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Aspectos da modalidade epistêmica em Tapirapé

Aspects of epistemic modality in Tapirapé

Resumos

Neste artigo, descrevem-se alguns recursos utilizados pelos falantes do Tapirapé, uma língua da família Tupí-Guarani, para codificarem fonte e confiabilidade da informação. Sabe-se que todas as línguas possuem algum mecanismo para expressar a fonte de informação, embora nem todas apresentem a evidencialidade como uma categoria gramatical. Diferentemente do Português e de outras línguas que empregam significados lexicais para discriminar fonte da informação, verifica-se que no Tapirapé a modalidade epistêmica é expressa por meio de partículas que ocupam a segunda posição na sentença, e que também podem expressar tempo. Apesar de o tempo não ser uma categoria básica nessa língua, e de não haver morfemas de tempo afixados ao verbo, observa-se que a indicação temporal é imbricada à modalidade e decorrente desta. Diferentes partículas que transmitem o mesmo posicionamento do falante em relação ao conteúdo informacional proferido assinalam diversos tipos de tempo. Os dados aqui apresentados, em sua grande maioria, foram obtidos em situação real de fala e coletados nas áreas indígenas Tapirapé/Karajá e Urubu Branco, entre os anos de 2002 e 2007.

Tapirapé; Tupí-Guarani; Partículas; Modalidade epistêmica; Tempo


This paper describes some of the resources used by speakers of Tapirapé, a language of the Tupi-Guarani family, to encode source and reliability of information. It is known that all languages possess some way to express the source of information, although not all of them express evidentiality as a grammatical category. Unlike Portuguese and other languages which employ lexical meaning to discriminate the source of information, it is evident that in Tapirapé the epistemic modality is expressed by means of particles which occupy the second slot in the sentence, and which may also express tense. In spite of the fact that tense is not a basic category in this language, and that there are no tense morphemes affixed to the verb, the expression of tense is intertwined with, and stems from, modality. Different particles which express the same stance of the speaker with regard to the uttered informational content express different types of tense. Most of the data presented here were obtained in real speech situations and collected in the Tapirapé/Karajá and Urubu Branco indigenous areas between 2002 and 2007.

Tapirapé; Tupi-Guarani; Particles; Epistemic modality; Tense


DOSSIÊ LÍNGUAS INDÍGENAS

Aspectos da modalidade epistêmica em Tapirapé

Aspects of epistemic modality in Tapirapé

Walkíria Neiva Praça

Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Walkíria Neiva Praça. QNE 10 casa 29. Taguatinga. Brasília, DF, Brasil. CEP 72125-100 ( walkiria@unb.br).

RESUMO

Neste artigo, descrevem-se alguns recursos utilizados pelos falantes do Tapirapé, uma língua da família Tupí-Guarani, para codificarem fonte e confiabilidade da informação. Sabe-se que todas as línguas possuem algum mecanismo para expressar a fonte de informação, embora nem todas apresentem a evidencialidade como uma categoria gramatical. Diferentemente do Português e de outras línguas que empregam significados lexicais para discriminar fonte da informação, verifica-se que no Tapirapé a modalidade epistêmica é expressa por meio de partículas que ocupam a segunda posição na sentença, e que também podem expressar tempo. Apesar de o tempo não ser uma categoria básica nessa língua, e de não haver morfemas de tempo afixados ao verbo, observa-se que a indicação temporal é imbricada à modalidade e decorrente desta. Diferentes partículas que transmitem o mesmo posicionamento do falante em relação ao conteúdo informacional proferido assinalam diversos tipos de tempo. Os dados aqui apresentados, em sua grande maioria, foram obtidos em situação real de fala e coletados nas áreas indígenas Tapirapé/Karajá e Urubu Branco, entre os anos de 2002 e 2007.

Palavras-chave: Tapirapé. Tupí-Guarani. Partículas. Modalidade epistêmica. Tempo.

ABSTRACT

This paper describes some of the resources used by speakers of Tapirapé, a language of the Tupi-Guarani family, to encode source and reliability of information. It is known that all languages possess some way to express the source of information, although not all of them express evidentiality as a grammatical category. Unlike Portuguese and other languages which employ lexical meaning to discriminate the source of information, it is evident that in Tapirapé the epistemic modality is expressed by means of particles which occupy the second slot in the sentence, and which may also express tense. In spite of the fact that tense is not a basic category in this language, and that there are no tense morphemes affixed to the verb, the expression of tense is intertwined with, and stems from, modality. Different particles which express the same stance of the speaker with regard to the uttered informational content express different types of tense. Most of the data presented here were obtained in real speech situations and collected in the Tapirapé/Karajá and Urubu Branco indigenous areas between 2002 and 2007.

Keywords: Tapirapé. Tupi-Guarani. Particles. Epistemic modality. Tense.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo analisar o funcionamento de um conjunto de partículas que exprime fonte e confiabilidade da informação, mas que também pode expressar valor temporal em Tapirapé. Pelo que já se conhece dessa língua, a categoria de tempo não é marcada no verbo nem há morfemas específicos que a expressem. A indicação do tempo é secundária em relação ao posicionamento do falante ante o conteúdo informacional a ser proferido. Sintaticamente, a maioria daquelas partículas ocupa a segunda posição da oração, independentemente de o primeiro constituinte ser sintagma nominal, sintagma verbal, conectivos discursivos ou expressão adverbial, onde estão incluídos sintagmas pós-posicionais, adverbiais e orações subordinadas. Algumas das partículas podem coocorrer em grupos de até três elementos, os quais são hierarquizados entre si. Na ausência de constituintes intermediários, as partículas de segunda posição precedem as partículas finais, formando uma sequência maior, isto é, de três partículas ou mais.

As partículas constituem uma grande classe heterogênea, abrangendo marcas de aspecto, ênfase, foco, fonte da informação (evidencialidade), confiabilidade da informação1 1 Chafe (1986, p. 262) utiliza o termo evidencialidade em um sentido amplo, englobando os conceitos de fonte da informação e confiabilidade da informação. (modalidade epistêmica), distinção de sexo, interjeição e várias outras funções. Formam uma classe fechada de elementos que não se flexionam e não ocorrem como predicados. Assemelham-se aos clíticos por não ocorrerem isoladamente como enunciados. Entretanto, ao contrário desses, não possuem hospedeiro.

De acordo com Leite (1990), o Tapirapé é uma língua de estrutura ativa, ou seja, apresenta duas classes de verbos intransitivos. Uma classe em que o sujeito do verbo intransitivo flexiona-se com o mesmo paradigma de pessoa que marca o sujeito do verbo transitivo, a saber, a Série I2 2 Os prefixos pessoais da Série I ( ã- '1sg', xi- '1incl', ara- '1excl', ere- '2sg', a- '3') ocorrem exclusivamente em verbos processuais em orações independentes. , enquanto que a outra classe de verbos recebe o paradigma que marca o objeto dos transitivos, a Série II3 3 Os marcadores de pessoa da Série II são clíticos, exceto a terceira pessoa, que é prefixo ( xe '1sg', xane '1incl', are '1excl', ne '2sg', i- ~ø- ~t- ~h- '3'), compatíveis com os temas nominais, verbais e posposicionais. . Agrupa verbos transitivos e intransitivos ativos e diferencia os intransitivos ativos dos descritivos. Por sua vez, os prefixos da Série I e os clíticos ocupam posição fixa no sintagma predicativo, enquanto que a ordem dos sintagmas nominais é livre. Verificam seis ordens sintáticas, sendo que as estruturas oracionais transitivas Sujeito-Verbo-Objeto (SVO) e Objeto-Verbo-Sujeito (OVS) são as mais frequentes na fala cotidiana. Entretanto, pode-se encontrar estruturas como Sujeito-Objeto-Verbo (SOV), Objeto-Sujeito-Verbo (OSV), Verbo-Sujeito-Objeto (VSO) e Verbo-Objeto-Sujeito (VOS).

A língua Tapirapé, classificada por Lemle (1971), Rodrigues (1984-1985) e Rodrigues e Cabral (2002) como pertencente ao subconjunto IV da família Tupí-Guarani, é falada por aproximadamente 800 pessoas. Segundo Paula (2012), a maioria da população adulta é falante de língua Tapirapé como primeira língua, e falante também de Português como segunda língua. As crianças, por volta de cinco anos de idade, podem ser consideradas como monolíngues em Tapirapé. Contudo, uma parcela dos Tapirapé, fruto de casamentos interétnicos com os Karajá4 4 O Karajá pertence ao tronco linguístico Macro-Jê. Os Tapirapé compartilham com o povo Karajá a área indígena Tapirapé/Karajá. Cabe ressaltar que a língua Karajá tem estrutura bastante diferente do Tapirapé. , é trilíngue e fala Tapirapé, Karajá e Português.

Atualmente, os Tapirapé vivem em duas áreas indígenas no nordeste do Mato Grosso: Terra Indígena Tapirapé/Karajá e Terra Indígena Urubu Branco, tendo sido esta última reconquistada recentemente. Com a reconquista de suas terras originais, quase a totalidade dos Tapirapé migrou da área indígena Tapirapé/Karajá, localizada próximo às margens do rio Tapirapé, para Urubu Branco. Enquanto na área indígena Tapirapé/Karajá há apenas uma aldeia Tapirapé, denominada Majtyritãwa, na área Urubu Branco estão assentadas seis aldeias, a saber: Tapi'itãwa, Tapiparanytãwa, Towajaatãwa, Wiriaotãwa, Myryxitãwa e Akara'ytãwa.

Apesar de terem sido praticamente dizimados no final da década de 1940, restando apenas 47 pessoas, segundo a Irmãzinha de Jesus Genoveva5 5 Missionária católica, membro da Congregação Irmãzinhas de Jesus, que vive com os Tapirapé e os ajuda desde 1952. (em comunicação pessoal) e Wagley (1988), os Tapirapé, que atualmente se autodenominam Ãpyãwa, lutam com a mesma bravura para preservar seu povo, sua cultura e sua língua. Pelejam diariamente para defender suas terras, as quais são frequentemente invadidas por posseiros, e, sobretudo, para se manter como uma unidade sociocultural distinta. Associam a língua Tapirapé ao próprio sangue e consideram-na elemento vital para a sobrevivência do seu povo.

No tópico seguinte, descreveremos a modalidade epistêmica e sua correlação com o tempo, abordando a expressão da fonte de informação e tempo, outros tipos de fonte de informação, a ocorrência da confiabilidade da informação e a indicação de tempo.

MODALIDADE EPISTÊMICA E A CORRELAÇÃO COM O TEMPO

Em geral, o tempo é definido como sendo uma categoria gramatical ligada ao verbo. Apesar de o tempo não ser marcado por morfemas nos verbos em Tapirapé, a noção de temporalidade é assinalada por expressões adverbiais, tais como ãxe'i 'ontem', karẽ 'hoje', ãxeiwe 'amanhã', entre outras, e por partículas que exprimem primeiramente modalidade. O tempo em Tapirapé é uma categoria dêitica e é dependente do comprometimento do falante em relação ao que é dito.

Podem-se distinguir em Tapirapé dois espaços de tempo, a saber, o passado e o não passado. A dêixis temporal focaliza o espaço temporal do passado utilizando partículas, expressões que designam tempo e o diferenciam em matizes de passado, como passado recente, médio e remoto. A ausência, em um enunciado, de partículas modalizadoras ou de expressões temporais indica que o evento/estado ocorreu em um espaço temporal muito próximo ao momento da enunciação e, por isso, não se necessita de referência. Pode-se dizer que o evento/estado descrito pela predicação se estende até o presente atual, ou seja, o momento da enunciação. Por sua vez, o não passado engloba o presente e o futuro. Contudo, o espaço temporal do presente inexiste6 6 Um evento/estado que ocorre no momento atual da fala é expresso pelo aspecto progressivo, como ilustrado no exemplo abaixo: no momento em que se fala e parece ser apenas uma tênue linha divisória entre o passado e o futuro.

De acordo com Bybee et al. (1994, p. 179), a modalidade epistêmica "indica o grau em que o falante está comprometido com a verdade da proposição". Por sua vez, no âmbito deste trabalho, a modalização não é detalhada e descreve-se apenas o funcionamento de um conjunto de partículas modalizadoras que exprime diferentes tempos, fonte e confiabilidade da informação, e subjetividade do falante diante do conteúdo informacional.

A EXPRESSÃO DA FONTE DE INFORMAÇÃO E TEMPO

A fonte de informação em Tapirapé é expressa por um conjunto complexo de partículas, que exprime o mesmo posicionamento do falante perante o conteúdo informacional e, concomitantemente, pode situar o que está sendo dito no tempo. Ou seja, localiza eventos temporais em relação cronológica posterior ao momento da fala, situando o evento em um tempo passado. Sendo assim, o tempo desempenha um papel de pano de fundo na modalização. Os tempos indicados por essas partículas são o passado recente, o médio e o remoto atestados e o passado médio e o remoto não atestados.

A partícula rãka é muito produtiva nas interações diárias, indicando a fonte da informação. Demonstra que o conteúdo da informação está sendo transmitido pela primeira vez e em 'primeira mão'7 7 Provavelmente corresponde às seguintes expressões do Português: 'deixa eu te contar...' ou 'sabia que...'. , e que foi atestado pelo falante, isto é, foi adquirido por via direta, pela própria experiência. É também associado a esta partícula um valor temporal de 'passado recente'. Em virtude de seu valor semântico, não é usada em narrativas míticas nem em sentenças interrogativas. Em sentenças afirmativas, só é usada com participantes de primeira (1) ou de terceira pessoa (2).

(1)

are-ø

rãka

ara-xokã

xãwãroo-ø

koxy-wer-a

t-yro-paej-aramõ

1excl-refer

pas.rec

1excl.I-matar

onça-refer

mulher-grup-refer

3.II-roupa-lavar-sub

'nós matamos a onça enquanto as mulheres lavavam a roupa'

(2)

ãxe'i

rãka

i-te'omar-i

wetepe

ontem

pas.rec

3.II-trabalhar-i2

muito

'ontem ele trabalhou muito'

Em geral, a ocorrência da partícula rãka não é produtiva com partículas de confiabilidade da informação, tais como tanã 'certificação' ou rõ'õ 'conteúdo informado não assumido pelo falante'. Entretanto, em casos esporádicos, verifica-se sua coocorrência com essas duas partículas. A partícula tanã demonstra que o teor informado é altamente confiável e que o falante responsabiliza-se pelo conteúdo da informação. Em coocorrência com rãka, ambas indicam que o evento ou estado foi atestado pelo falante, em um passado recente, e que o conteúdo da informação é altamente confiável.

(3)

ekwe

xyre-ø

tanã

rãka

i-yj-ø

'ot-a

d.e

rapaz-refer

cert

pas.rec

3.I-correr-i2

3.vir-ger

'aqui os rapazes correm'

(lit: 'aqui os rapazes, com certeza, correram vindo')

Por outro lado, rõ'õ expressa que o conteúdo da informação não é assumido pelo falante, o qual se exime de qualquer vínculo com o que foi dito. Neste caso, o falante atesta que a informação que está sendo transmitida foi adquirida por via direta, entretanto não assume o conteúdo da informação, desvinculando-se completamente do teor informado.

(4)

a-a

rãka

rõ'õ

3.I-ir

pas.rec

n.ass

'eles foram'8 8 A coocorrência dessas partículas pode ser traduzida para o português como: 'eu vi... mas não sei de nada'.

Ademais, verifica-se a coocorrência de rãka com a partícula panẽ 'frustrativo', sendo que esta sempre antecede aquela.

(5)

ã-xoka-matãr

panẽ

rãka

maj-a

i-re-ka-wo

ã'ẽ

rãka

n=a-manõ-j

1sg.I-matar-des

frust

pas.rec

cobra-refer

3.II-cc-estar-ger

cd

pas.rec

não=3.I-matar-neg

'eu quis matar a cobra, mas ela não morreu'

A partícula kwee explicita uma interação com o ouvinte, indicando que o estado/evento foi atestado pelo falante e, desse modo, está sendo transmitido pela primeira vez ao ouvinte. Além de ser uma partícula de fonte da informação, implica um valor temporal 'passado médio', como demonstram os exemplos (6) e (7).

(6)

kwãxi-ø

r-ewiri

kwee

i-hyj-ø

a-a-wo

quati-refer

r-pos

pas.med

3.II-correr-i2

3.III-ir-ger

'ele correu atrás do quati'

(lit: atrás do quati correu, indo)

(7)

ie-e'ym-a

kwee

ã-tym

'ãwãxi-ø

ka-pe

1sg-neg-refer

pas.med

1sg.I-plantar

milho-refer

roça-loc

'não foi eu quem plantou milho na roça'

À semelhança da partícula rãka, kwee não é utilizada em sentenças afirmativas com participantes de segunda pessoa e nem em sentenças interrogativas. Também não é aceita nas narrativas míticas, sendo que se verifica a sua ocorrência apenas com a partícula panẽ 'frustrativo':

(8)

a-xe-mim

kwee

panẽ

xe=ø-wi

3.I-ref-esconder

pas.med

frust

1sg.II=r-pos

'ele se escondeu de mim'

Karãe (karamee ~ karãe) é uma partícula que, de modo similar a rãka e kwee, indica fonte da informação. Especifica atestação do evento/estado por parte do falante, ou seja, que a informação transmitida foi obtida por meio da própria experiência. Atribui-se a esta partícula também uma ideia de 'passado remoto', conforme exemplos (9) e (10).

(9)

ã'ẽ

karamee

t-amoj-a

amõ-ø

a-xokã

axepe

cd

pas.rem

3-avô-refer

ind-refer

3.I-matar

um

'então o avô dele matou um (Kayapó)'

(10)

i-yãr-aramõ

karãe

ara-a

mãir-a

ø-tãj-pe

3.II-canoa-s.p.n.at

pas.rem

1excl.I-ir

não.índio-refer

r-aldeia-loc

'quando ele tinha canoa, nós fomos à cidade'

Foi verificada a coocorrência da partícula karãe apenas com as partículas 'aspecto habitual' (11) e ranõ 'aspecto iterativo' (12).

(11)

ka

karãe

xaryj-a

i-ãpa-ø

ini-ø

d.e

pas.rem

hab

avó-refer

3.II-fazer-i2

rede-refer

'lá que minha avó sempre fazia rede'

(12)

epe

karãe

i-waem-i

a-a-wo

kãrãxã-o-ø

ranõ

d.e

pas.rem

3.II-chegar-i2

3.III-ir-ger

karajá-int-refer

iter

'lá chegaram (indo) os Kayapó (Karajá grande) de novo'

A partícula karãe, assim como as partículas rãka e kwee, não ocorre em sentenças afirmativas com participantes de segunda pessoa, tampouco em sentenças interrogativas, independentemente da pessoa dos participantes. Essas três partículas formam um grupo que indica o mesmo tipo de evidência, isto é, que o evento/estado foi presenciado e pode ser atestado pelo falante. A diferença entre elas reside no valor temporal que expressam.

A partícula rãkwee expressa 'passado médio', porém a sua função básica é assinalar o tipo de fonte da informação. Indica que o falante não presenciou o evento/estado que está sendo narrado, antes, tomou conhecimento do mesmo indiretamente, ou seja, porque alguém lhe contou.

(13)

tã!

xe=r-mõj-a

rãkwee

a-ka

kapitãw-aramõ

sim!

1sg.II=r-avô-refer

p.med.n.a

3.I-estar

cacique-s.p.n.at

'meu avô foi cacique'

(lit: 'meu avô esteve como cacique')

Ocorre com frequência em sentenças interrogativas:

(14)

mỹ=gã-ø

tã'ẽ

rãkwee

a-ãpa

ind=sg-refer

inter

p.med.n.a

3.I-fazer

'quem fez?'

E em sentenças com participantes de segunda pessoa:

(15)

ã'ẽ

rãkwee

pe-akome'o

oito

marageta-ø

ramiro-ø

ø-we

cd

p.med.n.a

2pl.I-contar

oito

estória-refer

ramiro-refer

r-pos

'e vocês contaram oito estórias ao Ramiro'

Rãkã'ẽ é uma partícula de fonte da informação que expressa a não atestação do evento/estado pelo falante e indica tempo 'passado remoto'.

(16)

marewariri-ø

rãkã'ẽ

a-ãpa

tamãkorã-ø

marewariri-refer

p.rem.n.a

3.I-fazer

tamãkorã-refer

'Marewariri fez o tamãkora'9 9 Texto mítico sobre a origem do tamãkora.

É muito recorrente nos textos míticos e coocorre, geralmente, com a partícula rõ'õ, que a antecede:

(17)

ã'ẽ

rõ'õ

rãkã'ẽ

xãkowi-ø=agỹ-ø

a-ka

mokoj

xe

cd

n.ass

p.rem.n.a

xãkowi-refer=pl-refer

3-estar

dois

rest

'Xãkowi está só com dois (companheiros)'

Além disso, verifica-se sua coocorrência também com as partículas panẽ (18) e (19), sendo que ambas ocorrem pospostas a rãkã'ẽ.

(18)

pãxe-wer-a=gỹ-ø

rãkã'ẽ

panẽ

a-kome'o

i-xope

i-ma-na-wo

i-re-ka-wo

pajé-grup-refer=pl-refer

p.rem.n.a

frust

3.I-contar

3.II-pos

3.II-caus-ir-ger

3.II-cc-estar-ger

'os pajés (e os espíritos) contaram para ela, fazendo-a ir em vão'

(lit: 'os pajés (e os espíritos) contaram para ir, fazendo-a ir estando com ela em vão')

(19)

wetepe

rõ'õ

rãkã'ẽ

xane=ø-ypy-ø=gỹ-ø

i-ãpa

ãxyg-a

t-aryj-pe

muito

n.ass

p.rem.n.a

hab

1incl=r-primeiro-refer=pl-refer

3.II-fazer

espíritos-refer

3.II-alegria-loc

'os nossos antepassados faziam muitos espíritos em suas festas'

OUTROS TIPOS DE FONTE DA INFORMAÇÃO

Nesta seção, é discutido o funcionamento das partículas que expressam outros tipos de fonte da informação e que não vinculam temporalidade ao enunciado, a saber: conteúdo inferido, conteúdo informacional compartilhado e evocação da memória partilhada pelos interlocutores.

Pa é uma partícula de fonte da informação que indica que o conteúdo informado é oriundo de uma inferência. A inferência pode ser decorrente de uma evidência sensorial, tal como algo ouvido (20), baseada na observação (21) ou de notícia anônima que corre publicamente sem confirmação (22).

(20)

marare-ø

pa

'ã-wo

a-ka

vaca-refer

infer

d.e-loc

3.I-estar

'as vacas estão por aqui' (ouvindo o mugir do gado)

(21)

'y-me

pa

i-tyn-i

we

tãtã-ø

d.e-loc

inter

infer

3.II-sentar-i2

perf

banana-refer

'lá, ainda tem banana?'

(22)

marama'eãr-a

pa

a-a

xema'eãj-pe

professor-refer

infer

3.I-ir

escola-loc

'as professoras foram à escola'

Quando há a coocorrência da partícula pa com as partículas rõ'õ 'conteúdo informado não assumido pelo falante' e ke 'dubitativo', estas últimas sempre a antecedem, como demonstra o exemplo (23). Observa-se, neste caso, que o falante tem dúvidas em relação ao que está sendo inferido, além de eximir-se da responsabilidade do conteúdo informado.

(23)

bexi-ø

rõ'õ

ke

pa

a-xãok

a-ka-wo

bete-refer

n.ass

dub

infer

3.I-banhar

3.III-estar-ger

'pode ser a Bete que está banhando' (ouvindo o barulho do chuveiro)

A partícula ãkaj 'conteúdo informacional compartilhado' indica que esse conteúdo é de conhecimento pessoal tanto do falante quanto do seu interlocutor (24). Em geral, é utilizada para relembrar acontecimentos, os quais servem de base para que o locutor descreva, opine ou expresse a causa ou a consequência de determinando evento/estado, como em (25).

(24)

ie-ø

ãkaj

ã-xar

we-xe-we

xe'eg-aramõ

1sg-refer

c.i.com

1sg.-vir

3.III-ref-pos

chamar-sub

'eu vim quando você me chamou'

(25)

a-kyr-ete

ãkaj

ypyton-imo

rã'ẽ

maryn

ka-ø

ponte-ø

i-ar-i

rã'ẽ

3.I-chover-intns

c.i.com

noite-loc

pas

por.isso

d.e-refer

ponte-refer

3.II-cair-I2

pas

'choveu muito (em grande quantidade) à noite. Por isso, aquela ponte caiu'

Em sentenças interrogativas, ãkaj é usada como pedido de informação que já foi previamente compartilhada:

(26)

wãkiri

ma'e

ãkaj

ne=ø-men-a

r-er-a

Walkíria

ind

inter

c.i.com

2sg.II=r-marido-refer

r-nome-refer

'Walkíria, qual é mesmo o nome do seu marido?'

Ademais, ãkaj não enleia tempo, apesar de denotar anterioridade do ocorrido ao momento da enunciação. Por isso, com frequência, observa-se sua coocorrência com a partícula rã'ẽ 'passado', como demonstra o exemplo (25).

A partícula de fonte da informação kwãkaj 'evocação da memória partilhada pelos interlocutores', à semelhança de ãkaj, também exprime que o conteúdo da informação é de conhecimento mútuo dos interlocutores. Entretanto, expressa um tempo passado pormenorizado no momento em que o falante convoca o ouvinte a relembrarem, juntos, determinados episódios vivenciados de maneira direta ou indireta por eles, como demonstram os exemplos (27) e (28). O uso dessa partícula elimina da sentença qualquer elemento que situe o enunciado em um tempo passado especificado, como, por exemplo, a partícula rã'ẽ 'passado' ou qualquer elemento adverbial como ãxe'i 'ontem'. Essa partícula corresponde às seguintes expressões do Português: 'se lembra' ou 'sabe aquele dia'.

(27)

ane-ø

kwãkaj

xe=ø-momok

xepe

e'i

ro'o

i-xope

2sg-refer

evoc.m

1sg.II=r-molhar

2sg→1sg

3.dizer

n.ass

3.II-pos

'você me furou, ele disse a ele'

(28)

ymỹ

kwãkaj

ã-re-ka

wex-yj-a

kwãr-ipe

karẽ

antigamente

evoc.m

1sg.I-cc-estar

1sg.III-dente-refer

sol-loc

agora

xe=ø-wãjwi

maryn

xe=r-yj-a

i-ko-koj

1sg.II=r-ser.velha

por.isso

1sg=r-dente-refer

3.II-cair-redup

'antigamente eu tinha meus dentes. Daqui para frente eu estou velha, por isso meus dentes estão caindo'

Em sentenças interrogativas, kwãkaj ocorre somente com participantes de terceira pessoa, mais precisamente com o demonstrativo anafórico ãkaj 'aquilo/aquele/aquela, determinado e não visível'. Neste caso, o interlocutor deseja recuperar uma informação ou detalhá-la no discurso:

(29)

ãkaj

kwãkaj

tã'ẽ

dem

evoc.m

inter

'aquela como é mesmo?'

A OCORRÊNCIA DA CONFIABILIDADE DA INFORMAÇÃO

As partículas que indicam confiabilidade da informação são ekwe 'futuro iminente', rõ'õ 'conteúdo informado não assumido pelo falante', tanã 'certificação' e ke 'dubitativo'.

Ekwe é uma partícula de modalidade epistêmica, que também expressa tempo, 'futuro iminente'. De uso frequente nas interações diárias, indica que o falante tem um elevado grau de certeza quanto ao evento/estado projetado em relação ao presente está em via de efetivação imediata, conforme demonstram os exemplos (30) e (31).

(30)

a-ka

ekwe

pe-wo

ka-pe

3.I-estar

f.imi

d.e-loc

roça-loc

'ele ficará lá na roça'

(31)

ie-ø

ekwe

ã-ã

ã'ẽ

n=a-xewyr-i

'ot-a

1sg-refer

f.imi

1sg.I-ir

cd

não=3.I-voltar-neg

3.vir-ger

'eu irei e ele não voltará'

Em sentenças com participantes de segunda pessoa, ekwe ocorre somente nas interrogativas:

(32)

ma'e-ø

ekwe

ere-maãpyk

ind-refer

inter

f.imi

2sg.I-cozinhar

'o que você vai cozinhar?'

Rõ'õ é uma partícula de confiabilidade da informação muito produtiva nas interações diárias, bem como nos textos míticos10 10 Paula (2012, p. 156) apresenta uma análise que pode corroborar a interpretação ainda incipiente do funcionamento da partícula rõ'õ. Segundo a autora, "a partícula rõ'õ remete deiticamente à pessoa do enunciador, o que, para Benveniste, não seria possível numa narrativa histórica". . Expressa que o conteúdo da informação não é assumido pelo falante e o exonera de qualquer responsabilidade sobre o que foi dito, como ilustram os exemplos (33) e (34).

(33)

xãwãr-e'ym-a

rõ'õ

a-o'o

konomĩ-ø

cachorro-neg-refer

n.ass

3.I-morder

menino-refer

'parece que não foi o cachorro que mordeu o menino'

(34)

ãxeiwe

rõ'õ

ke

ere-ka

ex-ewete-wo

ranõ

amanhã

n.ass

dub

2sg.I-estar

2sg.III-ser.forte-ger

iter

'amanhã você poderá estar forte de novo'

O uso dessa partícula com participantes de segunda pessoa, em sentenças afirmativas, é muito restrito. Observa-se, neste caso, que ela só é usada em sentenças que denotam futuro, como vemos em (34).

A partícula rõ'õ parece ter primazia sobre as outras partículas de segunda posição e geralmente precede-as, como se vê nos exemplos (17), (19) e (23). Ao que parece, os únicos casos em que esta partícula não ocupa a posição à frente de outras é quando coocorre com as partículas de segunda posição rãka 'passado recente', xowe 'foco assertivo' e com a partícula flutuante panẽ 'frustrativo'. No caso de coocorrência com rãka, pode-se observar que rõ'õ tem o escopo sobre toda a oração, considerando-a como um todo, da qual a partícula rãka é um constituinte, como demonstram os exemplos (35) e (4). Já com a partícula xowe, esta tem escopo sobre o primeiro sintagma da oração, formando com este um constituinte (36).

(35)

a-nopỹ

rãka

rõ'õ

3.I-bater

pas.rec

n.ass

'ela bateu nele'

(36)

w-owy-ramõ

xowe

rõ'õ

ãkaj

xãy-ø

i-piry-mãw

'op-a

ypyton-imo

3.II-sangue- s.p.n.at

foc

n.ass

c.i.com

hab

lua-refer

3.II-ser. vermelho-comp

estar.deitado-ger

noite-loc

'(...) quando tem sangue dela, a lua fica completamente vermelha à noite'

Por sua vez, a partícula panẽ, por não ter posição fixa, pode ocorrer em qualquer posição na oração, inclusive antecendo ou seguindo a particula rõ'õ (37 e 38, respectivamente).

(37)

pãxe-kwer-a=agỹ-ø

panẽ

rõ'õ

rãkã'ẽ

a-kome'o

i-xope

i-ma-na-wo

i-re-ka-wo

paje-grup-refer=pl-refer

frust

n.ass

p.rem.n.a

3.I-contar

3.II-pos

3.II-caus-ir-ger

3.II-caus-estar-ger

'os pajés e outros falaram para ela sair'

(lit: 'os pajés e outros falaram para ela sair, estando com ela (mas ela não saiu)')

(38)

ã'ẽ

rõ'õ

panẽ

epe

a-xokã-patãr

i-re-ka-wo

cd

n.ass

frust

d.e

3.I-matar-des

3.II-cc-estar-ger

'e ele queria matá-lo, estando com ele'

A partícula tanã, à semelhança de rõ'õ, é uma partícula de confiabilidade da informação. Entretanto, diferentemente daquela, indica que o conteúdo da informação é certificado pelo falante, isto é, o falante assume que o conteúdo informado é altamente confiável e se responsabiliza por ele, como em (39).

(39)

are=r-aryw-a

ø-ma-ypy-ãw-a

tanã

xepaanogãw-a

1excl.II=r-alegria-refer

r-caus-início-n.proc-refer

cert

xepaanogãwa-refer

'nossa primeira festa é Xepaanogãwa'

A partícula tãnã é muito produtiva com partículas de fonte da informação, tais como rãkã'ẽ (40) e ekwe 'futuro iminente' (41), sempre antecedendo estas últimas:

(40)

kwe

tanã

rãkã'ẽ

i-a-ø

i-xowi

pe-ø

r-opi

ranõ

d.e

cert

p.rem.n.a

3.II-ir-i2

3.II-pos

caminho-refer

r-pos

iter

'lá ele se foi dele pelo caminho novamente'

(41)

a-pãk-e'ym-a

tanã

ekwe

n=a-'ãr-i

ini-ø

ø-wi

3.III-acordar-ger

cert

f.imi

não=3.I-cair-neg

rede-refer

r-pos

'se ele não acordar, ele não vai cair da rede'

Ademais, tãnã não é usada em sentenças com sujeitos de segunda pessoa.

A partícula de modalidade epistêmica ke (ke ~ ike) 'dubitativo' expressa dúvida do falante com relação ao conteúdo da informação, conforme demonstram os exemplos (42) e (43).

(42)

'ã-wo

ke

i-tyn-i

maj-a

mõ-ø

d.e-loc

dub

3.II-sentar-i2

cobra-refer

ind-refer

'por aqui talvez tenha cobra'

(43)

ã'ẽ=gã-ø

ke

a-xokã

xãwãr-oo-ø

rã'ẽ

dem=sg-refer

dub

3.I-matar

cachorro-int-refer

pas

'talvez ele tenha matado a onça'

Com frequência, ke é precedida por rõ'õ. A coocorrência destas partículas indica que o falante não assume o conteúdo da informação, ao mesmo tempo em que expressa dúvida em relação ao mesmo:

(44)

ãxeiwe

rõ'õ

ke

ere-pyyk

xe=ø-pyyro-rym-a

amanhã

n.ass

dub

2sg.I-pegar

1sg.II=r-sapato-fn-refer

'amanhã você poderia comprar meu (futuro) sapato'

Outra partícula que comumente ocorre com o dubitativo, em posição posposta, é ekwe 'futuro iminente'. Neste caso, o dubitativo ameniza o grau de certeza que o falante tem sobre o evento ou estado projetado em relação ao presente:

(45)

ã'ẽ

ke

ekwe

a-a

xe=ø-pyri

cd

dub

f.imi

3.I-ir

1sg.II=r-pos

'então ela poderá ir ficar comigo'

TEMPO

Há basicamente duas partículas que indicam tempo, rã'ẽ 'passado' e ne 'futuro'. Diferentemente das partículas modalizadoras, ambas ocupam a última posição da oração.

Rã'ẽ é uma partícula que exprime tempo 'passado'. Ocorre em posição final de oração, sobre a qual tem o escopo, independentemente se o constituinte que a antecede é um sintagma nominal ou verbal, como em (46), adverbial (47) ou mesmo outra partícula (48).

(46)

wãri'o-ø

rõ'õ

a-ixãk

miãr-a

rã'ẽ

ã'ẽ

rõ'õ

a-xe-mim

rã'ẽ

wãri'o-refer

n.ass

3.I-ver

veado-refer

pas

cd

n.ass

3.I-ref-esconder

pas

'Wãri'o viu um veado e ele (o veado) se escondeu'

(47)

maryn

ãkaj

ere-a

'axe'i

rã'ẽ

por que

inter

c.i.com

2sg.I-ir

ontem

pas

'por que você foi ontem?'

(48)

ie-ø

ã-kwããw

a-a

rõ'õ

ke

rã'ẽ

1sg-refer

1sg.I-saber

3.I-ir

n.ass

dub

pas

'eu sei. Ele pode ter ido embora'

A ocorrência do evento ou estado em momento posterior ao da fala é assinalada pela partícula ne 'futuro'. À semelhança da partícula rã'ẽ 'passado', ne ocorre como último constituinte da oração, sobre a qual também tem o escopo:

(49)

ãxiwe

ã-waem

we-a-wo

ne

amanhã

1sg.I-chegar

1sg.III-ir-ger

fut

'amanhã eu chegarei lá'

(50)

ekwe

i-tor-i

ne=ø-men-i

ne=ø-we

ne

d.e

3.II-vir-I2

2sg.II=r-marido-ate

2sg.II=r-pos

fut

'lá (um dia) virá um maridinho para você'

Cabe esclarecer que ne não é uma partícula de confiabilidade da informação, e que a questão da incerteza que a cerca é um subproduto do futuro. No caso em que o falante quer assinalar incerteza quanto à realização do evento, ele utiliza a partícula de segunda posição ke 'dubitativo':

(51)

peẽ-ø

ke

are-magãtyro

tãryj-pe

arepe

ne

2pl-refer

dub

1excl.II-enfeitar

alegre-loc

2sg/2pl1excl

fut

'vocês nos enfeitaram na festa'

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Modality is marked in various ways – by modal verbs, by mood and by particles and clitics. Languages may employ one or many of these; some have very complex systems (Palmer, 1986).

A modalidade epistêmica em Tapirapé é expressa por partículas e, basicamente, pelas de segunda posição. Estas e outras partículas, tais como as que marcam diferentes tipos de aspecto, foco assertivo, interrogação, se hierarquizam nessa posição, na qual podem ser encontradas até mais de três partículas. A classe das partículas é heterogênea e bastante vasta. A grande maioria delas é de posição fixa, ocupam a segunda posição ou ficam em posição final de oração, mas nunca estão na primeira posição. Há, contudo, as partículas que podem figurar em qualquer posição dentro da oração, denominadas de flutuantes.

As partículas que indicam fonte da informação também expressam tempo. A especificação do tempo é decorrente da necessidade de o falante situar o evento em um ponto de anterioridade ao momento em que o enunciado está sendo proferido. Para mais, essas partículas não são usadas quando há referência a participantes de segunda pessoa, possivelmente por um questão de polidez.

Este artigo apresentou o sumário de alguns recursos utilizados pelos falantes do Tapirapé para exprimirem modalidade epistêmica. Contudo, aponta para a necessidade premente de aprofundar o tema ora abordado, bem como descrever outros tipos de modalidade que são expressos no verbo, por meio de sufixos e de auxiliares. Alguns desses auxiliares são resultantes de processos de gramaticalização de bases verbais produtivas na língua.

ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

Recebido em 14/05/2012

Aprovado em 30/06/2013

ãxyg-a

r-eymãw-a

i-ãrõãrõ

a-we-we

a-ka-wo

espírito-refer

r-animal.doméstico-refer

3.II-ser.bonito

3.III-voar-redup

3.III-estar-ger

'os animais de estimação dos espíritos (as borboletas azuis) são muito bonitos quando estão voando'

  • BYBEE, Joan L.; PERKINS, Revere; PAGLIUCA, William. The evolution of grammar: tense, aspect and modality in the languages of the world. Chicago: University of Chicago Press, 1994.
  • CHAFE, Wallace. Evidentiality in English and in general. In: CHAFE, Wallace; NICHOLS, Johanna (Orgs.). Evidentiality: the linguistic coding of epistemology. New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 1986. v. 20, p. 261-312.
  • LEITE, Yonne. Para uma tipologia ativa do Tapirapé. Os clíticos referenciais de pessoa. Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 18, p. 37-56, 1990.
  • LEMLE, Miriam. Internal classification of the Tupi-Guarani linguistic family. In: BENDOR-SAMUEL, D. (Org.). Tupi studies I Norman: SIL, 1971. p. 107-129.
  • PALMER, Frank R.  Mood and Modality Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
  • PAULA, Eunice D. Eventos da fala entre os Apyãwa (Tapirapé) na perspectiva da etnossintaxe: singularidades em textos orais e escritos. 2012. 269 f. Tese (Doutorado em Linguística) Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012.
  • RODRIGUES, Aryon D. Relações internas na família linguística Tupí-Guarani. Revista Brasileira de Antropologia, São Paulo, v. 27-28, p. 33-53, 1984-1985.
  • RODRIGUES, Aryon D.; CABRAL, Ana Suelly. Revendo a classificação interna da família Tupí-Guarani. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DO GRUPO DE TRABALHO SOBRE LÍNGUAS INDÍGENAS DA ANPOLL, 1., 2002, Belém. Anais... Belém: ANPOLL, 2002. Tomo I, p. 327-337.
  • WAGLEY, Charles. Lágrimas de Boas-Vindas: os índios Tapirapé do Brasil Central. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1988. (Coleção Reconquista do Brasil, v. 2).
  • Autor para correspondência:

    Walkíria Neiva Praça.
    QNE 10 casa 29. Taguatinga.
    Brasília, DF, Brasil. CEP 72125-100
    (
  • 1
    Chafe (1986, p. 262) utiliza o termo evidencialidade em um sentido amplo, englobando os conceitos de fonte da informação e confiabilidade da informação.
  • 2
    Os prefixos pessoais da Série I (
    ã- '1sg',
    xi- '1incl',
    ara- '1excl',
    ere- '2sg',
    a- '3') ocorrem exclusivamente em verbos processuais em orações independentes.
  • 3
    Os marcadores de pessoa da Série II são clíticos, exceto a terceira pessoa, que é prefixo (
    xe '1sg',
    xane '1incl',
    are '1excl',
    ne '2sg',
    i- ~ø- ~t- ~h- '3'), compatíveis com os temas nominais, verbais e posposicionais.
  • 4
    O Karajá pertence ao tronco linguístico Macro-Jê. Os Tapirapé compartilham com o povo Karajá a área indígena Tapirapé/Karajá. Cabe ressaltar que a língua Karajá tem estrutura bastante diferente do Tapirapé.
  • 5
    Missionária católica, membro da Congregação Irmãzinhas de Jesus, que vive com os Tapirapé e os ajuda desde 1952.
  • 6
    Um evento/estado que ocorre no momento atual da fala é expresso pelo aspecto progressivo, como ilustrado no exemplo abaixo:
  • 7
    Provavelmente corresponde às seguintes expressões do Português: 'deixa eu te contar...' ou 'sabia que...'.
  • 8
    A coocorrência dessas partículas pode ser traduzida para o português como: 'eu vi... mas não sei de nada'.
  • 9
    Texto mítico sobre a origem do tamãkora.
  • 10
    Paula (2012, p. 156) apresenta uma análise que pode corroborar a interpretação ainda incipiente do funcionamento da partícula
    rõ'õ. Segundo a autora, "a partícula
    rõ'õ remete deiticamente à pessoa do enunciador, o que, para Benveniste, não seria possível numa narrativa histórica".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      14 Maio 2012
    • Aceito
      30 Jun 2013
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