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CARTA DO EDITOR

É inevitável que uma revista acadêmica com uma vida tão longa como o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi (121 anos) passe por mudanças. Nos últimos nove anos, todos os novos números do Boletim têm sido publicados não apenas em formato impresso, mas também em versão digital, livremente acessível no website do Museu Goeldi. Atualmente são veiculados dois periódicos: Ciências Naturais e Ciências Humanas. Desde 2010, o Boletim de Ciências Humanas está incluso também na biblioteca eletrônica de periódicos científicos brasileiros SciELO (Scientific Electronic Library Online). A partir do número atual, ele será disponibilizado nesta biblioteca online inteiramente em formato XML, garantindo acesso nacional e internacional aos resultados de nossa pesquisa na área de Ciências Humanas.

Além disso, com o décimo volume de ambos os Boletins, a equipe editorial entrou em um processo de mudanças. A antiga editora executiva Rafaele Lima foi substituída por Alegria Benchimol. O editor científico de Ciências Humanas, Nelson Sanjad, entregou o cargo com o último número do nono volume, e o editor científico de Ciências Naturais, Hilton Túlio Costi, está para encerrar a sua função em breve. Uma fase de transição tende a trazer consigo complicações e pode levar a atrasos em várias etapas do processo editorial. Mas, apesar de tudo, ou talvez melhor, graças à sua adaptabilidade a mudanças e com o esforço de todos os envolvidos, o Boletim vai poder continuar como uma das principais plataformas para a divulgação de pesquisa científica sobre a Amazônia.

O primeiro número deste ano reflete um leque da área de Ciências Humanas e seus laços interdisciplinares, com oito artigos distribuídos entre as disciplinas de arqueologia, antropologia, história, etnobotânica, linguística e museologia. Os primeiros dois artigos conectam arqueologia, história e antropologia. Os três artigos próximos representam trabalhos etnobotânicos atuais e históricos. Os dois artigos seguintes tratam de assuntos linguísticos nas dimensões histórica e atual. O último artigo liga a museologia à antropologia.

Abrimos a edição com o artigo de Martijn van den Bel (Institut national de recherches archéologiques préventives, Caiena), que trata sobre a cerâmica das planícies costeiras do oeste da Guiana Francesa e do leste do Suriname, no período 900-1500 A.D. Recentes escavações levaram a uma análise de cerâmica e deposições funerárias que permite reavaliar a caraterização geral do complexo Barbakoeba, mostrando que há uma considerável diversidade regional.

O próximo artigo, de Márcio Couto Henrique (Universidade Federal do Pará, Belém), trata da história do município de Oriximiná, que, de acordo com mito local, foi fundado no século XIX pelo padre ‘civilizador’ José Nicolino de Sousa. Com base em documentos dessa época e anteriores, o autor mostra que Oriximiná surgiu muito antes da viagem fundadora atribuída ao padre e, além disso, traz à luz a descendência indígena dele, aspecto sempre desconhecido ou ignorado.

O terceiro artigo é da autoria de Rodrigo Ferreira de Morais (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo), Cintia Silva Serrano (Centro Universitário de Várzea Grande, Várzea Grande) e Fernando Ferreira de Morais (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo), e discute o conhecimento ecológico tradicional da vegetação na comunidade de Limpo Grande, Mato Grosso, a sua classificação com respeito a domínios culturais e a sua importância para políticas públicas, baseando-se em entrevistas de campo.

O artigo de Begonha Bediaga e Haroldo Cavalcante de Lima (ambos do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro), sobre a “Flora Fluminensis” de Frei Vellozo (1741-1811), combina a botânica com a história da ciência. Este levantamento monumental em 11 tomos das plantas da capitania do Rio de Janeiro no século XVIII, realizado com base em trabalho de campo por um frei, que, diferente dos seus contemporâneos, não tinha recebido sua formação no exterior, compara-se favoravelmente a outras floras da época produzidas na Europa.

Com o quinto artigo, de Isabel Maria Madaleno (Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa), vamos à Índia, de onde, desde o final do século XV, os portugueses começaram a dominar o comércio mundial com o oriente por quase dois séculos, particularmente o de especiarias. Os autores investigam o uso medicinal de plantas na costa do Malabar (hoje, estado de Kerala) no século XVI, a partir de quatro manuscritos descritivos da época, comparando com o seu uso atual na cidade de Cochim, a maior cidade do estado, mostrando continuidade de uso através dos séculos.

O artigo de Sidi Facundes, Alana Samara Melo Neves e Bruna Fernanda de Lima-Padovani (todos da Universidade Federal do Pará, Belém) compara dados atuais da língua indígena Apurinã (família Aruák), falada no sudeste do Amazonas, com dados da mesma língua em documentos antigos registrados por Polak, Koch-Grünberg e Nimuendajú. O estudo destes dados visa a contribuir tanto para a reconstrução histórica, quanto para a descrição da variação dialetal na língua.

O sétimo artigo, por Benedito de Sales Santos e Sidi Facundes (ambos da Universidade Federal do Pará, Belém), trata de aspectos fonético-fonológicos da língua Apurinã. Os resultados desta pesquisa baseados em dados atuais de campo têm ramificações para os resultados de estudos anteriores de Apurinã, e para trabalhos mais gerais de correlação entre duração e acento, e de efeitos fonotáticos de nasalização.

O artigo final, escrito por Bruno César Brulon Soares (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro), combina a antropologia com a arte, por meio da discussão acerca da exposição do novo Museu Quai Branly de objetos etnográficos em uma seção do Museu Louvre, aberto em 2000. O artigo discute a contradição inerente à musealização de objetos etnográficos fora do seu contexto, sem explicação das intenções dos seus criadores, como se fossem objetos de arte.

O número termina com a seção de teses e dissertações, na qual está resumida a tese doutoral de nossa nova editora executiva , Alegria Benchimol, cujo objetivo foi investigar se na produção científica dos pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, veiculada na revista científica da instituição (versão Ciências Humanas), entre 1991 e 2010, houve contribuições de pesquisadores estrangeiros que publicaram no mesmo periódico, de 1894 a 1914.

Agradeço muito à equipe editorial por seu esforço e dedicação para garantir a continuidade do Boletim do Museu Goeldi em tempos de mudança.

Hein van der Voort
Editor científico

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015
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