer, 2010., Avtonomova (2009)AVTONOMOVA, N. Otkrytaya struktura: Yakobson, Bakhtin, Lotman, Gasparov. Moscow: ROSSPEN, 2009., Kantor (2009)KANTOR, V. (ed.). Yuri Mikhailovich Lotman. Moscow: ROSSPEN, 2009.. A essas obras, há de se acrescentar os trabalhos da revista Sign System Studies, com seus cinquenta e cinco anos de tradição científica (1964-2019).

Se, então, nos referimos ao ambiente latino-americano, não nos podemos esquecer das obras de Irene Machado e Ekaterina Vólkova Américo em português, e Silvia Barei e o GER (Grupo de Estudos de Retórica), Pampa Olga Arán, Ana Camblong, Julieta Haidar e Katya Mandoki em espanhol (apenas para mencionar alguns nomes)2 2 Em particular dois textos recentes, tais como Lecciones sobre la cultura y las formas de la vida (BAREI; GÓMEZ PONCE, 2018) e Problema semiótico em pesquisas de comunicação e cultura (MACHADO et al., 2016) são uma expressão do atual trabalho coletivo que grupos de pesquisa levam adiante na semiótica da cultura. Cf. ainda Machado (2007) e Arán; Barei (2002). .

Pessoalmente, se eu refletir sobre o nosso teórico hoje, entendo que há mais a dizer sobre o seu pensamento, e ainda há horizontes inexplorados, dignos de serem descobertos. Por isso, gostaria de aproveitar a oportunidade dessa edição para tratar do tema das emoções - tema muito caro ao “último” Lótman, que integra o centro da reflexão sobre a cultura contemporânea e suas linguagens.

Neste artigo, pretendo primeiro redimensionar os escritos inaugurais nos quais Lótman introduz o conceito de construção sociocultural do bárbaro (ou inimigo): indivíduo esquivo que rompe os “reguladores do comportamento” e é marcado pela vulnerabilidade. A condição de vulnerabilidade do bárbaro será colocada em relação à mulher, seguindo as reflexões de Lótman sobre o fenômeno da caça às bruxas, uma vez que o medo, regulador e inibidor social que garante a ordem e as normas, é o que eventualmente faz a anormalidade explodir (ver primeira seção).

Em seguida, pretendo focar num período de particular interesse para o entendimento das condições que levam uma comunidade a construir um bode expiatório: expressão de uma ameaça irracional e fictícia. Estou me referindo ao Renascimento, ao qual Lótman dedicou muita atenção em toda a sua parábola intelectual: período que representa um ponto de virada na esfera do pensamento humano, mas também um amálgama de comportamentos irracionais e mistificadores, dos quais, mais uma vez, a caça às bruxas é um exemplo emblemático. O fenômeno de caça às bruxas é inseparavelmente tratado por Lótman à luz da “semiótica do medo” [ семиотикастраха; semiotika strakha], a única emoção humana/animal que ele examinou teoricamente, mesmo se pudermos deduzir, por seus últimos escritos, que ele estava interessado num amplo conjunto de temas da psicologia da consciência de massa numa perspectiva semiótica (ver segunda e terceira seções).

Finalmente, proponho alguns caminhos de pesquisa que seriam desenvolvidos a partir da reflexão de Lótman (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a., p.65) sobre “a voz da massa anônima” (ver conclusões).

O inimigo, o medo e a histeria coletiva

Desde os escritos dos anos de 1970 e 1980, Lótman vislumbrou a importância do que ele define como emoção coletiva [affekty] para o estudo da cultura. Entre 1970 e 1975, Lótman publicou dois ensaios fundamentais: Sobre a semiótica dos conceitos de “vergonha” e “medo” no mecanismo da cultura [O semiotike ponyatiy “styd” i “strakh” v mekhanizme kul’tury] (2000 [1970])Lotman, Yu. O semiotike ponyatiy “styd” i “strakh” v mekhanizme kul’tury. In: LOTMAN, Yu. Semiosfera. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2000 [1970]. p.664-666. e The Decembrist in Everyday Life [O dezembrista na vida cotidiana] (1984 [1975])LOTMAN, Y. The Decembrist in Everyday Life [Dekabrist v povsednevnoi zhizni. Bytovoe povedenie kak istoriko-psikhologicheskaya kategoriya]. In: LOTMAN, Yu.; USPENSKY, B. The Semiotics of Russian Culture. Edited by Ann Shukman. Ann Arbor: Michigan Slavic Publications, 1984 [1975]. pp.71-123., nos quais emerge muito claramente o conceito de um “nós” cultural. A coletividade é concebida como uma espécie de corpo ordenado por “reguladores do comportamento [...], como vergonha, medo ou honra” (LOTMAN, 1984LOTMAN, Y. The Decembrist in Everyday Life [Dekabrist v povsednevnoi zhizni. Bytovoe povedenie kak istoriko-psikhologicheskaya kategoriya]. In: LOTMAN, Yu.; USPENSKY, B. The Semiotics of Russian Culture. Edited by Ann Shukman. Ann Arbor: Michigan Slavic Publications, 1984 [1975]. pp.71-123. [1975], p.71)3 3 Texto no inglês: “regulators of behavior [...], such as shame, fear or honor”. , que definem o grau de adesão ou de transgressão da norma. Esses reguladores moldam “figuras culturais” (os destemidos e desavergonhados4 4 Ver Lotman (2000 [1970], p.666). , o transgressor, o corrupto, o izgoi5 5 O banido, o pária social, o rejeitado, o exilado, o excluído. , o louco etc.), que são as contrapartes da “normalidade”. Eles constituem, em outras palavras,

formas específicas de comportamentos históricos e sociais, tipos de reações sociais de época, como também concepções gerais sobre quais ações podem ser consideradas corretas ou incorretas, permitidas ou proibidas, valiosas ou inúteis. […] A consciência do indivíduo está, por assim dizer, conectada a complexas formas éticas, religiosas, estéticas, práticas e outras formas semióticas, sobre as quais se constitui a psicologia do comportamento grupal (LOTMAN, 1984LOTMAN, Y. The Decembrist in Everyday Life [Dekabrist v povsednevnoi zhizni. Bytovoe povedenie kak istoriko-psikhologicheskaya kategoriya]. In: LOTMAN, Yu.; USPENSKY, B. The Semiotics of Russian Culture. Edited by Ann Shukman. Ann Arbor: Michigan Slavic Publications, 1984 [1975]. pp.71-123. [1975], p.71)6 6 Texto no inglês: “specific forms of historical and social behaviors, epochal and social types of reactions, as well as general conceptions as to which actions may be considered correct or incorrect, permitted or forbidden, valuable or worthless. […] The individual’s consciousness is, as it were, plugged into complex ethical, religious, aesthetic, practical and other semiotic forms, on which is constituted the psychology of group behavior”. .

Como um indivíduo (ou um grupo inteiro de indivíduos) pode ser considerado um transgressor desses reguladores de comportamento? Em 1984, Lótman respondeu a essa questão escrevendo o ensaio A dinâmica dos sistemas culturais [La dinamica dei sistemi culturali] (LOTMAN, 1985LOTMAN, Yu. La dinamica dei sistemi culturali [Dinamika kul’turnykh sistem]. In: LOTMAN, Yu. La semiosfera: l’asimmetria e il dialogo nelle strutture pensanti. Venice: Marsilio Editori, 1985 [1984], pp.131-145. [1984], p.131-145) para a edição de uma importante antologia de seus escritos em italiano: La semiosfera: l’asimmetria e il dialogo nelle strutture pensanti. Nessa ocasião, ele ofereceu uma reflexão surpreendente sobre a construção cultural do bárbaro, ou seja, aquele que é estrangeiro e alienígena, pois, de acordo com a etimologia grega [ βᾰ'ρβᾰρος], apenas balbucia e é incapaz de se fazer entender. Concentrando-se nas características da oposição tipológica entre civilização e barbárie, ele destacou como a civilização (simbolizada pela ordem, pelo governo e pela estabilidade) molda o bárbaro não apenas espacial, mas também “quantitativamente”. No primeiro caso, ele é projetado além das fronteiras da cultura (tanto ideal quanto fisicamente), tornando-se um pária7 7 Esse é um tema que foi desenvolvido extensivamente alguns anos antes - juntamente com Boris Uspiénski - e posteriormente explorado na figura do izgoi [pária] (LOTMAN; USPENSKY, 2002 [1982]). , uma “irregularidade” do sistema da cultura, um sujeito que não se enquadra nas expectativas sociais e que, portanto, deve ser confinado à periferia (por exemplo, aos arredores da cidade).

No segundo caso, o bárbaro assume o papel de uma “minoria”, embora na realidade ele não o seja. Segundo Lótman, na história, os exemplos mais convenientes desse “mecanismo” eram as mulheres porque “naturalmente, do ponto de vista numérico, não eram inferiores ao dos homens”8 8 Texto no italiano: “naturalmente dal punto di vista numerico non era inferiore a quello degli uomini”. , mas, especialmente em momentos históricos precisos, eram consideradas minorias, “um ‘exército satânico’ pérfido e passível de aniquilação” (LOTMAN, 1985LOTMAN, Yu. La dinamica dei sistemi culturali [Dinamika kul’turnykh sistem]. In: LOTMAN, Yu. La semiosfera: l’asimmetria e il dialogo nelle strutture pensanti. Venice: Marsilio Editori, 1985 [1984], pp.131-145. [1984], p.142)9 9 Texto no italiano: “‘un esercito satanico’ perfido e passibile di annientamento”. .

Já no início dos anos oitenta, Lótman nos apresenta o tema da perseguição social. De fato, o semioticista russo retorna a essa ideia mais tarde no ensaio Caça às bruxas: semiótica do medo [Okhota za ved’mami. Semiotika strakha] (escrito em 1988, mas publicado apenas em 1998 na revista Sign Systems Studies), ao enfatizar que quando uma sociedade - por razões que veremos oportunamente - é dominada pelo medo, ela procura um inimigo no qual possa derramar suas ansiedades. Segundo seu entendimento, um dos processos mais emblemáticos foi, nesse sentido, a caça às bruxas:

Como esse inimigo é retratado por uma sociedade assolada pelo medo? O primeiro conceito fundamental de bruxas pode ser formulado da seguinte forma: as bruxas são uma minoria organizada perigosa.

A principal característica do objeto do medo deriva do fato de ser ele uma minoria. A sociedade escolhe seus integrantes mais vulneráveis, ou seja, aqueles que sofrem o maior número de injustiças sociais e os eleva à condição de inimigo. No período que nos interessa, [o início da era moderna], as mulheres constituíram indubitavelmente essa minoria (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a., p.70)10 10 Texto original em russo: “Каким же рисуется пораженному страхом обществу этот враг? Первое основополагающее представление о ведьмах можно сформулировать так: ведьмы - опасное организованное меньшинство. Первая черта объекта страха - быть меньшинством. Общество выбирает реально наименее защищенную свою часть, часть, терпящую наибольшее число социальных обид и возводит ее в ранг врага. В интересующий нас период таким меньшинством, бесспорно, являются женщины.”. .

No processo de caça às bruxas, todo um grupo de indivíduos não apenas parece ser uma minoria (vulnerável, periférica) que viola os reguladores do comportamento - ou seja, não uma ameaça real -, como acaba sendo interpretado como um sujeito coletivo agressivo: o medo não é mais um “inibidor” que regula a sociedade (controlando-a e “racionalizando-a”), mas, ao contrário, torna-se uma emoção coletiva, que destrói o tecido social tornando absolutamente normais, coerentes e legítimos aqueles comportamentos que são, de fato, excepcionais (isto é, a acusação e a morte sistemática de minorias). Como veremos na próxima seção, isso acontece em momentos históricos específicos marcados pelo “curto-circuito” da histeria coletiva.

Voltando ao ensaio A dinâmica dos sistemas da cultura [La dinamica dei sistemi culturali], Lótman ressalta que o pesquisador-semioticista não pode ignorar o estudo da “explosão das emoções coletivas”, já que “as ondas da cultura se movem no mar do espírito humano” (LOTMAN, 1985LOTMAN, Yu. La dinamica dei sistemi culturali [Dinamika kul’turnykh sistem]. In: LOTMAN, Yu. La semiosfera: l’asimmetria e il dialogo nelle strutture pensanti. Venice: Marsilio Editori, 1985 [1984], pp.131-145. [1984], p.144)11 11 Texto no italiano: “le onde della cultura si muovono nel mare dello spirito umano”. , o que, inevitavelmente, gera contradições, incertezas e crises. A ideia dominante em seus últimos escritos afirma que a cultura é atravessada tanto por mudanças abruptas e lacerantes, fontes de ondas epidêmicas de terror (LOTMAN, 1985LOTMAN, Yu. Ob “Ode, vybrannoi iz Iova” Lomonosova. In: LOTMAN, Yu. Izbrannye stat’i. TOM II: Stat’i po istorii russkoi literatury XVIII - pervoi poloviny XIX veka. Tallinn: Aleksandra, 1992 [1983], pp.29-39. [1984], p.145), como também por novos caminhos imprevisíveis.

O Renascimento como um período histórico explosivo: um “modelo” transespacial e transtemporal para compreender a dinâmica cultural em tempos de crise

A história é uma teia emaranhada, não como um fio que se desenrola do começo ao fim. Com suas interpretações e seus discursos, as pessoas fazem dela um conjunto tão multifacetado que acabam transformando os eventos em um “enredo” [syuzhet], condicionando-os com suas paixões mais profundas e arquetípicas. Como evidenciado na introdução desse trabalho, grandes sublevações históricas lançam as pessoas na incerteza e as forçam a dar sentido ao presente por meio de novas formas de comunicação, que nem sempre são racionais. Nosso autor dedica muitas de suas últimas reflexões a esse tema12 12 Para um estudo detalhado, cf. Gherlone (2015). . Não é de se surpreender que Mikhail Lotman, na nota editorial para a publicação do artigo Caça às bruxas: semiótica do medo [Okhota za ved’mami. Semiotika strakha], tenha destacado como a semiótica do cataclismo social fazia parte da explosão intelectual que seu pai experimentara no final dos anos de 1980 com a descoberta da teoria da complexidade:

Pelo que sei, Iúri M. Lotman declarou duas vezes que precisava se reciclar completamente ou até mesmo aprender tudo de novo. A primeira crise ocorreu no início dos anos de 1960 e foi associada a um interesse pela cibernética, pela teoria da informação e por disciplinas matemáticas como a lógica, a teoria dos jogos e, de maneira especial, a topologia. A segunda crise estava ligada ao estudo de processos situados na intersecção entre a semiótica da cultura, a história e a psicologia da consciência das massas (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a., p.61-62)13 13 Texto original em russo: “На памяти публикатора Ю. М. Лотман дважды заявлял о том, что ему приходится полностью переучиваться, даже учиться заново. Первый кризис пришелся на начало 1960-х годов и был связан с интересом к кибернетике, теории информации и к таким матема тическим дисциплинам как логика, теория игр и, осо енно, топология. Второй кризис был связан с изучением процессов, лежащих на стыке семиотики культуры, истории и психологии массового сознания.”. .

Lótman considera a psicologia das massas um importante objeto de estudo para a compreensão da história, especialmente quando se trata de períodos caracterizados por dinâmicas sociais ligadas ao medo. O objetivo do historiador poderia ser, então, a construção de modelos das paixões coletivas “destrutivas” bem como os mecanismos de autopropagação correlatos.

O “objeto do medo” surge como um tópico de pesquisa particularmente espinhoso, de acordo com Lótman, especialmente quando se trata de uma ameaça desconhecida. De fato, há períodos históricos em que o medo tem razões sólidas para a existência: a disseminação de uma epidemia, uma guerra iminente ou a incursão de invasores estrangeiros. No entanto, há outros em que os sentimentos de terror se espalham sem uma causa real:

Nesta situação, surgem destinatários mistificados, construídos de maneira semiótica: não é a ameaça a causa do medo, mas o medo que molda a ameaça. O objeto do medo é uma construção social, produto de códigos semióticos, através dos quais a sociedade [sotsium] codifica a si própria e o mundo ao seu redor (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a., p.63-64; grifo da autora)14 14 Texto original em russo: “В этой ситуации возникают мистифицированные, семиотически конструируемые адресаты - не угроза вызывает страх, а страх конструирует угрозу. Объект страха является социальной конструкцией, порождением семиотических кодов, с помощью которых данный социум кодирует самого себя и окружающим его мир”. .

Através da manipulação da linguagem (o simbolismo da propaganda)15 15 No início da Europa moderna, exemplos de propaganda incluíam “panfletos ilustrados e cartazes que retratavam bruxas montadas em cabras ou em forcados em direção ao Sabbat [sabá ou reunião de bruxas], em que se praticavam atos anticristãos, como cuspir na hóstia da comunhão e ter relações sexuais com demônios” (WIESNER-HANKS, 2013, p.435). Além disso, execuções públicas, espetáculos em si (com a lista de acusações lidas para todos ouvirem), eram uma forma de propaganda (WIESNER-HANKS, 2013). Citação no original: “[i]llustrated pamphlets and broadsides that portrayed witches riding on goats or pitchforks to sabbats where they engaged in anti-Christian acts such as spitting on the communion host and sexual relations with demons”. , a sociedade constrói a imagem de uma vítima de sacrifício (a ameaça irreal), o agente de uma conspiração fatal. Nesse mecanismo, retornando à história da humanidade, o ensaio Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Progresso tecnológico como problema no estudo da cultura] (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988]) é lembrado. Esse ensaio deve ser lido em conjunto com Caça às bruxas: semiótica do medo [Okhota za ved’mami. Semiotika strakha] (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a.), com o qual compartilha alguns fragmentos sobre o tema da perseguição xenofóbica e a criação cultural do bode expiatório, definido em outro texto por Lótman como um mitologema real [mifologema] da consciência humana. A esses textos, é necessário adicionar o posfácio acima mencionado, que Lótman escreveu em 1989 na conclusão da primeira edição russa de O Nome da Rosa de Umberto Eco, intitulado Uma saída do labirinto [Vykhod iz Labirinta] (LOTMAN, 1998bLOTMAN, Yu. Vykhod iz Labirinta (afterword). In: ECO, U. Imya rozy. Moscow: Knizhnaya palata, 1998b [1989], p.650-669. Available at: http://www.philology.ru/ literature3/lotman-98.htm. Access on: 06 July 2018.
http://www.philology.ru/ literature3/lot...
[1989]).

O semioticista russo vê na Renascença - um conceito em si mesmo carregado de conflitos16 16 O Renascimento é um conceito que por si só opõe uma cultura luminosa a um mundo obscuro de barbárie (como de fato a Idade Média foi percebida pela posteridade). - uma época-chave para a compreensão dos mecanismos sociossemióticos subjacentes à emergência do estrangeiro em tempos de mudança e crise. O início da Idade Moderna na Europa era, de fato, uma época cultural particularmente contraditória, sob o domínio de muitas forças centrífugas e centrípetas que se arrastaram até o final do século XVIII (atingindo também a Revolução Francesa).

É uma época que vê a expansão dos horizontes geográficos, com a descoberta de terras virgens e “selvagens” e, contemporaneamente, a construção de novas fronteiras político-territoriais com a afirmação das línguas nacionais; que testemunha a especialização das ciências e métodos de pesquisa e, ao mesmo tempo, a fragmentação do universalismo medieval; que contempla “a crença otimista na onipotência do gênio humano” (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.785)17 17 Texto no inglês: “optimistic belief in the omnipotence of human genius”. e a difusão incondicional do medo histérico (em um mal oculto que sempre é colocado do lado de fora); que exalta o poder iluminante do progresso tecnológico e científico e, ao mesmo tempo, a mitologia do perigo e da conspiração.

O Renascimento foi o tempo das utopias, da confiança na virtuosidade humana, mas também de uma transformação radical, numa chave antropocêntrica, da relação entre homem e mundo. Lótman escreve: “O culto da criatividade humana tinha, no entanto, um lado obscuro: a natureza era vista como matéria-prima ou como território inimigo a ser conquistado e transformado” (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.785)18 18 Texto no inglês: “The worship of human creativity had, however, a seamy side: nature was viewed as raw material or as enemy territory, to be conquered and transformed”. . Os esforços dos cientistas foram direcionados a mudar a ordem natural das coisas.

A manipulabilidade do mundo é expressa sobretudo no desejo de transformar as dimensões do espaço e do tempo. O homem renascentista é projetado tanto para uma tela profunda19 19 A formulação do conceito de perspectiva de Alberti em 1435 (Leon Battista Alberti, De Pictura) como uma “janela aberta” para o mundo e como um “ponto de vista” reforçou a sugestão de camuflagem da imagem, que foi feita para perceber o espaço como um olho do infinito. (infinita e ilusoriamente) quanto para uma geografia que, com a implementação de conexões e transportes, parece ser mais acessível: o espaço, em outras palavras, não é mais algo que é dado e absoluto, mas sim um domínio a ser percorrido, descoberto, conquistado e explorado em extensão e profundidade. Do mesmo modo, o absolutismo e a inescrutabilidade do tempo medieval parecem romper com seu desejo de eliminar a aleatoriedade (e a irracionalidade) da história. O símbolo deste sonho é o relógio20 20 Durante os séculos XV e XVI, a relojoaria floresceu como atividade. que, medindo e matematizando o tempo, o controla e torna os comportamentos cotidianos marcados, organizados e previsíveis.

Paradoxalmente, no entanto, essa previsibilidade é comprometida por um novo habitus, o oportunismo: a crença de que o homem, por ser ilimitadamente capaz de imprimir sua vontade nas coisas (ou seja, manipulá-las), também é capaz de criar sua própria sorte. Isso significa transformar quase todas as situações em uma oportunidade. Aleatoriedade para a Razão não existe ou, melhor ainda, é uma oportunidade de direcionar-se a si mesma. Além disso, qualquer meio se torna legítimo em virtude da “ampliação dos limites do império humano, para a efetivação de todas as coisas possíveis” (BACON, 1974 [1906], p.288 apudLOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.785)21 21 Texto no inglês: “the enlarging of the bounds of human empire, to the effecting of all things possible”. Lótman refere-se à obra de Francis Bacon Advancement of Learning and New Atlantis[O avanço da aprendizagem e nova Atlântida] (1605). O semioticista russo refere-se uma “filosofia da sorte” que alimentou o espírito renascentista de amoralidade e aventureirismo (LOTMAN, 1991 [1988], p.788). No inglês: “philosophy of luck”. . Desse modo, a história torna-se o desdobramento da astúcia humana no caminho para relacionamentos cada vez mais “virtuosos” (convenientes) entre os meios e o lucro; no entanto, é uma história que não é de todo previsível e está completamente nas mãos de um Príncipe calculista que parece jogar com os eventos.

É aqui, segundo Lotman, que a esfera da linguagem e da comunicação passa por transformações irreparáveis, também graças à invenção da impressão. A Palavra medieval, pronunciada por Deus ou por um dos seus porta-vozes (espirituais ou seculares), é humanizada e se torna “palavra”, uma expressão arbitrária, subjetiva e comum, não mais livre de qualquer ambiguidade possível:

Ficou claro que a palavra pode receber diferentes significados, a depender da intenção do falante. A palavra tornou-se tão astuta quanto a política, individualmente significativa. […] A Palavra em maiúscula, a única, altamente autoritária e transparentemente Palavra referencial, foi suplantada pela palavra comum e popular. Tornou-se democrática, mas perdeu sua autoridade e credibilidade (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.797)22 22 Texto no inglês: “It became clear that the word might receive different meanings, depending on the intention of the speaker. The word became as cunning as politics, individually significant. […] The capitalized Word, the unique, highly authoritative, transparently referential Word, was supplanted by the common, popular word. It had become democratic but had lost its authority and credibility.”. .

Ao perder esses atributos, a palavra se torna intrigante e enganosa. O pacto de comunicação dentro da pirâmide social é assim minado e o regime de suspeitas se torna cada vez mais premente.

A partir dessas reflexões, Lótman elabora uma importante inferência: a revolução científica e tecnológica é sempre acompanhada de crises sociais e surtos de comportamentos irracionais, apresentando-se, assim, como um problema culturológico. Mais uma vez, trata-se de um paradoxo porque o crescimento da racionalidade e da eficiência tecnopragmática deveria enfraquecer as desconfianças coletivas mais do que estimulá-las. Em vez disso, a novidade, que é percebida como excêntrica, particular, desconhecida e desprendida, leva a uma perda de orientação e acaba instigando o medo e a busca de um “outro” culpado, um bode expiatório. No artigo citado anteriormente, Sobre a semiótica dos conceitos de “vergonha” e “medo” no necanismo da cultura [O semiotike ponyatiy “styd” i “strakh” v mekhanizme kul’tury] (2000 [1970])Lotman, Yu. O semiotike ponyatiy “styd” i “strakh” v mekhanizme kul’tury. In: LOTMAN, Yu. Semiosfera. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2000 [1970]. p.664-666., Lótman já havia enfatizado que “[O]o medo e a coerção determinam nossas atitudes em relação aos ‘outros’” (LOTMAN, 2000Lotman, Yu. O semiotike ponyatiy “styd” i “strakh” v mekhanizme kul’tury. In: LOTMAN, Yu. Semiosfera. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2000 [1970]. p.664-666. [1970], p.664)23 23 Texto original em russo: “Страх и принуждение определяют наше отношение к ‘другим’.”. e dão vida às figuras precisas do pária (izgoi, o estranho). Isso acontece por meio de um movimento retrógrado, que é a exumação de modelos psicológicos e culturais arcaicos, em que o desconhecido é obscuro.

O tecido do racionalismo renascentista e depois iluminista é de fato costurado com o fio do irracional e do outro obscuro: as ciências são acompanhadas pelo esoterismo, a medicina pela alquimia, a luz da razão pela “era de ouro de Satanás” (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]., [1988], p.790)24 24 Texto no inglês: “the golden age of Satan”. , e O Príncipe pela lenda do Doutor Fausto.

Em seu ensaio de 1983, “Ode, vybrannoi iz Iova” Lomonosova [Sobre a “Ode Parafraseada de Jó” de Lomonosov], Lótman escreveu:

O Renascimento foi um fenômeno excepcionalmente complexo [...]. Em certos aspectos, foi a preparação para o “século da razão”, enquanto em outros, deu origem a ondas tumultuadas de irracionalismo e medo. Enquanto se preparava para o seu triunfo, a Razão frequentemente colocava a máscara de Mefistófeles (LOTMAN, 1992LOTMAN, Yu. Ob “Ode, vybrannoi iz Iova” Lomonosova. In: LOTMAN, Yu. Izbrannye stat’i. TOM II: Stat’i po istorii russkoi literatury XVIII - pervoi poloviny XIX veka. Tallinn: Aleksandra, 1992 [1983], pp.29-39. [1983], p.32)25 25 Texto original em russo: “Ренессанс был явлением исключительно сложным […]. Одними своими сторонами он подготавливал «век разума», другими вызвал к жизни бурные волны иррационализма и страха. Готовясь к своему торжеству, Разум часто наде'вал маску Мефистофеля”. 26 26 É interessante notar que neste ensaio Lótman menciona uma ideia que será o fil rouge [ideia recorrente] de sua última monografia (LOTMAN, 2013): o intelectual é aquele que pode salvar a sociedade dos fanatismos. De fato, o trabalho de Lomonosov Ode, vybrannoi iz Iova [Ode parafraseada de Jó] - inspirado no livro bíblico de Jó, escrito, talvez, em 1742-1743 e publicado em 1751 - foi composto na tentativa de “zoologizar” (de zoologizatsiya; zoologização), isto é, racionalizar, as figuras bíblicas da besta Behemoth e o monstro marinho Leviatã. Essas figuras foram interpretadas na Europa moderna como sinais que pressagiavam a ação do mal na realidade terrena, tornando-se símbolos da concepção demoníaca e lasciva de feitiçaria, pois - como se sabe - as bruxas eram frequentemente representadas na companhia de animais (uma cabra alada, por exemplo). A interpretação que Lomonossov ofereceu de Behemoth e Leviatã tornou possível retornar do mundo demoníaco para o mundo natural (LOTMAN, 1992 [1983], p.37). O ensaio “Ode, vybrannoi iz Iova” Lomonosova [Sobre a “Ode parafraseada de Jó” de Lomonossov] foi definido por Mikhail Lótman como a escrita inaugural de uma série de pesquisas tardias de Iúri Lótman dedicadas à análise da semiótica do cataclismo social (LOTMAN, 1998a, p.61). .

Acima de tudo, como vimos, esse período é costurado com as “caças às bruxas”, uma verdadeira psicose coletiva que durou trezentos anos (de meados do século XV até meados do século XVIII)27 27 “Os julgamentos de bruxas diminuíram um pouco durante as primeiras décadas após a Reforma Protestante, quando protestantes e católicos estavam ocupados lutando entre si; no entanto, eles voltaram a crescer mais fortemente do que nunca em cerca de 1570” (WIESNER-HANKS, 2013, p.435). As ações “legais” contra a feitiçaria alcançaram seu ápice na Europa no final do século XVI e início do século XVII; a última ação no Sagrado Império Romano aconteceu por volta de 1775. Citação no original em inglês: “Witch trials died down somewhat during the first decades after the Protestant Reformation, when Protestants and Catholics were busy fighting each other but they picked up again more strongly than ever in about 1570”. e se espalhou por toda a Europa.

História entre mudança e progresso: a emergência da mulher alienígena

O que exatamente aconteceu ao longo desses três séculos de estacas e tortura? Em primeiro lugar, a caça às bruxas ocorreu durante um período de conflitos político-religiosos acirrados que criaram profundas cisões entre católicos e aqueles que passaram para a Reforma em suas várias versões: falamos de guerras religiosas - entre as quais está a implacável Guerra dos trinta anos (1618-1648) - para definir na realidade um fenômeno que fez uso da fé para legitimar disputas intermináveis de natureza estritamente político-econômica. Não é coincidência, acrescenta Lótman, que o maior momento de explosão de medo tenha ocorrido entre a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII, precisamente naquelas terras28 28 No Sagrado Império Romano (o epicentro da Gerra dos trinta anos) as perseguições foram mais difundidas. (como Eichstätt, Würzburg, Bamberg, Fulda ou Ellwangen) que foram mais afetadas por esse cataclismo social ambíguo e destrutivo.

Em segundo lugar, durante a Renascença, a fragmentação da unidade cultural teocêntrica, a exaltação do novo conhecimento tecnocientífico e o caráter secular da cultura nascente levam à erradicação do modo de vida habitual e à busca do culpado: “Quando a vida perde seus alicerces, qualquer um que se veste, pensa ou reza/ora de modo diferente gera medo” (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.790)29 29 Texto no inglês: “When life loses its foundations anyone who dresses, thinks, or prays differently sparks fear”. . Consequentemente, o espaço do núcleo cultural está cheio de terror e se torna “fobocêntrico”. Lótman escreve:

Existe uma relação indubitável entre, por um lado, o rápido progresso técnico e cultural da Europa Renascentista, a aceleração do ritmo da vida, o dinamismo dos processos históricos em curso e, por outro, o amoralismo da elite cultural e o terror que tomaram posse das camadas sociais populares e retrógradas dos séculos XV e XVIII.

A consequência dessa onda epidêmica de terror foi o ressurgimento, em grandes segmentos da população, das idéias supersticiosas mais arcaicas, ou seja, a ativação de modelos antigos de consciência - a crença nas bruxas e nos preconceitos raciais. O rumar para a frente gerou um movimento para trás. A confiança no poder do homem e o medo das más consequências desse poder andaram de mãos dadas. Circunstâncias semelhantes também são observadas no século XX. O estudo da semiótica da cultura nos leva, assim, à semiótica das “emoções culturais” (LOTMAN, 1985LOTMAN, Yu. La dinamica dei sistemi culturali [Dinamika kul’turnykh sistem]. In: LOTMAN, Yu. La semiosfera: l’asimmetria e il dialogo nelle strutture pensanti. Venice: Marsilio Editori, 1985 [1984], pp.131-145. [1984], p.145)30 30 Texto original em italiano: “Esiste un indubbio rapporto tra il rapido progresso tecnico-culturale dell’Europa rinascimentale, l’accelerarsi del ritmo di vita, il dinamismo dello svolgersi dei processi storici da un lato e l’amoralismo dell’elite culturale e il terrore che si era impossessato degli strati medi e retrivi della società dei secoli XV-XVII. La conseguenza dell’ondata epidemica di terrore è stata il ravvivarsi in ampi strati della popolazione delle idee superstiziose più arcaiche, l’attivarsi di antichi modelli di coscienza: il credere alle streghe, ai pregiudizi razziali. L’andare avanti ha prodotto un andare indietro. La fiducia nella potenza dell’uomo e il timore delle brutte conseguenze di questa potenza hanno camminato mano nella mano. Fenomeni analoghi si osservano anche nel XX secolo. Lo studio della semiotica della cultura ci conduce così alla semiotica delle ‘emozioni culturali’”. .

A xenofobia em relação às minorias religiosas e raciais pode, assim, tornar-se uma neurose coletiva. Isso é exponencialmente verdadeiro para a mulher, uma figura obscura que, na Renascença, desempenha um papel cada vez mais ativo na sociedade31 31 Basta pensar em “Doritte Nippers, que foi condenada e executada por feitiçaria em 1571 em Elsinore, na Dinamarca, apesar de se recusar a confessar, mesmo quando torturada. Ela era a líder de um grupo de mulheres comerciantes que se recusavam a parar de negociar quando pedidas pelo conselho da cidade” (WIESNER-HANKS, 2000, p.277). Texto original em inglês: “Doritte Nippers, who was convicted and executed for witchcraft in 1571 in Elsinore, Denmark, despite refusing to confess even when tortured. She was the leader of a group of female traders who refused to stop trading when ordered to by the town council”. . Para as massas confusas, é suficiente que ela demonstre comportamento incomum, tornando-se a encarnação do futuro reino de Satanás e do Inferno; é geralmente sobre um comportamento relacionado à esfera sexual (a cópula com Satanás ou a privação “mágica” do poder viril) ou à esfera da traição social (conspiração, intriga). Tudo isso, em resumo, pode minar a sobrevivência da sociedade androcêntrica em sua raiz.

Como a historiadora Merry E. Wiesner aponta em Women and Gender in Early Modern Europe, os estudos realizados em toda a Europa sobre arquivos de julgamento mostram uma profunda correlação entre as acusações dirigidas às mulheres e a presença persistente de Satanás na cultura popular:

Ao final do século XVI, as denúncias populares de bruxaria em muitas partes da Europa envolviam pelo menos algumas partes da concepção demoníaca da feitiçaria. Essa propagação do diabolismo levou inevitavelmente a uma maior feminização da feitiçaria, pois as bruxas eram agora os agentes dependentes de um demônio masculino, em vez de dirigirem os próprios demônios de forma independente, e se ajustavam a noções gerais de papéis de gênero apropriados para vislumbrar mulheres nessa posição dependente; até bruxas não podiam romper totalmente com as normas masculinas. Em áreas da Europa em que o conceito demoníaco de bruxaria nunca se estabeleceu, como a Finlândia, a Islândia, a Estônia e a Rússia, a bruxaria não se tornou identificada por mulheres e não houve caça em larga escala. Na Finlândia e na Estônia, cerca da metade dos processados por bruxaria era masculina, e na Islândia e na Rússia moscovita, a grande maioria dos processados era de homens acusados de feitiçaria ou de usar suas habilidades como curandeiros para prejudicar pessoas ou animais (WIESNER-HANKS, 2000WIESNER-HANKS, M. Women and Gender in Early Modern Europe. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2000., p.275, ênfase minha)32 32 Texto original no inglês: “By the late sixteenth century, popular denunciations for witchcraft in many parts of Europe involved at least some parts of the demonic conception of witchcraft. This spread of diabolism led inevitably to a greater feminization of the witchcraft, for witches were now the dependent agents of a male devil rather than independently directing demons themselves, and it fit general notions of proper gender roles to envision women in this dependent position; even witches could not break fully with masculine norms. In areas of Europe in which the demonic concept of witchcraft never took hold, such as Finland, Iceland, Estonia, and Russia witchcraft did not become female-identified and there were no large-scale hunts. In Finland and Estonia about half of those prosecuted for witchcraft cases were male, and in Iceland and Muscovite Russia, the vast majority of those prosecuted were men charged with sorcery or using their skills as healers to harm people or animals instead.”. .

Uma mulher é, de certa forma, como ciência e tecnologia, uma novidade. Cada uma de suas peculiaridades inflama uma acusação porque é um elemento que perturba a normalidade. De fato, novamente Wiesner-Hanks enfatiza como as bruxas eram associadas à desordem, isto é, com as dimensões não ordinais e anormais33 33 Merry E. Wiesner serve-se de termos muito próximos aos de Lótman ao tratar da oposição binária entre civilização e barbárie: “os estudiosos modernos buscaram conceitos intelectuais subjacentes que teriam apoiado o vínculo entre mulheres e feitiçaria. Uma delas foi a dicotomia entre ordem e desordem, uma das polaridades primárias do pensamento grego e cristão. […] Relacionadas a essa dicotomia ordem versus desordem estavam aquelas de cultura versus natureza, razão versus emoção, mente versus corpo, todas as dicotomias em que os homens estavam ligados ao primeiro termo e as mulheres ao segundo” (WIESNER-HANKS, 2000, p.275-276). Texto original no inglês: “modern scholars have searched for underlying intellectual concepts which would have supported the link between women and witchcraft. One of these was the dichotomy between order and disorder, one of the primary polarities of both Greek and Christian thought. […] Related to this order versus disorder dichotomy were those of culture versus nature, reason versus emotion, mind versus body, all dichotomies in which men were linked to the first term and women to the second”. . Não é por acaso que as rés ou, simplesmente, suspeitas, eram o oposto das “boas esposas e mães” estereotipadas - mulheres livres (viúvas ou solteiras), sem filhos ou consideradas “mães más” (WIESNER-HANKS, 2000WIESNER-HANKS, M. Women and Gender in Early Modern Europe. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2000., p.276)34 34 Texto original no inglês: “good wives and mothers”; “bad mothers”. . Em Caça às bruxas: semiótica do medo [Okhota za ved’mami. Semiotika strakha], Lótman também trata das excentricidades femininas que evocam suspeitas e geram automaticamente acusações (uma mulher estrangeira, uma mulher com deficiências físicas, uma mulher gorda ou, ao contrário, muito bonita). Além disso, ele observa: “A aparência do acusador também emerge: é a massa média, desprovida de características marcantes que tem medo, ódio e inveja daqueles que possuem qualquer qualidade atraente” (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a., p.72)35 35 Texto original em russo: “Вырисовывается и облик обвинителя: это средняя масса, лишенная маркированных свойств и испытывающая страх, ненависть и зависть по отношению к тем, кто обладает каким-либо бросающимся в глаза качеством.”. .

Em grande parte da Europa, os incêndios são casos isolados ou resultam de pequenas caçadas envolvendo um ou apenas alguns suspeitos. No entanto, em alguns países (como o Sagrado Império Romano, a Suíça e partes da França), eles são a expressão de pânico em massa, o resultado do “estereótipo aprendido de feitiçaria como uma conspiração internacional que cultua o Diabo” (WIESNER-HANKS, 2013WIESNER-HANKS, M. Early ModernEurope: 1450-1789. 2nd ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2013., p.438)36 36 Texto original em inglês: “the learned stereotype of witchcraft as a Devil-worshipping international conspiracy”. . Nesses casos, as acusações vão além do estereótipo stricto sensu da bruxa e são estendidas literalmente a qualquer um.

Os acusadores se tornam vítimas dos medos que eles próprios instigam; além disso, criam exatamente aquela atmosfera de traição social que pretendem impedir: o todos contra todos destrói os fundamentos da coletividade e o próprio conceito de bem comum, dando origem a rupturas que não mais serão reparadas. A epidemia da caça às bruxas é, em suma, um fenômeno culturológico exemplar para Lótman, e não apenas porque, com características diferentes, é continuamente repetida na história, mas também porque esconde outro importante mecanismo psicológico coletivo.

O medo do Mal ocorre no período da fundação do racionalismo, que estabelece as bases para a auto-exaltação definitiva da Razão. Quando o medo na Europa desaparece (graças à “domesticação” das descobertas tecnológicas e a uma situação estrutural mais estável) e a atmosfera psicológica se torna entusiástica, “tudo o que parecia possível e natural ontem parece impossível e incompreensível” (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.793)37 37 Texto no inglês: “whatever seemed possible and natural only yesterday appears impossible and incomprehensible”. . Por coerência, o despertar e a iluminação da Razão fazem com que a história perca sua conexão com o passado recente, dissociando-se cronologicamente dela e empurrando-a para o passado (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.793-794). Com o retrocesso, a crônica iluminista e depois positivista acaba por imputar o extermínio das bruxas e feiticeiros à escuridão medieval. Apesar disso, é precisamente durante o período de perseguição por bruxaria que existe uma “amnésia” da tradição judicial que cresceu na Idade Média através da simplificação de procedimentos legais, o cancelamento das regras de defesa e a abolição de todas as limitações relativas ao uso da tortura: “O famoso humanista Jean Bodin escreveu: ‘Nenhuma bruxa em um milhão seria punida se o procedimento fosse governado por leis comuns; a suspeita é uma razão suficiente para a tortura, já que os rumores nunca aparecem em um vazio’” (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.791)38 38 Texto no ingles: “The famous humanist Jean Bodin wrote: ‘Not one witch in a million would be punished if the procedure were governed by ordinary laws; suspicion is a sufficient reason for torture since rumors never appear in a void’”. . A “palavra” (os rumores intrigantes e enganadores), combinada com a suspensão de todas as garantias legais e as conquistas da civilização, torna-se uma arma poderosa que silencia e distorce os eventos.

Conclusões: um horizonte aberto

Vimos como a história (o coração da “última” das reflexões de Lótman) sofre contínuas distorções pela consciência das massas - uma consciência adormecida39 39 Lótman observa: “O homem do século XVIII sentiu ter despertado de um profundo e pesado sono (veja a foto de Goya O sono da razão)” (LOTMAN, 1991 [1988], p.793). Texto no inglês: “The eighteenth-century man felt himself to have awakened from a deep and heavy slumber (see Goya’s picture The Sleep of Reason)”. que, para ser coerente consigo mesma, projeta-se fora de suas cesuras, suas contradições e seus medos em busca do inimigo. Isso acontece, sobretudo, durante os períodos de transição, quando - Lótman escreve em Uma saída do labirinto [Vykhod iz Labirinta] (LOTMAN, 1998bLOTMAN, Yu. Vykhod iz Labirinta (afterword). In: ECO, U. Imya rozy. Moscow: Knizhnaya palata, 1998b [1989], p.650-669. Available at: http://www.philology.ru/ literature3/lotman-98.htm. Access on: 06 July 2018.
http://www.philology.ru/ literature3/lot...
[1989]) - as pessoas sentem o chão se movendo sob seus pés, o passado perde credibilidade e o futuro é traçado em tons trágicos. Nessas situações, o maior perigo é que uma epidemia emocional (uma histeria em massa) se alastre selvagemente e as pessoas se amotinem, subjugadas por mitos atávicos. As caças às bruxas do início da Europa moderna são apenas um dos muitos momentos da história ocidental que deram ao bode expiatório vários nomes: “feiticeiro”, “bruxa”, “inimigo do povo”, “maçom”40 40 A propaganda nazista, como com os soviéticos, retratou e divulgou a conspiração internacional “judeu-maçônica”. e “intelectual” (LOTMAN 1998bLOTMAN, Yu. Vykhod iz Labirinta (afterword). In: ECO, U. Imya rozy. Moscow: Knizhnaya palata, 1998b [1989], p.650-669. Available at: http://www.philology.ru/ literature3/lotman-98.htm. Access on: 06 July 2018.
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[1989]). Basta dizer que Lótman encerrou com as seguintes palavras a primeira edição russa de O Nome da Rosa, de Umberto Eco: “Mas não só a utopia é perigosa, qualquer verdade é perigosa, exclui a dúvida. […] A verdade indubitavelmente leva ao fanatismo. A verdade acima de toda questão, mundo sem riso, fé sem ironia é [...] o plano do totalitarismo moderno” (LOTMAN, 1998bLOTMAN, Yu. Vykhod iz Labirinta (afterword). In: ECO, U. Imya rozy. Moscow: Knizhnaya palata, 1998b [1989], p.650-669. Available at: http://www.philology.ru/ literature3/lotman-98.htm. Access on: 06 July 2018.
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[1989])41 41 Texto original em russo: “Но опасна не только утопия, опасна всякая истина, исключающая сомнения. […] Истина без сомнения рождает фанатизм. Истина вне сомнения, мир без смеха, вера без иронии - это не только идеал средневекового аскетизма, это и программа современного тоталитаризма”. .

Nas referências de Lótman, a analogia das apostas da era moderna com o Terror dos totalitarismos contemporâneos é claramente aparente. Ele testemunhou em primeira mão que a “voz da massa anônima, aquelas conversas surdas e obscuras, rumores e fofocas são produzidas por uma atmosfera de medo e sem a qual essa atmosfera seria impossível” (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a., p.65)42 42 Texto no inglês: “voice of the anonymous mass, those deaf and dark conversations, rumors and gossip that are generated by an atmosphere of fear and without which this atmosphere would be impossible”. .

Em 1988, ao longo de uma série de palestras educativas televisivas intituladas Relações entre as pessoas e o desenvolvimento das culturas [Vzaimootnosheniya lyudei i razvitie kul’tur], Lótman declarou:

Quando a história se desenvolve rapidamente, as situações mudam, as tradições se quebram e novas condições são criadas, as pessoas não podem se comunicar seguindo maneiras antigas e as novas não são abandonadas tão facilmente. E então a incerteza se apossa do indivíduo. Ele não sabe expressar seus sentimentos [chuvstva]. Ele procura um caminho, ou seja, as palavras para expressar seus pensamentos; muitas vezes ele se sente sem uma linguagem, como um estranho. Essa dissonância interna gera um sentimento muito doloroso. Após as grandes fraturas históricas, é necessário um enorme esforço cultural para que o indivíduo possa criar em torno dele aquela esfera comunicativa, um espaço onde ele encontrará, com confiança, interlocutores e se sentirá compreendido novamente (LOTMAN, 2005Lotman, Yu. Vzaimootnosheniya lyudei i razvitie kul’tur (Besedy o russkoi kul’ture). In: LOTMAN, Yu. Vospitanie dushi. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2005 [1988], pp.414-469. [1988], p.441, ênfase minha)43 43 Texto original em russo: “Но когда история развивается быстро, ситуации меняются, традиции сломаны и создаются новые положения, человек не может общаться старыми способами, а новые даются не так легко. И тогда человеком овладевает неуверенность. Он не знает, как ему выразить свои чувства. Он ищет способ, слова для того, чтобы рассказать о своих мыслях; очень часто он себя чувствует как бы без языка, чужим. Это - разлад с самим собой, очень мучительное чувство. После больших исторических переломов требуется большое культурное усилие для того, чтобы человек создал вокруг себя ту коммуникативную сферу, то пространство, где он опять будет уверенно находить себе партнеров и чувствовать, что его понимают.”. .

Em outras palavras, a perplexidade diante de uma mudança abrupta está muito relacionada com a busca (e desenvolvimento) de novas formas de comunicação. Por esta razão, segundo o semioticista russo, a era contemporânea testemunhou o enorme aumento da comunicação (por meio de seu casamento com a tecnologia), a fim de resolver a questão da compreensão recíproca, ou seja, “um dos problemas mais complexos para a humanidade em geral e para a pessoa humana em particular” (LOTMAN, 2005Lotman, Yu. Vzaimootnosheniya lyudei i razvitie kul’tur (Besedy o russkoi kul’ture). In: LOTMAN, Yu. Vospitanie dushi. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2005 [1988], pp.414-469. [1988], p.463)44 44 Texto original em russo: “одна из сложных проблем для человечества вообще и для человека в частности.”. . É um problema muitas vezes marcado pela contradição - uma contradição que gera sentimentos conflituosos, o desejo de encontrar o outro, mas também a angústia diante de sua diversidade irredutível. Não é coincidência que em seus últimos anos Lótman tenha falado sobre a necessidade de considerar a “semiótica do medo” como um objeto de estudo para entender o passado e o presente.

Em um mundo marcado pela convergência, nosso autor considerou positivamente a possibilidade de nos tornarmos uma família global45 45 “O mundo inteiro é como nossa família” (LOTMAN, 2016 [1982]: 688), escreve Lótman em 1982, citando um provérbio italiano (“Tutto il mondo è fatto come la nostra famiglia”). O autor dedicou este ensaio à universidade e à revolução científica contemporânea, expressão de uma interpenetração inédita de ciências, linguagens e visões de mundo. Citação em inglês: “The whole world is made like our family”. . No entanto, ele também sentiu o medo do que esse processo de fusão inexorável poderia produzir: a anulação das diferenças, a simplificação do pensamento e da “verdade”, o achatamento de pontos de vista, a descoloração da comunicação (ou seja, a negação do outro como uma alteridade insondável) e a transformação da euforia no terror histérico em massa46 46 Como apontado por Lyubov Kiseleva, “A mitologização da história, o dogmatismo do pensamento e a incapacidade de perceber a realidade de uma maneira aberta e sem preconceitos (que é característica da consciência de massa) foram considerados por Lótman como resultado da ignorância, imoralidade e uma carência interna de liberdade. […] Embora Lótman não tenha atribuído fundações religiosas à sua própria atividade, sua fé na imutabilidade das leis morais da condição humana era inerente à sua personalidade. Ele era um pesquisador que pensava os mecanismos da vergonha, medo e honra na história da cultura, e as palavras ‘consciência’ e ‘honra’ estão entre as mais frequentes em seus comentários sociais” (KISELËVA, 2005, p.607, 609). Texto original em russo: “Мифологизацию истории, догматизм мышления, неспособность к открытому, непредвзятому восприятию действительности (что свойственно массовому сознанию) Лотман считал результатом невежества, невоспитанности и внутренней несвободы. […] Хотя Ю. М. не прилагал к собственной деятельности религиозных обоснований, вера в непреложность нравственных законов человеческого бытия была ему свойственна. Он был вдумчивым исследователем механизмов стыда, страха и чести в истории культуры, и слова “совесть” и “честь” недаром принадлежат к числу наиболее частотных в его публицистике”. . Ele não podia imaginar a explosão da comunicação digital que ocorreu nos últimos anos, mas, sem dúvida, estava ciente do vínculo profundo que une as emoções às grandes transformações históricas e sociais, das quais no limiar da década de 1990 ele vislumbrou a sua aproximação inexorável.

O esboço que surge neste artigo pretende ser um ponto de partida para outras reflexões que, pessoalmente acredito, poderiam enfocar especialmente a contribuição de Lótman para a compreensão da comunicação contemporânea (ver, por exemplo, LEONE, 2018Leone, M. The Semiotics of the Face in the Digital Era. Perspectives, Journal of RFIEA, the French Network of Institutes of Advanced Studies, v.17 (spring), pp.27-29, 2018.; DANESI, 2016DANESI, M. The Semiotics of Emoji: The Rise of Visual Language in the Age of the Internet. London/New York: Bloomsbury Academic, 2016.)47 47 O horizonte de pensamento de Lótman poderia ser, por exemplo, relacionado com o trabalho recente de Marcel Danesi, The Semiotics of Emoji[A semiótica dos Emojis]. Neste livro ele destacou como uma (possível) revolução global está ocorrendo, que atravessa as barreiras da linguagem e está ligada ao mundo da linguagem verbal-visual precisamente em relação à necessidade de expressar e compartilhar emoções de forma universal. Danesi se pergunta, de fato, se é uma tendência passageira ou realmente uma revolução de comunicação - uma revolução na verdade baseada na recuperação do hibridismo por escrito, a saber, a combinação de escrita pictórica com escrita fonética. à luz da chamada “virada afetiva” (CLOUGH; HALLEY, 2007Clough, P.; Halley, J. The Affective Turn: Theorizing the Social. Durham, NC: Duke University Press, 2007.)48 48 Ver por exemplo Lünenborg e Maier (2018) e Giaxoglou e Döveling (2018). . Sem dúvida, ele nos deixa um legado altamente atual neste momento em que as línguas, os significados e as “vozes” das culturas estão convergindo e transpondo limites e, ao mesmo tempo, quando as emoções destrutivas muitas vezes induzem as pessoas a perceberem o outro de maneira distante e alienada.

  • 1
    Recentemente foi publicada uma auspiciosa coleção de escritos dedicados a Zara Mints (KUZóVKINA et al., 2017). Entre 2017 e 2018 Conversations About Russian Culture. Television Lectures [Conversas sobre cultura russa. Leituras de televisão] (LOTMAN, 2017LOTMAN, Yu. Conversazioni sulla cultura russa[Besedy o russkoi kul’ture]. Translated by Silvia Parisi, edited by Silvia Burini. Florence/Milan: Studi Bompiani, 2017.) e The Tartu-Moscow Semiotic School in the Correspondence Between Yu. Lotman and B. Uspensky[A escola de semiótica Tártu-Moscou na correspondência entre Iúri Lótman e B. Uspênskii (LOTMAN; USPENSKY, 2018LOTMAN, Yu.; USPENSKY, B. La scuola semiotica di Tartu-Mosca nel carteggio tra J. Lotman e B. Uspenskij [Perepiska 1964-1993]. Translated by Roberta Salvatore, edited by Giovanna Zaganelli. Palermo: Sellerio, 2018.), que foram traduzidas para o italiano. Exemplos de ensaios recentes de Lótman e sua reinterpretação incluem Restaneo (2018)REstaneo, p. Lotman, Leibniz, and the Semiospheric Monad: Lost Pages From the Archives. Semiotica. Journal of the International Association for Semiotic Studies, n.224, pp.313-336, 2018. DOI: https://doi.org/10.1515/sem-2016-0198.
    https://doi.org/10.1515/sem-2016-0198...
    , Epstein (2018)Epstein, M. Yuri Lotman. Filosofia: An Encyclopedia of Russian Thought, June 2018. Available at: http://filosofia.dickinson.edu/encyclopedia/lotman-yuri. Access on: 26 Nov. 2018.
    http://filosofia.dickinson.edu/encyclope...
    , Kroó; Torop (2018)Kroó, K.; Torop, P. Text Dynamics: Renewing Challenges for Semiotics of Literature. Sign System Studies, Tartu: Tartu University Press, v.46, n.1, pp.143-167, 2018. DOI:http://dx.doi.org/10.12697/SSS.2018.46.1.07
    http://dx.doi.org/10.12697/SSS.2018.46.1...
    , Torop (2017)TOROP, P. Semiotics of Cultural History. Sign System Studies, Tartu: Tartu University Press, v.45, n.3/4, pp.317-334, 2017. DOI:http://dx.doi.org/10.12697/SSS.2017.45.3-4.07.
    http://dx.doi.org/10.12697/SSS.2017.45.3...
    , Gramigna; Salupere (2017)Gramigna, R.; Salupere, S. Umberto Eco and Juri M. Lotman on Communication and Cognition. In: Thellefsen, T.; Sørensen, B. (ed.). Umberto Eco in his own Words. Berlin: de Gruyter, 2017. pp.248-257., Novikova; Chumakova (2015)Novikova, A.; Chumakova, V. Yuri Lotman’s Cultural Semiotics as a Contribution to Media Ecology. Explorations in Media Ecology, v.14, n. 1-2, pp.73-85, June 2015. DOI: https://doi.org/10.1386/eme.14.1-2.73_1.
    https://doi.org/10.1386/eme.14.1-2.73_1...
    .
  • 2
    Em particular dois textos recentes, tais como Lecciones sobre la cultura y las formas de la vida (BAREI; GÓMEZ PONCE, 2018BAREI, S.; GÓMEZ PONCE, A. (ed.). Lecciones sobre la cultura y las formas de la vida: Encuentro Córdoba-Tartu. Córdoba: Editorial del Centro de Estudios Avanzados-UNC, 2018.) e Problema semiótico em pesquisas de comunicação e cultura (MACHADO et al., 2016MACHADO, I.; Ferreira, G.; Rocha da Silva, A.; de Oliveira Nakagawa, R. (Ed.). Problema semiótico em pesquisas de comunicação e cultura. Salvador: EDUFBA, 2016.) são uma expressão do atual trabalho coletivo que grupos de pesquisa levam adiante na semiótica da cultura. Cf. ainda Machado (2007)MACHADO, I. (ed.). Semiótica da cultura e semiosfera. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2007. e Arán; Barei (2002)ARÁN, P.; BAREI, S. (ed.). Texto-memoria-cultura: el pensamiento de Iuri Lotman. Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba, 2002..
  • 3
    Texto no inglês: “regulators of behavior [...], such as shame, fear or honor”.
  • 4
    Ver Lotman (2000 [1970], p.666)Lotman, Yu. O semiotike ponyatiy “styd” i “strakh” v mekhanizme kul’tury. In: LOTMAN, Yu. Semiosfera. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2000 [1970]. p.664-666..
  • 5
    O banido, o pária social, o rejeitado, o exilado, o excluído.
  • 6
    Texto no inglês: “specific forms of historical and social behaviors, epochal and social types of reactions, as well as general conceptions as to which actions may be considered correct or incorrect, permitted or forbidden, valuable or worthless. […] The individual’s consciousness is, as it were, plugged into complex ethical, religious, aesthetic, practical and other semiotic forms, on which is constituted the psychology of group behavior”.
  • 7
    Esse é um tema que foi desenvolvido extensivamente alguns anos antes - juntamente com Boris Uspiénski - e posteriormente explorado na figura do izgoi [pária] (LOTMAN; USPENSKY, 2002LOTMAN, Yu; USPENSKY, B. “Izgoi” i “izgoinichestvo” kak sotsial’no-psikhologicheskaya pozitsiya v russkoi kul’ture preimushchestvenno dopetrovskogo vremeni (“Svoe” i “chuzhoe” v istorii russkoi kul’tury). In: LOTMAN, Yu. Istoriya i tipologiya russkoi kul’tury. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2002 [1982], pp.222-232. [1982]).
  • 8
    Texto no italiano: “naturalmente dal punto di vista numerico non era inferiore a quello degli uomini”.
  • 9
    Texto no italiano: “‘un esercito satanico’ perfido e passibile di annientamento”.
  • 10
    Texto original em russo: “Каким же рисуется пораженному страхом обществу этот враг? Первое основополагающее представление о ведьмах можно сформулировать так: ведьмы - опасное организованное меньшинство. Первая черта объекта страха - быть меньшинством. Общество выбирает реально наименее защищенную свою часть, часть, терпящую наибольшее число социальных обид и возводит ее в ранг врага. В интересующий нас период таким меньшинством, бесспорно, являются женщины.”.
  • 11
    Texto no italiano: “le onde della cultura si muovono nel mare dello spirito umano”.
  • 12
    Para um estudo detalhado, cf. Gherlone (2015)GHERLONE, L. Rumo a uma semiótica histórica. O último Lótman: sentido, história, cultura. Estudos de Religião. Dossiê: Semiótica da Cultura e as Ciências da Religião. Translated by Irene Machado, edited by Irene Machado and Paulo Augusto de Souza Nogueira, São Paulo: Universidade Metodista de São Paulo, v.29, n.1, pp.54-69, January-June 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v29n1p54-69
    http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er....
    .
  • 13
    Texto original em russo: “На памяти публикатора Ю. М. Лотман дважды заявлял о том, что ему приходится полностью переучиваться, даже учиться заново. Первый кризис пришелся на начало 1960-х годов и был связан с интересом к кибернетике, теории информации и к таким матема тическим дисциплинам как логика, теория игр и, осо енно, топология. Второй кризис был связан с изучением процессов, лежащих на стыке семиотики культуры, истории и психологии массового сознания.”.
  • 14
    Texto original em russo: “В этой ситуации возникают мистифицированные, семиотически конструируемые адресаты - не угроза вызывает страх, а страх конструирует угрозу. Объект страха является социальной конструкцией, порождением семиотических кодов, с помощью которых данный социум кодирует самого себя и окружающим его мир”.
  • 15
    No início da Europa moderna, exemplos de propaganda incluíam “panfletos ilustrados e cartazes que retratavam bruxas montadas em cabras ou em forcados em direção ao Sabbat [sabá ou reunião de bruxas], em que se praticavam atos anticristãos, como cuspir na hóstia da comunhão e ter relações sexuais com demônios” (WIESNER-HANKS, 2013WIESNER-HANKS, M. Early ModernEurope: 1450-1789. 2nd ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2013., p.435). Além disso, execuções públicas, espetáculos em si (com a lista de acusações lidas para todos ouvirem), eram uma forma de propaganda (WIESNER-HANKS, 2013WIESNER-HANKS, M. Early ModernEurope: 1450-1789. 2nd ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2013.). Citação no original: “[i]llustrated pamphlets and broadsides that portrayed witches riding on goats or pitchforks to sabbats where they engaged in anti-Christian acts such as spitting on the communion host and sexual relations with demons”.
  • 16
    O Renascimento é um conceito que por si só opõe uma cultura luminosa a um mundo obscuro de barbárie (como de fato a Idade Média foi percebida pela posteridade).
  • 17
    Texto no inglês: “optimistic belief in the omnipotence of human genius”.
  • 18
    Texto no inglês: “The worship of human creativity had, however, a seamy side: nature was viewed as raw material or as enemy territory, to be conquered and transformed”.
  • 19
    A formulação do conceito de perspectiva de Alberti em 1435 (Leon Battista Alberti, De Pictura) como uma “janela aberta” para o mundo e como um “ponto de vista” reforçou a sugestão de camuflagem da imagem, que foi feita para perceber o espaço como um olho do infinito.
  • 20
    Durante os séculos XV e XVI, a relojoaria floresceu como atividade.
  • 21
    Texto no inglês: “the enlarging of the bounds of human empire, to the effecting of all things possible”. Lótman refere-se à obra de Francis Bacon Advancement of Learning and New Atlantis[O avanço da aprendizagem e nova Atlântida] (1605). O semioticista russo refere-se uma “filosofia da sorte” que alimentou o espírito renascentista de amoralidade e aventureirismo (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.788). No inglês: “philosophy of luck”.
  • 22
    Texto no inglês: “It became clear that the word might receive different meanings, depending on the intention of the speaker. The word became as cunning as politics, individually significant. […] The capitalized Word, the unique, highly authoritative, transparently referential Word, was supplanted by the common, popular word. It had become democratic but had lost its authority and credibility.”.
  • 23
    Texto original em russo: “Страх и принуждение определяют наше отношение к ‘другим’.”.
  • 24
    Texto no inglês: “the golden age of Satan”.
  • 25
    Texto original em russo: “Ренессанс был явлением исключительно сложным […]. Одними своими сторонами он подготавливал «век разума», другими вызвал к жизни бурные волны иррационализма и страха. Готовясь к своему торжеству, Разум часто наде'вал маску Мефистофеля”.
  • 26
    É interessante notar que neste ensaio Lótman menciona uma ideia que será o fil rouge [ideia recorrente] de sua última monografia (LOTMAN, 2013LOTMAN, Yu. The Unpredictable Workings of Culture. Translated by Brian James Baer, edited by Igor Pilshchikov and Silvi Salupere. Tallinn: TLU Press, 2013.): o intelectual é aquele que pode salvar a sociedade dos fanatismos. De fato, o trabalho de Lomonosov Ode, vybrannoi iz Iova [Ode parafraseada de Jó] - inspirado no livro bíblico de Jó, escrito, talvez, em 1742-1743 e publicado em 1751 - foi composto na tentativa de “zoologizar” (de zoologizatsiya; zoologização), isto é, racionalizar, as figuras bíblicas da besta Behemoth e o monstro marinho Leviatã. Essas figuras foram interpretadas na Europa moderna como sinais que pressagiavam a ação do mal na realidade terrena, tornando-se símbolos da concepção demoníaca e lasciva de feitiçaria, pois - como se sabe - as bruxas eram frequentemente representadas na companhia de animais (uma cabra alada, por exemplo). A interpretação que Lomonossov ofereceu de Behemoth e Leviatã tornou possível retornar do mundo demoníaco para o mundo natural (LOTMAN, 1992LOTMAN, Yu. Ob “Ode, vybrannoi iz Iova” Lomonosova. In: LOTMAN, Yu. Izbrannye stat’i. TOM II: Stat’i po istorii russkoi literatury XVIII - pervoi poloviny XIX veka. Tallinn: Aleksandra, 1992 [1983], pp.29-39. [1983], p.37). O ensaio “Ode, vybrannoi iz Iova” Lomonosova [Sobre a “Ode parafraseada de Jó” de Lomonossov] foi definido por Mikhail Lótman como a escrita inaugural de uma série de pesquisas tardias de Iúri Lótman dedicadas à análise da semiótica do cataclismo social (LOTMAN, 1998aLOTMAN, Yu. Okhota za ved’mami. Semiotika strakha. Sign Systems Studies. Tartu: Tartu University Press, n.26, pp.61-82, 1998a., p.61).
  • 27
    “Os julgamentos de bruxas diminuíram um pouco durante as primeiras décadas após a Reforma Protestante, quando protestantes e católicos estavam ocupados lutando entre si; no entanto, eles voltaram a crescer mais fortemente do que nunca em cerca de 1570” (WIESNER-HANKS, 2013WIESNER-HANKS, M. Early ModernEurope: 1450-1789. 2nd ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2013., p.435). As ações “legais” contra a feitiçaria alcançaram seu ápice na Europa no final do século XVI e início do século XVII; a última ação no Sagrado Império Romano aconteceu por volta de 1775. Citação no original em inglês: “Witch trials died down somewhat during the first decades after the Protestant Reformation, when Protestants and Catholics were busy fighting each other but they picked up again more strongly than ever in about 1570”.
  • 28
    No Sagrado Império Romano (o epicentro da Gerra dos trinta anos) as perseguições foram mais difundidas.
  • 29
    Texto no inglês: “When life loses its foundations anyone who dresses, thinks, or prays differently sparks fear”.
  • 30
    Texto original em italiano: “Esiste un indubbio rapporto tra il rapido progresso tecnico-culturale dell’Europa rinascimentale, l’accelerarsi del ritmo di vita, il dinamismo dello svolgersi dei processi storici da un lato e l’amoralismo dell’elite culturale e il terrore che si era impossessato degli strati medi e retrivi della società dei secoli XV-XVII. La conseguenza dell’ondata epidemica di terrore è stata il ravvivarsi in ampi strati della popolazione delle idee superstiziose più arcaiche, l’attivarsi di antichi modelli di coscienza: il credere alle streghe, ai pregiudizi razziali. L’andare avanti ha prodotto un andare indietro. La fiducia nella potenza dell’uomo e il timore delle brutte conseguenze di questa potenza hanno camminato mano nella mano. Fenomeni analoghi si osservano anche nel XX secolo. Lo studio della semiotica della cultura ci conduce così alla semiotica delle ‘emozioni culturali’”.
  • 31
    Basta pensar em “Doritte Nippers, que foi condenada e executada por feitiçaria em 1571 em Elsinore, na Dinamarca, apesar de se recusar a confessar, mesmo quando torturada. Ela era a líder de um grupo de mulheres comerciantes que se recusavam a parar de negociar quando pedidas pelo conselho da cidade” (WIESNER-HANKS, 2000WIESNER-HANKS, M. Women and Gender in Early Modern Europe. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2000., p.277). Texto original em inglês: “Doritte Nippers, who was convicted and executed for witchcraft in 1571 in Elsinore, Denmark, despite refusing to confess even when tortured. She was the leader of a group of female traders who refused to stop trading when ordered to by the town council”.
  • 32
    Texto original no inglês: “By the late sixteenth century, popular denunciations for witchcraft in many parts of Europe involved at least some parts of the demonic conception of witchcraft. This spread of diabolism led inevitably to a greater feminization of the witchcraft, for witches were now the dependent agents of a male devil rather than independently directing demons themselves, and it fit general notions of proper gender roles to envision women in this dependent position; even witches could not break fully with masculine norms. In areas of Europe in which the demonic concept of witchcraft never took hold, such as Finland, Iceland, Estonia, and Russia witchcraft did not become female-identified and there were no large-scale hunts. In Finland and Estonia about half of those prosecuted for witchcraft cases were male, and in Iceland and Muscovite Russia, the vast majority of those prosecuted were men charged with sorcery or using their skills as healers to harm people or animals instead.”.
  • 33
    Merry E. Wiesner serve-se de termos muito próximos aos de Lótman ao tratar da oposição binária entre civilização e barbárie: “os estudiosos modernos buscaram conceitos intelectuais subjacentes que teriam apoiado o vínculo entre mulheres e feitiçaria. Uma delas foi a dicotomia entre ordem e desordem, uma das polaridades primárias do pensamento grego e cristão. […] Relacionadas a essa dicotomia ordem versus desordem estavam aquelas de cultura versus natureza, razão versus emoção, mente versus corpo, todas as dicotomias em que os homens estavam ligados ao primeiro termo e as mulheres ao segundo” (WIESNER-HANKS, 2000WIESNER-HANKS, M. Women and Gender in Early Modern Europe. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2000., p.275-276). Texto original no inglês: “modern scholars have searched for underlying intellectual concepts which would have supported the link between women and witchcraft. One of these was the dichotomy between order and disorder, one of the primary polarities of both Greek and Christian thought. […] Related to this order versus disorder dichotomy were those of culture versus nature, reason versus emotion, mind versus body, all dichotomies in which men were linked to the first term and women to the second”.
  • 34
    Texto original no inglês: “good wives and mothers”; “bad mothers”.
  • 35
    Texto original em russo: “Вырисовывается и облик обвинителя: это средняя масса, лишенная маркированных свойств и испытывающая страх, ненависть и зависть по отношению к тем, кто обладает каким-либо бросающимся в глаза качеством.”.
  • 36
    Texto original em inglês: “the learned stereotype of witchcraft as a Devil-worshipping international conspiracy”.
  • 37
    Texto no inglês: “whatever seemed possible and natural only yesterday appears impossible and incomprehensible”.
  • 38
    Texto no ingles: “The famous humanist Jean Bodin wrote: ‘Not one witch in a million would be punished if the procedure were governed by ordinary laws; suspicion is a sufficient reason for torture since rumors never appear in a void’”.
  • 39
    Lótman observa: “O homem do século XVIII sentiu ter despertado de um profundo e pesado sono (veja a foto de Goya O sono da razão)” (LOTMAN, 1991LOTMAN, Yu. Technological Progress as a Problem in the Study of Culture [Tekhnicheskii progress kak kul’turologicheskaya problema]. Poetics Today, translated by Ilana Gomel. Durham: Duke University Press, v.12, n.4, pp.781-800, 1991 [1988]. [1988], p.793). Texto no inglês: “The eighteenth-century man felt himself to have awakened from a deep and heavy slumber (see Goya’s picture The Sleep of Reason)”.
  • 40
    A propaganda nazista, como com os soviéticos, retratou e divulgou a conspiração internacional “judeu-maçônica”.
  • 41
    Texto original em russo: “Но опасна не только утопия, опасна всякая истина, исключающая сомнения. […] Истина без сомнения рождает фанатизм. Истина вне сомнения, мир без смеха, вера без иронии - это не только идеал средневекового аскетизма, это и программа современного тоталитаризма”.
  • 42
    Texto no inglês: “voice of the anonymous mass, those deaf and dark conversations, rumors and gossip that are generated by an atmosphere of fear and without which this atmosphere would be impossible”.
  • 43
    Texto original em russo: “Но когда история развивается быстро, ситуации меняются, традиции сломаны и создаются новые положения, человек не может общаться старыми способами, а новые даются не так легко. И тогда человеком овладевает неуверенность. Он не знает, как ему выразить свои чувства. Он ищет способ, слова для того, чтобы рассказать о своих мыслях; очень часто он себя чувствует как бы без языка, чужим. Это - разлад с самим собой, очень мучительное чувство. После больших исторических переломов требуется большое культурное усилие для того, чтобы человек создал вокруг себя ту коммуникативную сферу, то пространство, где он опять будет уверенно находить себе партнеров и чувствовать, что его понимают.”.
  • 44
    Texto original em russo: “одна из сложных проблем для человечества вообще и для человека в частности.”.
  • 45
    “O mundo inteiro é como nossa família” (LOTMAN, 2016LOTMAN, Yu. Universitet, nauka, kul’tura. In: LOTMAN, Yu.; USPENSKY, B. Perepiska 1964-1993. Tallinn: Izdatel’stvo TLU, 2016 [1982], pp.679-688. [1982]: 688), escreve Lótman em 1982, citando um provérbio italiano (“Tutto il mondo è fatto come la nostra famiglia”). O autor dedicou este ensaio à universidade e à revolução científica contemporânea, expressão de uma interpenetração inédita de ciências, linguagens e visões de mundo. Citação em inglês: “The whole world is made like our family”.
  • 46
    Como apontado por Lyubov Kiseleva, “A mitologização da história, o dogmatismo do pensamento e a incapacidade de perceber a realidade de uma maneira aberta e sem preconceitos (que é característica da consciência de massa) foram considerados por Lótman como resultado da ignorância, imoralidade e uma carência interna de liberdade. […] Embora Lótman não tenha atribuído fundações religiosas à sua própria atividade, sua fé na imutabilidade das leis morais da condição humana era inerente à sua personalidade. Ele era um pesquisador que pensava os mecanismos da vergonha, medo e honra na história da cultura, e as palavras ‘consciência’ e ‘honra’ estão entre as mais frequentes em seus comentários sociais” (KISELËVA, 2005KISELËVA, L. YU. M. Lotman, sobesednik: obshchenie kak vospitanie. In: LOTMAN, Yu. Vospitanie dushi. Saint Petersburg: Iskusstvo-SPB, 2005, pp.598-611., p.607, 609). Texto original em russo: “Мифологизацию истории, догматизм мышления, неспособность к открытому, непредвзятому восприятию действительности (что свойственно массовому сознанию) Лотман считал результатом невежества, невоспитанности и внутренней несвободы. […] Хотя Ю. М. не прилагал к собственной деятельности религиозных обоснований, вера в непреложность нравственных законов человеческого бытия была ему свойственна. Он был вдумчивым исследователем механизмов стыда, страха и чести в истории культуры, и слова “совесть” и “честь” недаром принадлежат к числу наиболее частотных в его публицистике”.
  • 47
    O horizonte de pensamento de Lótman poderia ser, por exemplo, relacionado com o trabalho recente de Marcel Danesi, The Semiotics of Emoji[A semiótica dos Emojis]. Neste livro ele destacou como uma (possível) revolução global está ocorrendo, que atravessa as barreiras da linguagem e está ligada ao mundo da linguagem verbal-visual precisamente em relação à necessidade de expressar e compartilhar emoções de forma universal. Danesi se pergunta, de fato, se é uma tendência passageira ou realmente uma revolução de comunicação - uma revolução na verdade baseada na recuperação do hibridismo por escrito, a saber, a combinação de escrita pictórica com escrita fonética.
  • 48
    Ver por exemplo Lünenborg e Maier (2018)Lünenborg, M.; Maier, T. The Turn to Affect and Emotion in Media Studies. Media and Communication, v.6, n.3, p.1-4, 2018. Available at: https://www.cogitatiopress.com/mediaandcommunication/article/viewFile/1732/1732. Access on: 26 Nov. 2018.
    https://www.cogitatiopress.com/mediaandc...
    e Giaxoglou e Döveling (2018)Giaxoglou, K.; Döveling, K. Mediatization of Emotion on Social Media: Forms and Norms in Digital Mourning Practices. Social Media + Society, p.1-4, January-March 2018. Available at: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/2056305117744393. Access on: 26 Nov. 2018.
    https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10....
    .

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2018
  • Aceito
    11 Ago 2019
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