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Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud

RESUMO

O objetivo central deste artigo é compreender, por um lado, as relações dialógicas entre os textos de Volóchinov e a teoria de Freud e, por outro, a recepção do freudismo entre marxistas soviéticos da primeira metade dos anos 1920 e marxistas europeus. Nossas principais descobertas foram: boa parte dos marxistas soviéticos do período mencionado argumentavam que o marxismo e o freudismo encontravam-se sob os mesmos pressupostos do materialismo dialético, Volóchinov rejeita o freudismo sobretudo em razão das críticas de Freud ao Estado soviético, marxistas soviéticos e europeus ora tentaram unir freudismo ao marxismo, ora buscaram traçar as diferenças entre as duas teorias.

PALAVRAS-CHAVE:
Freudismo; Marxismo; Volóchinov

ABSTRACT

The main objective of this article is to understand, on the one hand, the dialogical relationships between the texts of Voloshinov and Freud's theory and, on the other hand, the reception of Freud among Soviet Marxists from the first half of the 1920s and by European Marxists. Our main findings included evidence that: a great number of Soviet Marxists from the period mentioned argued that Marxism and Freudianism interfaced regarding the same presuppositions of dialectical materialism; Voloshinov rejected Freudianism, above all, due to Freud's criticism of the Soviet State; and, finally, Soviet and European Marxists tried to link Freudianism to Marxism, or trace the differences between the two theories.

KEYWORDS:
Freudianism; Marxism; Voloshinov

Introdução

Um aspecto ainda pouco explorado sobre a obra do Círculo de Bakhtin é o interesse de Valentín Nikoláievitch Volóchinov (1895-1936) pela psicanálise1 1 Um trabalho pioneiro é o prefácio à tradução de Freudismo: um esboço crítico escrito por seu tradutor, Paulo Bezerra, e intitulado Freud à luz de uma filosofia da linguagem (2001). Nesse trabalho, Bezerra defende que a análise da obra de Freud é feita sob um viés marxista à luz do conceito de ideologia como falsa consciência. O texto de Moura-Vieira (2009) resgata, além do livro de 1927 O freudismo: esboço crítico, o artigo Pelo lado do social de 1925, e estabelece a seguinte distinção fundamental entre eles: "Grosso modo, poderíamos dizer que "À margem do social" resenha a teoria freudiana por um prisma sociológico-marxista e O freudismo institui o método sociológico dialógico de análise de um determinado discurso, no caso, o discurso freudista-psicanalítico." (p.69). No artigo de Lima e Perini (2009, p.81), o objetivo "é apresentar os conceitos descritos por Bakhtin em que o pensamento de Freud foi reduzido e ainda tentar demonstrar os pontos de contato entre Freud e a teoria da linguagem bakhtiniana e em que residem as diferenças". , interesse que resultou na escrita de dois textos inter-relacionados: o artigo Pelo lado do social. Sobre o freudismo (1925)2 2 Tradução minha e de E. Vólkova Américo que fará parte de uma coletânea dos artigos traduzidos de Valentín N. Volóchinov. e o livro O freudismo: esboço crítico3 3 Embora a tradução brasileira traga o nome de Mikhail Bakhtin, esse texto foi publicado por Volóchinov e fez parte das atividades descritas nos relatórios apresentados ao "Instituto da História Comparada das Literaturas e das Línguas do Ocidente e do Oriente" (ILIAZV), lugar de atuação de Valentín Nikoláievitch Volóchinov entre 1925 e 1932. (1927). O artigo de 1925 é um resumo expandido (avtoreferát) do livro publicado dois anos mais tarde, ambos constando da produção científica de Volóchinov descrita no primeiro (1925-926) e terceiro (1927-1928) relatórios apresentados ao Instituto da História Comparada das Literaturas e Línguas do Ocidente e Oriente (ILIAZV - Institút Sravnítelnoi Istórii literatúr i iazykóv Západa i Vostóka) (F. 302, op. 2, no. 51).

A respeito do interesse pelo freudismo, Volóchinov (1925)VOLÓCHINOV, V. Po ty stórony sotsiálnogo [Do outro lado do social], Zvezdá, n. 5 (11), Leningrado, p.186-214, 1925. afirma que foram feitas tentativas, a seu ver equivocadas, de unir o freudismo com o materialismo dialético na bibliografia da Europa Ocidental e da Rússia. No âmbito mais estreito do Círculo, Vassíliev (1995, p.10)VASSÍLIEV, N. V. N. Volóchinov: biografítchekii ótcherk [V. N. Volóchinov: ensaio biográfico]. In: VOLÓCHINOV, V. Filossófiia i sotsiológuia gumanitarnykh nauk. São Petersburgo: Asta Press, 1995. p.5-22., biógrafo de Volóchinov, escreveu que "A intelligentsia russa viveu naqueles tempos um fervor generalizado pelo freudismo, o que se refletiu diretamente nos interesses científicos do Círculo bakhtiniano"4 4 No original: "Российская интеллигенция переживала в это время повальное увлечение фрейдизмом, что прямо отразилось на научных интересах бахтинского круга." . Entre os membros do Círculo que se interessaram pelo freudismo, Vassíliev relata ter Sollertínski ministrado um curso sobre psicologia no qual uma atenção especial foi dedicada ao trabalhos de Freud, e ter Pumpiânski preparado o artigo Por uma crítica de Rank e da psicanálise.

Com base nesses dados obtidos a partir de pesquisa realizada na Filial de São Petersburgo do Arquivo da Academia Russa de Ciências (Sankt-Peterbúrgski Filial Arkhiva RAN), onde se encontra parte do arquivo pessoal de Volóchinov, e em pesquisa bibliográfica, nosso objetivo será recuperar as relações dialógicas de tipo ativo (discurso refletido do outro), em que "a palavra do outro não se reproduz sem nova interpretação, mas age, influi e de um modo ou de outro determina a palavra do autor, permanecendo ela mesma fora desta" (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010[1963]. [1963], p.223-224), entre os dois textos acima citados de Volóchinov e a obra de Freud, por um lado, e entre marxistas soviéticos e europeus e a teoria freudiana, por outro. Essas relações dialógicas polêmicas podem ser explicadas pelo contexto acadêmico soviético dos anos 1920, do qual fazia parte a investigação dos fundamentos científicos do freudismo, com vistas a provar sua compatibilidade ou incompatibilidade com o materialismo histórico. Para mostrar que o desvelo em pesquisar o freudismo compunha o contexto soviético da época, realizamos o levantamento, leitura e análise de artigos produzidos por autores soviéticos dos anos 1920 sobre esse tema e que foram citados por Volóchinov nos dois textos acima mencionados. Além disso, procedemos à leitura de obras de Freud referidas nesses artigos e textos, com vistas a recuperarmos a polêmica aberta entre o método sociológico e o freudismo. Por fim, analisamos ainda o diálogo entre o freudismo e dois marxistas europeus: Marcuse e Althusser, pela representatividade e originalidade de suas leituras.

1 O método sociológico em polêmica aberta com o freudismo

O artigo Do outro lado do social. Sobre o freudismo5 5 A tradução francesa de Guy Verret trouxe o título "Au délà du social. Essai sur le freudisme" que explicita o diálogo com o título do texto de Freud. "Au délà do principe du plaisir". [Po tu stóronu sotsiálnogo. O freidizme] (1925) traz, na segunda parte do seu título, uma menção explícita à obra de Freud e, na primeira, uma alusão ao texto Além do princípio do prazer [Po tu stóronu printsípa udovólstviia]6 6 Nesse texto, Freud trabalha a tese de que "haja na psique uma forte tendência ao princípio do prazer, à qual se opõem determinadas forças ou constelações, de modo que o resultado final nem sempre corresponde à tendência ao prazer."(2010 [1920], p.165). Duas fontes se opõem à tendência à satisfação do prazer: o princípio da realidade que leva ao adiamento do prazer sem abandonar a intenção de satisfazê-lo; e os conflitos e cisões dentro do aparelho psíquico que conduzem à repressão e transformam "uma possibilidade de prazer num fonte de desprazer" (2010 [1920], p.167). , publicado em 1920 por Freud e traduzido no volume 14 das Obras Completas (FREUD, 2010_______. O mal estar-estar na civilização (1930-1936). Obras completas. Volume 18. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010[1930], p.13-122.), ou seja, enquanto Freud investiga "do outro lado do princípio do prazer", Volóchinov aborda "do outro lado do social". Por conseguinte, no título identificamos os princípios motores de cada autor - "social" em Volóchinov e "individual sexual" em Freud -, bem como dois tipos de relações dialógicas entre as obras dos dois pensadores - velada por meio da alusão e aberta na nomeação da teoria objeto de análise. A palavra que se volta para outra palavra é não só o objeto do método sociológico de Bakhtin, Medviédev e Volóchinov e da metalinguística de Bakhtin, mas também o modo de constituição dessas teorias, este último é nosso foco. A análise empreendida por Volóchinov sobre o freudismo se constrói sobre o levantamento dos seus defeitos e méritos, procedimento que se repete na crítica a Saussure, aos formalistas, a Vossler etc. Comecemos pelos defeitos.

Volóchinov recrimina o freudismo pela falta de "diálogo" com a psicologia de sua época, ou seja, por nunca tentar

demonstrar uma relação relativamente precisa com a psicologia contemporânea a eles e seus métodos. [...] Freud e seus alunos citavam e se referiam apenas entre si; e em uma época mais posterior começaram a citar ainda Schopenhauer e Nietzsche (1925, p.200)7 7 No original: "выяснить сколько-нибудь точно и подробно свое отношение к современной им психологии и практикующимся в ней методам. [...] Фрейд и его ученики цитируют только себя и ссылаются только друг на друга; в более позднее время начали цитировать ещё Шопенгауэра и Ницше." .

A nosso ver, essa crítica não procede, pois identificamos diversas referências a psicólogos, filósofos, antropólogos, biólogos, sociólogos nos textos de Freud, as quais exporemos brevemente a seguir. No início do texto Além do princípio do prazer (2010), Freud ancora dois pilares de sua reflexão, os conceitos de prazer e de desprazer - "quantidade de excitação [...] existente na vida psíquica, de tal modo que o desprazer corresponde a um aumento, e o prazer, a uma diminuição dessa quantidade" (p.163) e o princípio da "tendência à estabilidade" (o aparelho psíquico se empenha em manter a quantidade de excitação baixa e constante), no filósofo e psicofísico alemão Gustav Theodor Fechner (1801-1887), considerado o fundador da Psicofísica e da Psicologia como ciência. A teoria psicofísica de Fechner se ancora em uma filosofia dual-monística na qual a mente e o corpo são dois aspectos de uma única realidade: o físico e o psíquico.

Encontramos procedimentos semelhantes nos seguintes textos:

  1. Em Totem e tabu (2012 [1912-1913]), Freud desenvolve sua tese sobre a íntima conexão e a origem simultânea entre totemismo e exogamia em diálogo ora concordante ora discordante com Wilhelm Wundt (1832-1920), fundador da psicologia experimental e estudioso da consciência. Além de Wundt, Freud desenvolve suas hipóteses ao citar de modo recorrente antropólogos, biólogos, etnólogos, filósofos, estudiosos da religião, sociólogos que se dedicaram ao tema;

  2. Em O inquietante (2010 [1919]), Freud cita o psiquiatra alemão Ernst Anton Jentsch (1867-1919) como um dos poucos que trabalharam como a suscetibilidade ao inquietante varia de pessoa para pessoa. No decorrer do texto, Freud lança mão do sentido dicionarizado de "inquietante", bem como de sua presença em obras artísticas, para afirmar que a concepção de Jentsch de que o inquietante é uma "incerteza intelectual" (p.332) pouco ajuda a compreendê-lo;

  3. Em O eu e o id (2011 [1923]), Freud, a partir dos trabalhos do fisiologista alemão e pioneiro da medicina psicossomática Georg Groddeck (1866-1934), desenvolve o conceito de Id como a parte da psique humana que nos conduz de modo passivo por meio de poderes desconhecidos e incontroláveis;

  4. As primeiras 100 páginas de A interpretação dos sonhos (2016 [1900]) - considerada por Freud uma de suas obras mais importantes, pois é nela, juntamente com o trabalho sobre a hipnose, que ele encontrava prova da existência do inconsciente ao ser atacado por detratores - são dedicadas a uma ampla revisão da literatura científica anterior sobre o sonho, a qual ajudou a formular sua tese de que "o sonho é a realização (disfarçada) de um desejo (reprimido, recalcado)" (p.182);

  5. Nos três primeiros capítulos de Psicologia das massas e análise do eu (2016 [1921]), Freud resume e transcreve longos fragmentos do livro Psicologia das multidões, do psicólogo social e sociólogo francês Gustav Le Bon (1841-1931). Em seguida, analisa detidamente a obra A mente grupal, do psicólogo social inglês Willian McDougall (1871-1938). Além deles, a bibliografia de Freud é composta por uma longa lista de obras de autores que já trataram da psicologia de massas.

Embora não faça um síntese da psicologia de sua época, identificamos, na relação acima, que Freud, de fato, dialoga com a psicologia do seu tempo, porém o faz de um modo diferente dos textos de Volóchinov, Medviédev e Bakhtin: Freud tende a escolher os interlocutores e conceitos com os quais estabelece relações dialógicas de filiação e concordância parciais, transformando-os por meio de sua visão original da psique humana, enquanto o Círculo opta por autores e correntes teóricas com as quais estabelece relações dialógicas de polêmica aberta.

Uma segunda crítica é a de que o freudismo não elaborou "métodos efetivamente científicos da sua abordagem teórica" (VOLÓCHINOV, 1925VOLÓCHINOV, V. Po ty stórony sotsiálnogo [Do outro lado do social], Zvezdá, n. 5 (11), Leningrado, p.186-214, 1925., p.205)8 8 No original: "действительных научных метод их теоретического познания" e, desse modo, continuou a "operar com o antigo método da psicologia subjetiva que consiste na auto-observação [...] e a sua interpretação" (VOLÓCHINOV, 1925VOLÓCHINOV, V. Po ty stórony sotsiálnogo [Do outro lado do social], Zvezdá, n. 5 (11), Leningrado, p.186-214, 1925., p.205) 9 9 No original: "старый метод субъективной психологии: самонаблюдение и его интерпретация." . De fato, o próprio Freud reconhece, sem ver um problema nisso, que a tarefa terapêutica se construiu em três metas: a primeira é arte da interpretação do inconsciente oculto pelo psicanalista para o doente; a segunda visa "instar o paciente a confirmar a construção por meio de sua própria lembrança" (FREUD, 2010_______. O mal estar-estar na civilização (1930-1936). Obras completas. Volume 18. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010[1930], p.13-122.[1920], p.176); e a terceira, uma vez que o doente não podia se lembrar de tudo, busca levar o paciente "a repetir o reprimido como vivência atual" por meio da transferência "na relação com o médico" (FREUD, 2010_______. O mal estar-estar na civilização (1930-1936). Obras completas. Volume 18. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010[1930], p.13-122., p.177).

Uma terceira crítica é a acusação de que o freudismo é "pansexualista", ou seja, a teoria freudiana reduziria a explicação de todos os fenômenos sociais, ideológicos e culturais à dinâmica das pulsões sexuais. Segundo Volóchinov, esse "pansexualismo" é manifestação de uma filosofia burguesa que reage diante da sua decadência. Freud responde a esse tipo de acusação feita por outros críticos ao, primeiramente, esclarecer que sua visão da sexualidade foge ao senso comum, isto é, ela "é afastada de seu vínculo por demais estreito com as genitais e caracterizada como uma função somática mais abrangente, que visa o prazer e só secundariamente entra a serviço da procriação". (2011, p.118). Em segundo lugar, no seu texto Uma dificuldade da psicanálise (2010, p.243), o próprio Freud responde essa objeção, uma vez que ela foi feita de modo recorrente bem antes de Volóchinov:

Adversários incompreensivos nos fazem a objeção de parcialidade na avaliação dos instintos sexuais: o ser humano teria outros interesses além dos sexuais. Nós jamais esquecemos ou negamos isso, nem por um momento sequer. Nossa parcialidade é como a do químico, que explica todas as constituições pela força da atração química. Não é por isso que ele nega a força da gravidade, apenas deixa para os físicos a sua apreciação.

Uma quarta crítica é que, na teoria de Freud, "não há uma só palavra sobre qualquer um dos fundamentos sociais do caráter, alicerçados na constituição física do homem, nem sobre as influências física e sócio-objetivas do ambiente" (BAKHTIN, 2001BAKHTIN, M. O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2001[1927]., p.72). No entanto, a consideração do papel da civilização e/ou da cultura na constituição do psiquismo humano seria desenvolvida de forma mais explícita em um dos textos mais conhecidos de Freud: O mal estar-estar na civilização (2010). Uma vez que foram publicadas três anos após o Freudismo (1927), as considerações de Freud não poderiam ter sido apreciadas nos dois textos de Volóchinov e não mais se constituíram em objeto de análise crítica de Volóchinov, que pode não ter tido mais acesso à obra de Freud, seja por motivos pessoais seja por restrições institucionais ou perdido o interesse por ela e, com isso, deu a polêmica por resolvida.

Freud entende a civilização como "a inteira soma das realizações e instituições que afastam a nossa vida daquela de nossos antepassados animais e que servem para dois fins: a proteção do homem contra a natureza e a regulamentação dos vínculos dos homens entre si" (FREUD, 2010_______. O mal estar-estar na civilização (1930-1936). Obras completas. Volume 18. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010[1930], p.13-122., p.48-49). Retomando sua descoberta anterior de que o princípio do prazer ou a busca da felicidade rege a finalidade da vida e de que essa finalidade é irrealizável de modo permanente por diversos motivos, Freud vai se concentrar em um dos obstáculos à satisfação desse princípio: as relações sociais. Os cimentos básicos de construção da vida social são, para Freud, a compulsão ao trabalho e o poder do amor. Trabalho e amor reprimem e modificam a satisfação dos impulsos instintuais e agressivos em benefício da vida comum dos homens. No entanto, as forças civilizatórias (amor e trabalho) e os instintos individuais estão em constante conflito na história da humanidade. As necessidades econômicas tendem a absorver e regular a sexualidade e a convivência familiar, gerando conflito e desprazer. A luta e a disputa são inerentes à atividade humana e aqui Freud faz uma menção explícita aos comunistas, para quem a eliminação da propriedade privada estaria na base da eliminação dos conflitos, injustiças e inimizades entre os homens. Freud reconhece que "uma real mudança nas relações das pessoas com a propriedade"(2010, p.119) é capaz de recompensar a virtude e melhorar a vida, mas sem sucumbir a uma visão idealista da natureza humana, pois a estrutura econômica é apenas uma das esferas de existência de privilégios e desigualdades e não eliminaria os demais conflitos entre os homens, por exemplo, o privilégio no âmbito das relações sexuais ou a injusta distribuição de talentos intelectuais e aptidões físicas pela natureza. Freud continua seu ensaio argumentando que a luta entre Eros e morte, instintos de vida e de destruição, constituem a luta vital da espécie humana na construção da cultura e da civilização. Nesse processo, a força do meio social exerce sua influência tanto nas coerções externas quanto na internalização dos ideais sociais no Super-eu que vive em constante conflito com o Eu.

Em Novas conferências introdutórias à psicanálise (2010), Freud analisa explicitamente a teoria de Karl Marx nos seguintes pontos: primeiramente, Freud não aprecia a concepção histórica de Marx sobre a origem das classes nas sociedades, mas concebe a filogênese da sociedade humana como uma conjugação entre fatores psicológicos de grupos sociais e o domínio da natureza (armas, metais, conquista do espaço etc.); em seguida, Freud reconhece que a força do marxismo está:

na inteligente demonstração da influência avassaladora que as relações econômicas dos seres humanos têm sobre suas atitudes intelectuais, éticas e artísticas. [...] Mas não se pode supor que os motivos econômicos sejam os únicos que determinam o comportamento dos homens na sociedade. Já o fato de que pessoas, raças e povos diversos comportam-se diversamente nas mesmas condições econômicas exclui o domínio único dos fatores econômicos (p.349).

Freud continua argumentando que os fatores psicológicos estão na origem das relações econômicas, a saber: o instinto de autoconservação, a agressividade, a necessidade de amor, o impulso a obter prazer e evitar o desprazer, as exigências conservadoras do Super-eu, a evolução da cultura e o fortalecimento científico. Esses dois últimos fatores abordam claramente a influência transformadora de esferas da superestrutura sobre as relações econômicas na infraestrutura. Por fim, Freud denuncia que o marxismo prático perdeu seu caráter científico e crítico e se revestiu de procedimentos característicos de religião, como a rejeição e a perseguição dos críticos e o deslocamento das tendências destrutivas do homem para a "hostilidade dos pobres contra os ricos" (2010, p.352)10 10 Em um trabalho anterior, Psicologia das massas e análise do eu (2016), Freud sugere que o enfraquecimento dos sentimentos religiosos em seu tempo poderia ser substituído pelo socialismo, o qual dirigirá aos de fora a mesma intolerância da época das lutas religiosas. . A avaliação final de Freud é que a teoria marxista teria que ser conjugada e completada com uma explicação da compleição instintual humana, suas variações raciais e suas transformações culturais sob as condições da ordenação social, das atividades profissionais e dos meios de subsistência.

Nessa breve exposição, espero ter deixado claro que Freud não é indiferente à influência das forças culturais e econômicas sobre a constituição da sociedade e do indivíduo, bem como não me parece incompatível com a concepção de um sujeito constituído socioideologicamente e uma sociedade movida pela contradição e pela luta de interesses econômicos. A disputa entre os diferentes grupos e classes sociais pela hegemonia na produção e controle dos signos ideológicos que, por sua vez, forneceriam o material e o conteúdo da consciência humana seria uma dimensão e coexistiria com a luta interior dos indivíduos entre a satisfação dos seus desejos e as exigências do meio social, entre as forças agressivas da morte e o poder agregador do Eros.

Um conceito que não é alvo da crítica de Volóchinov, mas que, a nosso ver, é importante para compreender a polêmica entre o freudismo e o método sociológico é a consciência humana. Em Além do princípio do prazer, a consciência é concebida como uma função dos processos psíquicos que, em termos anatômicos, situa sua sede "no córtex, a camada mais exterior do cérebro, que envolve as demais" (FREUD, 2010_______. O mal estar-estar na civilização (1930-1936). Obras completas. Volume 18. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010[1930], p.13-122., p.185) e recebe "as percepções de excitações vindas do mundo externo e sensações de prazer e desprazer" (FREUD, 2010, p.184), essas advindas do interior do aparelho psíquico. A consciência não deixa traço de lembrança, se exaure no próprio processo de excitação e possui um modo de trabalho regido pelas categorias de tempo e espaço que Freud remete diretamente à obra de Kant.

Dando prosseguimento a sua teoria iniciada em Além do princípio do prazer (2010), Freud desenvolve a relação entre a linguagem e o psiquismo humano em O eu e o id (2011), no qual parte da premissa básica da psicanálise: a diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente. Após essa afirmação, Freud antecipa a reação de uma parte de seus leitores, aqueles com cultura filosófica11 11 No texto As resistências à psicanálise (2011), Freud volta a abordar a resistência dos filósofos à psicanálise: "o psíquico dos filósofos não era o da psicanálise. Em sua grande maioria, eles consideram psíquico apenas o que é um fenômeno da consciência. Para eles, o mundo do que é consciente coincide com a esfera do psíquico" (p.257-258). para quem a ideia de algo psíquico que não seja também consciente seria absurda, phara argumentar que os fenômenos da hipnose e sonho são as provas cabais da existência do inconsciente. Segundo Freud, o inconsciente não pode se manifestar em razão da ação das forças da repressão e da resistência. O inconsciente "se produz em algum material que permanece desconhecido" (2011, p.23) e passa para o pré-consciente12 12 Não entraremos nos aspectos diferenciadores do pré-consciente, por considerá-los complexos demais para serem desenvolvidos neste trabalho. mediante a ligação com representações verbais.

O consciente é uma qualidade do psíquico e ganha a seguinte caracterização: ele é formado pelas "percepções que vêm de fora (percepções sensoriais) e de dentro, às quais chamamos de sensações e sentimentos" (FREUD, 2011_______ O eu e o id. Obras completas. Volume 16. (1923-1925). Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011[1923], p.13-74., p.23); essas percepções sensoriais e os sentimentos internos ligam-se a percepções acústicas verbais e também visuais, que são mais antigas, ontogenética e filogeneticamente. A teoria dos sonhos baseia-se na verificação de que "as impressões visuais constituem o principal elemento de nossos sonhos. A contribuição de outras áreas sensoriais, com exceção da auditiva, é menor e inconstante" (2016, p.49). Mais à frente, Freud parte das afirmações de Schleiermacher e Strümpel de que "enquanto na vigília a psique representa e pensa por imagens verbais e pela linguagem, no sonho ela representa e pensa por imagens sensoriais reais" (2016, p.68).

Sob a influência de Humboldt, Potiebniá, Cassirer e Chpet, por um lado, e dos marxistas russos, de outro, Volóchinov, em Marxismo e filosofia da linguagem, concebe que a consciência nasce e existe encarnada na palavra, que é a formadora da autoconsciência e atribui estabilidade conceitual a ela. Isso não significa que só exista pensamento após o advento da linguagem verbal, mas que o pensamento se transforma qualitativamente mediante o encontro com a linguagem verbal e também com linguagens visuais, musicais, arquitetônicas etc. Na pessoa individual como sujeito histórico e social, distingue-se a "vivência do eu", próxima à reação fisiológica de um animal - e a "vivência do nós" - cuja diferenciação ideológica garante firmeza à consciência. Portanto, aqui vemos que, por um lado, a linguagem é o elemento formador da consciência humana tanto em Volóchinov quanto em Freud e, por outro, que Volóchinov concentra-se na consciência humana, enquanto Freud teoriza a existência de uma dimensão extraverbal, o inconsciente em constante tensão com o consciente. A divisão do psiquismo humano por Volóchinov corresponde à percepção da complexidade do aparelho psíquico que vive em uma tensão entre forças subjetivas e objetivas. Essa percepção ocorre, a nosso ver, como resultado do diálogo com o freudismo e por aqui começamos a abordagem dos seus méritos, segundo a análise de Volóchinov.

O primeiro deles é que "o freudismo, em muitos casos, opera com grandezas reais do comportamento humano e na prática sabe se orientar no meio delas" (FREUD, 2010_______. O mal estar-estar na civilização (1930-1936). Obras completas. Volume 18. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010[1930], p.13-122., p.205), portanto o freudismo lida com fenômenos reais e sabe operar com eles. O segundo é que traz uma compreensão nova para o fenômeno psíquico: "O que há de novo é a grandiosa concepção metafórica da dinâmica psíquica, atrás da qual encontra-se, na maioria dos casos, a dinâmica material dos processos somáticos ainda não estudados pela ciência" (FREUD, 2010_______. O mal estar-estar na civilização (1930-1936). Obras completas. Volume 18. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010[1930], p.13-122., p.205). Volóchinov reconhece a contribuição freudiana à compreensão da complexidade do psiquismo humano, mas condena, em seguida, a sua falta de elaboração de um método científico.

Um último aspecto a ser analisado é que, na crítica ao freudismo, são dados os primeiros passos para a elaboração do método sociológico a ser posteriormente desenvolvido em Marxismo e filosofia da linguagem (1929). A seção de psicanálise é submetida ao método sociológico no seguinte fragmento do artigo de 1925:

Nós temos em vista as relações complexas entre o médico psiquiatra e o paciente neurótico, isto é, esse pequeno mundo social, com seus embates específicos, com a tendência do doente a esconder do médico alguns aspectos da sua vida, a enganá-lo, a persistir em seus sintomas e assim por diante. Esse pequeno fenômeno social é muito complexo. A base econômica, o aspecto fisiológico e o aspecto ideológico-burguês (moral e estético), tudo isso determina a inter-relação concreta em seu todo (VOLÓCHINOV, 1925VOLÓCHINOV, V. Po ty stórony sotsiálnogo [Do outro lado do social], Zvezdá, n. 5 (11), Leningrado, p.186-214, 1925., p.208).13 13 No original: "Мы имеем в виду сложные отношения врача-психиатра и больного-невротика, - этот маленький социальный мирок, с его специфической борьбой, с тенденцией больного скрывать от врача некоторые моменты своей жизни, обманывать его, упорствовать в своих симптомах и пр. и пр. Это маленькое базис, физиологический момент и момент буржуазно-идеологический (моральный и эстетический) - всё это определяет конкретное взаимоотношение в его целом."

Depreendemos daqui que a seção de psicanálise é um pequeno ato social produtor de enunciados e signos ideológicos que só podem ser compreendidos na relação com os participantes sociais mais próximos, a situação social mais próxima e o horizonte social amplo. Freud descreve a seção de psicanálise em termos diferentes: "A análise não se presta para o uso polêmico, no entanto; ela pressupõe a anuência do analisando e a situação de um superior e um subordinado." (2012, p.304), ou seja, Freud tem consciência da dinâmica social e interpessoal da seção de psicanálise.

Na versão expandida do artigo publicada em 1927 sob a forma do livro O Freudismo: um esboço crítico, o método sociológico se expande mais ainda, de modo a propor alternativas mais substanciais aos conceitos freudianos, por meio da valorização da palavra ou linguagem e do desenvolvimento do conceito de ideologia do cotidiano:

[...] a consciência humana trabalha com a palavra, essa refração mais sutil e também mais confusa das leis socioeconômicas.

[...]

Chamamos discurso interior e exterior a "ideologia do cotidiano" que penetra integralmente o nosso comportamento. Em certos sentidos, essa ideologia do cotidiano é mais sensível, compreensiva, nervosa e móvel que a ideologia enformada, "oficial". No seio da ideologia do cotidiano é que se acumulam aquelas contradições que, após atingirem certo limite, acabam explodindo o sistema da ideologia oficial (BAKHTIN, 2001BAKHTIN, M. O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2001[1927]., p.88).

O sonho, o mito, a brincadeira, o gracejo e todos os componentes verbais das formações patológicas refletem a luta de diferentes tendências e correntes ideológicas que se constituíram no interior da ideologia do cotidiano.

[...]

O inconsciente corresponde às camadas mais distantes do sistema estável da ideologia dominante (BAKHTIN, 2001BAKHTIN, M. O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2001[1927]., p.89).

Identifico aqui que o conceito de ideologia do cotidiano foi desenvolvido como uma proposta alternativa ao inconsciente freudiano a partir do conceito de psicologia social dos marxistas. Aquilo que Volóchinov aponta como uma das novidades freudianas - "a luta, o caos, e o infortúnio da nossa vida psíquica" (BAKHTIN, 2001BAKHTIN, M. O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2001[1927]., p.75) - é relido em uma chave dialética materialista em que os embates ideológicos da realidade social fornecem o conteúdo do psiquismo humano, gerando conflitos e toda a sua complexidade. Nesse sentido, nossa análise acompanha a conclusão de Moura-Vieira (2009)MOURA-VIEIRA, M. O freudismo: uma crítica à ideologia psiquiátrico-psicanalítica. In: BRAIT, B. Bakhtin e o Círculo. São Paulo: Contexto, 2009, p.49-72, de que os textos sobre o freudismo não constituem "um desvio dos estudos propriamente linguístico do Círculo" (p.69), mas são "um dos pilares da constituição do pensamento dialógico" (p.69).

2 O diálogo dos marxistas soviéticos e europeus com o freudismo

O interesse de Valentín Volóchinov pela teoria freudiana não é um caso isolado no contexto soviético dos anos 1920 e reflete em parte a rápida recepção da obra de Freud na Rússia pré-revolucionária. Já nos anos 1910, Freud declara que sua obra tem grande repercussão na Rússia: "Na Rússia a psicanálise tornou-se bastante conhecida e difundida; quase todos os meus escritos, assim como os de outros seguidores da psicanálise, foram traduzidos para o russo" (2012, p.281). Portanto, na segunda metade dos anos 1920, a obra de Freud produzida até então estava traduzida e era amplamente difundida há pelo menos 11 anos na Rússia e depois na União Soviética, o que revela o interesse dos marxistas soviéticos pelo freudismo.

Em uma nota de rodapé no início de Pelo lado do social. Sobre o freudismo (1925), Volóchinov relaciona 6 artigos que trataram das relações entre o materialismo histórico e o freudismo, mencionando que há outros. Os 5 primeiros procuraram articular o freudismo ao materialismo dialético - 1) A. B. Zalkind Freidizm i marksism [Freudismo e marxismo], Ótcherki kultury revoliúts. vriémeni [Esboços da cultura dos tempos revolucionários]; 2) B. Bykhóvski [O metodologuítcheskikh osnovániakh psikhoanalit. utchéniia Freida [Sobre os fundamentos metodológicos da doutrina psicoanalítica de Freud] (Pod známenem marksisma - N. 12, 1923); 3) K. D. Fridman Osnóvnye psikholog. vozzriéniia Freida i teóriia istor. mat-zma [Fundamentos da perspectiva psicológica de Freud e a teoria do materialismo histórico] ("Psicologia e marxismo" - Psikhológuia i marksísm - organizado por Kornílova); 4) A. R. Lúria Psikhoanáliz kak sistiéma monistích. psikhológuii [Psicanálise como sistema da psicologia monista] (Ibid.); 5) A. M. Reisner Freud i ego chkóla o relíguii [Freud e sua escola sobre a religião] ("Petchát i Rev.", N. 2, 1924) - e o sexto assume uma posição de polêmica aberta com o freudismo, posição que Volóchinov considera a mais correta - V. Iuriniéts. Freudizm i marksízm [Freudismo e o marxismo] (revista "Pod známenem marksisma", N. 8-9, 1924).

Comecemos pelo texto de Iuriniéts, o único que Volóchinov qualifica como correto. A proposta do Iuriniéts é investigar "de um ponto de vista puramente crítico, os fundamentos da teoria de Freud." (1924, p.53) 14 14 No original: "чисто критическая - предполагает знакомство с основами учения Фрейда." e, para isso, cita recorrentemente os textos Além do princípio do prazer - o mesmo ao qual o título do artigo de Volóchinov faz alusão - e O eu e o id. A teoria de Freud é adjetivada como "filosofia da degradação" (p.65) 15 15 No original: "философия разложения" , "espírito místico" (p.67) 16 16 No original: "мистический дух" e "mundo fantástico inatingível" (p.67) 17 17 No original: "фантастический, непостижимый мир" . Iuriniéts ataca sobretudo as mudanças no conceito de "inconsciente" na cronologia da obra de Freud e a suposta indefinição do "id", cuja origem "é uma continuidade e uma modernização do romantismo filosófico alemão de Schelling" (p.71) 18 18 No original: "Это отрыжа немецкого философского романтизма, модернизированный Шеллинга." . Na segunda parte do artigo, Iuriniéts se dedica à psicologia social de Freud, onde, a nosso ver, está a origem da agressividade dos marxistas contra Freud: "A sociologia freudista é a parte mais fraca do sistema psicanalítico, ela é simplesmente uma completa contradição colossal; além disso, ela é a expressão de um ódio cego e raivoso em relação ao marxismo" (1924, p.75)19 19 No original: "Социология фрейдизма является самой слабой частью системыпсихоанализа, она полна прямо чудовищных противоречий; кроме того, она является выражением слепой, бешеной ненависти по отношению к марксизму" . Além dessa síntese crítica, Iuriniéts reproduz diversas afirmações de discípulos de Freud contra o marxismo soviético: "O comunismo é a expressão da tendência à união com a mãe, a eterna nostalgia do retorno ao útero materno" (1924, p.90) 20 20 No original: "Коммунизм - выражение стремления к слиянию с матерью, вечная тоска о возврате в uterus матери" , "O movimento comunista do operariado é uma tentativa de volta ao estado infantil." (1924, p.90) 21 21 No original: "рабочее коммунистическое движение является попыткой возврата к детскому состоянию." , "O comunismo é um neofeudalismo." (1924, p.91) 22 22 No original: "Коммунизм является собственно неофеодализмом" , "A dialética de Marx é a expressão da paranoia que, juntamente com a crença mística no papel do proletariado, adquire forma de paranoia religiosa." (1924, p.91) 23 23 No original: "диалектика Маркса выражение параной, которая вместе с мистической верой в роль пролетариата приобретает формы религиозной параной" ou ainda "O slogan 'proletários de todos os países, uni-vos' é a expressão de classe do homossexualismo." (1924, p.92) 24 24 No original: "Лозунг: "пролетарии всех стран, соединяйтесь!" - не что иное, как классовое выражение гомосексуализма" . As críticas de Iuriniéts nos parecem menos motivadas pelas possíveis insuficiências da obra de Freud do que uma reação aos ataques de freudianos contra a teoria marxista e o marxismo soviético. Conforme expusemos acima, o próprio Freud fez críticas bastante ponderadas à teoria marxista e à revolução russa, pois reconheceu, por um lado, a possibilidade de maior justiça social com a eliminação da propriedade privada e, por outro, a perspicácia do materialismo dialético em apontar a influência da base econômica no modo de pensar das pessoas.

Os demais artigos, ao empreenderem tentativas de conciliar o freudismo com o marxismo, são considerados falsos ou falhos por Volóchinov: "achamos profundamente falsa a convicção teórica central de Zalkind, segundo a qual o psiquismo do homem é um reflexo biológico do seu ser social" (BAKHTIN, 2001BAKHTIN, M. O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2001[1927]., p.108); "A falha central do artigo de Bykhóvski pode ser assim resumida: ausência de enfoque do próprio método psicanalítico como fato objetivo" (BAKHTIN, 2001BAKHTIN, M. O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2001[1927]., p.99). Entre os cinco textos citados por Volóchinov como favoráveis a uma conciliação entre o freudismo e o marxismo, o artigo de Fridman (1925)FRIDMAN, B. Osnóvnyie psikhologuítcheskie vozzriénia Freida i teória istorítcheskogo materializma (Concepções psicológicas fundamentais de Freud e a teoria do materialismo histórico). In: KORNILOVA, K. (Org.) Psikhológuiia i marksizm (Psicologia e marxismo). Leningrad: Gossudárstvennoe izdátelstvo Leningrad, 1925, p.113-160. é o mais extenso e consistente, motivo pelo qual trataremos dele a seguir.

Fridman parte da constatação de que a teoria freudiana aborda o homem de dois pontos de vista inter-relacionados - o orgânico e o social -e procura analisar a base social dos fenômenos psíquicos, motivo pelo qual a teoria freudiana abre a possibilidade de ser analisada à luz da teoria do materialismo histórico. Após analisar a proposta de Freud sobre a organização e formação do psiquismo humano, Fridman conclui que as condições exteriores são a origem das próprias pulsões interiores e, portanto, não haveria incompatibilidade com a dialética materialista:

O antagonismo entre o inconsciente e a consciência representa a hostilidade entre as tendências internas e as condições externas. O aparelho psíquico como um todo é uma arena na qual acontece o choque entre o interior e o exterior.

No entanto, as próprias pulsões interiores surgiram na dependência da realidade e se concretizam por meio dela; a dinâmica psíquica reflete a luta das próprias condições exteriores entre si, das quais algumas correspondem aos períodos mais antigos da vida do homem e, consequentemente, do seu desenvolvimento, bem como outros, a períodos mais tardios (1925, p.141) 25 25 No original: "Антагонизм между БС3 и С3 репрезентирует вражду внутренних тенденций с внешними условиями. психический аппарат в целом есть арена, на которой происходят столкновения внутреннего с внешним. По самим внутренне побуждения - влечения - возникли в зависимости от реальности и конкретизируются ею; в таком случае психическая динамика представляет, в конечном итоге, отражение борьбы самих внешних условий между собой, из которых одни соответствуют более древним периодам жизни человека, следовательно, и развития психики, а другие соответствуют более поздним." .

Na parte final do artigo, Fridman concentra-se em cotejar ponto a ponto as diferenças de finalidade, objeto e metodologia entre a teoria freudiana e o materialismo histórico, sem considerar que há uma incompatibilidade irreconciliável ou mesmo um antagonismo entre as duas teorias, pelo contrário: "Os pressupostos psicológicos de ambas as teorias é a tese de que a fonte de nossas atividades são as exigências da vida, força motriz última do desenvolvimento da sociedade e do homem" (FRIDMAN, 1925FRIDMAN, B. Osnóvnyie psikhologuítcheskie vozzriénia Freida i teória istorítcheskogo materializma (Concepções psicológicas fundamentais de Freud e a teoria do materialismo histórico). In: KORNILOVA, K. (Org.) Psikhológuiia i marksizm (Psicologia e marxismo). Leningrad: Gossudárstvennoe izdátelstvo Leningrad, 1925, p.113-160., p.158) 26 26 No original: "Психологической предпосылкой обоих учений является положение, что источником нашей деятельности являются жизненные потребности - конечные двигатели развития общества и человека." . Sintetizamos cotejo de Fridman a seguir:

Materialismo histórico Psicanálise Estudo dos fenômenos coletivos a partir das tendências do homem a satisfazer as exigências fundamentais da vida, tomando-as já dadas. Estudo do modo de formação dessastendências. Tem por objetivo esclarecer o desenvolvimento das condições coletivas, que determinam a atividade do homem. A psicanálise parte das condiçõessociais dadas para esclarecer o mododa sua influência no aparecimento dedeterminada atividade. Limita-se ao esclarecimento da influência das condições sociais no surgimento do conteúdo do fenômeno psicológico. Estuda o modo (mecanismo) daformação do fenômeno psicológico. Estuda a pessoa já constituída pelo social. Estuda o desenvolvimento da pessoaindividual sob a influência de dadascondições coletivas. Estuda a forma da atividade em decorrência de outras condições sociais. Estuda as relações sexuais das pessoascomo uma das fontes da sua atividade. Toma o resultado dessa atividade como já pronto. Estuda a atividade do aparatopsicanalítico como meio de formaçãodas representações humanas Parte do desejo do homem, como fonte da atividade, para o estudo do desenvolvimento dos fenômenos complexos da vida coletiva. Estudo do processo de aparecimento dopróprio desejo. Estuda o papel das condições no aparecimento do conteúdo ou objetivos de novas tendências do motivo fundamental da atividade. Esclarece o modo de formação dessastendências. Vai até o ponto em que se revela a influência do aspecto socioeconômico. A psicanálise, do ponto de vistametodológico, continua na orientaçãopsicológica do materialismo. Freudcomeça onde termina o materialismohistórico no estudo da atividade humana. Tem em vista o fator determinante. Pode esclarecer de que modo surge o reflexo do aspecto socioeconômico no psiquismo e condiciona a formação de dados fenômenos psíquicos. Liga a psicologia do homem com a sociedade, ou seja, como o social forma o psíquico. Liga a psicologia do homem com o biológico, ou seja, como o biológico, sob a influência do social, transforma-se no psicológico.

A comparação efetuada por Fridman evidencia que, na União Soviética da primeira metade dos anos 1920, parte da recepção da obra de Freud apontava para uma possível articulação entre as duas teorias, sem reduzi-las em suas especificidades. Esse modo de ler Freud coaduna-se, a meu ver, com a interpretação de neomarxistas como Marcuse em Eros e civilização (2015[1955]), que considera que "[A]a Psicologia Individual é em si mesma Psicologia Grupal, na medida em que o próprio indivíduo ainda se encontra em identidade arcaica com a espécie." (2015, p.43), ou seja, a psicologia descreve a construção da personalidade como manifestação da repressão geral da humanidade e abala a concepção moderna da noção de um indivíduo autônomo. Também de modo muito próximo de Fridman, Marcuse conclui que, na teoria freudiana, os impulsos instintivos estão sujeitos às modificações históricas e, desse modo, a teoria da civilização de Freud é uma análise dos mecanismos mentais dos indivíduos que são a substância da história. A dinâmica do psiquismo descrita por Freud (a luta entre Eros e instinto de morte, da edificação e da destruição da cultura, da repressão e retorno do reprimido) é liberada e organizada "pelas condições históricas em que a humanidade evolui" (2015, p.81) e "o verdadeiro espírito da teoria psicanalítica vive nos esforços intransigentes para revelar as forças anti-humanistas subentendidas na filosofia da produtividade" (2015, p.169). Um aspecto importante da análise de Marcuse é sua leitura do Logos aristotélico que se une a uma razão ordenadora, classificadora e dominadora, à qual se opõe à concepção da essência do ser em Freud como Eros, lógica da satisfação e não da dominação, da cultura enquanto autodesenvolvimento e não como sublimação repressiva, do ser e não do devir, que trabalha sob um outro princípio de realidade. Portanto, na leitura de Marcuse, a teoria freudiana evidencia os condicionamentos sociais e históricos da formação do psiquismo humano em que o social e o individual se inter-relacionam e se constitui em uma arma de crítica e superação contra a dominação, a repressão, a renúncia que constituem o indivíduo moderno e, por conseguinte, sustentam a civilização.

Althusser foi outro intelectual que teorizou as relações entre Marx e Freud, mas de um ponto de vista bem distinto ao de Marcuse. Textos de Freud como Totem e tabu e O mal estar na civilização são bases importantes da interpretação de Marcuse, enquanto Althusser os qualifica de "ensaios aventurosos e criticáveis" (1991[1976], p.86). Para Althusser, Freud e Marx partiram de fenômenos anteriormente conhecidos - os efeitos da luta de classes e os efeitos do inconsciente - e, portanto, não inventaram objetos novos, o que criaram foi "a definição do seu objeto, de seus limites e de suas extensão a caracterização de suas condições, de suas formas de existência e de seus efeitos [...] ou seja, sua teoria"(1991, p.76). Freud e Marx não se identificam na identidade de objeto "Freud, que apenas conhecia Marx, pensava, como este, seu objeto (embora nada tivesse em comum com o dele)" (ALTHUSSER, 1991ALTHUSSER, L. Marx e Freud. Trad. W. J. Evangelista 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1991[1976]., p.90), mas "Marx e Freud se aproximariam um do outro através do materialismo e da dialética" (ALTHUSSER, 1991ALTHUSSER, L. Marx e Freud. Trad. W. J. Evangelista 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1991[1976]., p.78).

Marxistas soviéticos como Bykhóvski também afirmaram que a dialética materialista funda o freudismo e o aproxima do marxismo: "A psicanálise é uma teoria perpassada pelo monismo, pelo materialismo e pela dialética, isto é, pelos princípios metodológicos da dialética materialista." (1923, p.169)27 27 No original: "Психонализ в основе своей усть учение, проникнутое монизмом, материализмом и диалективой, т-е. методологическими принципами диалетического материализма." . Essa aproximação é categoricamente rechaçada por Volóchinov: "Alguns consideram Freud um materialista. Semelhante afirmação é baseada em um equívoco total." (VOLOCHINOV, 1925VOLÓCHINOV, V. Po ty stórony sotsiálnogo [Do outro lado do social], Zvezdá, n. 5 (11), Leningrado, p.186-214, 1925., p.205) 28 28 No original: "Фрейда некоторые считают материалистом. Подобное утверждение основано на совершенном недооазумении." .

Por fim, Althusser passa a descrever as condições de produção das teorias marxista e freudiana: a realidade necessariamente conflituosa em que ambas foram geradas - uma sociedade estratificada em classe e a estrutura cindida e em conflito do sujeito psicanalítico -, ambas questionaram o âmago da forma filosófica da ideologia burguesa (a ideologia do sujeito uno e consciente necessária para que aceite sua própria sujeição à ideologia burguesa).

Tanto Marcuse quanto Althusser apontam que a teoria de Freud foi modificada por revisionistas que anularam suas descobertas e seu caráter transformador, mas diferem bastante em suas abordagens: Marcuse procura mostrar a influência da realidade histórica e social na constituição do psiquismo humano, enquanto Althusser enfatiza a diferença de objetos das teorias marxista e psicanalítica, apesar de se encontrarem na base epistemológica comum do materialismo dialético. Conforme mostrei acima, ambas as abordagens já tinham sido propostas pelos marxistas soviéticos como Fridman e Bykhóvski na primeira metade dos anos 1920 e foram refutadas por Volóchinov.

Considerações finais

O estudo da obra de Freud, dos textos de Volóchinov sobre o freudismo, dos marxistas soviéticos do início dos anos 1920 e de dois marxistas europeus dos anos 1950-1970 permitiram uma compreensão relativamente ampla do debate entre marxismo e freudismo. No que se refere a Volóchinov, seu diálogo polêmico com o freudismo propiciou as primeiras formulações do método sociológico, no qual destacaríamos o desenvolvimento do conceito de ideologia do cotidiano, de situação social e da vivência do eu/do nós (estes originários da filosofia alemã de Wilhelm Dilthey). Embora o método sociológico de Volóchinov admitisse a existência de signos ideológicos verbais e não verbais a constituírem a consciência humana, seu foco no diálogo, na interação discursiva e no enunciado levaram-no a formular uma teoria da linguagem fortemente calcada na constituição ideológica da consciência humana.

As propostas de diversos autores em aproximar o freudismo do marxismo realizadas em condições ideológicas e sócio-históricas distintas indicam, a nosso ver, que há afinidades entre essas duas teorias. As acusações de Volóchinov contra a teoria freudiana nos parecem condicionadas pelo dogmatismo institucional da segunda metade dos anos 1920 na União Soviética, em que o marxismo soviético tinha se tornado hegemônico e uma verdade inquestionável nas instituições universitárias e de pesquisa (ILIAZV), ou, nos termos de Lima e Perini, "o intuito em marcar um espaço ideológico comprometido com o sistema político em que o Círculo atua" (2009, p.81). Conforme apontamos, encontramos na obra de Freud críticas bastante ponderadas à teoria de Marx e Engels, mas, mesmo assim, essas restrições devem ter provocado a sua total rejeição na União Soviética a partir da segunda metade dos anos 1920, quando Volóchinov escreveu seus dois textos no ILIAZV.

Creio que a concepção sócio-ideológica da consciência desenvolvida nos trabalhos de Volóchinov se enriqueceria com as descobertas do inconsciente freudiano, que aponta para um sujeito não apenas cindido pelos conflitos socioeconômicos, pela dialética eu-outro, pelo presença do outro no eu, mas pelos seus determinismos biológicos, somáticos, libidinais, familiares e filogenéticos. Duas vias para esse enriquecimento foram dadas pelos marxistas soviéticos e europeus: por um lado, a organização psíquica do indivíduo pode ser compreendida como determinada por seus condicionamentos sócio-históricos (Marcuse, Fridman); por outro, o estudo do sujeito constituído socioideologicamente é visto como UMA apropriação do indivíduo na linguagem ao lado de outras que o abordariam, por exemplo, do ponto de vista psicanalítico (Althusser, Bykhóvski).

  • 1
    Um trabalho pioneiro é o prefácio à tradução de Freudismo: um esboço crítico escrito por seu tradutor, Paulo Bezerra, e intitulado Freud à luz de uma filosofia da linguagem (2001). Nesse trabalho, Bezerra defende que a análise da obra de Freud é feita sob um viés marxista à luz do conceito de ideologia como falsa consciência. O texto de Moura-Vieira (2009)MOURA-VIEIRA, M. O freudismo: uma crítica à ideologia psiquiátrico-psicanalítica. In: BRAIT, B. Bakhtin e o Círculo. São Paulo: Contexto, 2009, p.49-72 resgata, além do livro de 1927 O freudismo: esboço crítico, o artigo Pelo lado do social de 1925, e estabelece a seguinte distinção fundamental entre eles: "Grosso modo, poderíamos dizer que "À margem do social" resenha a teoria freudiana por um prisma sociológico-marxista e O freudismo institui o método sociológico dialógico de análise de um determinado discurso, no caso, o discurso freudista-psicanalítico." (p.69). No artigo de Lima e Perini (2009, p.81)LIMA, S.; PERINI, R. Bakhtin e Freud: aproximações e distâncias, Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 2, p.80-99, 2009. Disponível em: [https://revistas.pucsp.br/index.php/ bakhtiniana/article/ view/3013/1944]. Acesso em: 10/02/2017.
    https://revistas.pucsp.br/index.php/ bak...
    , o objetivo "é apresentar os conceitos descritos por Bakhtin em que o pensamento de Freud foi reduzido e ainda tentar demonstrar os pontos de contato entre Freud e a teoria da linguagem bakhtiniana e em que residem as diferenças".
  • 2
    Tradução minha e de E. Vólkova Américo que fará parte de uma coletânea dos artigos traduzidos de Valentín N. Volóchinov.
  • 3
    Embora a tradução brasileira traga o nome de Mikhail Bakhtin, esse texto foi publicado por Volóchinov e fez parte das atividades descritas nos relatórios apresentados ao "Instituto da História Comparada das Literaturas e das Línguas do Ocidente e do Oriente" (ILIAZV), lugar de atuação de Valentín Nikoláievitch Volóchinov entre 1925 e 1932.
  • 4
    No original: "Российская интеллигенция переживала в это время повальное увлечение фрейдизмом, что прямо отразилось на научных интересах бахтинского круга."
  • 5
    A tradução francesa de Guy Verret trouxe o título "Au délà du social. Essai sur le freudisme" que explicita o diálogo com o título do texto de Freud. "Au délà do principe du plaisir".
  • 6
    Nesse texto, Freud trabalha a tese de que "haja na psique uma forte tendência ao princípio do prazer, à qual se opõem determinadas forças ou constelações, de modo que o resultado final nem sempre corresponde à tendência ao prazer."(2010 [1920], p.165). Duas fontes se opõem à tendência à satisfação do prazer: o princípio da realidade que leva ao adiamento do prazer sem abandonar a intenção de satisfazê-lo; e os conflitos e cisões dentro do aparelho psíquico que conduzem à repressão e transformam "uma possibilidade de prazer num fonte de desprazer" (2010 [1920], p.167).
  • 7
    No original: "выяснить сколько-нибудь точно и подробно свое отношение к современной им психологии и практикующимся в ней методам. [...] Фрейд и его ученики цитируют только себя и ссылаются только друг на друга; в более позднее время начали цитировать ещё Шопенгауэра и Ницше."
  • 8
    No original: "действительных научных метод их теоретического познания"
  • 9
    No original: "старый метод субъективной психологии: самонаблюдение и его интерпретация."
  • 10
    Em um trabalho anterior, Psicologia das massas e análise do eu (2016), Freud sugere que o enfraquecimento dos sentimentos religiosos em seu tempo poderia ser substituído pelo socialismo, o qual dirigirá aos de fora a mesma intolerância da época das lutas religiosas.
  • 11
    No texto As resistências à psicanálise (2011), Freud volta a abordar a resistência dos filósofos à psicanálise: "o psíquico dos filósofos não era o da psicanálise. Em sua grande maioria, eles consideram psíquico apenas o que é um fenômeno da consciência. Para eles, o mundo do que é consciente coincide com a esfera do psíquico" (p.257-258).
  • 12
    Não entraremos nos aspectos diferenciadores do pré-consciente, por considerá-los complexos demais para serem desenvolvidos neste trabalho.
  • 13
    No original: "Мы имеем в виду сложные отношения врача-психиатра и больного-невротика, - этот маленький социальный мирок, с его специфической борьбой, с тенденцией больного скрывать от врача некоторые моменты своей жизни, обманывать его, упорствовать в своих симптомах и пр. и пр. Это маленькое базис, физиологический момент и момент буржуазно-идеологический (моральный и эстетический) - всё это определяет конкретное взаимоотношение в его целом."
  • 14
    No original: "чисто критическая - предполагает знакомство с основами учения Фрейда."
  • 15
    No original: "философия разложения"
  • 16
    No original: "мистический дух"
  • 17
    No original: "фантастический, непостижимый мир"
  • 18
    No original: "Это отрыжа немецкого философского романтизма, модернизированный Шеллинга."
  • 19
    No original: "Социология фрейдизма является самой слабой частью системыпсихоанализа, она полна прямо чудовищных противоречий; кроме того, она является выражением слепой, бешеной ненависти по отношению к марксизму"
  • 20
    No original: "Коммунизм - выражение стремления к слиянию с матерью, вечная тоска о возврате в uterus матери"
  • 21
    No original: "рабочее коммунистическое движение является попыткой возврата к детскому состоянию."
  • 22
    No original: "Коммунизм является собственно неофеодализмом"
  • 23
    No original: "диалектика Маркса выражение параной, которая вместе с мистической верой в роль пролетариата приобретает формы религиозной параной"
  • 24
    No original: "Лозунг: "пролетарии всех стран, соединяйтесь!" - не что иное, как классовое выражение гомосексуализма"
  • 25
    No original: "Антагонизм между БС3 и С3 репрезентирует вражду внутренних тенденций с внешними условиями. психический аппарат в целом есть арена, на которой происходят столкновения внутреннего с внешним.
    По самим внутренне побуждения - влечения - возникли в зависимости от реальности и конкретизируются ею; в таком случае психическая динамика представляет, в конечном итоге, отражение борьбы самих внешних условий между собой, из которых одни соответствуют более древним периодам жизни человека, следовательно, и развития психики, а другие соответствуют более поздним."
  • 26
    No original: "Психологической предпосылкой обоих учений является положение, что источником нашей деятельности являются жизненные потребности - конечные двигатели развития общества и человека."
  • 27
    No original: "Психонализ в основе своей усть учение, проникнутое монизмом, материализмом и диалективой, т-е. методологическими принципами диалетического материализма."
  • 28
    No original: "Фрейда некоторые считают материалистом. Подобное утверждение основано на совершенном недооазумении."

REFERÊNCIAS

  • ALPATOV, V. Volóchinov, Bakhtin i Lingvístika. [Volóchinov, Bakhtin e a Linguística]. Moscou: Iazikí Slaviánskikh Kultur, 2005.
  • ALPATOV, V. Iazykoviédy, vostokoviédy, istóriki. (Linguistas, orientalistas, historiadores) Moscou: Iazykí Slaviánskikh Kultúr, 2012.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2017
  • Aceito
    29 Jul 2017
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