Open-access Curupira e Caipora: o papel dos seres elementais como guardiões da natureza

Curupira and Caipora: the role of elemental beings as guardians of nature

Resumo

Povos indígenas e comunidades tradicionais dão prioridade às relações sociais e interativas entre humanos e não humanos, em que entes naturais, como animais, plantas, fungos, rios, cachoeiras, rochas, cavernas ou montanhas, estão imbuídos de espíritos, com subjetividades e consciência reflexiva. De acordo com as cosmopercepções de diferentes culturas, os seres elementais ou enteais atuam direta ou indiretamente na regulação de atividades antrópicas, guiando o comportamento dos indivíduos que adentram espaços naturais diversos, para fins de caça, pesca, coleta, cultivo, recreação etc. Por meio de uma revisão comparada de bibliografia obtida nas bases de dados Google Scholar e Scientific Electronic Library Online (SciELO), no período de janeiro a julho de 2021, o presente artigo discute acerca dos entes que exercem a função de guardiões da natureza e dos recursos, especialmente das espécies animais de interesse cinegético (caça). Uma atenção especial é direcionada a duas das entidades protetoras mais conhecidas no imaginário brasileiro: Curupira e Caipora. Torna-se premente conceber a união da espiritualidade com a ecologia, objetivando entender e apoiar as crenças locais, a fim de implementar estratégias ecologicamente embasadas para alcançar tanto a conservação racional dos recursos naturais quanto a manutenção do rico patrimônio biocultural a eles associada.

Palavras-chave Animismo; Narrativa oral; Folclore; Caça; Conservação dos recursos naturais; Etnoecologia

Abstract

Indigenous peoples and traditional communities prioritize social and interactive relationships between humans and non-humans in which natural beings like animals, plants, fungi, rivers, waterfalls, rocks, caves or mountains are imbued with spirits, subjectivities and reflective awareness. According to the cosmological perceptions of different cultures, elemental or enteal beings directly or indirectly act in the regulation of anthropic activities, guiding the behavior of individuals who enter various natural spaces for activities such as hunting, fishing, gathering, cultivation and recreation. This review of the literature in the Google Scholar and Scientific Electronic Library Online (SciELO) databases from January to July 2021 addresses the entities that act as guardians of nature and resources, especially animal species that are hunted. Special attention is directed to two of the best-known protective entities in Brazil: Curupira and Caipora. The combination of spirituality and ecology is essential to understand and support local beliefs and, in turn, implement ecologically-based strategies for rational conservation of natural resources and maintenance of the rich biocultural heritage associated with them.

Keywords Animism; Oral narrative; Folklore; Hunting; Conservation of natural resources; Ethnoecology

INTRODUÇÃO

Mas será que a ciência está dialogando com os espíritos da floresta? Será que a ciência está entendendo de que não adianta só escrever? Que tem que sentir, que tem que perceber, que tem que interagir com todas as formas outras não humanas?

(Takuá, 2020, p. 5)

Para muitos grupos culturais ao redor do mundo, em especial entre povos indígenas e comunidades tradicionais, as concepções de natureza e de sagrado não se dissociam de suas cosmovisões. A criação e as diversas relações que os seres humanos estabelecem com entidades míticas e mágico-religiosas milenares, as quais são associadas a paisagens, bosques, montanhas e mesmo a determinadas espécies consideradas sagradas, são manifestações vivas do apego ancestral, cultural e emocional dos seres humanos à natureza e aos recursos naturais, ou seja, ao território (Kala, 2017). Ao longo da história humana, diferentes sistemas socioambientais desenvolveram crenças locais e práticas ecológicas que estão alinhadas em garantir tanto a conservação da natureza quanto a manutenção da herança biocultural a ela atrelada. Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente em “ecologia espiritual”, evidenciando que a interação entre práticas espirituais e ambiente pode ajudar a direcionar vários temas e problemas ecológicos dentro do campo da religião e das religiosidades (Berkes, 1999; Hoefle, 2009; Sponsel, 2012; Grim & Tucker, 2014; Costa-Neto, 2020a, 2020b; Costa-Neto et al., 2022).

Ecologia espiritual pode ser definida como uma arena vasta, complexa, diversa e dinâmica nas interfaces das religiões e espiritualidades com os ambientes, ecologias e ambientalismos, incluindo componentes intelectuais, espirituais e práticos (Sponsel, 2012). Para Sponsel (2022, p. 21), “ecologia espiritual não diminui a necessidade de abordagens seculares para lidar com crises e problemas ambientais, uma vez que, embora esteja fundamentada nas ciências ambientais, agrega as forças profundas das religiões e das espiritualidades”. Dada a grave crise socioambiental causada pela espécie humana, a abordagem filosófica e pragmática da ecologia espiritual (Sponsel, 2012; Vaughan-Lee, 2013) reivindica uma nova ética baseada numa espiritualidade ecológica.

Diferentes autores evidenciam que os preceitos religiosos são úteis como uma ferramenta poderosa para mitigar os impactos negativos das atuais pressões antropogênicas sobre a natureza e seus elementos (por exemplo, Marques, 2001 [1995], 2005; Taylor, 2010; Allison, 2017; Kala, 2017; Diegues, 2019). Em um estudo desenvolvido sobre os fatores que influenciam no manejo de recursos naturais e na conservação do ecossistema fluvial por grupos indígenas da várzea de Nongchaiwan, na Tailândia, Chunhabunyatip et al. (2018) sugerem que as crenças espirituais locais deveriam ser reconhecidas e incluídas nas políticas governamentais, a fim de que fossem apoiadas medidas sustentáveis de conservação para beneficiar tanto os elementos da natureza quanto a manutenção das práticas socioculturais. No Benin, os pescadores da etnia Tofinu são proibidos de exercer suas atividades em certos recantos da lagoa Nokoue, por serem locais de descanso da deusa Anasi Gbégu. Tal interdição se justifica porque pesquisas demonstraram que, justamente nesses locais, reproduzem-se as espécies capturadas nas outras áreas da lagoa (Waldman, 2006). Outro exemplo vem do Butão, cuja crença generalizada em divindades e espíritos que habitam as paisagens tem moldado os modos como comunidades dependentes de recursos conceituam e interagem com ambientes locais, o que permite que cerca de dois terços da nação permaneçam sob cobertura florestal (Allison, 2017).

Considerar os aspectos da dimensão espiritual tem atraído a atenção internacional devido à habilidade com que povos indígenas e comunidades tradicionais, por meio de suas espiritualidades, efetivamente vêm manejando e protegendo espécies de fauna, flora e funga, bem como espaços naturais por gerações (por exemplo, Anderson, 1996; Verschuuren, 2006; Fernandes-Pinto & Irving, 2017). Desde a década de 1980, acordos internacionais recomendam a integração de populações locais dentro do manejo de áreas protegidas como um meio de melhorar os esforços de conservação. Embora os valores culturais e espirituais sejam forças críticas na condução da proteção da natureza e no manejo de ecossistemas e paisagens, geralmente eles são difíceis de serem representados nos processos de tomadas de decisão (Verschuuren, 2006). Sendo assim, planos de manejo raramente consideram o conhecimento de povos indígenas e comunidades tradicionais sobre seres sobrenaturais e lugares sagrados (Bortolamiol et al., 2018). Por essa razão, Verschuuren (2006, p. 299) diz que é “necessário compreender a importância das diferentes percepções culturais sobre ecossistemas e paisagens naturais para o desenvolvimento e fortalecimento de estratégias mais eficazes e holísticas direcionadas ao manejo dos ecossistemas e coexistência das realidades simultâneas”.

Tradições religiosas animistas, ou outras ontologias (indígenas) relacionais, dão prioridade às relações sociais e interativas entre humanos e não humanos, em que entes naturais, como animais, plantas, fungos, rios, cachoeiras, rochas, cavernas ou montanhas, estão imbuídos de espíritos, com subjetividades e consciência reflexiva (Harvey, 2006). Desse modo, a “sobrenaturalidade” da natureza se faz presente em distintos contextos socioculturais, nos quais uma miríade de entidades elementais/espirituais, muitas das quais elevadas à categoria de divindades, mantêm diversos tipos de interações com os humanos (Hallowell, 1960; Smith, 1983; Harrod, 2000; Descola, 1998, 2012, pp. 177-359; Kala, 2017; Costa-Neto & Lins, 2022). As diversas entidades que conformam o reino dos elementais ou mundo liminal1 manifestam-se ocasionalmente aos humanos, fazendo-se-lhes materialmente visíveis (aparições, visagens, assombrações etc.) – comumente personificadas, antropomorfizadas e com poderes mágicos –, ou por meio de características intangíveis que lhes são associadas, tais como assovios, assopros, gritos, urros etc. Trata-se, de fato, de um fenômeno transcultural geograficamente disseminado e historicamente antigo, fazendo parte das filosofias tradicionais (cosmopercepções) dos mais diversos povos (Sponsel, 2012, 2016). Como um componente da ecologia espiritual, o animismo oferece um exemplo de como a religião pode ajudar a facilitar repensar, ressentir e revisionar o lugar dos humanos na natureza (Sponsel, 2022).

Muito frequentemente, a função de guardião dessas entidades pode estar direcionada à proteção de um determinado elemento, atividade ou lugar segundo a cosmovisão do grupo em questão. Esses seres enteais protetores, que habitam nas florestas, nos corpos d’água ou em pontos concretos na natureza (desde outra leitura, que habitam em diferentes estratos das cosmovisões particulares), precisamente resguardam a flora e funga de interesse, assim como as espécies animais envolvidas com atividades de caça e pesca, ou o espaço natural como um todo (Fernández-Llamazares & Virtanen, 2020). Os elementais costumam adotar a forma corpórea humana para punir aqueles indivíduos que penetram nos lugares sagrados sem pedir licença (onde, na maioria das vezes, requer-se um pago/oferenda); ou que se excedem na caça ou pesca e não cumprem com certas regras; ou que invadem e destroem as matas, dentre outras situações (Smith, 1983; Steinhart, 1984; Oliveira & Borges, 2010).

Diante do exposto, o objetivo do presente artigo é chamar a atenção para a dimensão espiritual nos sistemas socioecológicos, especialmente no que diz respeito à percepção de entidades ou seres enteais que atuam direta ou indiretamente na regulação de atividades antrópicas, guiando o comportamento daqueles que adentram espaços naturais diversos para fins de caça, pesca, coleta, cultivo, recreação etc. O presente artigo limita-se a discutir apenas aqueles entes que atuam como protetores da natureza e dos recursos, especialmente as espécies animais de interesse cinegético (caça). Uma revisão especial é direcionada a duas das entidades protetoras mais conhecidas no imaginário brasileiro: Curupira e Caipora.

OBTENÇÃO DOS DADOS

Sendo esta uma pesquisa de caráter etnobiológico e atrelada à antropologia, realizou-se uma revisão bibliográfica com tratamento dos dados de forma comparada. O referencial teórico que fundamentou a argumentação escrita se baseou em uma busca qualitativa nas bases de dados Google Scholar e Scientific Electronic Library Online (SciELO), no período de janeiro a julho de 2021, incluindo livros, capítulos de livros, artigos publicados em revistas e em anais de eventos. Como descritores, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: Curupira; Caipora; seres sobrenaturais; folclore; lendas e mitos indígenas; espíritos da natureza; caça; etnoconservação e suas combinações. Também foram consultados sites e blogs sobre lendas brasileiras.

Como resultado da pesquisa, foram selecionados 59 materiais para a presente revisão. A análise crítica textual discursiva apresentada é resultado da interpretação sobre o assunto à luz da literatura levantada.

OS GUARDIÕES DA FLORESTA E DOS ANIMAIS, UMA VISÃO GERAL

Sobre o ato de caçar para subsistência, Fernández-Llamazares e Virtanen (2020) indicam que estudos arqueológicos, etno-históricos e etnográficos traçam uma longa continuidade do cerimonialismo direcionado tanto para os animais de valor cinegético quanto para seus “donos/senhores/guardiões”, sendo estes considerados personagens muito antigas e onipresentes entre grupos culturais na história da humanidade, mas com nomes e representações diversas (por exemplo, Harrod, 2000; Brown, 2005; Willerslev, 2007; Zent, 2007; Belaunde, 2008; Olivier, 2015, pp. 154-184; Santos-Fita et al., 2015. A arte rupestre associada com atividade cinegética faz alusão à existência de ‘mestres da caça’ (Game Masters), como ocorre entre os Khwe, na Namíbia (Tributsch, 2018). Igualmente, como exemplo do imaginário de várias comunidades indígenas da Sibéria, Europa e América do Norte, encontramos os arquétipos dos deuses primordiais da caça e das manadas de animais, como o Senhor das Feras ou Deus de Chifres, que estão intimamente relacionados com o submundo à luz do xamanismo clássico (Jackson, 2008. p. 17)2.

A ritualidade origina-se da concepção segundo a qual o ser humano não pode viver sem associar seu destino a elementos naturais e sobrenaturais (Dehouve, 2007); no caso da atividade cinegética, existem cerimônias propiciatórias de petição ou de agradecimento pela caça, sendo que a moral e a conduta do caçador são constantemente postas à prova. E isso está presente para todos os tipos possíveis de sistemas relacionais cinegéticos que ocorrem entre humanos e animais, ou, dito de outro modo, entre humanos e os ‘donos’ das presas potenciais. Por exemplo, Descola (1998, 2012), centrando-se em grupos amazônicos, porém aplicável a outros contextos, identifica ao menos três destas modalidades de sistemas: reciprocidade, predação e dádiva, em que:

A reciprocidade quer que toda vida animal seja compensada . . . .; a predação implica que nenhuma contrapartida seja oferecida pelos humanos . . . .; finalmente, a dádiva significa que os animais oferecem sua vida aos humanos de maneira deliberada e sem nada esperar em troca

(Descola, 1998, p. 37).

Brown e Emery (2008, p. 301) apresentam o conceito de floresta animada (animate forest), isto é, um conjunto de entidades que incluem tanto características da paisagem física quanto objetos e seres não físicos associados com a vida silvestre. Essas autoras ressaltam o papel dos santuários de caça, que estão relacionados com características topográficas animadas da floresta. Precisamente, esses espaços sagrados são do domínio das entidades protetoras, sendo a sua morada; por isso, cabe ao caçador reconhecer e retribuir o favor e a permissão concedidos para acessar os locais e fazer uso dos recursos. Atuar corretamente antes, durante e após a caça, sempre em constante ‘negociação ritual’ com os ‘guardiões’ dos animais, comporta todo um conjunto de preceitos, restrições, práticas e cerimônias específicas que determinam ‘o dever ser e o dever fazer do bom caçador’; assim, o ato de dar morte ao animal é legitimado ao criar uma estrutura moral e social de ação, emoção e controle (sensu González, 2001). Em contrapartida, qualquer pensamento, tomada de decisão ou conduta que for considerada como contrária ao respeito daquilo validado pelas próprias entidades elementais será motivo de punição, com risco de o caçador ou de algum familiar sofrer acidentes, adoecer ou até morrer (por exemplo, caçar em excesso ou malferir animais; atentar também contra a conservação do ambiente; não fazer as obrigações rituais – oferendas; não manusear a presa corretamente – no caso, para posterior devolução da parte óssea, entre outras ações) (Brown, 2005; Brown & Emery, 2008; Dehouve, 2008; Hamayon, 2011 [2001]; Santos-Fita et al., 2015; entre outros).

Em termos gerais, o que foi apresentado envolvendo a atividade de caça aplica-se também para as demais práticas produtivas de baixa escala e âmbito local, como a pesca, a coleta de recursos vegetais e fúngicos, a meliponicultura, inclusive o plantio sob uma estratégia de agricultura familiar e promoção da diversidade biocultural (sociobiodiversidade), em que a incidência das entidades protetoras também é marcante nas relações sociais entre humanos e entes naturais não humanos (por exemplo, Cappas e Sousa, 1996; Zent, 2007; G. M. Santos & G. M. Santos, 2008; A. Lima, 2018). Povos indígenas e comunidades tradicionais sentem que têm a missão de realizar cerimônias, rituais e oferendas que mantenham a natureza em curso (Steinhart, 1984). Sem pretender esgotar o tema, a seguir, mostraremos vários casos etnográficos que ilustram tal fenômeno relacional e se fazem notar em diferentes partes do mundo.

Entre povos indígenas da área cultural da Mesoamérica, a documentação sobre a diversidade de entidades protetoras da floresta e da fauna, incluindo a fauna cinegética, é muito abundante (ver revisão extensa em Olivier, 2015, pp. 154-184). Registramos aqui os Maias da península de Yucatão (México), particularmente os que habitam a metade oriental, que mencionam o Sip (Zip) como entidade principal entre os ‘donos’ dos animais. Quando o Sip se manifesta, é normalmente na forma de um veado adulto, porém de estatura pequena e com grandes chifres ramificados, entre os quais carrega um ninho de vespas (para atacar o caçador). As comunidades yucatecas mencionam que é praticamente impossível matá-lo, por ser um espírito categorizado localmente como ‘mau vento’. Bastante temido, sua presença é sinal de cobrança ou já de castigo, seja porque o caçador caçou além do necessário, seja porque não cumpriu com seus compromissos rituais (Villa Rojas, 1987 [1945], p. 295; Gabriel, 2006; Santos-Fita et al., 2015. Essa quebra de protocolo e suas consequências nefastas são observadas em outras partes do mundo, como entre os povos Chewong, Batek e Semelai, da Malásia. Por exemplo, entre os Semelai, é proibido falar o nome do espírito guardião (Seko’), e a desobediência a essa proibição faria alguém cair em um estado de abstração resultante da perda da alma (Hood, 1993). Os Miskitos, de Honduras, relacionam-se com os Swim, anões (duendes) com grandes chapéus e tidos como guardiões das varas de porcos-do-mato (Tayassuidae). Para eles, também os peixes têm seu dono ou duende; quando uma pessoa pesca demasiado, corre o risco de que seja levada pelo duende, especialmente as crianças. Para que isso não ocorra, deve-se pagar um tributo com alguma coisa velha, como sapatos, camisas etc. (Flores Andino, 1991).

Por toda a bacia amazônica, tais agentes protetores da natureza recebem uma variedade de nomes, a saber: Duende (Bolívia); Chullachaqui, Shapishico e Yacumama (Peru); Noró e Mëndawú (povo Yagua, Peru); Sangariite (povo Matsigenka, Peru); Tanamudak (povo Shiwilu; Peru); Amasanga (povo Quíchua de Canelos, Pastaza, Equador); Jkyo (jadï) aemo (povo Jotï, Venezuela); Boraró (povo Tukano do alto rio Negro, Brasil); Awakarónanai (povo Baniwa, Brasil); Dopa (povo Karitiana, Brasil); Pocai (povo Macuxi, Brasil); Iushin (povo Caxinauá, Brasil) (Reichel-Dolmatoff, 1973, 1978; Kamppinen, 1988; Chaumeil, 2000; Shepard Jr. et al., 2001; Ribeiro, 2002; M. L. Pereira et al., 2005; Zent, 2007; Belaunde, 2008; Vander Velden, 2015; Fernández-Llamazares & Virtanen, 2020). Para os Tsimane’ da Amazônia boliviana, os ‘donos’ dos animais são localmente chamados de A’mo’, mas cada um deles tem um nome específico, como Jäjäbä, dono da caça, e O’pito, dono dos peixes (Fernández-Llamazares & Virtanen, 2020). Já nos Andes, são conhecidos a Pachamama (a Mãe-Terra) e o duende Coquena, sendo este considerado o pastor-guardião das vicunhas (Vicugna vicugna Molina, 1782) (Vilá, 2014).

ELEMENTAIS CULTURALMENTE PERCEBIDOS COMO PROTETORES DA NATUREZA NO BRASIL

No que se refere ao Brasil, o país oferece uma rica diversidade de mitos e lendas, tornados visíveis por meio das manifestações religiosas oriundas da miscigenação das culturas indígena, europeia e africana (Edeweiss, 1993). Como explicitado por A. B. Silva et al. (2019, p. 11), “Santos, espíritos, deuses e orixás convivem entre si, em detrimento das religiões, cada qual com seus métodos de crença coletiva”. O imaginário popular de diferentes etnias indígenas e sociedades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, comunidades de fundo de pasto, quebradeiras de coco-babaçu, caiçaras, jangadeiros, geraizeiros etc.) que habitam diversos sistemas socioambientais, como florestas, várzeas, sertões, rios, lagos e manguezais, desempenha importante papel na formação e conservação desses territórios (Galvão, 1955; Hoefle, 1990, 1997; Marques, 2001 [1995], 2005; F. Pereira, 2001; A. L. Silva, 2011; Quirino, 2011; Gomes, 2018).

Cascudo (2002, p. 13) classificou a ontogenia das personagens míticas em duas categorias: a) mitos primitivos e gerais; e b) mitos secundários e locais. No primeiro grupo, constam as entidades originais indígenas (dentre as quais, inclui-se o Curupira e suas variantes etnolinguísticas) e aquelas europeias já com influências indígenas e afro (por exemplo, Lobisomem, Mãe-d’Água e Mula-sem-Cabeça). No segundo grupo, estão os mitos de ocorrência local e integram-se a eles os outros entes. O mesmo autor relaciona a presença de diversos seres elementais com uma “ética conservacionista”, uma vez que orientam comportamentos ecologicamente corretos aos que creem em sua existência real (Cascudo, 2001, 2002). Assim, temos entidades que punem os indivíduos que destroem as florestas (Caipora, Curupira, Mãe-da-Mata, Flor-do-Mato, Boitatá, Ipupiara, Mapinguari), aqueles que maltratam os animais silvestres (Anhangá) ou que matam animais em épocas de reprodução (Tapiora), aqueles que pescam mais que o necessário (Yacumama, Mãe-d’água, Pai-do-Mangue), além de outras. Esses seres possuem distinções tanto em relação à forma quanto em atribuições, podendo estar associados a períodos sazonais distintos (marcadores temporais) ou habitats específicos (marcadores espaciais) (A. B. Silva et al., 2020). Tais personagens têm tido suas histórias míticas divulgadas ao grande público por meio de uma vasta literatura, assim como pelas artes plásticas e gráficas (quadros, esculturas) e indústria cinematográfica, como em filmes (“A toca do saci” – L. Souza, 2017), documentários (“Havia um tempo” – Korolla, 2012), programas de televisão (“Catalendas”, programa exibido pela TV Cultura do estado do Pará desde o ano 1999) e séries (“Cidade invisível”, da Netflix; e “Juro que vi”, uma série de desenhos animados) (C. Araújo, 2015).

Na região amazônica, espíritos guardiões, como a Mãe-da-Seringa, o Curupira, o Caboclo-da-Mata, o Pai-da-Mata, o Capelobo, a Mãe-da-Piassava e o Tapirê-Iauara, ajudam a preservar os recursos da floresta, criando áreas onde atividades de caça e pesca são proibidas (Smith, 1983; M. Araújo, 1998). Na região da Chapada Diamantina, estado da Bahia, Costa-Neto (2000) registrou a presença do Dono-do-mato, entidade com características humanas e animais. Marques (2001 [1995]) fez referências a entidades conhecidas por moradores da várzea da Marituba, localizada na divisa entre os estados de Sergipe e Alagoas, tais como o Lobisomem, fadas, a Caipora (Fulôzinha), o Nego-d’Água, a Mãe-d’Água, visagens, dentre outras, registrando também narrativas e comportamentos etnoconservacionistas locais. Na comunidade pesqueira de Amarante, região centro-oeste do estado do Piauí, as representações míticas que habitam os corpos d’água e que regulam as atividades de pesca são: Mãe-d’Água, Muleque-d’Água, Cabeça-de-Cuia, Visage, Luz, Piratinga, Arco-Íris e Sucuiuiú (A. B. Silva et al., 2019, 2020).

Histórias sobre entidades que protegem a natureza existem em muitas localidades, compondo parte das narrativas populares do folclore brasileiro (Cascudo, 2001, 2002). Na Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ), no estado do Acre, os moradores falam sobre o Caboclo-da-Mata, que, em certos dias, não permite a morte de nenhum animal. Comentam também sobre o Pai-da-Mata, entidade que guarda e protege a fauna, pois não gosta de caçadores, proibindo a caça em dias de domingo e nos dias santos do calendário católico oficial (M. Araújo, 1998). Por outro lado, na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, no Pará, os caçadores geralmente guardam dias santos e feriados para descanso, evitando caçar e realizar outros tipos de trabalho, porque, nessas datas específicas, as matas estão habitadas por seres encantados, que protegem os animais (Barros & Azevedo, 2014). Para os caçadores pluriétnicos do rio Cuieiras, um afluente do rio Negro, os animais de caça estão sob o cuidado do Curupira e da Caipora, que, metaforicamente, são identificados com a potência feminina mantenedora da vida: Mãe-da-Mata ou Mãe-dos-Bichos (Campos, 2008). A esse respeito, tem-se que:

O fato dos animais estarem sob a proteção da ‘mãe da mata’ torna a relação que os caçadores estabelecem com esses animais uma espécie de tentativa de acordo de estabelecer laços de afinidade e reciprocidade com o Curupira. O comer não necessariamente significa um ato predatório no sentido cosmológico, mas pode ser uma troca que implica a atividade de caça ao cumprimento de determinados cuidados e regras

(Campos, 2008, p. 90).

ENCANTARIA AMAZÔNICA

Quando se buscam informações sobre os seres míticos que constituem o imaginário ou que possuem existência real para aqueles que neles acreditam, o termo ‘encantado’ frequentemente surge nas narrativas orais e escritas. No entanto, o uso desse termo e suas variantes é muito mais comum na pajelança rural ou cabocla (diferenciada da indígena) e em manifestações religiosas de culto afro-brasileiro, como são o Tambor-de-Mina, o Terecô e a Umbanda, nos estados do Maranhão, Piauí e Pará (por exemplo, Ferretti, 2001; Prandi & Souza, 2001; Shapanan, 2001). Dada a complexidade do tema, que adentra na seara da Antropologia da Religião e da Saúde (Maués, 2012), o fenômeno da ‘encantaria amazônica’ apenas será tratado aqui muito brevemente e para se fazer uma distinção entre os seres encantados da pajelança cabocla e os seres enteais ou espíritos que compõem as narrativas dos povos autóctones.

A atual crença nos ‘encantados’ é resultado da mescla entre concepções e práticas das culturas indígenas e afro em contato com a dos europeus (catolicismo), pois, para Maués e Villacorta (2001), o termo ‘encantado’ foi ressignificado das narrativas sobre histórias de príncipes e princesas encantadas das fábulas europeias que chegaram ao Brasil e à Amazônia. Na encantaria, as entidades são de diversas origens, e a sua característica unitária básica é que não morreram, mas se ‘encantaram’, ou seja, desapareceram misteriosamente (atraídas por outros encantados; tornando-se invisíveis), sem deixar rastro de seus corpos humanos; por isso, não são pensados como espíritos. O domínio dos encantados é constituído por cidades subterrâneas ou subaquáticas (R. Leacock & S. Leacock, 1972; Maués & Villacorta, 2001), razão pela qual os elementos da natureza – terra, flora e, principalmente, água – estão intimamente ligados às representações dos locais de morada ou ‘encantes’ (tidos como lugares ou sítios sagrados) dessas entidades (G. Silva, 2014). São lugares de alto mistério, de muita energia, e os sensitivos percebem isso, em especial nos lugares mais isolados, que concentram mais força (Ferretti, 2008; Fernandes-Pinto, 2019).

A depender da maneira como se manifestam e de sua intencionalidade, assumem denominações diferentes. Segundo Maués e Villacorta (2001), existem três possíveis contextos. Vários encantados apresentam-se aos humanos na forma de animais vinculados ao meio aquático (mar, rios, igarapés, baías, lagos etc.), como cobras, jacarés, peixes, botos etc. – junto a sereias/iaras e à Mãe-d’Água. São os chamados ‘bichos do fundo d’água’, difíceis de se distinguir dos animais reais e pensados como perigosos, ao provocarem nas pessoas mau-olhado ou adoecimento por ‘flechada de bicho’ (dores corporais); nesse caso, só um(a) pajé é quem pode curar. Um segundo grupo de encantados, ainda mais perigosos, é formado por entes chamados pelo nome genérico de ‘oiaras’, os quais, muitas vezes sob a forma humana de parente, amigo ou alguém conhecido da pessoa em questão, tentam convencê-la e levá-la para o fundo, ao encante, tornando-a, então, um ser encantado. Por último, estariam os caruanas, encantados-guias que, permanecendo invisíveis, incorporam-se nos pajés e parteiras, ou em outras pessoas do seu agrado, para transmitir conhecimentos medicinais e curar doenças nos ritos de pajelança cabocla (Maués & Villacorta, 2001). Acontece algo parecido quando, em terreiros/casas/tendas de Tambor-de-Mina, Terecô e Umbanda, se fazem passes de cura espiritual com trabalho específico de encantaria. Por exemplo, na Tenda de Umbanda da Cabocla Herondina e José Tupinambá, na cidade de Belém, no Pará, em certas sextas-feiras há trabalho de ‘cura fechada’, em que ervas sagradas (macaia) são usadas por entidades encantadas (Cobra Grande, iaras, Jacundá, Chica Baiana, Surrupira etc.), emergindo das profundezas das águas e das matas mais fechadas, junto a várias entidades caboclas (José Tupinambá, Jurema, Mariana, Pantera Negra, Cobra Coral etc.), que se fazem presentes ao incorporarem na mãe-de-santo3 e nos atuantes como médiuns (Dídac Santos-Fita, dados não publicados, 2021).

Finalmente, além dessa classificação sobre ‘encantados do fundo d’água’, que predominam no contexto amazônico, Maués e Villacorta (2001) e Maués (2012) mencionam que em algumas regiões ainda existem pelo menos dois ‘encantados da floresta’, conhecidos como Curupira e Anhangá, que atuam, precisamente, como guardiões, podendo “provocar mau-olhado nas pessoas, ou ‘mundiá-las’, isto é, fazê-las se perder na mata. Isto acontece com os caçadores que cometem ‘abusos’, sobretudo os que têm o costume de caçar persistentemente um só tipo de caça” (Maués & Villacorta, 2001, p. 21). Tais seres encantados são interpretados como importantes elementos da ideologia e também como simbologia regional, uma vez que funcionam “como uma espécie de defensores míticos da floresta, dos rios, dos campos e dos lagos” (Maués, 1994, p. 76).

ENTRE CURUPIRAS E CAIPORAS: ELEMENTAIS ECOLÓGICOS

CURUPIRA

Etimologicamente, o termo ‘curupira’ tem origem do vocábulo tupi-guarani kuru’pir, que significa “corpo coberto de pústulas” (Schaden, 1963). No entanto, atualmente, a explicação mais aceita é a de que ‘curu’ seria uma contração de ‘curumim’, referindo-se a ‘menino’ ou ‘criança’, e ‘pira’ significando ‘corpo’, ou seja, curupira quer dizer ‘corpo de menino’ (A. Ferreira, 1986).

A primeira referência que se conhece da figura do Curupira data de 1560, em carta escrita por José de Anchieta (citado em Cascudo, 2001, p. 172):

É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos demônios e que os brasis chamam Curupira, que acometem aos índios muitas vezes no mato, dão-lhe de açoites, machucam-nos e matam-nos. São testemunhas disso os nossos irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles. Por isso, costumam os índios deixar em certo caminho, que por ásperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume da mais alta montanha, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras coisas semelhantes, como uma espécie de oferenda, rogando fervorosamente aos Curupiras que não lhes faça mal.

Alusões a esse ser elemental aparecem em todo o Brasil, nas florestas setentrional, central e meridional; também se fazem presentes em outros países da América do Sul, apresentando diversos nomes: Kurupi (Argentina e Paraguai); Selvaje (Colômbia); Chudiachaque (Peru); Maguare (Venezuela); e Kaná (Bolívia) (F. Pereira, 2001; Cascudo, 2002). Para alguns autores, trata-se de uma legião de seres ou espíritos cujo propósito é a proteção dos animais silvestres, o cuidado com as fêmeas prenhas e filhotes indefesos, bem como árvores de grande porte (F. Pereira, 2001). Seus alvos principais são os caçadores, lenhadores e pessoas que destroem as matas de forma predatória (Vegini et al., 2014). Entretanto, auxiliam aqueles caçadores e pescadores que têm nos animais abatidos ou na pesca sua única fonte proteica (Cascudo, 2002). A ambiguidade de seu caráter, segundo as narrativas orais e escritas (J. Almeida, 2004), gera dúvida em saber ao certo se Curupira é um cuidador da floresta (ação eufórica)4 ou se é apenas um ser malvado que sente prazer em punir os caçadores e outros transeuntes que adentram as matas (ação disfórica).

Kurupiré, Kurupirá, Curupira, Currupira ou Surrupira, isto é, a identidade nominativa varia de acordo com a área onde vive ou devido às influências dos que contam ou daqueles que “viveram para contar” (Ribeiro, 2002). Trata-se de uma entidade fenotipicamente polimórfica, apresentando-se aos seres humanos em diferentes aspectos: um duende benfazejo, um demônio, gnomo ou ogro (F. Pereira, 2001; Ribeiro, 2002; Vegini et al., 2014). Em algumas narrativas, ela aparece como um menino índio de cerca de sete anos de idade, com o corpo recoberto de pelos longos e tendo os pés virados para trás (opistópode); em outras, é descrito como um gigante canibal (Métraux, 1928 citado em Olivier, 2015, p. 158) ou como homem muito pequeno (anão), de cabelos vermelhos, dentes verdes, corpo peludo e pés voltados para trás (Ribeiro, 2002). Na região de Santarém, fala-se que ele tem quatro palmos de altura; no rio Negro, é calvo e possui corpo cabeludo; no Pará, não tem orifícios para as secreções; no rio Solimões, possui dentes verdes ou azuis. Diz-se que Curupira não tem capacidade de fala e só faz sons guturais, daí que ocupa uma posição intermediária entre humanos e animais (Hoefle, 2009). Os indígenas do rio Uaupés dizem que tem aparência antropomorfa, com dois metros de altura, muito peludo, um olho na frente e outro atrás, além da particularidade de ter os pés virados para trás e com mais de um metro de cumprimento. Também dizem esses indígenas que Curupira vive na cabeceira dos igarapés, alimentando-se de caranguejos (A. B. A. Silva, 1994) (Figura 1).

Figura 1
Representação estilizada do Curupira (destaque para os pés virados para trás), confeccionada com látex ‘balata’ de maparajuba (Manilkara bidentata (A. DC.) A. Chev 1932; Sapotaceae).

Na mitologia guarani, ele é conhecido como Kurupi, sendo descrito como:

Um ser pequeno, de aparência semi-humana, pele escamosa, orelhas em ponta, barba e cabelos que lhe encobrem o rosto, deixando à vista uma boca enorme com dentes imensos, nariz disforme e olhar hipnótico. Tem os pés virados para trás, com os calcanhares para frente

(Ribeiro, 2002, p. 51).

A autora acrescenta que ele possui o membro viril exageradamente desenvolvido, desproporcional à sua pequena estatura, porque “acredita-se que com o membro enlaça as moças atraindo-as para si, roubando-as e fazendo das mesmas objetos de seus excessos. Muitas engravidam, tendo filhos disformes deste ‘fauno crioulo’” (Ribeiro, 2002, p. 51).

Ao pressentir as tempestades, ele percorre as matas, batendo nas sapopemas5 e em troncos das grandes árvores para acordá-las, com a intenção de que resistam melhor a ventanias e temporais. De acordo com Ribeiro (2002), existem variantes quanto ao aspecto físico e quanto à maneira como o Curupira examina as árvores. No alto Amazonas, ele bate com o calcanhar, enquanto, no baixo Amazonas, ele bate com o pênis, que é de tamanho descomunal. Já no rio Tapajós, fala-se que ele utiliza um machado feito do casco de uma tartaruga ou jabuti (Chelonoidis spp.). De modo semelhante, os Yagua da Amazônia peruana falam que o Noró, o ‘dono’ dos animais, golpeia as árvores com a carapaça de uma pequena tartaruga (Chaumeil, 2000).

Além de enganar, ao deixar suas pegadas ao contrário, pois, quando o Curupira está entrando na mata, ele parece estar saindo, também engana, com assobios e gritos, os caçadores, lenhadores e outros viajantes, fazendo com que percam o rumo (Ribeiro, 2002; Gomes, 2018). Cascudo (2001) e Ferretti (2003) descrevem suas atitudes hostis e outros aspectos da seguinte maneira:

. . . Demônio da floresta, explicador dos rumores misteriosos, do desaparecimento de caçadores, do esquecimento de caminhos, de pavores súbitos, inexplicáveis . . . . Sempre os pés voltados para trás e de prodigiosa força física, engana caçadores e viajantes, fazendo-os perder o rumo certo, transviando-os dentro da floresta, com assobios e sinais falsos. . . . Na cidade ou nas capoeiras vizinhas imediatas não existem Curupiras. Habitam mais para longe, muito dentro da mata. A gente da cidade acredita em sua existência, mas ela não é motivo de preocupação porque os Curupiras não gostam de lugares muito habitados. Gostam imensamente de fumo e de pinga. . . . Roceiros deixam esses presentes nas trilhas que atravessam, de modo a agradá-los ou pelo menos distraí-los. Na mata os gritos longos e estridentes dos Curupiras são muitas vezes ouvidos pelo caboclo. Também imitam a voz humana, num grito de chamada, para atrair vítimas. O inocente que ouve os gritos e não se apercebe que é um Curupira e dele se aproxima perde inteiramente a noção do rumo

(Cascudo, 2001, pp. 172-173).

Os Surrupiras são entidades espirituais da Mina [Tambor-de-Mina] maranhense [a] cuja ação se atribui o desaparecimento de muitas pessoas que moram perto do mato (da floresta). O Surrupira, que para alguns é o Curupira da mitologia tupi, pode também fazer as pessoas perderem a direção nos caminhos e se embrenharem em mata de espinho, pois os Surrupiras têm grande atração por eles, talvez porque moram nos tucunzeiros, palmeiras cujas folhas são cheias de espinhos. Fala-se também que, ao contrário da Mãe d’Água, os Surrupiras não gostam de água e, quando incorporados, se afastam rapidamente se alguém jogar água nos pés do médium

(Ferretti, 2003, p. 124).

A punição dá-se também quando o Curupira atrai o caçador com uma caça mágica, que não pode ser alcançada; assim, exausto de tanto perseguir a caça, o sujeito chega a se perder no interior da mata, sem atinar o caminho de volta ou até mesmo morrer de tanta exaustão. Pode acontecer, ainda, que o Curupira deixe o caçador alcançar a caça mágica, mas este, ao se aproximar do animal abatido, vê na face da presa o rosto de um amigo, do filho ou da própria mulher, ficando, então, aterrorizado com tal imagem de um ente querido morto, como registra J. Almeida (2004, p. 96):

Algumas vezes, deixa que o caçador alcance a caça com relativa facilidade. A flecha parte certeira. O índio, ao se aproximar para recolher a presa abatida, reconhece horrorizado o corpo de um amigo, companheiro, filho ou da própria mulher. Curupira passou a se divertir, provocando ruídos soturnos na floresta. Imita árvores caindo, a batida do pica-pau no tronco das árvores e os sons da sapupema. Com isso, amedronta os habitantes da selva.

Para romper o encanto do esquecimento, basta fazer pequenas cruzes de galhos de árvore ou anéis de cipó e jogar para trás das costas. O Curupira vai se ocupar em desfazer as cruzes ou os anéis, e o caçador poderá encontrar seu caminho (Galvão, 1955; Ribeiro, 2002). Outra opção consiste em atingir a casca de uma árvore com um golpe de facão ou terçado, o que fará o Curupira parar de perseguir sua vítima e cuidar da árvore ferida, dando chance para que o caçador possa escapulir (F. Pereira, 2001).

A questão de se perder onde quer que se encontre, não achando o caminho de volta à casa, provavelmente resulta do fato de que as energias emanadas pelos seres elementais são muito estimulantes, com uma habilidade de induzir a estados alterados de consciência. De acordo com Andrews (2020), entidades míticas do folclore inglês conhecidas como Pixies frequentemente são culpadas por viajantes ficarem perdidos, já que sua energia é tão intensa que pode confundir os sentidos, levando alguém a perder uma marca familiar. O autor comenta que essa energia intensa, especialmente quando em ambientes naturais, cria um estado alterado de consciência, razão pela qual o indivíduo provavelmente não tem domínio sobre onde está (Andrews, 2020).

Sampaio (1987, p. 173), na obra “O tupi na geografia nacional”, diz que o Curupira preside aos maus pensamentos e faz pesadelos. Machado (1987, p. 41), que registrou as lendas e folclore de Rondônia, diz que “o curupira arranca de suas vítimas os dentes para ornamentar o seu colar, confecionados de ossos e dentes humanos”. Para os moradores do rio Cuieiras (Manaus), ele é considerado um animal que não é caça, predando o homem, caso não cumpra determinadas ‘regras’ (Campos, 2008). Interessante registrar que o Curupira pode se transformar no tamanduá-bandeira (Tamandua tetradactyla L., 1758), sendo este considerado um alimento tabu: “Alguns caçadores chegam a afirmar que não existe tamanduá macho, só fêmea, pois o macho seria o curupira, como percebemos numa conversa com o caçador” (Campos, 2008, p. 87).

Em algumas localidades, os moradores se referem à entidade Curupira como um substantivo feminino, ‘a Curupira’, considerando-a a Mãe-da-Mata, uma alusão à divindade feminina da floresta (Barros & Azevedo, 2014; Norberto, 2016; Costa, 2019). Na figura de um ente feminino, ou mesmo andrógino, alguns relatos sobre Curupira adquirem uma conotação sexual, quando ela “tenta capturar um caçador para ser seu parceiro, porém, como ela é feia demais para segurar um homem, este deve ser amarrado em uma árvore para não fugir”(Hoefle, 2009, p. 81).

Na atualidade, a identidade ecológica do Curupira fica evidente na cultura moderna, na literatura e na poesia, quando se exalta sua figura como guardião da floresta, protetor contra madeireiros e caçadores. Tanto é assim que Sanchez (2003), no livro didático peruano “Relatos amazónicos”, chama-o de ‘Deus Ecológico da Amazônia’ (Burton, 2018).

Outras entidades assemelham-se ao Curupira em termos de descrição e comportamento. Por exemplo, os moradores da comunidade rural de Gameleira dos Pimentas, estado da Bahia, relatam a existência de um ser encantado chamado Pé-de-Garrafa. Segundo A. Souza et al. (2015), trata-se de um homem que, quando criança, fora amaldiçoado pela mãe. Os indivíduos ouvidos por esses autores descrevem a criatura como um indivíduo de estatura baixa, todo coberto de pelos e que possui pés pequenos e semelhantes ao fundo de uma garrafa. Essa entidade é capaz de se transformar em qualquer animal, emitindo um som semelhante a um assobio forte e que faz estremecer o chão. Em geral, ele não é agressivo, apenas o sendo quando atacado de maneira física ou verbal em qualquer uma de suas formas. Por essa razão é que os residentes de Gameleira dos Pimentas evitam machucar animais, sejam domésticos ou silvestres (A. Souza et al., 2015).

O povo Tukano identifica a entidade Boraró como o chefe dos animais. Sendo parecida com a onça (Panthera onca L., 1758), possui comportamento canibal, embora possa se transformar em um porco-do-mato ou em um veado (Reichel-Dolmatoff, 1973, 1978).

Interessante registrar que, no ano de 1970, o então governador do estado de São Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré, instituiu o Curupira como símbolo estadual de guardião e protetor das florestas e dos animais (Instituto Florestal, 2021). No município paulista de Olímpia, durante a semana em que ocorre o Festival de Folclore, no mês de agosto, a autoridade municipal é representada pelo Curupira, que exerce seu poder protegendo a população local e os visitantes que ali comparecem (Curupira, 2021). Cabe destacar, ainda, que no Horto Florestal da capital paulista há um monumento em homenagem ao Curupira, inaugurado no dia da Árvore, comemorado em 21 de setembro (Instituto Florestal, 2021).

CAIPORA

O mito sobre Caipora está presente no imaginário brasileiro desde a época colonial, e, assim como o Curupira, seu significado está relacionado à proteção dos animais e das matas (Edeweiss, 1993; Cintra & Mutim, 2002). Os primeiros relatos sobre Caipora aparecem em documentos franceses do século XVI (Cascudo, 1967). No idioma tupi, o termo significa “morador do mato” (M. I. Pereira, 2014). A depender da região, recebe as seguintes denominações: Caapora, Caiçara, Curupira, Dona-das-Folhas, Pai ou Mãe-do-Mato, Flor-do-Mato, Caboclinha e Florzinha (Figura 2). Figurativamente, emprega-se o termo como adjetivo para se referir à pessoa azarada, infeliz, que nunca ou dificilmente tem sucesso naquilo que faz. ‘Encaiporado’ é dito daquele que atravessa uma fase de insucessos e infelicidade (Cascudo, 2001).

Figura 2
Representação estilizada da Caipora.

M. I. Pereira (2014, p. 89) identifica a Caipora como uma “divindade semideusa ou de segunda ordem, do panteão indígena, protetora dos animais, equivalente ao orixá Ossãe/Ossaim dos cultos de matriz africana”. Não obstante, para Bastide (1961), associar Ossaim, orixá responsável pela medicina por meio das folhas, à Caipora é um erro crasso:

Manuel Querino aproxima Ossaim, que escreve ‘Ossonhe’, de um espírito ameríndio, o Caipora, porque tanto um como o outro não têm senão uma perna. Nada há a reparar se se trata apenas de simples comparação entre duas mitologias; mas se Manuel Querino quer dar a entender que os negros adotaram o mito do Caipora, então o êrro é manifesto

(Bastide, 1961, p. 156).

. . . Mas se Ossaim não tem senão uma perna, não é devido a uma corrupção e assimilação com o Caipora; é simplesmente porque incorreu um dia na cólera de Xangô e, no decorrer da luta, perdeu uma perna (em Cuba, além disso, perdeu também um ôlho e um braço)

(Bastide, 1961, p. 157).

Os pataxó, no estado da Bahia, chamam-na de Katumbaiá, e sua morada é sob o pé da palmeira pati, também chamada patioba (Syagrus bothryophora Martius, Arecaceae):

Na mata existe a protetora dos animais que é Katumbaiá. Quando a pessoa sai para caçar, para se alimentar, ela nunca se perde na mata, mas se vai fazer uma caça predatória, nesse caso muita gente se perde. Para encontrar o caminho de casa a pessoa tem que procurar um pé de patioba e vai ter que fazer uma simpatia para achar o caminho de volta. Se não, fica perdido na mata

(O. Ferreira et al., 2018, p. 69).

D. Maria Bela, uma indígena Tremembé, afirma que Caipora não gosta de ser chamada por esse nome, mas, sim, de Surrupira ou Cabôco-do-Mato e, por isso, muitas vezes, ele castiga ou atrasa a vida de quem teima e continua chamando-o de Caipora (M. Santos, 2014). Para os Tremembé, no Ceará, além de ser o protetor das matas, Caipora é um encantado de cura, atuando nos terreiros de Umbanda em momentos de cura espiritual dos presentes (M. Santos, 2014).

Tal qual o/a Curupira, a/o Caipora atua como um elo entre os caçadores e a quantidade dos animais silvestres que podem ser abatidos, funcionando como “uma espécie de controle na extração sustentável dessa fauna, em virtude de regras e negociações para o acesso às presas” (M. Almeida, 2013, p. 15). Segundo M. Almeida (2013), as regras dizem respeito a não exercer atividades de caça em dias considerados santos, restringir o abate de determinadas espécies, além de não abusar da quantidade de animais abatidos. Se tais regras não são atendidas, surgem punições aos agressores da natureza e aos caçadores que matam por prazer. Outras de suas atribuições ecológicas incluem: curar os animais feridos, cuidar da reprodução dos animais, garantindo-a, bem como prover a quantidade e a diversidade da fauna (Dias, 2004 citado em J. Lima et al., 2017).

Caipora demanda respeito pelos animais mortos nas caçadas. Por isso, uma grande preocupação dos caçadores é não insultar as carcaças das presas (M. Almeida, 2017). O insulto, segundo esse autor, pode ocorrer a qualquer momento se um conjunto de regras não foi cumprido adequadamente, desde o transporte do animal morto até a entrada na cozinha e entrega aos cuidados femininos. Por exemplo, veados (Cervidae), porcos-do-mato (Tayassuidae) e cutias (Dasyprocta spp.) geralmente são amarrados com enviras: colocar o corpo no cotovelo esquerdo não é o mesmo que colocá-lo no direito; carregá-lo com a mão direita não é o mesmo que carregar com a mão esquerda; urinar ao redor da carcaça é falta grave. Ao chegar à casa, as cinzas não devem ser misturadas com sangue no fogão; ossos não devem ser misturados ao sangue; as mulheres devem dispor cuidadosamente dos ossos, de modo que não entrem em contato com sangue menstrual. Uma prática comum é guardar partes do animal (cauda, dentes, chifres, ossos, bezoares) e usá-las para conciliar-se com a Caipora (M. Almeida, 2017).

Os caçadores do povoado Cruz, pertencente ao município de Delmiro Gouveia (Alagoas), devem ‘agradar’ à Caipora se assim desejarem ter sucesso na caçada, como demonstram os relatos registrados por J. Lima et al. (2017, pp. 27-28): “Leva fumo e alho para colocar dentro do toco, aí diz que é para o pai do mato”; “Leva fumo para dá aos caboclos, se ouvir um assubi pode voltar que a caça não vai ser boa”; “A caipora esconde a caça, mata os cachorro, os cachorro fica assustado, latindo e acuando o toco, como se fosse alguma coisa, aí a gente vai lá e não tem nada”.

No litoral norte da Bahia, as comunidades de pescadores artesanais compartilham os manguezais com a Caipora, a Vovó-do-Mangue e o Zumbi (Souto, 2004; Magalhães et al., 2014). As atitudes em relação a essas entidades variam desde aqueles moradores que não creem na existência de tais seres aos que não apenas creem, como afirmam já terem tido algum tipo de experiência com eles (Magalhães et al., 2014). Esses autores dizem que a crença na existência de seres enteais que habitam áreas de estuário faz com que haja certo respeito por parte dos pescadores e marisqueiras do município do Conde quando realizam suas atividades extrativistas, uma vez que “tais entidades funcionam como agentes protecionistas do ambiente e atuam contra os excessos cometidos por aqueles que adentram nos estuários” (Magalhães et al., 2014, p. 28).

Em várias localidades, ‘Caipora’ e ‘Curupira’ seriam equivalentes, sendo que a diferença da primeira para o segundo é o sentido dos pés: enquanto a Caipora tem os pés voltados para frente, o Curupira os tem voltados para trás. No mais, são entidades caracterizadas por fazerem as mesmas artimanhas, terem as mesmas preferências e se movimentarem de maneiras parecidas (Vegini et al., 2014; A. B. Silva et al., 2019). Em termos de nomenclatura segundo a geografia, Cascudo (2001, p. 171) comentou que “do Maranhão para o sul até o Espírito Santo, o seu apelido constante é Caipora”. O mesmo autor, ao falar da Caipora, menciona que:

É o curupira, tendo os pés normais, . . . . residindo no interior das matas, nos troncos das velhas árvores. De defensor de árvores passou a protetor de caça. Em qualquer direção pelo Brasil, o Caipora é um pequeno indígena, escuro, ágil, nu ou usando tanga, fumando cachimbo, doido pela cachaça e pelo fumo, reinando sobre todos os animais e fazendo pactos com os caçadores. . . . Aparece com a cabeça hirta, olho em brasa, cavalgando o porco . . . . e agitando um galho de japecanga. Engana os caçadores que não lhe trazem fumo ou cachaça, surra impiedosamente os cachorros. Na Bahia é uma cabocla quase negra ou um negro velho. . . . Por onde emigra, o nordestino vai semeando suas figuras e crenças. O caipora, popularizadíssimo no sertão, no agreste e na praia, vai alargando a área geográfica do seu domínio. O Caipora, com o contado do focinho, do porco, da vara de ferrão, do galho de japecanga ou da ordem verbal imperativa, ressuscita os animais mortos sem sua permissão, apavorando os caçadores

(Cascudo, 2001, p. 98).

Sobre o rapto de crianças por tais seres, menciona-se que, como têm a capacidade de mudar de forma, eles podem aparecer na aparência de uma pessoa conhecida ou parente e, então, transformar as crianças raptadas em seres semelhantes ou enganá-las e deixá-las perdidas nas profundezas das matas (Burton, 2018). Diz-se que “após encantá-las e ensiná-las sobre os segredos da floresta durante sete anos, os jovens são devolvidos para as famílias, mas nunca voltam a ser os mesmos depois de terem vivido na floresta e encantados pela visagem” (F. Pereira, 2001, p. 38).

CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS À LUZ DA ECOLOGIA ESPIRITIUAL

A presença marcante de entidades conhecidas como ‘donos/donas’, ‘senhores/senhoras’, ‘pais/mães’ ou ‘guardiões’ dos animais e da floresta se faz notar em diferentes partes do mundo. Tal fenômeno fornece a possibilidade de refletir que as relações de reciprocidade entre seres humanos e entidades mais-que-humanas, decorrentes de uma visão animista e vitalista da natureza, retratam uma barreira ideológica, resistindo ao desmatamento e à desigualdade social provocados pela agricultura moderna (Hoefle, 2009). No entanto, é sabido que a modernização socioeconômica e a introdução (imposição) de novas instituições e cultos religiosos dogmáticos (cristãos e neopentecostais) têm causado o descrédito e aversão dos mesmos habitantes locais pelos espíritos da floresta, ocasionados por mudanças em sua cosmovisão e nos modos de vida tradicionais (Sponsel, 2012; Bortolamiol et al., 2018; A. B. Silva et al., 2019), consequentemente interferindo nos sistemas autóctones de crenças e práticas relacionadas à regulação do acesso e do uso de recursos, comprometendo, assim, a conservação da natureza (Hoefle, 2009; Jacka, 2010).

Curupira, Caipora e demais entidades protetoras da natureza e seus elementos mantêm relações com determinados grupos de seres humanos, notadamente caçadores, pescadores e demais transeuntes que adentram nos ambientes naturais. Tais relações ocorrem por meio de pactos, quando, por exemplo, aos caçadores lhes são dadas ‘armas infalíveis’ e caça farta. Em troca, esses seres aceitam fumo, bebida e comida (sem alho e pimenta), punindo severamente quem não cumpre o pacto (Ribeiro, 2002; A. B. Silva et al., 2019) (Figura 3). Barganhar com tais entes pode ser visto como um comportamento recíproco, uma vez que há um limite para a caça predatória (Hoefle, 2009). Muitas dessas representações míticas, além do valor explicativo, têm um sentido territorial e conservacionista (Oliveira & Borges, 2010). Os lugares nos quais as entidades surgem ou habitam são tidos como sagrados, e os indivíduos que ousam adentrar sem as devidas autorizações ou limpezas energético-corporais geralmente são castigados (nos níveis físico, mental, emocional e espiritual). Por essa razão, esses seres podem ser considerados como guardiões dos espaços e dos elementos naturais, punindo “quem os molesta, quem pesca ou caça além do necessário, quem maltrata os animais, quem destrói as florestas, quem penetra nos lugares sagrados sem pedir licença ou permissão” (Oliveira & Borges, 2010, p. 259).

Figura 3
Exemplos de oferendas – comida (A) e tabaco (B) – para pedir permissão e benção aos seres espirituais da floresta.

Para Diegues (1994), é mediante o encontro entre as representações socioambientais e os saberes etnoecológicos acumulados ao longo do tempo que ocorre o desenvolvimento dos sistemas tradicionais de manejo. Nesse sentido, torna-se necessário e urgente compreender e desvelar o paradigma ecológico presente no imaginário popular, conforme explicitado por C. Araújo (2015, p. 9):

Se transcendermos o etnocentrismo e a visão superficial sobre a cultura popular, poderemos reconhecer uma grande sabedoria por detrás das chamadas lendas folclóricas, tão relevantes quanto as reflexões filosóficas ou científicas. De maneira informal e simples, grandes temas são tratados por meio desses mitos, como a ecologia presente na lenda do Curupira, por exemplo.

Verschuuren (2006, p. 299) afirma que os valores culturais e espirituais são forças críticas na condução da conservação da natureza e manejo de ecossistema, mas geralmente difíceis de representar nos processos de tomadas de decisão. Por essa razão, compartilhamos com o autor a reflexão de que se faz necessário compreender a importância das diferentes percepções culturais sobre ecossistemas e paisagens naturais para o desenvolvimento e fortalecimento de estratégias mais eficazes e holísticas direcionadas ao manejo dos ecossistemas e coexistência das realidades simultâneas.

Existe mesmo um forte sentido de espiritualização em diferentes corpos d’água – como rios, mangues e estuários, bem como em ecossistemas terrestres, entre os quais bosques, grutas e cavernas – aos quais são atribuídas restrições de acesso por leis consuetudinárias, permanecendo áreas não utilizáveis para fins econômicos. Nesses casos, as interdições mágico-místico-religiosas contribuem para conservação dos recursos naturais (Vallejo, 2002; A. L. Silva, 2011). Para Smith (1983, p. 20), “legislação, ciência e tradição podem e devem trabalhar lado-a-lado para reforçar os esforços conservacionistas na região, uma vez que, em última instância, a sobrevivência de qualquer unidade de conservação depende da sua aceitação pelas populações vizinhas”. Por exemplo, a existência de entidades elementais que habitam corpos d’água (rios, lagos, igarapés, mares etc.) e que apresentam comportamentos ecologicamente orientados poderia ser usada nas ações de cogestão dos recursos pesqueiros, reforçando a importância do conhecimento tradicional e de fatores culturais nas abordagens de gestão da pesca (A. B. Silva et al., 2020). As populações locais poderiam ser consultadas sobre a localização de lugares encantados, bem como sobre os tipos de interações que desenvolvem com as entidades residentes, e seu conhecimento deveria ser incorporado nos planejamentos e tomadas de decisão. Na Amazônia, por exemplo, existem “vários parques sobrenaturais” – nos quais se encontra uma biodiversidade encantada – “e estes bem que poderiam servir de base para os parques naturais que venham a ser propostos com base em princípios participativos” (Marques, 2005, p. 33, grifos do autor).

Desse modo, torna-se premente conceber a união da espiritualidade com a ecologia, a fim de entender e apoiar as crenças locais de povos indígenas e comunidades tradicionais, com o intuito de implementar estratégias ecologicamente embasadas para desenvolver a conservação racional dos recursos naturais e a manutenção do rico patrimônio biocultural a eles associados.

  • 1
    Domínio espiritual, não corpóreo, em outra dimensão de realidade na qual os seres considerados ‘mitológicos’ habitam (Andrews, 2020; Costa-Neto & Lins, 2022).
  • 2
    Segundo Jensen (1986 [1966]), na maioria dos grupos contemporâneos, em verdade, não encontramos a presença de ‘deuses dos animais e da caça’ propriamente ditos. Segundo o autor, na época em que os humanos eram dedicados às atividades de caça-coleta como principal meio de subsistência, deuses criadores eram vistos também como patronos da atividade. Com a mudança e consolidação de um estilo de vida de caçador-coletor para um outro, o de agricultor e pastor, essas divindades foram perdendo protagonismo, tornando-se figuras de menor rango, reduzidas a simples ‘deuses menores’ (com notável exceção do deus celta Cernunnos; Reboreda Morillo & Castro Pérez, 2003-2004) ou transformadas, precisamente, nos seres elementais (ditos espíritos, donos, mestres, guardiões etc.) que protegem os animais silvestres e regulam a caça. Além disso, existem contextos em que essas entidades da caça fundem-se com outros entes da natureza, isto é, adotam, ao mesmo tempo, outras funções provedoras e protetoras (das plantas, da floresta, das cavernas, das montanhas, da chuva etc.) (Garza Camino, 1984).
  • 3
    Zeladora dona Rita Yá OMile.
  • 4
    Euforia é tudo aquilo de positivo que o sujeito realiza e que vai sempre estar em oposição a toda maldade que ele também pode praticar (Fiorin, 2011 citado em A. R. F. Silva, 2019).
  • 5
    Raízes que formam divisões tabulares em torno da base do tronco de certas árvores.
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Editado por

  • Responsabilidade editorial: Priscila Faulhaber Barbosa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2021
  • Aceito
    06 Set 2022
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