Acessibilidade / Reportar erro

Introdução

DOSSIÊ

FRONTEIRAS TERRITORIAIS E IDENTIDADES SOCIOCULTURAIS: CAUSAS E SIGNIFICADOS DA VARIABILIDADE ARTEFATUAL DOS REGISTROS ARQUEOLÓGICOS

Introdução

Os artigos aqui reunidos são versões modificadas de trabalhos apresentados em setembro de 2005 no XIII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), em Campo Grande. Os trabalhos fizeram parte do simpósio "Fronteiras territoriais e identidades socioculturais: as causas e os significados da variabilidade artefatual dos registros arqueológicos", organizado por Fabíola Andrea Silva (Universidade de São Paulo) e Adriana Schmidt Dias (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Klaus Hilbert (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) foi convidado para debater os trabalhos apresentados.

O objetivo do simpósio foi discutir as causas e os significados da variabilidade artefatual encontrada nos registros arqueológicos, uma vez que tal variabilidade está diretamente relacionada à interpretação arqueológica. Os trabalhos apresentados tomaram como referência diferentes conjuntos artefatuais (etnográficos e arqueológicos), a partir dos quais as autoras buscaram correlacionar a variabilidade encontrada com aspectos da organização social, fronteiras territoriais e identidades socioculturais. Ao mesmo tempo, o simpósio buscou problematizar e refletir sobre a definição de tipologias e, conseqüentemente, de tradições e fases enquanto categorias analíticas que organizam o estudo dos artefatos produzidos pelas populações do passado.

O trabalho de Adriana Schmidt Dias, "Novas perguntas para um velho problema: escolhas tecnológicas como índices para o estudo de fronteiras e identidades sociais no registro arqueológico", faz inicialmente uma retrospectiva histórica sobre o uso das categorias 'fase' e 'tradição' e a maneira como vêm sendo tratadas na arqueologia desde os anos sessenta. Conclui que ambos conceitos referem-se à articulação entre os aspectos contextuais que geram variabilidade tecnológica nos conjuntos artefatuais, mas que suas aplicações não têm sido acompanhadas de propostas metodológicas que permitam viabilizar este tipo de análise. Por meio da revisão das discussões teórico-metodológicas sobre tecnologia produzidas ao longo dos últimos 40 anos no campo da antropologia das técnicas e dos estudos de estilo tecnológico, o artigo procura rever estes conceitos. A partir disso, Dias aponta novos caminhos teórico-metodológicos que permitam compreender quais aspectos justificam interpretar a variabilidade de conjuntos artefatuais em um dado contexto regional em termos de tradições arqueológicas e como as escolhas tecnológicas podem refletir fronteiras e identidades sociais no registro arqueológico. A discussão é exemplificada por meio da apresentação das implicações deste tipo de perspectiva na interpretação do registro arqueológico no alto vale do rio dos Sinos, Rio Grande do Sul.

No trabalho "Uma janela para a história pré-colonial da Amazônia: olhando além - e apesar - das fases e tradições", Denise Pahl Schaan questiona a correspondência, pouco discutida em arqueologia amazônica, entre fase cerâmica e grupo social, argumentando que mudanças nos processos de produção, circulação, uso e descarte de artefatos podem ocorrer dentro de uma mesma sociedade e que, portanto, tal correspondência impede o entendimento de variabilidade ou mudança na cultura material. Para ilustrar seu ponto de vista, a autora apresenta três estudos de caso da ilha de Marajó, onde demonstra que: semelhanças tecnológicas e iconográficas entre conjuntos de artefatos podem corresponder a sociedades totalmente distintas em organização sociopolítica e modo de subsistência; a identificação de variabilidade estilística dentro de uma mesma fase pode significar o reconhecimento de limites políticos e identidades socioculturais importantes; e a variabilidade tipológica (principalmente quanto à decoração), utilizada para definir fases distintas, pode mascarar continuidade cultural e mudanças sociopolíticas dentro de um mesmo território.

Fabíola Andrea Silva, no artigo "Significado da variabilidade artefatual entre os Assurini e Kayapó Xikrin", discute aspectos relativos à variabilidade encontrada em diferentes conjuntos artefatuais etnográficos: nos vasilhames cerâmicos Assurini e em alguns adornos plumários (braçadeiras) Xikrin. A idéia da autora é mostrar como diferentes atributos podem ser melhores definidores das tradições tecnológicas em termos culturais. Ao mesmo tempo, a autora ressalta aqueles atributos que, por outro lado, podem ser indicativos de identidades sociais ou pessoais, ou seja, a maneira como a variabilidade artefatual se relaciona com as noções de identidade étnica e identidade social.

Finalmente, no artigo "O céu é o limite: como extrapolar as normas rígidas da cerâmica Guarani", Gislene Monticelli procura avaliar a permanência de certos aspectos do estilo da cerâmica Guarani, como forma e função, em função de sua aceitação e do reconhecimento dentro do grupo social, ao mesmo tempo em que verifica a existência de inovações por parte das ceramistas. Essas inovações dentro das tendências conservadoras são examinadas em um estudo de caso na região do rio Pelotas, Rio Grande do Sul.

Por fim, em sua avaliação crítica dos trabalhos que compuseram o simpósio, Klaus Hilbert nos brinda com o estimulante "'Cave canem!': cuidado com os 'Pronapianos'! Em busca dos jovens da arqueologia brasileira", discutindo as bases teóricas e metodológicas do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), em face de seu desconforto com o rótulo de 'histórico-culturalistas' comumente dirigido aos pronapianos, e conclamando os arqueólogos a pensarem sobre "as múltiplas formas das arqueologias que praticam".

Denise Pahl Schaan

Universidade Federal do Pará

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2007
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br