Open-access A ‘Expedição do Guaporé 2022’: repatriação de um patrimônio indígena preterido

The ‘Guaporé Expedition 2022’: repatriation of a neglected indigenous heritage

Resumo

Entre os anos 1933-1935, o etnólogo alemão Emil Heinrich Snethlage (1897-1939) viajou pelo vale do rio Guaporé, onde encontrou 13 povos indígenas e documentou aspectos das suas culturas e línguas. O seu diário científico de mais de 1.000 páginas foi publicado somente em 2016. O valor histórico e emocional desse material único para os povos indígenas da região é inestimável. A tradução desse documento para a língua portuguesa, complementada por fotografias históricas, um filme sonorizado, gravações sonoras, acompanhada de trechos de manuscritos e de artigos do autor, inéditos no Brasil, foi finalmente publicada em 2021 pelo Museu Paraense Emílio Goeldi. Em 2022, uma expedição multidisciplinar apresentou a obra aos povos visitados pelo próprio Snethlage. Este artigo pretende celebrar e compartilhar a experiência da disponibilização pública, em português, do acervo de Emil Heinrich Snethlage para as comunidades indígenas envolvidas. A primeira parte do texto descreve o contexto histórico-cultural e a segunda metade é um relato da jornada de encontros com os povos originários do vale do Guaporé. O artigo, em si, não tem pretensões científicas; apesar disso, termina com um posfácio que cita as principais fontes científicas disponíveis para os interessados no estudo da história e da diversidade cultural e linguística do sul de Rondônia.

Palavras-chave
Snethlage; Etno-história; Povos indígenas; Vale do Guaporé; Expedição científica

Abstract

Between 1933 and 1935, the German ethnologist Emil Heinrich Snethlage (1897-1939) travelled in the Guaporé river valley, visited 13 indigenous peoples and documented aspects of their cultures and languages. His scientific diary of more than 1,000 pages was published in 2016. The historical and emotional value of this material for the region’s indigenous peoples is immeasurable. The translation of this document into Portuguese, complemented by numerous historical photos, an originally silent film set to sound, audio recordings, excerpts from manuscripts, as well as several of Snethlage’s articles that were previously only available in German, was finally published in 2021 by the Museu Paraense Emílio Goeldi. In 2022, a multidisciplinary expedition presented the work to the peoples visited by Snethlage himself. This article aims to register and share the experience of making Emil Heinrich Snethlage’s collection publicly available in Portuguese for the indigenous communities involved. The first part of the text describes the historical and cultural context, while the second part recounts our journey of meetings with the indigenous peoples of the Guaporé Valley. The article itself does not have scientific pretensions; nonetheless, it concludes with an afterword that cites the main scientific sources available for those interested in studying the history, cultural diversity, and linguistic diversity of southern Rondônia.

Keywords
Snethlage; Ethnohistory; Indigenous peoples; Guaporé Valley; Scientific expedition

INTRODUÇÃO

Cursos de rios despidos de suas matas ciliares, terras recém-desmatadas em zonas de alagamento natural. Um sol escaldante a castigar as pastagens secas em locais que até poucos anos abrigavam a floresta com sua beleza e biodiversidade. Um cenário devastador que víamos a partir das janelas da van que nos levava de uma terra indígena (TI) a outra. Era junho e julho de 2022 e atravessávamos uma das regiões de grande ocupação ilegal de terras, uma das mais assoladas da Amazônia, especialmente nas últimas décadas. Éramos um grupo de cerca de 11 pessoas que formaram a ‘Expedição do Guaporé 2022’ (Figura 1), cruzando territórios indígenas que há mais de 85 anos foram visitados a pé e através dos rios pelo pesquisador alemão Emil Heinrich Snethlage, onde hoje é o estado de Rondônia.

Figura 1
Integrantes da ‘Expedição do Guaporé 2022’, acompanhados da equipe da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé.

A trajetória que resultou nessa expedição começou em 2006, quando a jornalista e fotógrafa brasileira Gleice Mere fez o primeiro contato com Rotger Snethlage, filho de Emil Heinrich, em Aachen, Alemanha. Após 16 anos desse encontro, jubileu dos 125 anos do nascimento do pesquisador, não se podia imaginar que um grupo internacional multidisciplinar cruzaria por terra e pelos rios a mesma região, o vale do rio Guaporé. Lá o pesquisador, aos 36 anos, iniciou uma viagem científica na qual teve contato com 13 povos indígenas, muitos deles, à época, de recente contato com o mundo ocidental. O percurso da transformação dos cadernos de campo desse brilhante jovem pesquisador, que fez seus registros com mãos jardineiras – mas faleceu aos 42 anos –, foi longo e encontrou muitas barreiras. Entre elas, os obstáculos impostos pela guerra na Europa, o esquecimento decorrente de seu falecimento precoce e a tradução de seus escritos para o português. A publicação de seus registros científicos no Brasil tornou possível a apresentação de seu acervo ao público acadêmico que desenvolve pesquisas a respeito da temática abordada, assim como aos descendentes dos povos por ele visitados na região de fronteira Brasil-Bolívia.

Nossa expedição percorreu 2.839 km de trajeto terrestre, em uma van, e atravessou muitos quilômetros fluviais. Ela foi organizada por Gleice Mere e um dos seus integrantes foi o linguista holandês, Hein van der Voort, apoiador incondicional no processo de publicação, no Brasil, do livro impresso “A expedição do Guaporé – 1933-1935”, publicado em 2021 pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) (E. Snethlage, 2021a, 2021b)1. O livro é acompanhado por uma mídia digital que contém um filme histórico e gravações sonoras, registrados em 1934 por Emil Heinrich Snethlage. Ao longo desse percurso, Hein fez diversos registros e retrata, a partir de uma perspectiva linguística, alguns aspectos dos encontros ocorridos durante a nossa expedição, que posteriormente foram complementados com diversos enfoques históricos. Foi possível visitar praticamente todos os povos indígenas do sul de Rondônia em um período relativamente curto. Essa travessia memorável e a trajetória de publicação do acervo no Brasil são descritas a seguir.

Este artigo foi escrito a duas mãos, por Gleice Mere e Hein van der Voort. A sua função primordial é compartilhar a experiência da disponibilização pública, em português, do acervo de Emil Heinrich Snethlage e a jornada de encontros com os povos visitados por ele há quase 90 anos. Para além disso, gostaríamos de, a partir do nosso relato, encorajar pesquisadores a persistirem na carreira acadêmica, apesar dos empecilhos que possam vir a surgir nesse processo. O texto se inicia com uma descrição do contexto histórico-cultural e prossegue com a narrativa dessa vivência.

DIVERSIDADE ETNOLINGUÍSTICA DE RONDÔNIA E EXPEDIÇÕES CIENTÍFICAS

O estado de Rondônia possui uma diversidade excepcional de línguas indígenas, principalmente se comparado a outras regiões. A Europa, por exemplo, tem – grosso modo – duas grandes famílias linguísticas: a família indo-europeia, que é uma família de mais de 400 línguas originárias faladas da Índia até a Islândia, e as línguas urálicas, que formam a família de cerca de 40 línguas, faladas da Noruega, via Hungria até o extremo norte da Sibéria. Há ainda o Basco, que é uma língua isolada, quer dizer, até onde sabemos, ela não pertence a nenhuma família conhecida.

Rondônia não é maior do que a Inglaterra e, apesar de ser um campo de pesquisa recente, até o momento, já se pode dizer que tem cinco famílias linguísticas – Pano, Nambikwara, Txapakura, Macro-Jê e Tupi – e ainda três línguas isoladas – Aikanã, Kanoé e Kwazá. Em 2022, metade das línguas de Rondônia tinha menos de 50 falantes; elas, portanto, correm sério risco de extinção. É muito preocupante e realmente trágico o fato de essas línguas terem sido ainda pouco documentadas e descritas.

Também sabemos muito pouco sobre as culturas e a história dos falantes. Desde o início do século XX, antes que pesquisas científicas sérias pudessem ocorrer, a maioria dos povos de Rondônia passou por grandes mudanças culturais, quando não indígenas adentraram a região e trouxeram doenças infecciosas, a escravidão e o cristianismo. Ocorreram epidemias de gripe e, por volta dos anos 1950, houve também a ocorrência do sarampo, que contribuiu para que mais da metade desses povos fosse dizimada. As mudanças culturais provocadas pela extração da borracha, da madeira, do ouro e, claro, os inevitáveis missionários fizeram o resto. Felizmente, há alguns casos de pesquisadores que visitaram a região e tiveram um interesse genuíno nas vidas e nas culturas dos indígenas, especialmente o relato do etnólogo sueco Erland Nordenskiöld (1915). Em 1914, ele e sua esposa, Olga, permaneceram uma semana com um povo indígena que não havia sido descrito anteriormente. Essas pessoas, provavelmente, nunca tinham visto um não indígena antes. Nordenskiöld os chamou de Huari, e pela lista de palavras registrada por ele sabemos que eram os Aikanã2. Apenas 20 anos depois, os Aikanã haviam sido escravizados por meio do ‘sistema de barracão’3, amplamente empregado no Ciclo da Borracha na Amazônia.

Embora nessa região o ‘sistema de barracão’ fosse largamente difundido, na década de 1930 pouco se sabia a respeito dos povos indígenas que viviam ali, razão pela qual a expedição do etnólogo, botânico e ornitólogo alemão Dr. Emil Heinrich Snethlage é muito especial e possui um valor histórico relevante. Ele esteve em Rondônia do final de 1933 até o início de 1935. Snethlage documentou 13 povos nas duas margens do rio Guaporé, região de fronteira entre Brasil e Bolívia. Os povos documentados foram: Moré, Wanyam e Kumaná (que falam línguas da família Txapakura); Guarasu (ou Pauserna), Puruborá, Aruá, Tuparí, Wayurú, Makuráp e Mekens (atualmente akurabiat) (todas da família linguística Tupi); Chiquitano, Arikapú e Djeoromitxí (da família linguística Macro-Jê). O objetivo da expedição era coletar objetos etnográficos para o Museu Etnológico de Berlim (hoje, integrado ao Humboldt Forum).

Na expedição, Snethlage levou diversos equipamentos utilizados nos registros de suas pesquisas. Em seu diário, utilizou cadernos de papel carbono para as anotações de campo, nas quais citou nomes de pessoas, relatou ritos e tradições – esses resultaram em um manuscrito de 1.042 páginas. Com câmeras fotográficas de 35 mm e de grande formato, fez registros fotográficos. Por meio de uma pequena filmadora Kinamo, gravou imagens da vida cotidiana. No decorrer da viagem, recebeu do Arquivo Fonográfico de Berlim um fonógrafo para fazer registros sonoros em cilindros de cera, o que possibilitou, nos dias de hoje, o acesso a informações de uma cultura musical que se encontra praticamente extinta.

Por mais de um ano, Snethlage percorreu o sul de Rondônia e a margem boliviana do Guaporé (Figuras 2 e 4). Além de todos esses registros históricos, ele colecionou cerca de 2.500 objetos (cacos e artefatos de cerâmica, arcos, flechas, adornos corporais, máscaras, objetos trançados etc.). É a descrição de um mundo que não existe mais e do qual resta muito pouco, algo que alguns indígenas de hoje só conhecem pelas histórias de seus antepassados.

Figura 2
Mapa da área do vale do rio Guaporé, visitada por Emil H. Snethlage entre 1933-1935.
Figura 3
Capa do livro “Atiko Y”.
Figura 4
O pesquisador Emil H. Snethlage em trabalho de campo com homens Moré e mulheres Baure, acampamento Komarek, Bolívia.

TRAJETÓRIA INTERROMPIDA

Após seu retorno a Berlim, Emil Heinrich deu início à análise e à publicação dos resultados de suas pesquisas em artigos, entre os quais um estudo pioneiro sobre os instrumentos e as tradições musicais indígenas do vale do Guaporé, assim como o seu livro popular-científico “Atiko Y” (E. Snethlage, 1937; Figura 3), obra baseada na documentação dos seus cadernos de campo. Em 1939, Snethlage foi acometido por uma embolia pulmonar, consequência de uma trombose causada por um acidente que afetou sua perna em um exercício de guerra. A doença foi negligenciada pelos médicos e causou o seu falecimento aos 42 anos.

Durante duas semanas, Emil Heinrich Snethlage lutou contra os efeitos da trombose. Em seu leito de morte, fez com que sua esposa, a Dra. Anneliese, prometesse publicar os seus cadernos de campo. Em 1943, apesar da guerra e dos nazistas (a família não era nacional-socialista), ela conseguiu uma autorização para viver na Áustria, a fim de transcrever o manuscrito do marido. No entanto, em 1947, ao retornar para a Alemanha destruída, com a tarefa de criar o filho do casal, Rotger, foi impossível publicar os registros de Emil Heinrich. Ela morreu em 1981 sem ter conseguido cumprir sua promessa.

À época de seu falecimento, o pesquisador ainda analisava as informações que coletou em seu trabalho de campo. Ele havia escrito diversos artigos científicos, alguns foram publicados, outros ficaram inacabados. Devido à sua morte repentina, e talvez também por causa da interrupção da produção científica causada pela guerra, os seus artigos publicados e também os que permaneceram inacabados caíram no esquecimento.

RESGATE CULTURAL E PUBLICAÇÃO DO ACERVO DE EMIL HEINRICH SNETHLAGE

Em 2001, o linguista Hein van der Voort obteve um financiamento para o projeto de descrição da língua Arikapú, uma língua Macro-Jê que, à época, tinha apenas dois falantes (atualmente há apenas um). Em suas pesquisas a respeito da documentação sobre o idioma, consultava os estudos de Snethlage, que também mencionam os Arikapú em “Atiko Y” (E. Snethlage, 1937). No ano anterior, em um congresso de Linguística em Varsóvia, ele conheceu Rotger, filho de Emil Heinrich Snethlage4. Nessa ocasião, soube da existência de seus cadernos de campo, ainda em forma de manuscrito, e das fotografias guardadas na casa da família em Aachen. O filho do pesquisador, um advogado aposentado, estava à procura de apoio para publicar aquele material inédito, desconhecido, pois, apesar dos pedidos do pai, em seu leito de morte, e dos incomensuráveis esforços realizados pela viúva, Dra. Anneliese Snethlage, ao longo de décadas, não foi possível publicar os registros. No entanto, foi necessário que o linguista priorizasse o trabalho de campo junto aos últimos falantes da língua Arikapú. Felizmente, em 2006, a jornalista brasileira Gleice Mere, que à época concluía seus estudos em fotografia na Academy of Fine Arts Leipzig, ficou fascinada e comovida pela história de Snethlage, uma trajetória pessoal de profunda dedicação à ciência, mas que foi abruptamente interrompida.

Em 2005, após sua primeira visita aos povos indígenas do Guaporé5, Gleice passou a ter contato com Rotger Snethlage que, prontamente, a recebeu em sua casa e disponibilizou a documentação de seu pai para que os descendentes dos indígenas visitados por ele pudessem conhecer as informações coletadas. Em sua documentação, Emil Heinrich Snethlage descreveu a vida dos avós, bisavós e tataravós dos indígenas de hoje, assim como as relações mútuas do cotidiano.

Essa conjuntura fez com que a jornalista fosse tomada por uma grande vontade de auxiliar a família na publicação dos cadernos de campo, no intuito de fazer uma ponte entre o Brasil e a Alemanha. De um lado, havia a necessidade sentida por Rotger em cumprir o desejo do pai, de outro, existia a vontade dos povos do Guaporé de obter mais informações sobre seus antepassados, tendo em vista a rápida destruição cultural à qual foram submetidos. Assim, tornou-se evidente para Gleice a tarefa imprescindível de publicar o manuscrito e de repatriar essas informações etnológicas e históricas para o Brasil.

Em 2013, Gleice descreveu, pela primeira vez, a odisseia do acervo de Emil Heinrich Snethlage, publicada como artigo no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas (Mere, 2013). Nesse texto, ela relata, entre outras, as histórias vividas por Rotger e sua mãe para salvar o acervo da destruição. Em 1939, ano do falecimento do pesquisador, Rotger tinha apenas três anos (Figura 5). Por essa razão, não tem recordações concretas do pai; o que sabe dele lhe foi contado por sua mãe. Entretanto, quando viviam na Áustria, recorda-se de adormecer ao som da máquina de escrever da Dra. Anneliese, que transcrevia o manuscrito com a intenção de publicá-lo. Apesar de todas as dificuldades, a viúva e o filho sempre guardaram o material do pesquisador, um acervo vasto, composto por manuscritos, fotografias, filmes, separatas de artigos científicos e correspondências – entre as quais, há cartas trocadas com Curt Nimuendajú, considerado o maior dos etnógrafos da região amazônica.

Figura 5
Rotger ao lado de seu pai, Emil H. Snethlage, na Alemanha, pouco antes do falecimento do pesquisador.

O manuscrito também foi de grande importância emocional para Rotger, que não conheceu seu pai e tinha o intuito de manter a promessa de sua mãe, o que o levou a insistir na faina de publicar o manuscrito em alemão. Essa empreitada levou dez anos, pois foi preciso digitalizar os textos, os desenhos e as fotografias, assim como cotejar tudo com os originais. A documentação resultou num livro de 1.210 páginas, publicado na Alemanha em 2016 (Figura 6). Com isso, Rotger cumpriu a promessa de sua mãe, auxiliado por seu filho Alhard (Figura 7) e por Gleice Mere. Somente quando essa tarefa imensa foi concluída, tornou-se possível iniciar a tradução para o português.

Figura 6
Capa da edição original de “Die Guaporé Expedition”, impresso no então Böhlau Verlag.
Figura 7
Rotger e seu filho Alhard Snethlage revisando os textos dos cadernos de campo para publicação, 2007.

Durante a visita à TI Rio Branco, onde vivem vários povos visitados por Snethlage, Gleice conheceu Tanúzio de Oliveira, então funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai)6 e chefe de posto na TI. Eles se casaram mais tarde, fato que favoreceu, ao longo dos anos, o contato dos indígenas com as informações do acervo – mesmo antes de sua publicação –, assim como a edição do livro em português.

Em 2009, por meio de um projeto de intercâmbio organizado pelo antropólogo alemão Andreas Schlothauer e por Gleice Mere junto a museus europeus, sete membros de povos indígenas do Guaporé visitaram, entre outros, o Museu Etnológico de Berlim. Na ocasião, conheceram Rotger e sua família, a coleção de objetos da cultura material coletados por Snethlage e tiveram acesso às gravações sonoras de seus antepassados. As canções foram ouvidas durante a visita ao Arquivo Fonográfico de Berlim, um acontecimento memorável, pois os indígenas cantaram novamente algumas das canções registradas pelo pesquisador. As gravações dos cilindros fonográficos pertencentes ao acervo do Arquivo Fonográfico de Berlim são reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como patrimônio histórico da humanidade e estão integradas à documentação do Programa Registro da Memória do Mundo. Devido aos indígenas terem reconhecido suas canções culturais, no ano seguinte, 2010, Gleice Mere realizou um trabalho de campo com os povos do Guaporé e incorporou os dados dessa pesquisa à edição brasileira do livro.

A jornada brasileira da publicação do livro foi árdua. Foram inúmeras as tentativas, sem sucesso, para a obtenção dos recursos financeiros necessários junto à Funai e ao Museu do Índio, entre outros. Por intermédio de Tanúzio Oliveira, então vereador no município de Alta Floresta d’Oeste, Rondônia, obteve-se uma emenda parlamentar do então deputado federal Nilton Capixaba. O recurso foi administrado pela prefeitura do município onde está localizada a TI Rio Branco, Alta Floresta d’Oeste. Esse processo de gestão foi algo inacreditável, e nos resta a dúvida se os empecilhos que o corpo administrativo da prefeitura apresentou para não aplicar o recurso da publicação, ao longo de nove anos, foi algo proposital ou se foi mesmo incompetência. Pode-se especular que a inércia para a aplicação do recurso se deve ao fato de temerem que os indígenas possam apresentar reivindicações territoriais com base na documentação de Snethlage. Apesar de tudo, o livro foi impresso em 2022, composto por dois volumes que totalizam 1.632 páginas, acompanhados por uma mídia digital que contém o filme mudo registrado por Snethlage em sua Kinamo. O material audiovisual foi sonorizado, pro bono, pela videoartista e jornalista Marta Nascimento. A publicação também disponibiliza as gravações sonoras dos cilindros de cera e algumas regravações de músicas indígenas realizadas durante o trabalho de campo de 2010.

O linguista Hein van der Voort colaborou com a publicação nos dois idiomas, pelo fato de conhecer bem a região percorrida por Snethlage, o que lhe possibilitou auxiliar Rotger e Gleice na interpretação de vários aspectos do conteúdo do manuscrito. O fato de ser funcionário do MPEG ajudou a superar as barreiras impostas pela prefeitura de Alta Floresta d’Oeste, levando-se em consideração a existência de um vínculo especial entre a família Snethlage e o MPEG. Emil Heinrich tornou-se ornitólogo e etnólogo, inspirado nas histórias e vivências de sua tia e madrinha Emilie Snethlage, a ‘tia Mila’, que descreveremos mais adiante.

A edição brasileira (Figura 8) é uma obra complexa e completa, pois reúne a maior parte da produção científica do pesquisador no que diz respeito à sua viagem de pesquisa na região do vale do Guaporé. Ela também é composta por cinco artigos originalmente publicados em alemão nos anos 1930, correspondências diversas e muitas informações do acervo pessoal da família do pesquisador que eram inéditas tanto no Brasil, quanto na Alemanha.

Figura 8
Capas da edição em português de “A expedição do Guaporé” (dois volumes), impresso pelo MPEG (E. Snethlage, 2021a, 2021b).

A tradução dos cadernos de campo e das publicações de Snethlage foi um trabalho monumental, devido à extensão, à complexidade dos assuntos abordados e à dificuldade do emprego dos termos técnicos adequados em português. O MPEG financiou uma tiragem de 400 exemplares; a metade dos livros impressos foi doada para as escolas indígenas e bibliotecas públicas de Rondônia (ainda em processo de distribuição) e paralelamente houve uma compra coletiva de 100 exemplares organizada por Gleice para que mais pessoas tivessem acesso à publicação, especialmente os pesquisadores.

O PAPEL DA DRA. EMILIE SNETHLAGE

A ornitóloga, Dra. Emilie Snethlage, tia e madrinha de Emil Heinrich, foi uma mulher à frente do seu tempo. Pelo fato de ter sido pesquisadora do MPEG, Pará, e do Museu Nacional, Rio de Janeiro, e ter tido a oportunidade de realizar muitas publicações ao longo de sua carreira, ela tornou-se bem mais conhecida que o sobrinho. Emil Heinrich, em virtude de sua morte precoce, teve seu trabalho pouco conhecido e reconhecido por cerca de 80 anos.

Emilie foi uma das primeiras mulheres na Alemanha a obter doutorado. Em 1905, viajou para o Brasil a fim de trabalhar como assistente de pesquisa em Zoologia e Geologia no MPEG, em Belém. Entre 1914 e 1922, foi diretora dessa instituição. Ela foi a primeira mulher na América Latina a liderar uma entidade de pesquisa e realizou trabalhos de campo científicos nas selvas amazônicas, como mostra a Figura 9, numa época em que isso era muito incomum para as mulheres. Entre as diversas histórias do trabalho de Emilie, que relatadas à sua família, deixavam seus sobrinhos/as impressionados/as, está o episódio no qual, em 1914, ela teve seu dedo mutilado por uma piranha. Isso a obrigou, alguns dias depois, ela mesma, a amputar mais um pedaço do próprio membro, a fim de evitar uma septicemia. A pesquisadora se encontrava em uma expedição em plena floresta, isolada, e nenhum de seus acompanhantes de viagem teve coragem de fazê-lo.

Figura 9
Emilie Snethlage e seus acompanhantes em uma de suas expedições no interior do Brasil.

Em 1923, ela viajou com o jovem Emil Heinrich pelo Nordeste do Brasil, onde ensinou-lhe a Ornitologia e apresentou-lhe ao trabalho de campo. Ela faleceu em 25 de novembro de 1929, vítima de uma parada cardíaca, em Porto Velho. Exatamente dez anos depois, em 25 de novembro de 1939, Emil faleceu em Potsdam, Alemanha. Emilie foi enterrada no Cemitério dos Inocentes, em Porto Velho, mas o seu túmulo não pode mais ser localizado.

REPATRIAÇÃO DE UM PATRIMÔNIO CULTURAL

Após cerca de 15 anos do trabalho que culminou na publicação brasileira do livro de Emil Heinrich Snethlage, Gleice Mere sentiu a necessidade compartilhar com os indígenas do Guaporé a grandeza dos registros de sua cultura, especialmente em um período no qual o Brasil atravessava um ciclo de destruição contínua da Amazônia. Para além desse propósito, havia a necessidade de melhorar a autoestima dos indígenas, cuja cultura, historicamente, é menosprezada pela sociedade brasileira. Ela também levou em consideração que publicar o livro sem apresentá-lo pessoalmente aos povos do Guaporé seria uma tarefa incompleta. Os indígenas precisavam de um contato pessoal e presencial para poderem ser empoderados do conteúdo dos registros e, assim, sentirem orgulho do acervo e pertencimento a ele.

UMA VIAGEM PELAS TRILHAS DE EMIL HEINRICH SNETHLAGE

Ao organizar a expedição para apresentar o livro aos povos visitados por Snethlage, Gleice decidiu formar uma equipe multidisciplinar. Alguns participantes da expedição viajaram durante todo o trajeto, outros participaram por apenas alguns dias: Alhard Snethlage (coorganizador da edição alemã do livro e neto de Emil Heinrich); Altair Algayer (coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, Funai) e equipe; Daniel Luís Dalberto (procurador da República); Dirk Snethlage (primo de Alhard); Elisabeth Teixeira (ilustradora de livros infantis); Gleice Mere (jornalista, coorganizadora e tradutora das edições do livro na Alemanha e no Brasil); Hein van der Voort (linguista do MPEG, especialista nas línguas Aikanã, Arikapú e Kwazá); Lukas Vengels (então primeiro secretário de Direitos Humanos da Embaixada da Alemanha); Marta Nascimento (jornalista e videoartista; sonorizou o filme mudo de Snethlage e fez o registro fílmico da expedição); Renan Oliveira (8 anos, filho de Gleice e de Tanúzio); Tanúzio de Oliveira (ex-chefe de posto da Funai e ex-vereador do município de Alta Floresta d’Oeste, Rondônia); Vilacy Galucio (linguista do MPEG, especialista nas línguas Puruborá e Sakurabiat); Joselito Rocha (motorista da van); e Juliana Valdis (cozinheira).

A expedição foi realizada de 27 de junho a 16 de julho de 2022, sendo visitados os seguintes locais: Terra Indígena Rio Branco (aldeias São Luís, Serrinha, Colorado e Cajuí; povos Tuparí, Makuráp, Aruá, Djeoromitxí, Arikapú, Kampé e Kanoé); Terra Indígena Massaco (Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé; essa base protege os povos indígenas isolados Massaco, citados por Snethlage como Papamién); Distrito de Porto Rolim de Moura do Guaporé (povos Wayurú e Guarasu); Terra Indígena Rio Mequéns (aldeias Sukupari, Baixa Verde e Koopi; povo Sakurabiat); Distrito de Porto Murtinho (povo Migueleno); Terra Indígena Rio Guaporé (aldeias Baía da Coca, Ricardo Franco e Baía das Onças; povos Tuparí, Makuráp, Wayurú, Aruá, Salamain, Djeoromitxí, Arikapú, Kanoé, Kuyubi e Oro Wari´); Distrito de Monte Azul, Bolívia (povo Moré, citados por Snethlage como Moré e Itoreauhip); e localidade Aperoi, BR-429 (povo Puruborá).

Em 24 de junho Hein, Gleice e sua família chegaram a Porto Velho, ponto de partida da expedição, onde, durante dois dias, compraram mantimentos e todos os apetrechos necessários para a viagem.

No dia 27, após a chegada dos primeiros membros da expedição, o grupo seguiu viagem para Ji-Paraná, onde visitou a Coordenação Regional da Funai e aonde chegaram os demais integrantes.

TERRA INDÍGENA RIO BRANCO

No dia seguinte, a expedição seguiu para a TI Rio Branco. Esse território foi demarcado em 1986, no final da época da ditadura militar no Brasil. Multiétnica, a TI tem um território retangular (40 km x 60 km) com muitas aldeias, quase todas situadas ao longo do Rio Branco, que atravessa a TI longitudinalmente (Figura 10). Os povos que vivem ali falam línguas muito distintas, mas compartilham praticamente a mesma cultura.

Figura 10
Imagem de satélite da TI Rio Branco.

Originalmente, essas sociedades indígenas estavam inseridas no que Denise Maldi (1991) descreveu como o “Complexo Cultural do Marico”. Devido aos séculos de contato mútuo, as línguas possuem diversas palavras que foram sendo adotadas umas das outras. No período da exploração da borracha (1910-1970), a língua Makuráp predominava como língua comercial. Atualmente, apenas os mais velhos falam várias línguas indígenas e os jovens falam somente o português como segunda ou primeira língua. O Rio Branco é uma das terras indígenas mais bonitas e protegidas. Está quase sem estradas e o rio é a principal via de acesso.

Lá apresentamos o livro de Snethlage em quatro aldeias principais, seguindo sempre a mesma rotina. Tínhamos um datashow, um lençol branco, uma grande caixa de som com microfone e um exemplar do livro. Gleice era sempre a primeira a falar, contava a história de como foi feita a recuperação do acervo de Snethlage, a tradução e as dificuldades em publicar a obra no Brasil. Depois, ela apresentava os demais integrantes da nossa expedição. Todos nós estávamos envolvidos no projeto de uma forma ou de outra e contamos nossa história pessoal. No caso de Tanúzio e de Hein, a maioria dos indígenas os conhecia devido aos trabalhos desenvolvidos anteriormente. Tanúzio, quando era funcionário da Funai, conseguiu extinguir o comércio ilegal da madeira por meio da implantação de alternativas sustentáveis, como a coleta da castanha e a introdução do cultivo do café orgânico, que hoje é comercializado como um café especial (os Aruá já ganharam diversos prêmios nacionais pela qualidade do grão, o qual possui aromas diferenciados devido à polinização das flores que sofre influência de plantas da floresta amazônica). Nesse reencontro, os indígenas sempre expressavam a Tanúzio sua profunda gratidão pelo legado que deixou ao introduzir diversas alternativas de subsistência econômica sustentável. Também gostaram de conhecer o seu filho, Renan, e tratavam sua família como se fosse parte do seu próprio povo.

Após a nossa apresentação, Gleice, Alhard e Hein assinavam o livro e o doavam oficialmente para a escola da aldeia: Gleice como tradutora e organizadora, Alhard como coorganizador e Hein como representante do MPEG, a instituição doadora. Quando terminava a apresentação da expedição, os líderes indígenas falavam e sempre recebíamos diversos elogios. Frequentemente, a comunidade celebrava a nossa visita com apresentações culturais (Figura 11). O filme era exibido à noite (Figura 12). As pessoas ficavam muito impressionadas com a apresentação do livro e do filme. Eles também acharam fascinante conhecer Alhard, o neto de Emil Heinrich Snethlage.

Figura 11
Apresentação de danças tradicionais pelas mulheres da aldeia Serrinha.
Figura 12
Apresentação do filme original de Emil H. Snethlage para a comunidade indígena da aldeia São Luís.

Daniel Dalberto, procurador da República que já atuou em Rondônia, empenhou-se para ter uma participação oficial na expedição. Em virtude disso, obteve autorização para representar a 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), denominada de “Populações indígenas e comunidades tradicionais”. Então, ao final da reunião, o procurador conscientizava os indígenas a respeito de seus direitos e explicava como poderiam apresentar suas queixas via plataforma digital do MPF, a fim de acionar as autoridades (Figura 13). Ele mesmo também pôde denunciar diversas irregularidades e violações dos direitos indígenas, de modo que, alguns meses depois, foi possível obter resultados positivos e concretos por meio da atuação da justiça e dos órgãos públicos que negligenciavam suas atribuições. Daniel é muito estimado por todos devido ao seu respeito à cultura indígena e à sua dedicação pessoal no empoderamento dos povos originários e das populações tradicionais. Os indígenas apreciaram especialmente o seu cuidado em visitá-los pessoalmente, nas suas aldeias.

Figura 13
Procurador da República Daniel Dalberto, capacitando os indígenas da Aldeia Serrinha no uso do plataforma do MPF para poder fazer demandas aos órgãos públicos.

Além das apresentações da nossa equipe; da mostra do filme à noite, realizada com o auxílio técnico de som e de imagem de Dirk Snethlage (que não fala português, mas contribuiu com seus conhecimentos tecnológicos); da capacitação jurídica realizada pelo procurador Daniel; da doação do livro de Snethlage – uma rotina mantida em todas as aldeias visitadas por nós –, havia sempre as atividades lúdicas desenvolvidas com as crianças nas escolas locais, que foram organizadas por Elisabeth Teixeira (Figura 14). Como ilustradora de livros infantis, ela interagia com as crianças, a fim de que essas também se sentissem acolhidas pelas atividades desenvolvidas pelos visitantes.

Figura 14
Elisabeth Teixeira, ilustradora de livros infantis, após atividades lúdicas com crianças indígenas da aldeia Cajuí.

A videoartista Marta Nascimento registrou toda a viagem. Fotografava e entrevistava diversas pessoas, do amanhecer até a noite7. Para sonorizar o filme de Snethlage, Marta leu todos os cadernos de campo. Baseada nessas informações – que a contextualizaram sobre a história recente dos povos do Guaporé –, ela registrou histórias de vida das pessoas e as atividades da expedição. A partir desses registros, pretende fazer um documentário que mostre essa história ‘oculta’ e desconhecida dos indígenas do vale do Guaporé, contada a partir da perspectiva deles mesmos. O indigenista Altair Algayer, auxiliado por sua equipe, nos deu um suporte logístico valioso e imprescindível no trajeto da TI Rio Branco. Além disso, a sua presença agradável, as amizades estabelecidas por ele com os indígenas – no decorrer de sua trajetória profissional – e sua experiência na região enriqueceram a nossa viagem.

TERRA INDÍGENA MASSACO

Após cinco dias, fomos com Altair até a TI Massaco, que se sobrepõe, em grande parte, à Reserva Biológica do Guaporé. No trajeto, passamos por Alta Floresta d’Oeste, onde encontramos a linguista Vilacy. Na primeira semana da expedição, ela permaneceu em Ji-Paraná porque testou positivo para a covid-19 e, somente após esse período, se curou. Ao longo da viagem, Alhard e Dirk foram responsáveis pelos autotestes da covid-19. Todos éramos testados periodicamente com o objetivo de impedir que a expedição levasse o vírus para outras localidades.

Pernoitamos na TI Massaco, uma grande área remota, coberta pela selva e por terrenos alagados ao longo do rio Guaporé, onde vive um povo isolado. Na Amazônia, há mais de 100 grupos de indígenas isolados que evitam o contato com os não indígenas. No final dos anos 1980, o governo brasileiro implantou a política de não contatar grupos de indígenas isolados que não estejam em situação de risco. Os indígenas isolados do Massaco são caçadores-coletores seminômades e não praticam a agricultura. Entre as características averiguadas por meio de vestígios estão os seus arcos excepcionalmente longos – que lembram os Sirionó da Bolívia – e seu modo de afastar invasores. Eles escondem milhares de estrepes envenenados nos caminhos para perfurar os pés dos forasteiros, feitos com uma madeira muito dura (Figura 15) e camuflados sob as folhas. As pontas, duras e afiadas, atravessam as solas de sapato mais grossas e até mesmo pneus de trator8.

Figura 15
Estrepes de madeira feitos pelos indígenas isolados da TI Massaco.

A base da TI Massaco foi construída nos anos 1990, perto da divisa com uma fazenda. Ela tem uma boa infraestrutura e acesso à internet, mas não possui energia elétrica permanente e as suas estradas de terra são de difícil acesso. Os funcionários são indigenistas treinados e indígenas da região. O trabalho fundamental é monitorar as divisas, para que não haja invasões. Quando isso ocorre, a Polícia Federal é convocada para auxiliar na retirada dos invasores, como aconteceu em diversas ocasiões.

O monitoramento do bem-estar dos grupos isolados é feito por meio de expedições terrestres, a pé, seguindo-se os caminhos dos indígenas para se verificar os vestígios nos acampamentos abandonados, tendo em vista que esses grupos são nômades. A periculosidade das expedições da Frente Etnoambiental não está apenas no risco de pisar nos estrepes (o que ocorre algumas vezes), mas, principalmente, em sofrer algum ataque dos indígenas. Felizmente, nunca ocorreu nenhum tipo de agressão, mas o risco é real. Em setembro de 2020, o indigenista Rieli Franciscato, de uma outra Frente, foi atingido letalmente pela flecha de um grupo isolado na TI Uru-Eu-Wau-Wau. Estima-se que o grupo isolado do Massaco seja formado por cerca de 250 pessoas, mas não se sabe qual língua falam. Snethlage os chama de Papamién, nome que registrou a partir de informações dos povos vizinhos. À época, eles já eram conhecidos pela prática de colocar estrepes.

Durante nossa visita à base, Altair, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, fez uma apresentação (Figura 16) com imagens a respeito do trabalho nas terras indígenas Rio Omerê, Massaco e no território do ‘Homem do Buraco’ ou ‘Isolado do Tanaru’. Esse último provavelmente faleceu durante a nossa expedição. Em 23 de agosto, ele foi encontrado morto em sua palhoça, mas, segundo o MPF, a morte aconteceu cerca de 30 ou 40 dias antes dessa data. ‘Tanaru’ estava deitado em sua rede, paramentado com ornamentos que não eram do seu cotidiano. O falecimento se deu após o isolamento voluntário de 25 anos, motivado pelo trauma do genocídio do seu povo. O sepultamento dos seus ossos só ocorreu em 4 de novembro, após ficar 74 dias sob a guarda da Polícia Federal e da Funai. Por iniciativa do procurador Daniel, o MPF entrou com uma ação civil pública para solicitar que a Funai fosse obrigada a liberar o enterro, realizado na mesma palhoça onde ‘Tanaru’ faleceu. A argumentação jurídica explicitou o desrespeito à memória e à dignidade do indígena devido à demora para o sepultamento. Um desrespeito não apenas ao indivíduo em si, mas a seu povo, demais povos indígenas de Rondônia, e do Brasil, assim como aos servidores da Funai que evitaram o seu extermínio e, durante décadas, realizaram o trabalho de proteção. Note-se que a finalidade da perícia era determinar se houve morte violenta, apesar de os indícios apontarem para um rito funerário dele mesmo. Entretanto, o Estado levou um corpo em decomposição e, após examinar, ‘esquartejar’, testar, devolveu apenas os ossos para serem enterrados. Foi-lhe negado até mesmo o direito de seu último desejo no processo de sua morte. Os utensílios de seu cotidiano, assim como os adornos com os quais faleceu (colar, penas, um pedaço de tecido colocado dentro da rede) e a rede onde se deitou para morrer foram enviados para o Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Por se tratar de uma etnia sem descendentes, não existe um protocolo ou legislação específica de como se deve proceder com relação aos restos mortais e aos ritos funerários.

Figura 16
Altair Algayer apresentando ao grupo o trabalho da Frente de Proteção Etnoambiental.

PORTO ROLIM DO GUAPORÉ

Após nos despedirmos de Altair e de sua equipe seguimos para o distrito de Porto Rolim do Guaporé, onde a população pobre é composta por ribeirinhos, quilombolas, alguns indígenas Guarasu e um grupo de indígenas Wayurú. A tragédia desses grupos étnicos é que eles não têm território reconhecido, sua cultura mudou radicalmente e a língua desapareceu. Parte da área original dos Wayurú tornou-se pastagem em propriedades privadas.

Uma jovem liderança comunitária, Eva Wayurú, descendente de indígenas Wayurú e de quilombolas, organizou uma recepção comunitária memorável com suas comidas tradicionais. Na ceia, havia mandioca cozida, peixe, tartaruga, veado, tatu, javali e anta. Após o jantar, projetamos o filme sobre um lençol pendurado no lado externo de uma casa de madeira, sob a luz das estrelas (Figura 17). O calor humano era tanto e a importância dada pela comunidade foi tal que se tinha a sensação de estar no mais nobre dos palácios. No dia seguinte, fizemos nossa apresentação e a doação do livro para a comunidade (Figura 18), que também foi realizada na escola local, para os não indígenas. No almoço, fomos, novamente, presenteados com um banquete de comidas tradicionais.

Figura 17
Apresentação do filme na comunidade Wayuru, Porto Rolim do Guaporé.
Figura 18
Entrega oficial do livro à comunidade Wayurú, Porto Rolim do Guaporé.

TERRA INDÍGENA RIO MEQUÉNS

A próxima estação foi a TI Rio Mequéns, com o povo a quem chamavam com o mesmo nome, mas que hoje se autodenomina Sakurabiat9. Trata-se de outra nação devastada, que teve seu território desmatado, cuja terra foi homologada apenas em 1996. A língua possui apenas cerca de 15 falantes. Há décadas, os Sakurabiat estão envolvidos no comércio ilegal de madeira e são notórios os diversos problemas causados pelo álcool, pelas drogas e pela violência que fazem parte dessas atividades ilícitas. Há alguns anos, o líder desse povo, Damião, foi morto a tiros em plena luz do dia na rodoviária da cidade de Pimenta Bueno, um claro aviso dos madeireiros que viam a TI como um local estratégico para seus negócios. Ele foi a liderança que conseguiu unir todos os Sakurabiat para que eles mesmos controlassem o comércio da madeira em suas terras. Desde a morte de Damião, os Sakurabiat estão fragmentados, o que os torna vulneráveis a todo tipo de aliciamento. A disputa insólita sobre a madeira é reflexo da falta do fomento a alternativas econômicas para os indígenas, que, após a época da borracha, foram praticamente abandonados à própria sorte, com suas estruturas sociais destruídas. Os assassinatos e as mortes de lideranças indígenas mais velhas têm fragilizado muito a comunidade.

A linguista Vilacy trabalha com a língua Sakurabiat desde 1993 e, devido à sua dedicação e resiliência, é muito respeitada e querida pelo povo. É impressionante o modo como conseguiu fazer o trabalho de campo entre os Sakurabiat em condições tão adversas ao longo dos anos, sem nunca ter desistido.

A apresentação do filme foi feita à noite, na aldeia Baixa Verde. Os Sakurabiat são amplamente descritos por Snethlage, e metade do filme é sobre eles. O material é fascinante, inclui rituais xamânicos, o cabeçabol (uma espécie de jogo similar ao futebol, mas no qual se usa exclusivamente a cabeça, às vezes atingindo-se quase o nível do chão) e a preparação da chicha. Todos assistiram a tudo com muita atenção e, como é de costume nas comunidades indígenas, não se demonstra os sentimentos de modo que os não indígenas compreendam à primeira vista.

Na manhã seguinte, apresentamos o livro. Terminada a nossa apresentação, o cacique Geraldino tomou a palavra. Ele tinha absorvido todas as informações do dia anterior e da manhã, mostrando-se impassível, mas, quando começou a falar, lhe faltaram as palavras e ele começou a chorar. Deitou a cabeça na mesa à sua frente, ficou assim por uns cinco minutos até conseguir se recompor.

Nesse ínterim, Gleice tomou uma lista com os nomes dos antepassados dos Sakurabiat, os que foram registrados por Snethlage, e passou a falar os seus nomes (Figura 19). Após cada nome falado, todos respondiam: ‘presente!’. O que se seguiu foi uma espécie de terapia coletiva, na qual alguns indígenas choraram as suas perdas, desabafaram sobre seus medos e inseguranças. Esse episódio marcante demonstra a importância da obra esquecida de Snethlage para os indígenas que, especialmente ao longo das últimas décadas, foram perseguidos e pisoteados. As informações sobre seus antepassados têm um valor cultural e pessoal inestimável.

Figura 19
Cacique Geraldino chorando, Gleice Mere lendo os nomes de descendentes registrados nos cadernos de campo e, à esquerda, Alhard Snethlage.

PORTO MURTINHO

Após essa visita, seguimos para Porto Murtinho, no rio São Miguel, onde Snethlage conheceu os Wanyam, agora chamados de Miguelenos. Os Miguelenos, como os Wayurú, Puruborá e Kuyubi, não têm TI demarcada, sua cultura original desapareceu e ninguém mais fala a língua (que pertence à família Txapakura).

A partir desse trecho da viagem, o então primeiro secretário de Direitos Humanos da Embaixada da Alemanha no Brasil, Lukas Vengels, passou a integrar a expedição. Quando apresentamos o livro na escola local, várias pessoas ficaram entusiasmadas (Figura 20). Há um processo de estudos para a demarcação de suas terras, o qual, entretanto, está paralisado há anos. A documentação de Snethlage certamente ainda será de grande utilidade para eles.

Figura 20
Recebimento do livro pela comunidade escolar e por descendentes dos povos tradicionais em Porto Murtinho, de localidades visitadas por Emil H. Snethlage.

Antes da nossa partida, alguns membros do público nos levaram para um breve passeio às margens do rio São Miguel, localizado em frente ao povoado. Infelizmente, não houve mais tempo para nada em nosso cronograma apertado.

O REAL FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA

Seguimos para Costa Marques onde, no dia seguinte, visitamos o Real Forte Príncipe da Beira (Figura 21). Essa fortaleza foi construída no século XVIII, com trabalho escravo como baluarte, como uma medida contra os espanhóis vindos do outro lado do rio Guaporé, na Bolívia. A bela fortaleza, em forma de estrela, erguida no meio da selva, é um dos maiores fortes antigos do Brasil. O interior foi demolido pela ação do tempo e está em ruínas, mas as paredes grossas externas e o fosso ainda estão intactos (Figura 22). Assim, seguimos as pegadas de Emil Heinrich em 1934 (Figuras 23 e 24), e de lá, seguimos de barco até a TI Rio Guaporé.

Figura 21
Imagem de satélite do Real Forte Príncipe da Beira.
Figura 22
Estruturas do Real Forte Príncipe da Beira.
Figura 23
Emil Snethlage, 1934, com militares e o capitão Aluísio Ferreira na entrada do Forte.
Figura 24
Os expedicionários do livro em 2022.

TERRA INDÍGENA RIO GUAPORÉ – BAÍA DA COCA E RICARDO FRANCO

Para visitarmos a TI Rio Guaporé, foi preciso alugamos dois barcos, por alguns dias, pois o acesso só é possível por via fluvial (Figura 25). Essa TI tem origem na década de 1930, quando o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) criou um posto para aldear indígenas dos rios Branco, Mequéns, Corumbiara e Pimenta Bueno. O pretexto era tirar os indígenas de suas terras porque estariam em zonas de conflito com os seringueiros. As deportações ocorridas entre 1935 e 1970 fizeram com que diversos povos já contatados mais a leste sofressem uma diáspora. Relatos de indígenas que foram levados para essa região do Guaporé narram os primeiros anos de fome, tendo em vista que não puderam levar suas plantas e sementes e foram deixados na localidade relegados à própria sorte, sem o fornecimento de nenhum tipo de alimentação, nem mesmo para os primeiros meses de estadia. Em última análise, esse afastamento trouxe algumas poucas vantagens. A área é bastante grande e fértil, e algumas línguas, como Aruá, Wayurú, Djeoromitxí e Makuráp, foram preservadas até certo ponto, ao passo que praticamente desapareceram em sua região de origem.

Figura 25
Imagem de satélite de parte da TI Rio Guaporé.

Nessa TI, a expedição visitou três aldeias diferentes e, em todos os lugares, foi calorosamente recebida. A aldeia principal é Ricardo Franco, onde muitas pessoas vivem próximas umas das outras e há muitos problemas sociais. Portanto, alguns grupos étnicos se instalaram em outras partes da TI.

Os Aruá criaram suas aldeias na paradisíaca Baía da Coca (Figura 26). A língua, que é da família Tupi, tem apenas cinco falantes, mas o cacique Odete lembra da época que vivia no Rio Branco; ele preservou diversos traços culturais, como as músicas cantadas e as flautas tradicionais, e tenta estimular os jovens a preservar e a transmitir esse patrimônio cultural. Após nossa exposição do livro (Figura 27), fizeram uma apresentação musical maravilhosa e ofereceram a costumeira chicha (Figura 28). Em uma conversa com o cacique10, Hein lhe fez uma pergunta relativa à tradição de multilinguismo na região de origem: “Além do Português e do Aruá, o senhor fala alguma outra língua?”. Ele respondeu:

Figura 26
Visita à aldeia Baía da Coca, com parte da comunidade Aruá
Figura 27
Gleice Mere lendo trechos dos cadernos de campo para os indígenas durante a apresentação do projeto.
Figura 28
Mulher indígena ao preparar chicha para servir aos visitantes.

Por quê? Eu não tenho língua, não, tá? Eu não tenho idioma, não. Minha mãe é Makuráp, eu falo idioma da minha mãe. Eu falo a língua do meu pai, que é Aruá. Eu entendo a língua da minha mulher, que é Djeoromitxí. Eu entendo um pouco de Tuparí. Falo um pouco de Castelhano, um pouco de Português, e assim vou indo. Eu não tenho idioma nenhum

(Odete Aruá, comunicação pessoal, 12 de julho de 2022).

Voltamos para a aldeia Ricardo Franco onde, no dia seguinte, fomos recebidos com cantos e danças tradicionais (Figura 29), e onde fizemos nossa apresentação do livro e de nós mesmos.

Figura 29
Entrega do livro na escola da aldeia Ricardo Franco para a comunidade local.

MONTE AZUL, BOLÍVIA

Após o término desse evento, alguns membros da expedição decidiram tentar visitar os indígenas Moré, descendentes dos ‘Itoreauhip’, na Bolívia (cuja língua originária faz parte da família Txapakura). Queríamos que eles também tomassem conhecimento do livro e do filme, pois trazem uma extensa documentação a respeito da época do contato pacífico com os não indígenas, que foi estabelecido por Snethlage, em 1934. Hoje, grande parte dos Moré vive em Monte Azul, a cerca de 40 km da margem do rio Guaporé. Os contatos fascinantes feitos por Snethlage não foram benéficos para os indígenas. Quando ele retornou aos Moré, menos de um ano depois, já no final de sua jornada, encontrou esse povo severamente esgotado pelas epidemias e pela exploração dos não indígenas. Em seu livro “Atiko Y”, fez a seguinte reflexão:

. . . A paz com os civilizados não trouxe nenhuma bênção para os Moré e os Itoreauhip. A gripe e, após essa, a pneumonia e a tuberculose ceifaram mais vidas do que as próprias lutas. Na minha estimativa, os grupos mais próximos das margens perderam num só ano cerca de 30% de sua população. Tenho um sentimento amargo de ter sido o mediador. A questão que se coloca é se os resultados científicos obtidos e a segurança do caminho para os ribeirinhos compensam esse opróbio trazido pela civilização. Um pequeno consolo é a certeza de que mais cedo ou mais tarde tais acontecimentos teriam ocorrido, pois em ambos os lados existia a vontade de se chegar a um entendimento. . .

(E. Snethlage, 1937, p. 69).

Quando aportamos na margem boliviana do Guaporé, conseguimos uma carona em uma caminhonete que nos levou até Monte Azul. É uma aldeia agrícola onde as pessoas sobrevivem em meio à escassez. No entanto, elas ficaram muito satisfeitas com a nossa visita e com as informações que levamos (Figura 30).

Figura 30
Visita à aldeia Monte Azul, próxima ao rio Guaporé, lado boliviano.

Infelizmente, só pudemos ficar por algumas horas. A viagem de volta foi menos confortável que a ida. Foram dez pessoas transportadas em um carro de passeio, com três delas alojadas dentro do bagageiro. Chegamos em Ricardo Franco à noite. No trajeto fluvial, vimos a lua cheia nascer vermelha.

TERRA INDÍGENA RIO GUAPORÉ – BAÍA DAS ONÇAS E A DOCUMENTAÇÃO LINGUÍSTICA

No último dia na TI, navegamos até Baía das Onças, onde vive grande parte dos Djeoromitxí e Makuráp. Essa é a região mais remota da TI, localizada no final de uma longa baía, entre as zonas alagadas perenes e as florestas das terras baixas do Guaporé. Há abundância de pássaros, capivaras, jacarés etc., conferindo a aparência de uma natureza intocada pelo ser humano.

Entre 2001 e 2004, Hein esteve diversas vezes na Baía das Onças e morou lá por um período total de quase um ano, a fim de documentar e estudar a língua Arikapú. No Rio Branco, o único falante era o Sr. Mamoa, um pajé idoso quase surdo com quem era muito difícil estabelecer comunicação. Ele faleceu em 2008. A outra falante é dona Nazaré, a animada matriarca da Baía das Onças. Embora ela não pudesse mais contar histórias gramaticalmente coerentes em Arikapú, o linguista conseguiu documentar muito sobre a estrutura das sentenças, sobre a flexão e a derivação, a respeito da fonologia e do léxico. O material não foi suficiente para formular uma gramática descritiva abrangente, mas resultou na documentação de um extenso vocabulário com exemplos de uso.

A pergunta que sempre se ouve dos leigos é: “Para que serve um estudo de uma língua não documentada à beira da extinção?”. A resposta linguística é: a partir de uma documentação, ainda que seja de uma língua morta, é possível fazer-se comparações com outros idiomas. Nesse caso, foi possível comparar o Arikapú com a língua irmã Djeoromitxí, e corroborar a hipótese formulada por Curt Nimuendajú em 1935. O seu palpite era de que as duas línguas teriam parentesco com as línguas da remota família Jê. Essa hipótese foi formulada a partir dos dados da pesquisa de campo realizada por Snethlage, mas nunca foi levada muito a sério pelos pesquisadores da área. Em 2010, os linguistas Eduardo Ribeiro e Hein van der Voort comprovaram que essas duas línguas têm parentesco e formam um ramo – a subfamília Jabutí – da grande família linguística Macro-Jê, falada no centro e no leste do Brasil. Na Figura 31, vemos o mapa revisado da família linguística Macro-Jê; o número 11 é o ramo Jabutí. Com base nessa comparação, também foi possível estimar que as línguas Jabutí têm sido faladas na região do Guaporé há cerca de 1.500 anos. Esse tipo de descoberta é importante para a reconstrução da pré-história do continente. Tais pesquisas também podem ser de importância social e pessoal para a etnia, como veremos mais adiante com os Puruborá.

Figura 31
Mapa criado por Willem Doelman.

Retornar à Baía das Onças foi uma jornada sentimental para Hein. Haviam se passado 18 anos desde que ele esteve lá pela última vez, quer dizer, muito tempo sem ver a sua professora Nazaré (Figura 32). Quando se encontraram, ela segurou a sua mão por um longo tempo. As casas de madeira onde o linguista havia ficado hospedado ainda estavam lá e as pessoas se lembravam dele, exceto os jovens. Alguns indígenas mais idosos faleceram de velhice, outros, infelizmente, também morreram devido a acidentes e a doenças não tratadas.

Figura 32
O linguista Hein ao lado da sua professora Arikapú, Dona Nazaré.

É lamentável que a visita tenha sido tão breve, porque, após a nossa apresentação do livro (Figura 33), tivemos de retornar a Costa Marques antes de escurecer. Na época da seca, o nível baixo das águas do rio Guaporé forma corredeiras perigosas na travessia de barcos no trecho próximo ao porto do Forte Príncipe da Beira, nosso destino.

Figura 33
Exibição do filme histórico de Emil H. Snethlage na aldeia Baía das Onças.

A COMUNIDADE PURUBORÁ

No último dia da nossa expedição, paramos no meio da extensa rodovia estadual RO-429, que liga Costa Marques a Ji-Paraná. Uma pequena comunidade de indígenas Puruborá vive na margem dessa estrada. Esse grupo não tem TI própria, a sua cultura original quase desapareceu e o português é a sua língua materna. Os Puruborá foram mencionados pela primeira vez em 1921, numa carta escrita pelo próprio, então, General Rondon, que já havia delimitado uma área para o grupo em 191911. Existe pouca documentação sobre os Puruborá após esse período e não houve mais nenhuma medida protetiva a esse povo. Em seus cadernos de campo, Snethlage anotou uma lista de palavras de uma mulher Puruborá que ele descreveu como aculturada. Considerados extintos, mais tarde, os Puruborá foram esquecidos até 2001, quando o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) noticiou que esse povo havia reaparecido e que estava à procura de um linguista. Então, Vilacy Galucio, especialista em línguas Tupi, os procurou e descobriu que ainda havia dois falantes (Galucio et al., 2013). Com base na documentação das memórias desses falantes, a linguista conseguiu, ao longo dos anos, desenvolver uma ortografia padronizada, criar um dicionário e iniciar um processo de revitalização da língua (Figura 34). Agora, há um jovem professor indígena Puruborá que trata da língua com paixão, aprendeu a falar, a escrever e ensina as crianças (Figura 35). A revitalização de uma língua dormente, baseada apenas em sua documentação, é algo muito raro.

Figura 34
A linguista Vilacy Galucio apresenta seu trabalho de pesquisa desenvolvido junto à comunidade indígena dos Puruborá.
Figura 35
O professor Mário Puruborá e sua filha recebem um exemplar do livro para compor o acervo da escola da comunidade.

A RELEVÂNCIA DA DOCUMENTAÇÃO DE SNETHLAGE E O FINAL DA EXPEDIÇÃO

O que se vê com frequência no Brasil é que os povos indígenas eram conhecidos pelo governo, principalmente pelo SPI, em alguns casos, há mais de 100 anos. Grupos como os Puruborá, Wayurú, Kwazá, Kanoé, e muitos outros, são mencionados em mapas conhecidos, relatórios, arquivos e publicações. Mas, após o final do Segundo Ciclo da Borracha, as partes mais férteis de seus territórios foram loteadas e vendidas, sob a suposição de que esses povos haviam sido extintos. A luta para reverter esse processo, após tantos anos, é hercúlea. A Funai costuma ser alvo de acusações, sem fundamento, de políticos, latifundiários e pessoas locais, as quais acusam o órgão de ‘inventar índios’ para fomentar reivindicações pela terra. As diferentes instituições governamentais como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Funai trabalham frequentemente uns contra os outros, e não há uma consulta sistemática das fontes históricas, nem mesmo por parte da Funai, especialmente quando essas são escritas em alemão ou em inglês. A tradução, para o português, de uma obra monumental como a de Snethlage, que permaneceu no esquecimento por cerca de oito décadas, é, portanto, de enorme relevância, não apenas para a ciência e a história não contada de Rondônia, mas sobretudo para as comunidades indígenas do vale do rio Guaporé.

Os dois últimos dias da expedição foram marcados pela visita aos Puruborá, por uma avaliação do nosso grupo a respeito do que vivenciamos nessa jornada emocionante e pelo bate-papo on-line (Departamento de História da Universidade de Rondônia Unir PVH, 2022).

Nós nos dispersamos aos poucos. Vilacy ficou com os Puruborá, a fim de dar seguimento ao trabalho linguístico desse grupo. Hein seguiu para o sul do estado, para visitar os Aikanã e Kwazá das terras indígenas São Pedro e Tubarão-Latundê, onde, desde 1995, desenvolve um trabalho de estudo e de documentação das línguas desses povos. Durante essa visita, o linguista lhes apresentou o livro, e os mesmos observaram tudo com muito interesse. A cultura dos Sakurabiat é bastante parecida com a dos Aikanã, e isso fica claro na segunda metade do filme de Snethlage. São exatamente o mesmo tipo de arquitetura de suas casas, adornos corporais, penteados, rituais de saudação, rituais de cura, cabeçabol, entre outros. São traços culturais milenares que desapareceram em apenas 50 anos de contato com os não indígenas.

Em Porto Velho, alguns tentaram encontrar o local onde foi enterrada Emilie Snethlage, tendo em vista que a sepultura original foi removida. Ela foi enterrada no Cemitério dos Inocentes, em uma ala que, à época, era reservada exclusivamente às mulheres. O Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (Figura 36), como de praxe, estava fechado, devido a reformas, que, pelo menos até 2022, sempre têm resultado em um período de abertura, seguido por depredações. Alguns vagões e locomotivas permanecem ao relento, com a vegetação nativa da Amazônia crescendo ao redor e dentro das máquinas (Figura 37). Uma retomada lenta, mas contínua da floresta a um espaço que é seu.

Figura 36
Estação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, Porto Velho, Rondônia.
Figura 37
Locomotivas da ferrovia abandonada nos arredores da cidade.

O ano de 2022 foi marcado por recordes de desmatamento, mais um período nefasto de devastação desenfreada da Amazônia. Um patrimônio natural que, aos olhos de grande parte da sociedade brasileira, representa um ‘impedimento’ ao chamado ‘progresso’. Um pensamento semelhante desvaloriza os saberes milenares indígenas, que é resultado de séculos de observação empírica, mas não é enxergado como um conhecimento profundo e de grande relevância. Ao longo das três semanas de “A expedição do Guaporé”, observamos os cursos de rios nus, bens de consumo, como automóveis, elevados a ícones de cobiça no processo da devastação. Apesar de tudo isso, o nosso grupo multidisciplinar que atravessou o vale do Guaporé, sob a égide dos registros de Snethlage, teve a oportunidade de proporcionar a repatriação de uma fonte documental ímpar a respeito de culturas indígenas desprezadas e oprimidas sem piedade e com violência. A sensação de poder devolver algo a gente historicamente tão maltratada é incomensurável, principalmente em tempos que o movimento contrário a esse tipo de atitude é endossado pela estrutura social na qual vivemos. Um consolo adicional foi saber que poucos meses após o final da expedição, como citado anteriormente, diversas reivindicações solicitadas pelos indígenas, via plataforma digital do MPF, passaram a ser atendidas, inclusive a manutenção de estradas, a apreensão de serrarias ilegais, entre outras.

A valorização da cultura indígena brasileira não é algo demagógico ou supérfluo. Ao contrário, a redução da diversidade cultural, atualmente em curso, propicia um ambiente no qual a gente torna-se cega para outros modos possíveis de vivenciar e de entender o mundo. A cada cultura e língua minoritárias perdidas, avançamos na direção da ditadura da nossa autoimagem, e da nossa inconsciência a esse respeito.

POSFÁCIO

O relato de viagem acima é pessoal e não tem pretensões científicas. Apesar disso, avaliamos que o texto e as imagens incluídas têm valor histórico e científico pelo fato de representarem um aspecto dos empreendimentos de documentação etnolinguística, os quais, frequentemente, permanecem invisíveis e pouco acessíveis. Geralmente são documentados apenas como notas pessoais, ou não se realiza nenhum tipo de registro a respeito dessas vivências, especialmente nos dias de hoje.

Aos que procuram trabalhos científicos acerca da história e da diversidade cultural e linguística da região do sul de Rondônia vale a pena consultar as fontes listadas nas referências deste artigo, especialmente Algayer et al. (2022), van der Voort (2023) e os textos referenciados nesses artigos, como Becker-Donner (1955), Caspar (1953) e Maldi (1991).

Para esboços gerais sobre os povos específicos, pode-se consultar, por exemplo, os verbetes da “Enciclopédia dos povos indígenas no Brasil”, de livre acesso na página web do Instituto Socioambiental (ISA) (Ricardo, s. d.). A cosmologia de vários povos da região é tratada em alguns trabalhos importantes, como os de Mindlin (1993), Mindlin e narradores indígenas (1998 [1997], 1999), Soares-Pinto (2014, 2022, 2023), e Galucio (2006). No site da Biblioteca Digital Curt Nimuendajú (Ribeiro & Nicolai, s. d.), encontram-se inúmeros trabalhos mais antigos das áreas de etnografia e linguística indígena da América do Sul, inclusive “Atiko Y” (E. Snethlage, 1937), além de muitas teses e dissertações inéditas, de livre acesso e em formato PDF. Durante as últimas décadas, têm surgido diversos estudos sobre assuntos de relevância geral, como a questão de línguas ameaçadas de extinção e a documentação etnolinguística, entre os quais os de Evans (2022), Nettle e Romaine (2000), Gippert et al. (2006) e Pérez Báez et al. (2016).

A relevância dos trabalhos de Emil Heinrich Snethlage para disciplinas como etnografia, linguística e história da região do Guaporé é inestimável. Seus trabalhos documentam e analisam as culturas indígenas em uma época que elas estavam sob crescente pressão cultural e econômica ocidental, durante um período no qual a região foi raramente frequentada por pesquisadores. Sem esses registros teríamos muito menos conhecimento a respeito das raízes culturais e históricas de diversos povos indígenas. O trabalho de campo de Snethlage, que visitou 13 povos durante cerca um ano, difere fundamentalmente do de outro grande etnógrafo à época, Franz Caspar, que 15 anos mais tarde permaneceu por dois períodos prolongados na região, os quais resultaram em aproximadamente um ano de estadia com somente um desses povos, os Tuparí. Em sua obra principal, bastante conhecida, uma etnografia clássica do povo Tuparí, Caspar (1975) cita extensamente publicações de Snethlage, assim como seus cadernos de campo, aos quais teve acesso e dedicou a publicação a ele como uma forma de homenageá-lo.

O presente texto fala de ‘repatriação’ não no significado de devolver objetos da cultura material, anteriormente obtidos dos povos indígenas, mas na acepção de disponibilização de uma documentação etnolinguística previamente inacessível devido ao idioma (alemão), da grande distância geográfica (Alemanha), da distância temporal (1934) e da forma (manuscrito). Para a repatriação, nesse sentido, foi necessário primeiro descobrir a existência e a localização desse patrimônio, transcrevê-lo, traduzi-lo para o português, sistematizar as informações de diferentes fontes (manuscritos, artigos publicados, gravações sonoras, filme), publicar o conjunto da obra e realizar a doação do resultado final para os povos indígenas descritos pelo pesquisador. A disponibilização de documentos históricos é uma das responsabilidades éticas e morais dos acadêmicos, assim como de outros profissionais que têm acesso a esse tipo de patrimônio e que se engajam em prol dos povos indígenas. Para quem participou desse processo, foi um privilégio ter essa oportunidade ímpar.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos povos indígenas do vale do Guaporé, por terem nos recebido com tanta hospitalidade e entusiasmo. Também agradecemos aos integrantes da expedição, por terem cumprido cada um o seu papel, em grande harmonia. Especialmente, à videoartista Marta Nascimento, pelo seu trabalho incansável de documentação fílmica, que dará voz aos indígenas visitados por nossa expedição, para que tenhamos a oportunidade de conhecer os seus relatos, suas impressões e a visão de mundo da história do vale do Guaporé. Agradecemos à Funai, à pela autorização que nos permitiu ingressar em todas as terras indígenas visitadas e especialmente à Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, pelo apoio e acolhimento. Finalmente, agradecemos aos dois pareceristas anônimos, pelos comentários valiosos, e à equipe editorial do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi.

  • 1
    Em outubro 2022, a obra obteve menção honrosa nas categorias projeto gráfico e tradução do 8º Prêmio Abeu, promovido pela Associação Brasileira das Editoras Universitárias.
  • 2
    A palavra Huari vem da língua do povo Guarasugwé, da Bolívia, onde wári- significa ‘índio’ (Ramirez et al., 2017, p. 5). No trabalho de Snethlage, os Aikanã também são conhecidos pelo nome pessoal Massaka.
  • 3
    O sistema de barracão, também conhecido como ‘aviamento’ (Mezacasa, 2021; Meira, 2018), era uma modalidade de pagamento empregada na Amazônia, principalmente em comunidades pequenas e isoladas. Em geral, eram pequenos produtores autônomos, trabalhadores independentes ou indígenas que recebiam o pagamento em mercadorias, cuja contabilidade era feita em cadernetas administradas em um único ‘barracão’ pertencente a um seringalista. Durante o Ciclo da Borracha, o sistema foi muito utilizado. Era a forma empregada para se manter seringueiros endividados e indígenas escravizados.
  • 4
    Rotger Snethlage e sua esposa Anne-Elisabeth participaram do “50º Congreso Internacional de Americanistas”, em Varsóvia, de 10-14 de julho de 2000, a convite da Hélène B. Brijnen e Willem Adelaar, linguistas das universidades de Groningen e Leiden (R. Snethlage, 2002).
  • 5
    Nessa visita, Gleice Mere apresentou aos povos da TI Rio Branco o livro popular-científico de Franz Caspar, “Tupari (Entre os índios nas florestas brasileiras)” (Caspar, 1958). Alguns indígenas Tupari se reconheceram nas fotografias da obra. Ao retornar à Alemanha, ela procurou a família do pesquisador suíço, que relatou sobre o acervo não publicado de Emil Heinrich Snethlage. Então, a viúva de Franz Caspar a colocou em contato com a linguista holandesa Hélène B. Brijnen, que à época trabalhava na digitalização do arquivo de informações linguísticas coletadas por Caspar. A linguista lhe passou o contato de Rotger Snethlage.
  • 6
    A partir de 1 de janeiro de 2023, a então Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas, mas o uso da mesma sigla permaneceu.
  • 7
    Atualmente, Marta trabalha na edição de um documentário sobre os povos do Guaporé e a expedição.
  • 8
    Sobre os isolados do Massaco, ver o trabalho da antropóloga Amanda Villa (2022).
  • 9
    Citado por Snethlage sob os nomes de clã: Amniapé/Mampiapé e Guaratégaya.
  • 10
    Gravada por Vilacy.
  • 11
    Ver o artigo de Galucio (2005).
  • Voort, H. van der, & Mere, G. (2025). A ‘Expedição do Guaporé 2022’: repatriação de um patrimônio indígena preterido. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 20(1), e20230022, doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0022.
  • Ao Cacique Geraldinho (in memoriam), liderança nata do povo Sakurabiat.
  • DADOS DA PESQUISA
    Os dados não foram depositados em repositório.
  • PREPRINT
    Não foi publicado em repositório.
  • AVALIAÇÃO POR PARES
    Avaliação duplo-cega, fechada.

REFERÊNCIAS

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Editado por

  • Responsabilidade editorial
    Jimena Felipe Beltrão

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2023
  • Aceito
    18 Jun 2024
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