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Emília Snethlage (1868-1929): um inédito relato de viagem ao rio Tocantins e o obituário de Emil-Heinrich Snethlage

Emilie Snethlage (1868-1929): a previously unpublished account of the journey to the Tocantins River and Emil-Heinrich Snethlage's obituary

Resumos

Apresenta nota biográfica da ornitóloga alemã Emília Snethlage (1868-1929) e comentários sobre dois documentos traduzidos do alemão: um relato de viagem inédito ao rio Tocantins, de 1907, e o obituário escrito por Emil-Heinrich Snethlage, publicado em 1930. Destaca a singularidade da trajetória profissional da cientista, que trabalhou no Brasil a partir de 1905, o valor de sua obra e aspectos de sua narrativa. Os nomes científicos citados nos textos foram atualizados.

Relatos de viagens; Viagens científicas; Rio Tocantins; História das ciências; Ornitologia; Zoologia


The article presents biographical note of German ornithologist Emilie Snethlage (1868-1929) and comments on two documents translated from German: a previously unpublished account of the journey to the Tocantins River, 1907, and the obituary written by Emil Heinrich-Snethlage, published in 1930. It highlights the singularity of the professional career of a scientist who worked in Brazil since 1905, the value of her work and aspects of her narrative. Scientific names cited in the texts were updated.

Travel accounts; Scientific journeys; Tocantins River; History of sciences; Ornithology; Zoology


MEMÓRIA

Emília Snethlage (1868-1929): um inédito relato de viagem ao rio Tocantins e o obituário de Emil-Heinrich Snethlage

Emilie Snethlage (1868-1929): a previously unpublished account of the journey to the Tocantins River and Emil-Heinrich Snethlage's obituary

Nelson SanjadI; Rotger Michael SnethlageII; Miriam JunghansIII; David Conway OrenIV

IMuseu Paraense Emílio Goeldi/MCTI. Belém, Pará, Brasil

IIDoutor em Direito. Aachen, Alemanha

IIIFundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

IVMinistério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Brasília, Distrito Federal, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Nelson Sanjad Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI Av. Magalhães Barata, 376 Belém, PA, Brasil. CEP 66040-170 ( nsanjad@museu-goeldi.br)

RESUMO

Apresenta nota biográfica da ornitóloga alemã Emília Snethlage (1868-1929) e comentários sobre dois documentos traduzidos do alemão: um relato de viagem inédito ao rio Tocantins, de 1907, e o obituário escrito por Emil-Heinrich Snethlage, publicado em 1930. Destaca a singularidade da trajetória profissional da cientista, que trabalhou no Brasil a partir de 1905, o valor de sua obra e aspectos de sua narrativa. Os nomes científicos citados nos textos foram atualizados.

Palavras-chave: Relatos de viagens. Viagens científicas. Rio Tocantins. História das ciências. Ornitologia. Zoologia.

ABSTRACT

The article presents biographical note of German ornithologist Emilie Snethlage (1868-1929) and comments on two documents translated from German: a previously unpublished account of the journey to the Tocantins River, 1907, and the obituary written by Emil Heinrich-Snethlage, published in 1930. It highlights the singularity of the professional career of a scientist who worked in Brazil since 1905, the value of her work and aspects of her narrative. Scientific names cited in the texts were updated.

Keywords: Travel accounts. Scientific journeys. Tocantins River. History of sciences. Ornithology. Zoology.

INTRODUÇÃO

Emília Snethlage (1868-1929) teve uma trajetória profissional singular no Brasil. Nascida em uma família religiosa na Prússia (a Alemanha seria unificada somente em 1871), decidiu tardiamente ingressar em uma universidade e se dedicar à ornitologia. Aos 37 anos, transferiu-se para o Brasil, onde trabalhou no Museu Paraense de História Natural e Etnografia, em Belém, e depois no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Notabilizou-se pelas viagens que empreendeu a partir de 1905, geralmente sozinha ou acompanhada por um jovem assistente, ou ainda por índios, vestida com longas saias, através de várzeas, igapós e serras. Assumiu pesadas responsabilidades na década de 1910, durante a qual dirigiu o Museu Paraense, em meio a uma grave crise comercial e monetária local e aos conflitos europeus, que transformaram o seu país natal em inimigo declarado de metade do mundo, iclusive do Brasil.

A obra científica de Emília teve grande repercussão na zoologia e pontifica no processo de institucionalização das ciências no país. Ela compilou dados, fez inventários faunísticos pioneiros, descreveu cerca de 60 espécies e subespécies, estabeleceu as bases da biogeografia de aves no Brasil. De seu posto de trabalho, em Belém ou no Rio de Janeiro, participou de uma complexa rede científica, juntamente com nomes como Anton Reichenow (1847-1941), Carl Hellmayr (1878-1944) e Ernst Hartert (1859-1933). Acionou essa rede sempre que necessitou, particularmente quando precisava descrever ou identificar aves, frequentando com certa regularidade as mais importantes coleções ornitológicas da Europa. Foi subvencionada por instituições europeias e conseguiu projetar, nessas mesmas instituições, talentos promissores que conhecera no Brasil, como Curt Nimuendajú (1883-1945).

A vida e a obra de Emília Snethlage podem ser estudadas de acordo com as mais diversas vertentes da historiografia, dos estudos de gênero às pesquisas sobre tradições e estilos científicos, passando pelas relações internacionais, viagens e fronteiras. Também é possível contextualizar sua obra tanto no meio social e político em que floresceu quanto no ambiente científico mais amplo, incluindo o conhecimento de seus interlocutores e influências teóricas. Contudo, as principais fontes sobre a cientista permanecem sendo o obituário escrito pelo seu sobrinho, Emil-Heinrich Snethlage (1930), aqui vertido ao português pela primeira vez, e a biografia feita por Osvaldo Cunha (1989), publicada em livro esgotado. Depois desses autores, pouca pesquisa em arquivos foi realizada, assim como ainda são incipientes os esforços para localizar, no Brasil e na Europa, documentos de ou relacionados a Emília - e também o paradeiro das coleções ornitológicas e etnográficas que formou, hoje divididas entre o Museu Goeldi, o Museu Nacional do Rio de Janeiro e museus alemães.

Mais recentemente, artigos de divulgação têm aparecido em vários suportes e alguns pesquisadores promovem uma redescoberta do legado de Emília. Correa (1995, 2001) chamou a atenção para a sensibilidade etnográfica da zoóloga, vinculada à formação em história natural do século XIX, e analisou a difícil inserção dela nas instituições da época, como a Academia Brasileira de Ciências, da qual se tornou membro em 1926. Por sua vez, Lopes (1997) e Sanjad (2010) traçaram o perfil dos museus de história natural onde Emília fez carreira. Lopes (2008) também vem abordando questões de gênero relacionadas à geração de mulheres que ingressou nas instituições científicas brasileiras no começo do século XX. Por fim, Junghans (2008, 2009, 2010, 2011) tem se destacado por aprofundar aspectos da vida e da obra de Emília, ressaltando suas atividades de campo. Para estimular novos estudos baseados em fontes históricas, publicamos aqui dois documentos, com comentários e atualizados do ponto de vista taxonômico: o já mencionado (e relativamente bem conhecido) obituário de Emil-Heinrich e um inédito relato ou diário de viagem realizada pelo rio Tocantins entre abril e maio de 1907, sobre o qual traçaremos algumas linhas.

Emília escreveu este texto para ser lido pelos irmãos na Alemanha, e parece não ter sido o único do gênero, como comprova a transcrição que Emil-Heinrich fez de longa carta enviada pela tia ao irmão, pouco antes de falecer. O diário do rio Tocantins sobreviveu no tempo porque foi datilografado por Emil-Heinrich, a partir do manuscrito pertencente a seu pai, Victor Snethlage (1867-1943), irmão mais velho de Emília, com a finalidade de seguir os passos da tia em uma viagem feita à Amazônia em 1933. Infelizmente, o manuscrito original e todas as demais cartas e relatos de Emília aos irmãos se perderam durante a Segunda Guerra Mundial, quando soldados russos invadiram e queimaram a casa de Victor. Atualmente, a versão datilografada do relato da viagem ao Tocantins faz parte do acervo de Rotger Michael Snethlage, filho de Emil-Heinrich. Ela foi transcrita e traduzida para publicação nesta revista, por João Batista Poça da Silva.

Os irmãos de Emília eram leitores privilegiados, pois gozavam da prosa leve e divertida da zoóloga em campo. Além das informações que hoje interessariam aos cientistas, como a descrição da paisagem e a menção a algumas espécies que ocorriam em áreas atualmente inundadas pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí, o texto de Emília permite que tomemos conhecimento das regiões cortadas pela Estrada de Ferro do Tocantins, então em construção, da infraestrutura mobilizada, de alguns dos personagens envolvidos na obra e da sociedade que se formou nas imediações, como a divertida família de Mundico Rocha. Na carta publicada por Emil-Heinrich, vemos a mesma riqueza de detalhes e fluência, mas na descrição da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

De um ponto de vista mais pessoal, ambos os relatos revelam os hábitos que Emília assumia em campo: as investidas na mata, a maneira como se acomodava e era tratada na casa de seus anfitriões, a alimentação, o banho, a organização do trabalho ao longo do dia etc. Também revelam um pouco da personalidade da autora, sobretudo nos trechos mais passionais. Podemos conhecer as sutilezas dessa pessoa quando se mostra surpresa ou encantada com a beleza da paisagem, quando demonstra compaixão pela inocente esposa de um engenheiro da Companhia de Navegação Tocantins-Araguaia, quando se diz preocupada com a saúde do seu assistente, o "pequeno Oscar" (que, na época, não devia ter mais de 15 anos), quando as flores do mamoeiro a fazem lembrar do perfume que a mãe usava, quando era presenteada com flores e frutas ou quando se empolgou ao conhecer outra cientista viajante em Rondônia, já com 61 anos.

As descrições que Emília faz das margens do Tocantins, da floresta, da chuva ou do luar - com suas cores, texturas e formas - são notáveis, bastante próximas das narrativas românticas. E a 'paixão' que cedo percebeu no "pequeno Oscar" revela-se em plenitude quando a própria Emília relata o seu encontro com os animais, sobretudo macacos e araras, estes, "bichos maravilhosos" que a transportavam de volta à infância, quando folheava seus livros e sonhava diante de ilustrações da natureza tropical. Ou quando viu pela primeira vez, frente a frente, um arapaçu, encontro capaz de provocar-lhe um "choque elétrico" e propiciar-lhe um momento "sublime" ao confirmar que conseguira abater a ave. Sentimento oposto, mas igualmente intenso, a tomava quando falhava na coleta ou não conseguia a oportunidade certa para atirar.

Há um tom curioso em alguns trechos, como o que descreve o passeio a uma praia com a família de Mundico, durante o qual duas mulheres pescaram usando o dedão do pé. Em outros trechos, a graça reside nas próprias atitudes de Emília, um tanto excêntricas, como foi o caso da coleta ao longo dos trilhos da estrada de ferro, obrigando-a a andar um quilômetro e meio pulando de um dormente a outro, com a mochila cheia de rochas. No mesmo dia, foi capaz de carregar um tamanduá por oito quilômetros, entre meio dia e duas horas da tarde. E também houve momentos de aventura, como o dia em que atolou, literalmente, em um pântano próximo à casa de Mundico.

O sabor dessa narrativa, prolífica e subjetiva, em tudo distinta da precisão e concisão dos trabalhos científicos, permite-nos imaginar o efeito que causava nos irmãos e sobrinhos de Emília, e como todos deviam admirar aquela corajosa mulher. Seus relatos são repletos de imagens, personagens e experiências interessantes, que certamente deleitavam os leitores. E também demonstram grande sensibilidade no trato com a família distante e no olhar sobre o mundo natural, por vezes solidário também com outros homens e mulheres que a autora encontrava pelo caminho. No aguardo de estudos aprofundados, eles permitem uma intimidade que não é possível encontrar em outros textos, propiciam o encontro com uma pessoa que gostava de escrever e se apresentava plenamente realizada em sua profissão.

Recebido em 08/03/2013

Aprovado em 20/03/2013

Tocantins, 19071 1 SNETHLAGE, Emilie. "Tocantins 1907". Original datilografado em alemão. Coleção Emil-Heinrich Snethlage. Acervo particular de Rotger Michael Snethlage, Aachen, Alemanha. Tradução de João Batista Poça da Silva. Os editores agradecem a Rotger Michael Snethlage pelo envio de uma cópia digitalizada deste documento.

ARUMATEUA DO TOCANTINS2 2 Vila localizada um pouco acima de Tucuruí (antiga Alcobaça), estação do km 25 da Estrada de Ferro do Tocantins, então em construção. Em 1954, a estrada de ferro margeava o rio no trecho encachoeirado entre Tucuruí e Jatobal, então com 117 km, permitindo o transbordo de passageiros e carga. A estrada foi desativada em 1974. , 21/04/1907

Deixei o Pará novamente há quase uma semana e estou aqui no [rio] Tocantins, na base de uma cachoeira, que, é bom que se diga, mal se vê na maré alta.

Na segunda-feira à noite subi a bordo, às seis, hora em que o trapiche foi fechado, por mais que o pequeno 'Araguaya'3 3 A autora se refere a um dos vapores que faziam a linha do Tocantins, pertencente à Companhia Tocantins-Araguaia. só entrasse em movimento após as dez. Assim, não vi nada da primeira parte da viagem; quando despertei, já estávamos em Moju. Os vapores do [da linha do rio] Tocantins tomavam um caminho diferente dos do [da linha do rio] Amazonas. Eles vão direto pelo [rio] Moju, que, como o [os rios] Guamá, Capim e Acará, deságuam logo acima do [rio] Pará e, de lá, varando por um dos numerosos canais transversais, chegam até o Tocantins, um pouco abaixo de Cametá. Chamou-me novamente atenção a enorme largura do Moju, que pertence, vejam só, ao grupo dos rios pequenos, ou melhor, ao grupo dos menores rios que existem aqui. Ele parece ter um caráter semelhante ao do Guamá. A viagem começou a ficar interessante quando dobramos o canal. A terra, ou melhor, as ilhas de ambos os lados do mesmo são nitidamente cobertas por densas paredes de miritizeiros (Mauritia)4 4 Nome atualizado: Mauritia flexuosa L. f. (Arecaceae). jovens na maior parte da recente aluvião. É certo que também existem açaizeiros e outras folhagens pelo meio, mas certamente domina a Mauritia. A uniformidade e a altura regular dessa massa florestal chamaram-me a atenção, e fiquei então pensando como podia ter-se dado a colonização das plantas, no momento em que o próprio braço de rio me apresentou a solução na forma de enormes quantidades de frutas as mais diversas, mas, sobretudo, de amêndoas de palmeiras que flutuavam na água. Da mesma forma como o Amazonas juntou uma porção de aluvião, ficou claro que ele próprio a semeou ao mesmo tempo. A distribuição regular da vegetação por extensas áreas é naturalmente estimulada pelas fortes vazantes e enchentes que ainda ocorrem aqui. A formação do solo no Amazonas é um dos meus temas preferidos e também do Dr. Huber5 5 Jacques Huber (1867-1914), botânico suíço, pesquisador do Museu Goeldi entre 1895 e 1914, diretor a partir de 1907. É evidente que a autora se refere, no trecho anterior e posterior, às observações realizadas por Huber em "Sur le Campos de l'Amazone inférieur et leur origine", publicado no Compte Rendu do primeiro Congresso Internacional de Botânica (Paris, 1-10 out. 1900), e em "Contribuição à geografia física dos furos de Breves e da parte ocidental de Marajó", estudo publicado em 1902 no Boletim do Museu Goeldi. . Em todo caso, ela se dá de formas muito diversas. Os campos do Marajó, por exemplo, certamente se formaram de modo completamente diferente e receberam sua vegetação também de modo totalmente diverso, quem sabe pelo vento, menos pela água. Inclusive, não só aqui, mas também em todo um trecho subindo o Tocantins, podia-se estudar o outro lado do trabalho da água - a ruptura continuada da terra. Com a forte subida do nível da água destes dias, as margens estão ruindo em muitos pontos e a correnteza trouxe flutuando frutas e grande quantidade de madeira. Foi muito lindo entrar do estreito canal para o majestoso Tocantins, largo e cheio de ilhas. As ilhas apresentavam, igualmente, todos os estágios possíveis de formação, desde a aluvião baixa que emergiu recentemente da água com arbustos esparsos e aninga (Montrichardia)6 6 Nome atualizado: Montrichardia linifera (Arruda) Schott (Araceae). até as ilhas de mato repletas de monumentais arvoredos antigos, que representam um estímulo tão representativo também para o baixo Amazonas. A viagem realmente voltou a ficar muito agradável, e novamente me tomou aquele sentimento bastante familiar de que jamais havia visto algo mais lindo. Até mais ou menos acima de Cametá, predomina a floresta de palmeiras Mauritia (isto é, uma floresta mista na qual a Mauritia sobressai grandemente e é a planta característica mais perceptível); no entanto, ela não é mais baixa, mas se eleva a uma altura majestosa, trançada por trepadeiras e cercada de um largo cordão de Montrichardia. De singular beleza era um igarapé (+)7 7 Sinal gráfico que aparece ao longo do documento datilografado, talvez marcando referências geográficas, espécies e expressões importantes para E.-Heinrich Snethlage. um pouco abaixo de Cametá, no qual entramos sob uma bela iluminação noturna e permanecemos por cerca de uma hora.

Na manhã seguinte, estávamos em Mocajuba, situada num lugar aprazível na margem direita. Daqui em diante, a paisagem tomou um caráter totalmente diferente. Surgiram ribanceiras de cerca de 20 m de altura, paredes de cascalho quase verticais, sob as quais se estendia um banco de barro vermelho fortemente entrecortado. Lógico que também aqui a vegetação havia concluído o recobrimento parcial das ribanceiras íngremes, só que de vez em quando a parede de cascalho aparecia descoberta, em partes que provavelmente erodiram há não muito tempo. Tomada, então, de inveja e saudade, avistei buracos de um braço de diâmetro em locais quase inacessíveis. Eram ninhos de maçaricos, dos quais era muito comum a espécie grande, cinza-azulada (Ceryle torquata)8 8 Nome atualizado: Megaceryle torquata. e excelente para se observar. As palmeiras Mauritia desapareceram quase por completo, e dominava a costumeira floresta estacional decidual. De palmeiras, notava-se sobretudo o inajá, a bela Maximiliana regia9 9 Nome atualizado: Maximilianamartiana H. Karst. (Arecaceae). , com sua característica copa frondosa de quatro linhas. Em Baião, onde penso em ficar um pouco quando retornar, as paredes íngremes chegaram ao seu máximo. O solo aqui quase formava um tipo de platô, cuja superfície imagino que seja recoberta de arbustos, parecida com a de Monte Alegre (+). Meu pequeno vapor 'Araguaya' é, de longe, o melhor em que já viajei no Brasil, [e] principalmente a comida [é] muito boa. Pena que ele tenha apenas quatro cabines, e eu compartilhei o primeiro dia com uma família composta de mãe e três crianças (das quais dois bebês). No começo, a primeira não queria me deixar, de jeito nenhum, entrar na cabine, por isso foi preciso o dispenseiro interpelá-la para, pelo menos, me conceder o direito de guardar a minha bagagem mais importante e me trocar. Claro que não quis ficar muito tempo no compartimento, que estava tomado de um fedor medonho e rapidamente ficava imundo por completo, por isso dormi no convés; a primeira noite, numa cadeira do navio, que se mostrou um pouco desconfortável; em seguida, na rede. Na terceira noite, fiquei então com o camarote só para mim, o que foi muito bom, especialmente por causa do banheiro. A bordo estavam, além de mim, dois engenheiros franceses e um geômetra da Companhia Tocantins-Araguaia, com sede em Alcobaça [Tucuruí] e à qual pertencem também os vapores. O Mr. Villain, diretor da companhia, colocou-se muito gentilmente à disposição para me ajudar no que eu precisasse, o que será de grande valia sobretudo numa excursão posterior. O outro engenheiro francês vinha com a jovem esposa, loira, simpática, parecendo uma perfeita alemã e que pela primeira vez deixava a França. Em Alcobaça [Tucuruí], subiu a bordo junto com a esposa o médico da companhia, o Dr. Poucy, o franco-suíço para quem eu tinha uma carta de recomendação do Dr. Huber. Ali ficamos por muito tempo e, a convite do Dr. Poucy, juntei-me a eles para ir à terra. Primeiramente, visitamos a casa da nova família do engenheiro; quer dizer, casa é um eufemismo: uma cabana coberta de palha de palmeira, com uma ampla sala pavimentada com tijolos e um galpão aberto atrás, ainda mais primitivo do que o meu quarto outrora em Monte Alegre. Quando a pequena mulher, um pouco corada, sim, mas com um sorriso corajoso e muito feliz, olhou para seu novo império, ela ganhou meu coração. Antes, mal havíamos trocado algumas palavras, mas, como num passe de mágica, dali em diante nos tornamos amigas. Acho que a tranquilizou um pouco ouvir de mim, que já estava há muito tempo no país, tantas coisas boas e ver como eu me sentia bem. Ela ainda não suspeitava muito de como se pode viver em tais condições, mas manteve a cabeça erguida e tinha a firme decisão de não sucumbir. O Dr. Poucy já possui uma casa de madeira próxima da ideal, que ficou parecendo um palácio nessas redondezas.

Às três horas, segui viagem, como única passageira. Essa parte da viagem chegou perto de ser a mais linda e figura entre as lembranças inesquecíveis que trago de minhas viagens pelo Amazonas. No lugar de ribanceiras íngremes, agora surgiam colinas, ora bem próximas do rio, ora recuando em arcos e anexando uma faixa de terra baixa. A mata era mais acentuada (não me ocorre outra expressão para isso); cada indivíduo, sobretudo a castanheira soberana (Bertholletia excelsa, a castanha-do-pará, que é quase uma planta característica da região)10 10 Nome atualizado: Bertholletia excelsa Bonpl. (Lecythidaceae). , destaca-se claramente; cada copa começa com contornos verdes intensos ou dourados delicados e, findando o tronco, funde-se gradualmente em sombra verde-escura, a partir da qual um novo contorno se destaca logo em seguida. Fazendo frente a isso, com suas formas destacadas de um verde-claro da mata baixa, cecrópias de folhas cinza-prateadas em forma de mão, mimosas de folhas finas, touceiras de graciosos bambus; pelo meio, copas de palmeiras cujas folhas pareciam pequenos espelhos ao refletir os raios do sol poente. A água é de uma cor quente, escura e verde-marrom; o céu, de um azul profundo, parcialmente coberto de cirros curiosamente reluzentes e cúmulos maciços. Mas, com certeza, o brilho, a força das cores e plenitude de nuances, destacados com recursos tão simples, é o que, a meu ver, empresta à paisagem tropical do Amazonas um mágico e incomparável fascínio, que, involuntariamente, traz à memória o texto de Dante: "Folgar o céu parece ao seu lampejo. Do Norte, ó região, viúva hás sido, de os contemplar te não foi dado ensejo"11 11 No original, página 3: "Oh, du verwaistes Land, du öder Nord, du siehst den Glanz des Lichtes nimmer". (diante do Cruzeiro do Sul, ao qual creio que o trecho de fato se refere, fico na verdade um pouco decepcionada).

Por volta das seis horas, estávamos em Arumateua; na beirada íngreme, escalei em subida vertiginosa por uma escada um pouco perigosa e, com o coração batendo forte, entreguei a carta de recomendação do Sr. Grüner12 12 Gustav Grüner, cônsul da Alemanha no Pará. nas mãos do Sr. Mundico Rocha, o latifundiário e atacadista do baixo Tocantins. Um idoso simpático, gordo e de cabelos grisalhos e encaracolados! Como de costume, fui logo recebida com um "minha casa está às suas ordens"13 13 Em português, no original datilografado. e desembarquei minha bagagem. Contudo, após pensar um pouco, o bom Mundico sentiu muito calor; a mulher estranha o deixou meio amendrontado e ele então - da forma mais delicada possível - alertou-me sobre o clima perigoso e a maré alta, dizendo que por nada permitiria sairmos naquela hora para fazer coleta. Talvez o principal motivo tenha sido o fato de que a colheita da seringa está a pleno vapor, o seu pessoal e ele próprio estão muito ocupados e ele temia que eu pudesse fazer muitas exigências. Junho seria a melhor época para a coleta; além disso, desenhou diante de mim a necessidade de me mandar rio acima e rio abaixo e construir barracas na beira. Isso tudo, para mim, estava em ordem; porém, não me deixei abater, já que não tenho tempo em junho, e pedi permissão para dar uma olhada por perto, pelo menos por uns dias. Quanto a isso, lógico que sim. Nesse ínterim, fiz uma amizade tão grande com o bom Mundico, sua mulher e seus dois filhos mais novos (os mais velhos estão estudando no Maranhão), que pude ficar o tempo que quisesse, sem que ele interpusesse qualquer dificuldade.

No fim, ele tinha razão em ter essas preocupações: a mata, tão linda que é, está impenetrável no momento; na verdade, quanto mais se entra nela, mais é preciso caminhar por centenas de metros em águas lamacentas que dão até no joelho. Acredita-se que nesses pântanos, literalmente, se vê a febre chocando, e quando acordo à noite e ouço nos quartos ao lado os doentes suspirando, gemendo e tossindo, e quando olho o terreno da igreja do lugarejo e vejo as sepulturas recém-cavadas, é que me dou conta do que significa uma região de febre. Eu tenho me sentido sempre muito bem, graças a Deus, e com um enorme prazer fico patinhando pelos pântanos lindos, ainda que também perigosos; contudo, ainda estou preocupada com meu pequeno Oscar, que tem sido valoroso e de uma boa vontade enorme14 14 Oscar Rodrigues Martins (?-?), Ajudante de Preparador da Seção de Zoologia do Museu Goeldi a partir de 1907. Ingressou na instituição aos 13 anos de idade, como voluntário da oficina taxidérmica, e começou a viajar em companhia de Emília. . Ele desembarcou muito resfriado, tossia como um tuberculoso e reclamava ontem de fortes dores de cabeça. Hoje ele melhorou, porém, por mim, ele deve ir o mínimo possível para a mata, e dentro de oito dias ou mais eu talvez instale meu alojamento em Alcobaça [Tucuruí] (ou Baião), onde pelo menos posso contar com o médico.

Apesar das condições externas adversas, a caça está bem satisfatória. Uma verdadeira região de colibris! Ontem, o Oscar já me trouxe a rara Acovettula recurvirostra, com seu curioso bico recurvado para cima, e a bela Heliothrix auriculata parece ocorrer com muita frequência no "sertão"15 15 Em português, no original datilografado. de arbustos baixos atrás da vila16 16 Nomes atualizados: Avocettula recurvirostris e Heliothryx auritus. . Papagaios e araras passam voando por sobre a mata e o rio, numa quantidade que eu nunca tinha visto. A bela hyacinthina17 17 A arara-azul, Anodorhynchus hyacinthinus. parece ser muito comum por aqui. Da riqueza em onças, porcos-do-mato, veados etc., de que as pessoas tanto falam, não vi nada ainda, a não ser uma cutia vermelha (Dasyprocta croconota)18 18 Nome atualizado: Dasyprocta leporina. e um pequeno esquilo; o Martins, porém, já trouxe uma preguiça grande, que dessa vez salvamos do apetite do povo para a coleção. Está chovendo muito e o rio continua subindo, o que para esta época é totalmente incomum.

28/04/1907. Continuo aqui em Arumateua, com o tempo tomado de trabalho, mas que também é muito prazeroso. A pequena vila se localiza numa margem bastante alta, uma única fileira de casas, todas pertencentes ao meu anfitrião Mundico. O prédio principal, simples e com um só andar, como as demais casas, é compridíssimo, e é preciso dar uma boa caminhada para ir do meu quarto, situado mais externamente, até a sala de jantar (que também é cozinha), na outra extremidade. Atrás da vila, existe uma estreita faixa de terra coberta com capim e arbustos baixos, que chamo de "sertão", e logo depois dela assoma a mata virgem. Para chegar até esta, é preciso, no momento, patinhar na água por uns cem metros, ou muito mais, por uma espécie de lama fluida, cujo solo forma uma massa escorregadia e barrenta, da qual só com extrema dificuldade se consegue puxar os pés. É preciso tomar cuidado ao andar, senão se fica enfiado em pé como se estivesse sentado, como eu outro dia. Fiquei lá, entalada naquele líquido nojento, não até o joelho, como é comum ficar, mas até a cintura. Sorte que, para alívio geral, logo antes de entrar na região de mata mais alta, há um igarapezinho lindo com cascalho no fundo e água transparente onde aproveito para me lavar. Depois disso, entro num caminho bem estreito em meio à profunda solidão da mata, da qual só consigo sair quando o meu estômago começa a roncar alto. Contudo, ainda não vi muito da abundância de onças (+), maracajás, antas, porcos-do-mato que a mata abriga, conforme asseguram as pessoas do local; mesmo assim, já observei aqui mais mamíferos do que em todas as minhas excursões anteriores. Podemos ver, sobretudo, cutias, quase diariamente. Recentemente, apareceu uma vindo em minha direção, bem tranquila, quando eu estava em pé, com uma fruta na boca, e passou mansinha bem pertinho de mim. Também já dei com quatis, mas o mais interessante de tudo foi encontrar macacos. Poucos dias atrás, ouvi um ruído estranho e um estrondo na mata, que a princípio não conseguia explicar. Por um momento, pensei que uma gigantesca árvore tinha caído no meio da mata, tamanho foi o estalo da galharia; notei, então, que o barulho mudava de lugar e achei que era o estouro de um bando de animais de grande porte, quem sabe até porcos selvagens correndo pelo mato. Por fim, quando o barulho que vinha em minha direção estava bem perto, ouvi também o chilro agudo e estridente com o qual todos os nossos macaquinhos se distinguem, porém sem conseguir ver nada além de alguma sombra por entre os galhos, de vez em quando. Então, de repente, surgiu numa copa de palmeira mais baixa, bem perto de mim, uma cabecinha: duas orelhinhas pontudas e cara rosada com focinho preto permitiram reconhecer, na mesma hora, o meu predileto do jardim zoológico19 19 Emília Snethlage, enquanto chefe da Seção de Zoologia do Museu Goeldi, era responsável pelo jardim zoológico da instituição. , o macaco-de-cheiro (Chrysothrix sciurea)20 20 Nome atualizado: Saimiri sciureus. . Por vários instantes, ficamos nos olhando imóveis, cheios de interesse um pelo outro; então, a pequena sentinela (claramente o chefe do bando) demonstrou preocupação; emitindo um som curto, quebrado, recuou; em seguida, ouvi o barulho de galhos quebrando de novo e, agora por todo lugar, o grito de alerta, enxergando em seguida os bichinhos esguios praticamente voando de copa em copa em enormes ajuntamentos. Por muito tempo, foi possível saber para onde iam pelo barulho que faziam. Ao retornar, encontrei macacos pela segunda vez no dia, desta vez dois pequenos exemplares (Hapele ursula)21 21 Nome atualizado: Saguinus niger. , sujeitinhos curiosos que, mesmo deixando claro o seu temor e mantendo respeitosa distância, não conseguiam parar de seguir por um só segundo aquela coisa lá embaixo. Toda hora eu via nas copas de árvores acima de mim uma cabecinha espiando, que recuava espavorida toda vez que eu parava. No entanto, eles não precisavam temer minha espingarda. Acho que teria mais coragem de atirar numa pessoa do que num macaquinho. Ouvem-se guaribas quase todo dia; pouco tempo atrás, estive bem perto deles também, sem enxergá-los, no entanto. A avifauna é também incrivelmente rica, mas dá para observá-la muito melhor noutro caminho, que segue paralelo ao rio, por dentro da mata ciliar, relativamente mais baixa, embora muito fechada. Ali, há uma porção de árvores de frutas que os passarinhos gostam de comer, sobretudo uma com frutos pretos de um aroma bem parecido ao de uvas, que exalam um aroma forte e que até eu acho muito agradável. Na árvore citada, encontram-se araras, tucanos, o erythrorhynchus de barriga branca e o Ramphastos ariel, com seu maravilhoso pescoço de cor vermelho-laranja e bordas amarelas; a seguir, as espécies menores de Pteroglossus, mas com cores igualmente lindas, grandes toutinegras, o Ostinops viridis e, para mim o mais interessante, o Gymnostinops bifasciatus, cuja procedência era até hoje desconhecida22 22 Nomes atualizados, na ordem de citação: Ramphastos tucanus; Ramphastos vitellinus; Pteroglossus é um gênero de aves piciformes, da família Ramphastidae, que inclui dez espécies de araçaris no Brasil; Psarocolius viridis; Psarocolius bifasciatus. . Até onde eu sei, só existe um exemplar nos museus europeus. No museu [Goeldi], temos outros dois, cuja origem, porém, não foi dada com exatidão. Não é nada rara a ocorrência dessa ave grande e notável por aqui. Já coletamos várias delas. Em seguida, vem a revoada das aves de pequeno porte: as encantadoras espécies dos pequenos Dacnis e Cœreba, cujo macho tem vistosa penugem azul-marinho intensa, são grandes apreciadoras dos mesmos frutos; estes encontram boa aceitação até entre os bem-te-vis comedores de insetos, os grandes tiranídeos. Porém, os frutos que as aves comem também são incrivelmente gordurosos, o que dificulta enormemente a preparação. Uma nova diversão para mim - uma das maiores que conheço - é ficar observando as grandes araras, que ocorrem em grande número. Não existe nada mais lindo do que ficar olhando esses bichos maravilhosos com suas cores vermelha e azul reluzentes nas copas verdes, onde elas sobem e descem pelos galhos com movimentos vagarosos e, de vez em quando, soltam um grito áspero. Não há, e ntão, como não pensar nas horas em que eu costumava ficar sonhando diante dos quadros de araras de Brehm23 23 A autora se refere a Alfred Edmund Brehm (1829-1884), zoólogo e escritor alemão. Escreveu muitos textos de divulgação científica para revistas alemãs e organizou, entre 1864 e 1869, uma enciclopédia zoológica em seis volumes, ampliados para dez na segunda edição, publicados entre 1876 e 1879, com o título "Brehms Thierleben" (Vida animal de Brehm). Quando criança, Emília deve ter consultado esta edição, muito popular e ricamente ilustrada. , já naquele tempo com a fantasia se deleitando nas cenas que eu tinha esperança de algum dia ver ao vivo. Mas o que é um quadro diante da realidade! Sobretudo aqui nos trópicos. A Hyazinthara aqui também ocorre junto com as espécies vermelha-azul-amarela (A. macao) e vermelha-azul-verde (A. chloroptera), das quais já falei24 24 Nomes atualizados: Anodorhynchus hyacinthinus, Ara macao, Ara chloropterus. . Porém, só consegui vê-la no ar, muito no alto, quando passa por cima do rio, e até agora pouquíssimas entraram em linha de tiro, como aconteceu quando aqui esteve o Wallace, cujos rastros estou seguindo25 25 Aldred Russell Wallace (1823-1913), naturalista inglês. Entre 1848 e 1852, viajou pela Amazônia, publicando posteriormente uma série de trabalhos que se tornaram referências para a zoologia e biogeografia. A excursão ao rio Tocantins foi a primeira viagem importante realizada por Wallace na Amazônia, entre 26 de agosto e 30 de setembro de 1848. O terceiro capítulo de "A Narrative of Travels on the Amazon and Rio Negro, with an account of the native tribes, and observations on the climate, geology, and natural history of the Amazon Valley" (1853) é dedicado a esta viagem. A partir de 1894, os pesquisadores do Museu Goeldi seguiram os passos de Wallace por diversas vezes, revendo e ampliando o inventário biológico por ele realizado. .

Embora eu só esteja atirando quando realmente preciso - para minha felicidade, minha visão está tão acostumada e aguçada e conheço as aves tão bem, que já fico sabendo quase na mesma hora o que está diante de mim - e dedicada sobretudo ao sucesso da observação, ao meio dia já tínhamos juntado tantas aves, que passamos a tarde inteira, entrando pela noite, na preparação. O pequeno Oscar atira muito bem, é zeloso ao extremo, solícito, honesto, uma pessoinha realmente simpática, com quem estou plenamente satisfeita. Também tenho sobre ele autoridade suficiente, posso orientá-lo conforme minhas perspectivas pessoais, o que calha muito bem a favor da coleção. Com o bom e velho João não dava muito certo26 26 A autora se refere a João Baptista de Sá (?-1909), o mais antigo funcionário do Museu Goeldi na época. Ingressou como servente antes de 1894 e, a partir de 1895, assumiu o cargo de Ajudante de Preparador da Seção de Zoologia. ; ele queria fazer tudo de sua própria cabeça, não atirava mais bem e, no fundo, a coleta para ele era algo indiferente, enquanto o Martins tem, de fato, uma espécie de paixão. Depois da labuta do dia, costumo aproveitar ainda uma caminhada ao luar ao longo da ribanceira e contemplo, cheia de satisfação, a aldeia silenciosa, o rio largo que lança suaves respingos e flui prateado entre as escuras margens da mata ciliar e o rebanho de cabras que se espalha diante da casa do Mundico e sob ela. Ali passeiam, talvez, cinquenta cabras de todas as cores, incluindo uma porção dos mais lindos cabritos, que na maioria são idênticos ao pai, um bode imponente, que é preto na parte dianteira e vai embranquecendo drasticamente na metade traseira. Eles ficam saltando, brincando, balindo e, de tempos em tempos, chamam as amorosas e cuidadosas mães, que se aproximam imediatamente, sem, contudo, demonstrar intenções hostis quando alguém inventa de chegar muito perto dos seus filhotes.

Nos últimos dias, não tive tempo para passear. Ontem e anteontem trabalhei sem parar até as onze horas ou até mesmo lá pela meia noite, mas, em compensação, fazia tempo que não curtia tanto o repouso dominical, como hoje. O Mundico nos mandou - isto é, a mim, a mulher dele, as crianças, uma porção de criados, redes e café da manhã - no barco para um baixo a montante, conhecido como praia, uma faixa larga de duna que se estende defronte da mata virgem propriamente dita, somente com alguma vegetação esparsa de touceiras de árvores ou arbustos em meio a pequenos charcos. Ali, sob a sombra de uma árvore, fiquei deitada na areia fria e alva quase o dia inteiro, contemplando da praia amarela a água e a mata, ao longe as rajadas prateadas da cachoeira (+) que lançava borrifos rumo ao céu, e olhando para o azul por entre os ramos verdejantes. De vez em quando, uma conversa preguiçosa com a bondosa D. Rocha, que ficava sentada na beira com uma "afilhada"27 27 Em português, no original datilografado. (+) negra idosa, com cigarro ou cachimbo na boca, pescando. As duas senhoras faziam a coisa ficar muito prática e engraçada, porque, além de segurar a vara de pescar na mão, elas amarravam uma segunda linha no dedão do pé, uma com [pão], outra com carne como isca. Na água, numa canoinha lá adiante, estava o Domingo, o jovem criado mulato da família, igualmente pescando com pés, mãos e rede, que de vez em quando voltava à margem para trazer o que apanhava. Minha única ocupação era olhar com atenção os peixes apanhados, pedir para me dizerem o nome deles e, com conversas astuciosas, registrá-los o quanto possível para a coleção. Trouxe a espingarda comigo, mas ela ficou quieta quase o tempo inteiro. Só não deu para resistir a um joão-de-barro que ainda não tínhamos na coleção. A propósito, na mata atrás da praia abati há pouco tempo meu primeiro Xiphorhynchus, o curioso arapaçu de bico torto quase em forma de meia-lua, que eu persigo já faz um ano. Da ocorrência dele na Amazônia eu já sabia; o Santos Anthero já tinha me falado disso em Monte Alegre, e isso me deixava ainda mais aborrecida, já que não o tínhamos na coleção. Quando o vi frente a frente - reconheci-o na hora -, senti como se um choque elétrico me sacudisse e foi sublime o momento em que, após um tiro nervoso e de mira apressada, vi cair a ave.

Hoje, pela primeira vez, não choveu. Só quando escureceu é que vieram nuvens negras, pesadas e de cores muito estranhas, que se sobressaíam no céu claro com fantasmagóricos matizes cinza-claros frios e cinza-azulados tênues, enquanto o horizonte quase inteiro era alvejado por relâmpagos constantes. À meia altura, no céu, estava a lua cheia, levemente encoberta, que com seu tênue brilho prateado desenhava uma larga pista na água escura. No mais, tomei chuva todos os dias; anteontem fiquei completamente encharcada na mata. Dizem que o melhor é desistir de qualquer tentativa de se proteger, é querer mesmo tomar um banho e seguir feliz pelo caminho.

Fico aqui até quarta-feira, mais ou menos. Depois, o Mundico quer me mandar de barco para Alcobaça [Tucuruí], o que é muito mais divertido do que viajar na tediosa lancha a vapor, já que dá para ficar perto da margem, atirar, observar e eventualmente fazer uma parada para coletar plantas ou congêneres.

09/05. A bordo do 'Araguaya', defronte de Baião. Já estou tomando o caminho de volta e agora, após ter etiquetado e embalado uma quantidade assustadora de aves apanhadas ontem28 28 Esta viagem ao rio Tocantins rendeu 171 aves à coleção ornitológica do Museu Paraense, entre as quais seis novas espécies para a ciência ( Thalurania furcata intermedia, Dysithamnus capitalis squamosus, Xiphorhynchus multostriatus, Euscarthmus zosterops minor, Euscarthmus griseipectus, Serpophaga pallida), todas descritas por Emília em "Neue Vogelarten aus Südamerika" ("Ornithologische Monatsbericht", v. 15, n. 10, n. 12, 1907) e em "Novas espécies de aves amazônicas" ("Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia", v. 5, n. 2, 1909). , gostaria de relatar-lhes minhas outras experiências no Tocantins. No dia 02/05, deixei Arumateua, não sem antes tirar umas fotos de toda a família do Mundico (incluindo o rebanho de caprinos), em todas as poses possíveis. Na ocasião, porém, fiquei mais interessada mesmo numa indiazinha, a última de sua tribo, que antigamente habitava essa região do baixo Tocantins. Após a extinção de sua família, o Mundico a pegou e tratou-a com muito carinho, realmente como uma criança da casa. Ela tem muito orgulho de sua origem indígena, e é evidente que a gordinha apareceu em todas as fotos. Só que, infelizmente, assim como os outros, ela trajava uma das suas melhores roupas de domingo, um 'moderno' vestido rosa-escuro. Ficamos nisso até a hora de irmos embora, lá pelas dez horas - na verdade, eu havia perdido o barco das oito e a coleta não rendeu mais nada. Em contrapartida, achamos na ilha das Pacas, onde almoçamos, uma porção de lindas orquídeas, das quais colhemos um paneiro inteiro para levar ao Dr. Huber, com ajuda do Martins, um excelente escalador de árvores. Por volta das quatro horas, chegamos a Alcobaça [Tucuruí], não sem ficarmos completamente molhados. O Dr. Poncy29 29 No original datilografado, há uma variante no nome. Aqui aparece "Poncy", em vez de "Poucy". nos recebeu com muita hospitalidade. Fiquei num quarto-escritório no prédio próximo do porto, onde estão os escritórios, a farmácia e o quarto particular do Sr. Duquet, um dos engenheiros, enquanto o Martins foi acomodado no chamado Hotel, uma espécie de cantina, onde os empregados e os funcionários públicos tomam as refeições. Pena que, nos primeiros dias, o pequeno foi acometido de febres, não tão fortes, provavelmente por conta da chuva a bordo, mas que passaram rapidamente graças aos cuidados do Dr. Poucy [sic]. Na realidade, eu tinha que tomar todas as refeições na casa dos Poucy, mas só dava para estar lá no café da manhã e no "jantar"30 30 Em português, no original datilografado. (+), este sendo a principal refeição do dia, entre cinco e seis da tarde. Já no "almoço"31 31 Em português, no original datilografado. , às onze da manhã, eu tinha que garantir minha liberdade, como faço em todo lugar em que estou, já que costumo retornar da caçada, invariavelmente, entre uma e três horas.

Alcobaça [Tucuruí] nada mais é do que uma grande clareira no meio da mata (isto é, lógico que em um lado se encontra o rio). Além da casa de madeira do Dr. Poucy, onde me hospedei e que parece um palácio perto das outras, situada em terreno mais elevado, bonita e toda avarandada, os arredores da localidade até agora contam com uma capelinha e só mais alguns barracos mais ou menos primitivos. No entanto, o ritmo de construção é intenso: um hospital gigantesco (estrutura de ferro) está quase concluído e há poucos dias estavam todos ocupados em erguer grandes dormitórios, nos quais devem morar os trabalhadores que estão para chegar. Na realidade, eram 1.800 chineses inscritos (a primeira tentativa com esse povo na América do Sul)32 32 Na verdade, os primeiros imigrantes chineses chegaram ao Brasil no início do século XIX, para trabalhar no cultivo do chá no Rio de Janeiro. ; visto que eles, no último minuto, foram proibidos de viajar pelas autoridades chinesas, o Sr. Villain ocupou-se de procurar substitutos aqui no Pará.

As horas que passei na casa da amável família Poucy foram adoráveis e, com seu conforto europeu, formaram um contraste interessante em relação à vida que levei na floresta. Eles - os Poucys - já estão há vinte e sete anos no Brasil e, como muitos outros europeus que se acostumaram, não têm mais intenção de voltar para a Europa. Da Alemanha, eles conhecem somente Hamburgo. Contudo, a Mme. Poucy contou toda orgulhosa que teria ido de lá até Friedrichsruhe e sido apresentada a Bismarck, até que ele teria falado com ela: "Vous êtes française? Moi, j'aime beaucoup la France" [Você é francesa? Eu gosto muito da França]. Ao que o marido dela não se conteve e comentou sorrindo: "Oui, il ne l'aimat que trop; comme l'ogre qui divore ce qu'il aime" [Sim, a amava; como o ogro que devora aquilo que ama]33 33 Emília se refere à famosa residência do chanceler alemão Otto von Bismarck (1815-1898), na cidade de Friedrichsruhe, entre Hamburgo e Berlim, doada a ele pelo Kaiser Wilhelm II. Bismarck é considerado o articulador do II Reich (1871-1918) e conhecido pelas intervenções militaristas na Europa - o que gerou o comentário de Dr. Poucy. . É que o Dr. Poucy é franco-suíço. Após as refeições, costumávamos ainda ficar sentados uma meia hora na varanda, de onde se tinha uma vista ampla e magnífica do rio tranquilo, que lentamente sumia na escuridão; depois, eu tinha de me despedir às pressas, pois o dever me esperava. Aqui também reencontrei o simpático casal Viale, meus parceiros de viagem na vinda, e fiquei feliz de ver que a madame ainda conservava toda a sua bela cor rosada e mantinha-se jovem e animada, como era quando chegou. Certa vez, tive de almoçar também na casa deles, e tivemos uma conversa interessante, animada e totalmente pacífica sobre a questão do Marrocos e outros assuntos teuto-franceses34 34 Esse é um dos temas políticos que mobilizava as atenções no início do século. Marrocos era um sultanato cobiçado por França, Espanha e Alemanha. Os dois primeiros pretendiam estabelecer uma colônia formal ou um protetorado, enquanto a Alemanha trabalhava pela independência (e por outras formas de influência local). Em março de 1905, o Kaiser Wilhelm II desembarcou em Tanger e declarou a independência do Marrocos, gerando graves tensões com a França, cuja posição oscilou entre um acordo e a resistência armada. Em 1906, foi realizada uma conferência na Espanha, quando a independência foi ratificada, mas mantendo-se as concessões francesas relativas ao controle bancário e policial. O episódio minou as relações diplomáticas entre os países, motivando o comentário de Emília. . Quando quis, pela primeira vez, comer na cantina, o Sr. Duquet me deteve na porta da mesma e me disse que eu não ia para lá, que eu era convidada dele, com tanta convicção, que tive de me submeter. No mais, a situação era muito confortável, pois, quando eu chegava à casa, quase sempre morta de fome, como num passe de mágica, encontrava minha mesinha pronta. O Duquet é uma pessoa singular: de procedência franco-haitiana, muito inteligente e versátil, um grande teórico, idealista de marca maior, de herança socialista. Em sua vida acadêmica na Europa, ele também atuou na geologia com o Lapparent35 35 Albert-Auguste Cochon de Lapparent (1839-1908), geólogo francês, autor de vasta e conhecida obra, inclusive no Brasil. , em Paris, e contribuiu muito em relação às minhas pedras. Eu, logicamente, não perdia tempo e aproveitava isso para orientá-lo no que fosse de meu estrito interesse. É que encontrei fósseis, infelizmente num estado de conservação ruim, no arenito caracteristicamente azul, que já havia chamado a atenção de Hartt aqui no Tocantins36 36 Charles Frederick Hartt (1840-1878), geólogo canadense, fez várias viagens ao Brasil, foi pesquisador do Museu Nacional e criou a Comissão Geológica do Império (1875-1878). Na época, era a grande referência para a geologia amazônica e brasileira. O relato da viagem de Hartt ao rio Tocantins, ao qual Emília se refere, foi publicado por Emílio Goeldi no "Boletim do Museu . O Duquet pretende prestar atenção nesses casos, para coletar exemplares que encontrar e mandá-los para o museu.

Entre os cerca de cem trabalhadores que já moram na colônia, vemos alguns casos curiosos, sobretudo de europeus com histórias mais ou menos fracassadas que, enfim, foram jogados neste país. Um exemplo é o Lucien, cozinheiro parisiense do Sr. Duquet, de quem consta que já esteve preso por cinco anos ou ao menos a isso teria sido sentenciado. Aqui, ele deu uma impressão digna de uma boa reputação, além de esforçar-se ao máximo para me fazer sala quando eu chegava tarde e tomava café sozinha de manhã, claro que falando de Paris. Talvez, o mais interessante de todos fosse o George de Hauser, um belga de boa família e protegido do Duquet, que dá a impressão de ter acolhido este proscrito de modo especial. Certa vez, ele [Duquet] o deixou vir após o café da manhã, para que eu o conhecesse. Jamais esquecerei a elegância garbosa com que me cumprimentou aquele homem, que entrou pela porta com roupas esfarrapadas, descalço e com uma aparência de pessoa bêbada. Era assombroso. Ele nos contou muitas histórias e aventuras de suas viagens pelo Mato Grosso e pela Bolívia; assim, os dois me acompanhavam na mata, pois eu ainda queria tirar umas fotos, e o Sr. de Hauser não queria que eu carregasse a câmera nem ao menos um minuto.

Aqui, a mata era bem mais acessível que em Arumateua; pelo menos, não havia mais lamaçal. Por outro lado, não foram muitas as aves capturadas, ainda que muito interessantes. Em parte, isso se deu porque o Martins estava com muita febre e não podia atirar. Eu também perdi um dia inteiro por causa de uma febre repentina e forte, acompanhada de náuseas, que me fazia errar o alvo, e por isso, após vários tiros perdidos, pendurei a espingarda no ombro e fui fazer outras coisas. Minha alegria foi que ela durou apenas um dia. Uma bonita trilha seguia beirando o rio. Ali havia muitos bandos de dendrocolaptídeos, e sempre me vem à lembrança a raiva que sofri na última vez em que fui caçar lá e, de repente, a espingarda parou de disparar os cartuchos. Apesar de, durante uma boa hora, ter perdido um bando após outro, tentando retirar os projéteis, reconheci um monte de espécies que seriam ótimas para a coleção, sem conseguir obter nenhuma. Não sou nenhuma exímia atiradora, mas isso me deixou chateada. Uma vereda caprichada nos leva ao interior da mata alta, com fabulosos troncos gigantes, até um bonito igarapé, que nesse horário marulhava espumoso e caudaloso em seu leito abismal, como se fosse um riacho escuro de montanha. Interessante, sobretudo, era logicamente o trecho da estrada de ferro, que já tinha mais ou menos dez quilômetros prontos. Ela foi aberta na mata, com uma largura de cerca de trinta metros, mas, com exceção dos trilhos propriamente ditos, já está tudo novamente tomado pela vegetação incrivelmente abundante. Uma espessa cobertura de arbustos rasteiros, alguns troncos gigantes que restaram de pé e tudo mais tapado por um vigoroso tapete verde de trepadeiras, salpicado de grandes flores trepadoras brancas e vermelhas. Vez ou outra, dá para enxergar lá embaixo, por uma falha na enorme mata alta que fecha o trecho de ambos os lados, o rio e suas ilhas na margem ondulada, que ficava lentamente coberta no outro lado pelo entardecer. No lado voltado para o rio, o terreno fica ainda mais elevado e proporciona uma visão geral da riqueza de formas das copas, entre as quais as das castanheiras (Bertholetia excelsa)37 37 Nome atualizado: Bertholletia excelsa Bonpl. (Lecythidaceae). são, sem sombra de dúvida, as mais interessantes. Imaginem um carvalho gigante, com um tronco poderoso e esguio, tentando alcançar a altura de 20 a 30 m. A finura e a altura enorme, a ramificação nodosa da linda copa, a folhagem larga entremeada de enormes frutos - uma das formas arbóreas mais lindas que conheço. Ladeando os trilhos, estão os mamoeiros (Carica papaya)38 38 Nome atualizado: Papaya papaya (L.) H. Karst. (Caricaceae). , quase incontáveis, projetando-se para o céu, e dá para andar trechos inteiros sentindo o característico cheiro forte e agradável que suas flores exalam. Esse cheiro tem em mim um efeito curioso. Vocês ainda se lembram de quando, mexendo nas coisas da mamãe, encontrávamos alguns frascos vazios de perfume? Pois bem. Um deles era Est-bouquet e o outro tinha exatamente o mesmo perfume do mamão trazido pelo vento. Por isso, quando espirro no calor sufocante do meio dia tropical, que lança um véu sobre as coisas, tornando os seus contornos cintilantes e fazendo-as parecer irreais, as memórias mais remotas da minha infância se reacendem, e parece que voltam à tona todas as coisas possíveis que eu, de lá para cá, há muito havia esquecido. Por exemplo, o tanto que eu, já naquela época de criancinha, amava a natureza, embora sem o saber.

Derramei suor nesse trecho da estrada de ferro, primeiro quando encontrei as formações pétreas e pus na mochila a maior quantidade que consegui, carregando-as assim por um quilômetro e meio, andando sem estabilidade, já que precisava pular de um dormente da base dos trilhos para outro, até poder descarregá-las no carrinho do Sr. Viale. Em compensação, ganhei lá um tamanduá mediano (M. tetradactyla, o bonito, com a camisa dourada e a saia de pelúcia preta)39 39 Nome atualizado: Tamandua tetradactyla. , no qual o Sr. V[iale] tinha atirado e acabou me dando de presente, tendo eu o carregado por mais oito quilômetros até a casa, o que não teria em si muita importância, não fosse o fato de que tal se deu entre meio dia e duas horas da tarde. Logo atrás da colônia, a estrada de ferro atravessa alguns igarapés que rasgam barrancos fundos de mais ou menos 25 m de altura, com auxílio de simples viadutos de madeira. Quando pisei em tais viadutos pela primeira vez, recuei depois de alguns passos. A água espumando lá no fundo, que se via por entre as traves transversais da ferrovia que formavam o caminho, deu-me uma vertigem tão forte, que literalmente comecei a cambalear. Eram exatamente os dias em que eu estava anêmica. No dia seguinte, porém, eu me dei essa obrigação e, embora tenha sido desagradável no início, fiz a travessia sem problemas e, mais tarde, já estava até acostumada. Eu só tinha de tomar cuidado com minha saia, que não esticava durante as passadas largas e me fazia cambalear, podendo eu facilmente cair na água. Lá embaixo, os igarapés eram mais agradáveis, na hora em que se desce até eles no calor escaldante do meio dia e eles espumam em meio ao matagal ou então fluem lenta e misteriosamente, como que atravessando um silencioso salão verde - como num poema de Eichendorff40 40 Joseph Freiherr von Eichendorff (1788-1857), poeta alemão, considerado um dos mais importantes do romantismo. . Banhar-se nas águas frias e claras dessa solidão fascinante é um dos maiores prazeres que se pode imaginar. Agora, é bom ficar calçado por causa das arraias, que costumam aparecer por aqui e podem causar ferimentos terríveis com seus ferrões em forma de saca-rolhas e, ainda por cima, parecem ser venenosos. O Dr. Poucy foi ferrado por um desses bichos quando tomava banho e me descreveu a dor como quase insuportável.

O igarapé mais lindo de Alcobaça [Tucuruí], em termos de paisagem, talvez fosse o primeiro, no trecho ao longo do qual o encanamento estava instalado. Ele segue através de um desfiladeiro bem estreito, que oferece espaço suficiente para a vegetação poder ostentar mesmo ali seu esplendor supremo. Do lado do caminho, logicamente, foi necessário abrir espaço para o encanamento, que conduz até a altura de 20 m mais ou menos pela encosta do morro. Árvores foram derrubadas e o barranco desbastado, onde agora seus restos, há tempos novamente cobertos de verde, porém ainda estendendo raízes e ramos ressecados em direção ao céu, compõem um primeiro plano pitoresco e selvagem, enquanto a vista agora pode estender-se para todos os lados, na beleza da floresta situada defronte, e mergulhar na profundeza onde a água aparece em alguns pontos cintilando, rugindo e esbravejando, samambaias aspiram às alturas, cipós enormes se entrelaçam por sobre o riacho, formando pontes aéreas para os macacos, além de grupos de açaizeiros esguios, com suas palmas quase sempre de fácil movimento e de um verde suave, que dão um tom gentil à poderosa sinfonia das plantas. As samambaias - que realmente são uma porção, ainda que só tenham de 3 a 4 m de altura - foram o que mais me interessou, não só pela beleza e por serem as primeiras que vejo ao natural, mas também porque não se sabia desses infantes montanheses tão no fundo dos rios, como aqui, no baixo Tocantins, até onde tenho conhecimento. É claro que as fotografei para o Dr. Huber. Pena que não tivemos mais tempo para trazer exemplares vivos.

No dia oito, eis que surgia o 'Araguaya'; se eu quisesse chegar ao Pará antes de meu último compromisso, em 15 de maio, teria de deixar de passar por Baião e embarcar direto para o Pará [Belém]. Embalar as coisas e despedir-se do pessoal foi algo feito às pressas; às 17 h, partiu o navio. Sobretudo, as primeiras horas a bordo sempre são fascinantes para mim, após superar a tristeza de ter que vir embora. Especialmente, o fato de não ter absolutamente nada para fazer depois de seguir uma lida estressante. Durante quase todo o percurso pelo Tocantins, não fui para a cama ou rede antes das onze horas; em várias vezes, isso se deu ainda mais tarde. O trabalho não pára nunca, a não ser pelas pequenas pausas. Assim como ocorre quando chego das caçadas, começo logo a preparação [das peles]; isso vai até nove ou dez horas e, quando chega ao fim, ainda é preciso escrever as etiquetas, fazer apontamentos etc. O dia se vai, sem que demos conta disso. Existe, assim, um encanto especial nessa paisagem ao longo das singelas margens, curtindo um ócio prazeroso. A seguir, compenso o descanso trabalhando na coleção, que, em comparação com a quantidade de espécies existentes nesta região, não é tão significativa, pois constantemente dávamos de cara com alguma coisa que queríamos ter, mas não podíamos. Por isso, fico feliz sempre que me lembro dos dois Calospiza albertinæ que estou trazendo41 41 Nome atualizado: Tangara gyrola. , um dos tentilhões mais bonitos e raros, que até agora não tínhamos no museu.

Já em relação ao tempo, não fomos muito agraciados. Uma vez por dia, eu ficava meio molhada, e trechos inteiros ficavam completamente intransitáveis na maré alta. Aqui no Tocantins, curiosamente, as precipitações medonhas que se avizinham diariamente no período chuvoso (este ainda em curso) costumam cair à noite ou de madrugada, mas também, frequentemente, de dia. É magnífico vê-las chegando por sobre o rio, observar a curiosa coloração que se vai expandindo mais e mais, começando num ajuntamento azul-marinho de nuvens escuras e se elevando, primeiramente, sobre os montes na floresta da outra margem e, a seguir, sobre o próprio rio, enquanto, do nosso lado, o sol ainda está em pleno brilho. De repente, porém, o temporal chega, desabando sobre a vila com incrível furor, assoviando num estrondo formidável. É comum ele ir embora com a mesma rapidez com que chegou; muitas vezes, contudo, demora bastante, ainda que com menor força, atravessando a noite e indo até a manhã seguinte.

10/05. Passamos a noite inteira ancorados defronte de Cametá, onde atracamos durante um desses temporais. Um homem até caiu na água, mas por sorte nadou até chegar à terra. Hoje, uma manhã maravilhosa, tranquila, fresca. Há poucos minutos, apareceu um menininho vindo da cidade para me pedir uma "esmola"42 42 Em português, no original datilografado. para algum santo que está próximo de ser festejado. Dei a ele 2$000 [dois mil réis] e, por isso, eu tive de ir à terra para assinar meu nome na lista de doadores. Nisso, o menino volta e me entrega um buquê de rosas, o que no Pará [Belém] teria custado o quádruplo da minha contribuição tão miserável. A amabilidade dos brasileiros é mesmo indescritível. Não conheço outro povo que viva mais conforme a sentença "dar é melhor que receber" do que essa gente daqui. Não só recusam frequentemente as gorjetas, com que se pretende gratificar pelos inúmeros serviços, como até retornam carregando presentes! Ontem, por exemplo, um homem que eu mal conhecia - só sei que ele era da tripulação - surgiu do nada para me dar rosas de presente, e o exemplo dele foi imediatamente seguido por um dos passageiros que eu nem conhecia. Hoje de manhã, até mesmo um dos pequenos tripulantes veio com algumas tangerinas (das doces e pequenas, não muito comuns), pelas quais não houve jeito que aceitasse pagamento.

Além do mais, desta vez o governo fez mais do que o necessário e, numa carta extra-oficial, deu recomendações minhas ao intendente (+) de Baião, que deve ter ficado muito triste por eu não ter ido lá. Não sei como foi que recebi tanta honra. O [Emílio] Goeldi só pode ter feito elogios quase rasgados de mim. Quem dera que o meu comportamento fosse sempre condizente com a dignidade e majestade necessárias para uma representante do Museu Goeldi!

Pará [Belém], 17/05/1907. Só mais algumas palavras rápidas para concluir. Que cheguei bem cedo e, para minha felicidade, encontrei tudo em ordem. Só o Chico Fino é que tinha sido mordido por uma "cobra"43 43 Em português, no original datilografado. (+) e o Alfredo, cortado hoje a ponta do dedão do pé esquerdo, o que, porém, não parecia afetá-lo muito. Estava tudo bem também com a maioria dos bichos; naturalmente, alguns casos de animais mortos, mas nenhum dos mais valiosos. Em compensação, recebemos nesse tempo três onças jovens, sujeitos muito cândidos, de fisionomia simpática e movimentos desengonçados. Ainda tentarei tornar-me amiga delas, embora sejam bem ariscas e pouco afeitas a seres humanos. Encontrei bem espertas as minhas duas corujinhas. A menor transformou-se de lá para cá e está com a aparência tão imponente quanto sua companheira mais velha. Dois gatos maracajás jovens também estão de volta. Um fica muito tempo no meu quarto e, no começo, deixava as corujas apavoradas, especialmente quando pulava sobre as gaiolas e mostrava sua avidez por restos de carne. Agora, elas já estão mais acostumadas e deixaram o gato um pouco de lado44 44 Neste trecho, Emília se refere, evidentemente, a funcionários e animais do jardim zoológico do Museu Goeldi. .

Fair, o novo preparador [taxidermista], havia chegado na sexta-feira à tarde, por isso já estava aqui quando cheguei45 45 Paul Fair, taxidermista e coletor norte-americano, foi contratado em maio de 1907 como primeiro preparador da Seção de Zoologia do Museu Goeldi. Trabalhou apenas por alguns meses e deixou o Pará para visitar a mãe, que estava doente, não retornando ao cargo. Seu contrato foi rescindido em 31 de outubro de 1907. Agradecemos a Anna Raquel de Matos Castro, do Arquivo Guilherme de La Penha/MPEG, pelas informações. . Ele é baixo e uma pessoa simples, meio surdo, mas sensato e solícito. Mostra ser apaixonado por coletar e atirar. Assim que se acostumar a etiquetar direitinho, e nisso eu o ajudarei, estará tudo perfeito. Semana que vem começarei a fazer as malas - empacotando, principalmente, as coisas do museu, peles de aves etc., que estou levando para classificar.

Minha bagagem pessoal é pouca coisa, já que preciso comprar tudo novo. A previsão é de que eu parta no dia nove de junho, fazendo escala só em Paris, ficando provavelmente no Hotel Louvois, de onde imediatamente mando notícias para vocês. Já que Tring46 46 Museu de zoologia privado em Tring, Inglaterra, criado e mantido por Lionel Walter, segundo Barão de Rothschild. Possuía uma das melhores coleções de aves do mundo, referência para os neotrópicos. Atualmente, é vinculado ao National History Museum, de Londres. está fechado de julho em diante, vou de lá [Paris] direto para a Alemanha, de onde tenho de seguir para Gerstenberg, próximo a Kassel, até o Conde Berlepsch47 47 Hans Hermann Carl Ludwig, Conde de Berlepsch (1850-1915), ornitólogo alemão, igualmente detentor de uma grande coleção de aves e autor de vasta obra científica, inclusive sobre o Brasil. Era um dos principais interlocutores de Emília, tendo, por diversas vezes, auxiliado na identificação da coleção ornitológica do Museu Goeldi. Depois de sua morte, a coleção de Berlepsch foi vendida para o Senckenberg Museum, em Frankfurt. Figura 1. Emília Snethlage (1868-1929). . A seguir, Inglaterra, então Berlim - isto é, Werder, Potsdam, Berlim.

Em memória da Dra. Emilie Snethlage48 48 SNETHLAGE, E.-Heinrich. Dr. Emilie Snethlage zum Gedächtnis. Journal für Ornithologie, v. 78, n. 1, p. 123-134, 1930. Tradução de João Batista Poça da Silva. Os editores agradecem a Rotger Michael Snethlage pelo envio de uma cópia digitalizada deste obituário e a Gleice Mere pela ajuda na revisão da tradução.

O encarregado de negócios da Alemanha no Rio de Janeiro comunicou num telegrama que a Srta. Dra. Emilie Snethlage [Figura 1] faleceu vitimada por um ataque cardíaco no final de novembro de 1929, em Porto Velho, no rio Madeira, onde estava hospedada por ocasião da última expedição científica por ela planejada.


Ela, que partiu de modo tão repentino, foi dada à luz em 13 de abril de 1868, em Kraatz, Gransee (Mark Brandenburg), a segunda de quatro irmãos. Seus pais eram o pastor de aldeia Emil Snethlage e D. Elisabeth, nascida Rosenfeld. A mãe falecera no ano de 1872. Assim, coube ao pai a criação dos filhos e das filhas, ao que ele se dedicou com todo cuidado e amor. Não lhe causou surpresa ver a pequena filha dando conta de todas as matérias da formação humanística em voga na época, junto com seu irmão, um ano mais velho, às vezes até levando vantagem em relação a este49 49 Trata-se de Victor Snethlage (1867-1943), professor ginasial em Unna. Casou-se com Anna Snethlage (nascida Hedde) (1896-1965), pais de Emil-Heinrich Snethlage, ornitólogo, etnólogo do Museum für Völkerkunde, em Berlim, autor deste texto. . O primeiro estímulo à sua paixão pela natureza se deve ao livro "Entdeckungsreisen in Feld und Flur" [Jornadas de descoberta em campos e campinas], de Hermann Wagner50 50 Escreveu obras de divulgação da história natural bastante populares na época. Como o próprio autor comenta, há pouquíssimas informações disponíveis sobre ele. , que, com sete anos de idade, ela lia e relia repetidas vezes. Pouco a pouco, ganhou a obra completa desse autor tão sugestivo e, infelizmente, quase relegado ao completo esquecimento. Acompanhada do irmão, ela percorreu a sua região e fez para si um herbário, no qual incluía sistematicamente quatro plantas por dia. Dessa forma, logo teria tal domínio da flora nativa que um inspetor florestal amigo da família ficou, ao mesmo tempo, espantado e feliz diante dos conhecimentos botânicos daquela garotinha de onze anos. Ela também não descuidou das aves, que a seguir ganhariam sua preferência. Prova disso são as observações que enviou a Rudolf Blasius51 51 Rudolf Heinrich Paul Blasius (1842-1907) pertencia a uma renomada família de ornitólogos. Também era médico e bacteriologista. Foi eleito, em 1884, primeiro presidente do Comitê Internacional de Ornitologia e, em 1900, presidente da Sociedade dos Ornitólogos Alemães (Deutsche Ornithologen-Gesellschaft). e que foram publicadas no "Journal für Ornithologie" [Jornal de Ornitologia]. Na Páscoa de 1889, em Berlim, foi aprovada como professora habilitada para lecionar no liceu, sem nunca ao menos ter frequentado uma escola formal. Do outono de 1889 até 1890, fez um curso de formação em língua francesa, literatura e etiqueta social no educandário francês do famoso Instituto Favre-Bobilier, em Fleurier, Suíça. Daí seguiram-se dez anos como educadora na Alemanha, Inglaterra e Suíça52 52 Emília e seus irmãos nunca frequentaram uma escola formal por viverem em uma região afastada e sem escolas nas redondezas. Eles receberam aulas privadas de seu pai. Mesmo sem ter frequentado uma escola formal, Emília foi aprovada nos exames do que equivaleria ao antigo Curso Normal. Após a aprovação, Emília frequentou uma escola privada para meninas, geralmente filhas de acadêmicos, na qual aprofundou seus conhecimentos de língua francesa e etiqueta, para que pudesse lecionar. Nos dez anos a que o texto se refere, ela trabalhou como professora privada para filhos de famílias abastadas. . Em 1900, coube-lhe uma pequena herança, o que lhe possibilitou realizar seu sonho de juventude: estudar ciências naturais. Ela seguiu primeiramente para Berlim, depois para Freiburg e Jena. Dos seus professores universitários, os que exerceram maior influência sobre ela foram o zoólogo August Weissmann [sic]53 53 August Weismann (1834-1914), professor em Freiburg, foi um dos nomes mais importantes da teoria da evolução depois de Charles Darwin. Refutou o conceito de 'herança dos caracteres adquiridos', desenvolveu novas teorias genéticas e lançou as bases para a aceitação das ideias mendelianas sobre hereditariedade. e o paleontólogo Steinmann54 54 Trata-se de Johann Heinrich Conrad Gottfried Gustav Steinmann (1856-1929), geólogo, paleontólogo e mineralogista. Foi professor em Jena, Freiburg e Bonn. Fundou diversas sociedades científicas e o periódico "Geologische Rundschau" (Panorama Geológico). Em seus estudos de paleontologia e teoria da evolução, publicou diversas hipóteses que, não obtendo confirmação, provavelmente colaboraram para que seu nome caísse no esquecimento. Uma das suas principais áreas de pesquisa era a América do Sul, sobre a qual publicou, em 1929, "Geologie von Perú". . No verão de 1904, em Freiburg im Breisgau, doutorou-se summa cum laude em Filosofia (Tese "Ueber die Frage vom Muskelansatz und der Herkunft der Muskulatur bei den Arthropoden" [Da questão da fixação muscular e da procedência da musculatura dos artrópodes]). Atuou, ainda, por seis meses, em Berlim, como assistente de Reichenow55 55 O ornitólogo alemão Anton Reichenow (1847-1941) trabalhou no Museu de História Natural (Museum für Naturkunde) de Berlim entre 1874 e 1921. Era especialista em aves africanas e editou o periódico "Ornithologishe Monatsberichte". ; depois se candidatou a assistente de zoologia no Museu Goeldi, Pará, Brasil, mesmo sabendo que lá, há pouco tempo, dois jovens cientistas alemães haviam sucumbido à febre amarela56 56 Trata-se do alemão Karl von Kraatz-Koschlau (1868-1900) e do suíço Max Käch (1875-1904). Ambos eram geólogos e morreram pouco tempo depois de chegarem a Belém. . Em agosto de 1905, adentrava tardiamente em seu campo de ação. Familiarizou-se com uma velocidade extraordinária e empreendeu numerosas viagens, das mais rápidas às mais longas, à região do baixo Amazonas e seus afluentes. Quando [Emílio] Goeldi deixou o Pará, ela foi promovida à diretora da Seção de Zoologia do Museu [Goeldi] e do Jardim Zoológico. Em 1907, logrou publicar na Europa os primeiros resultados de suas coletas57 57 As primeiras publicações de Emília Snethlage sobre o Brasil datam, na verdade, de 1906, nas revistas "Ornithologische Monatsberichte", de Reichnow, e "Journal für Ornithologie", editada por Jean Cabanis. O autor do texto, contudo, pode estar se referindo ao primeiro trabalho de fôlego de Emília, "Neue Vogelarten aus Südamerika", já aqui mencionado, no qual descreveu 16 aves coletadas nos rios Tapajós, Tocantins e Pará. . Nessa época, conheceu pessoalmente o Conde Berlepsch, que a estimulou muito. Também travou intercâmbio intelectual com Hartert, em cuja casa, em Tring, passou uma temporada, e com Hellmayr58 58 O autor se refere à primeira viagem de estudos de Emília à Europa, em 1907, com o objetivo de identificar os espécimes da coleção do Museu Goeldi. O ornitólogo alemão Ernst Hartert (1859-1933) era o curador do Museu Tring, na Inglaterra, e o austríaco Carl Hellmayr (1878-1944) era o curador da coleção ornitológica do Museu de Munique. . De volta mais uma vez, tentou primeiramente ir do médio Tapajós até o Xingu, porém não conseguiu nenhum acompanhante. Em 1909, realizou a viagem planejada, mas em sentido inverso. No rio Iriri, por intermédio de um cacique Chipaya [Xipáya], entrou em contato com os índios Curuahé (Curuaya) [Kuruaya], cuja língua ela nem ao menos entendia. Entre eles, ela recrutou quatro homens e três mulheres para acompanhá-la, durante nove dias, numa caminhada por terra, atravessando uma serra de 400-500 m de altura, até a região da nascente do Jamauchim. A pesquisadora teve que descer esse afluente do Tapajós por mais 15 dias antes de chegar até as primeiras barracas dos colonos59 59 Essa é a famosa viagem de Emília, que lhe deu notoriedade mundial. Sobre esta viagem, foram publicados "Zur Ethnographie der Chipaya und Curuahe" (1910), "A travessia entre o Xingu e o Tapajoz" (1912), "Vocabulário comparativo dos índios Chipayas e Curuahé" (1912), "Die Flüsse Iriri und Curua im Gebiete des Xingu" (1925) e outros. .

Em 1910, demorou-se pela segunda vez na Europa, para concluir, em 1912-1913, o "Catálogo de Aves Amazônicas"60 60 Considerado o mais importante trabalho de Emília, publicado com o título "Catalogo das aves amazônicas, contendo todas as espécies descriptas e mencionadas até 1913", em 1914, no Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia. . Em 1914, a Sociedade Geográfica [Gesellschaft für Erdkunde] de Berlim concedeu-lhe uma bolsa e assim lhe possibilitou continuar as expedições por regiões desconhecidas. Ela viajou na companhia de alguns mestiços e indígenas pelos rios Iriri e Curuá, até bem perto das respectivas nascentes. Assim, não é de se admirar que a primeira notícia da Guerra Mundial tenha sido o 'boato' da vitória naval alemã, já na casa do coronel. Após isso, interrompeu a viagem e retornou ao Pará [Belém]. Nesse ínterim, a direção geral do museu foi a ela confiada. Em 1915, recebeu merecido reconhecimento, advindo - pasmem! - dos inimigos de sua pátria, os ingleses: foi nomeada Honorary Lady Member da União Ornitológica Britânica [British Ornithologist's Union]. Em 1916, ficou por algum tempo no rio Negro. Porém, um ano depois, após o Brasil declarar guerra à Alemanha, precisou deixar seu posto por um ano e meio mais ou menos, sendo imediatamente chamada de volta depois do anúncio oficial do armistício. Ela passara esse tempo sem atividade em sua querida Santo Antônio do Prata, uma estação missionária dos capuchinhos situada no meio da floresta, a sudeste do Pará61 61 Na verdade, no nordeste do estado, no atual município de Igarapé-Açu. . Mesmo nunca tendo abandonado sua fé protestante, foi ali acolhida com carinho pelas freiras, e assim pôde fazer com toda a tranquilidade as suas observações de flora e fauna, bem como dos índios Tembé.

Infelizmente, a crise da borracha fez com que as receitas do estado do Pará se tornassem insuficientes para pagar a todos os funcionários, de forma que, no ano de 1922, após esgotar seus meios próprios por completo, não houve outra saída para a Dra. Emilie Snethlage a não ser aceitar o emprego de 'naturalista viajante'62 62 Em português, no original. oferecido pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Nessa nova fase, ela viajou pela região costeira do Maranhão entre 1923 e 1924, na companhia do sobrinho [Emil-Heinrich Snethlage], e depois disso pôde ficar por um ano em sua terra natal, onde foi nomeada membro-honorário da Sociedade Ornitológica Alemã [Deutsche Ornithologische Gesellschaft]. Nos anos seguintes, foi incansável em empreender viagens Brasil afora, coletando material para uma obra sobre todas as aves do país. Em 1925, cruzou o Espírito Santo; em 1926, Minas Gerais e Bahia; em 1927, Goiás; em 1928, Mato Grosso e os estados do sul. Em companhia de E. Kämpfer63 63 Emil Kämpfer foi um naturalista alemão que, como coletor a serviço da ornitóloga Elsie Naumburg, do American Museum of Natural History, percorreu diversas regiões do Brasil (Maranhão, Piauí, Mato Grosso, Rio Grande do Sul) e a área de fronteira com a Argentina, Paraguai e Uruguai entre 1925 e 1931. e a esposa deste, escalou neste mesmo ano o pico mais alto do Brasil, o Caparão [sic]64 64 O autor se refere, provavelmente, ao Pico da Bandeira, no Parque Nacional do Caparaó, entre o Espírito Santo e Minas Gerais. Atualmente, reconhece-se o Pico da Neblina, localizado no norte do Amazonas, na Serra do Imeri, como o ponto mais alto do Brasil. . Na descida, perdeu-se no caminho e teve de pernoitar ao relento num frio de cerca de 0º C. Essa adversidade parece tê-la afetado mais do que se acreditava. Mesmo claramente fatigada, ela ainda encarou o desafio de fazer uma viagem aos rios Madeira e Guaporé, a última que planejara. Cheia de entusiasmo, escreveu falando do reencontro com a paisagem amazônica tão conhecida dela. Porém, em Porto Velho, onde iniciava a linha férrea Madeira-Mamoré, a morte a ceifou.

A pesquisadora, que enfrentou tantas dificuldades em suas viagens, não tinha um porte particularmente forte e robusto. Pelo contrário, podia-se descrevê-la mais como uma figura delicada. No entanto, em termos de saúde, ela foi muito brava até o fim, sem contar a doença hepática causada pelas várias vezes em que contraiu malária, mas que nunca a impediu de fazer suas expedições. A primeira vez em que a malária a atormentou foi já no seu quarto ano nos trópicos, embora não se tenha precavido, tomando quinina nem qualquer outro medicamento. Cheia de força de vontade como era, foi capaz até de esconder dos índios Curuahé [Kuruaya] a febre que a acompanhou do rio Iriri até o Jamauchim, o que se viu forçada a fazer para não ser abandonada na mata por eles, que creriam estar ela possuída por algum espírito maligno. Sua firmeza também ficou patente no dia em que uma piranha (Roseveltiella piraha [sic]65 65 Trata-se de Rooseveltiella piraya. Refere-se, provavelmente, à atual espécie Pygocentruspiraya. , um peixe predador de lagoas e de muitos rios brasileiros, conhecido por sua mordida voraz) abocanhou seu dedo médio da mão direita no momento em que ela brincava de ajudar os remadores e metia a mão na água. Ela ainda tentou afixar o dedo, que ficou preso apenas num pedaço de carne, mas precisou ela mesma amputá-lo alguns dias depois, já que ninguém do seu pessoal quis se apresentar para fazer esse serviço. Sua coragem foi formidável, e isso porque era mulher! Na mata, ela quase sempre levava apenas sua espingarda Flaubert! Já em sua expedição mais demorada, do Xingu até o Tapajós, levou sua espingarda de três canos, que acabou deixando com um grande latifundiário do médio Xingu que lhe prestou inominável auxílio, pelo que recebeu em troca uma velha espingarda de vareta, ainda muito utilizada no Brasil setentrional. Seu tiro era seguro, tanto que em muitos lugares possuía uma reputação de mestre-atiradora. Era ela mesma quem sempre preparava as aves que abatia, mesmo nos primeiros tempos, quando um preparador [taxidermista] a acompanhava. E seu serviço de preparação [taxidermia] era excelente. Deve haver mais de 10.000 aves e mamíferos empalhados por suas mãos nos museus brasileiros, alemães e norte-americanos.

Os problemas zoogeográficos e ecológicos recebiam sua especial atenção. Eram incessantes seus esforços de pesquisar as causas da formação das raças e as regiões em que cada subespécie se distribuía. Sobretudo os picídeos, formicariídeos e vireonídeos exigiram sua dedicação, pois desempenham um papel importante na região amazônica quando se trata dessa questão. Porém, de modo algum descuidou dos outros grupos de aves, o que se depreende de forma inconteste das cerca de 60 espécies e subespécies descritas como novas. Algumas delas se mostraram espécies 'quentes' [válidas]. Delas, cito apenas o Chloronerpes paraensis, o Pteroglossus reichenowi e o Grallaria martinsi66 66 Nomes atualizados: Piculus chrysochloros paraensis, Pteroglossus bitorquatus reichenowi e Hylopezus ochroleucus. As duas primeiras são atualmente consideradas subespécies e a terceira caiu em sinonímia com uma ave descrita por Maximilian zu Wied -Neuwied em 1831. Agradecemos o auxílio de Dr. Alexandre Aleixo na atualização desses nomes. . Forneceu material ao Conde Berlepsch, a Hellmayr e a outros conhecedores da avifauna sul-americana sobre muitas espécies e raças novas, por isso um grande número de aves recebe seu nome ou sobrenome. Ela costumava chamá-las de 'afilhadas'.

Seu passatempo era a Oologia. Nos debates do VI Congresso Internacional de Ornitologia [1926], divulgou resumidamente as anotações do diário de Karl Schreiner67 67 Karl Schreiner (1849-1896) era um zoólogo alemão naturalizado brasileiro, funcionário do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O material de Schreiner foi publicado em 1929, como "Beiträge zur brasilianischen Oologie" (Verhandlungen. VI. Internationalen Ornithologie Kongreß, Kopenhagen, 1926). . Tal artigo, na verdade, deveria ter sido publicado como segunda parte de sua "Brasilianische Oologie" [Oologia Brasileira]. A primeira parte teria sido, então, constituída pelas próprias observações que fez em sua longa estada no Brasil, sobretudo as que pôde fazer durante sua permanência em Santo Antônio do Prata, entre 1917 e 1918. Tencionava publicar o manuscrito completo no Brasil, porém não foi possível conseguir o dinheiro necessário naquele país. A meio caminho da editora dos anais do congresso, o documento desapareceu sem deixar pistas, o que representou uma lamentável perda para a ciência, pois, segundo relatos orais, a maior parte da avifauna paraense estava descrita nessa obra. Das poucas aves que não conseguiu coletar, apesar de todos os esforços, consta o Neomorphus geoffroyi. Porém, ao encontrá-lo várias vezes próximo de cupinzeiros de terra durante o período do choco, presumiu que ele talvez pusesse seus ovos neles.

Como diretora do Jardim Zoológico do Pará [Museu Goeldi], é claro, também teve de cuidar dos animais. Isso não lhe trouxe maiores dificuldades (uma enorme quantidade de observações feitas por ela foi publicada na quarta edição do "Brehms Tierleben" [Vida animal de Brehm]), dado estar acostumada a lidar com a biologia dos animais da fauna quase exclusivamente amazônica - ou ao menos brasileira (como exceção, havia ali apenas uma chimpanzé fêmea)68 68 Possivelmente, era a chimpanzé que vivia no parque zoobotânico do Museu Goeldi, por diversas vezes fotografada com Emília. . Conseguiu trazer mamíferos e aves bem raros, sobre os quais os zoólogos americanos Miller e Cherrie69 69 Os zoólogos Leo E. Miller (1887-1952) e George Kruck Cherrie (1865-1948) acompanharam o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt (1858-1919) em sua viagem amazônica de 1913-1914, durante a qual, juntamente com Cândido Rondon, percorreu o rio da Dúvida, posteriormente denominado de rio Roosevelt. Passando por Belém, conheceram o Museu Goeldi e Emília, a quem Roosevelt se referiu com admiração em seu relato de viagem. Figura 2. Túmulo de Emília Snethlage, em Rondônia. teceram comentários elogiosos na oportunidade em que os viram, durante a passagem do ex-presidente Roosevelt. Também conseguiu criar uma porção de criaturas monstruosas, como uma tartaruga de duas cabeças e seus cães de duas patas. Estes possuíam meras calosidades rígidas no lugar dos membros anteriores e seu andar lembrava o de cangurus. Objetivava até obter filhotes de uma cadela assim. Cada cria apresentava novamente um cão de duas patas. Trazidos para a Alemanha, seus descendentes tiveram, porém, apenas filhotes normais.

Em suas expedições científicas, a Dra. E. Snethlage também se encontrou com povos primitivos. Entre outras, a Etnologia tem muito a lhe agradecer por suas primorosas observações sobre os Chipaya [Xipáya] e Curuahé [Kuruaya] do médio Xingu, completamente ignorados até pouco tempo. Contribuiu com uma considerável coleção, boa parte da qual ficou no Brasil, mas da qual também uma amostra chegou ao Museu de Etnologia [Museum für Völkerkunde] de Berlim.

Em sua primeira viagem por regiões totalmente desconhecidas, conseguiu fazer apenas medições com bússola. Porém, em 1912-1913, na Alemanha, aprendeu a manusear aparelhos astronômicos, que a acompanharam em sua viagem a montante dos rios Iriri e Curuá (1914). O resultado foi a determinação do curso desses rios, publicados na "Revista da Sociedade de Geografia de Berlim" [Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin] em 192570 70 É o trabalho "Die Flüsse Iriri und Curua im Gebiete des Xingu" (Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin, 1925). .

Vemos, pois, que a falecida deu contribuições importantes em diversas áreas. Em seu modo de ser, porém, permaneceu modesta, em que pese sua presença nos mais altos círculos sociais, nos quais era respeitada por sua inteligência e experiência, como certamente o era nos barracos dos colonos brasileiros ou nas residências dos filhos e das filhas das selvas. Talvez gostasse de parecer reservada e fria aos estranhos, mas, na presença dos amigos, externava calorosamente os seus sentimentos e sua profundidade.

A fim de que o leitor dessas linhas possa vislumbrar um pouco a vida dessa ilustre senhora, tentarei agora esboçar o trajeto de um de seus dias em campo e apresentar um trecho da carta datada de 4 de novembro de 1929 e enviada ao irmão, no dia 7 seguinte, da localidade onde faleceu, em Porto Velho, no rio Madeira. Ali, ela dorme o sono eterno em algum dos cemitérios brasileiros que tanto prezava. Talvez sua sepultura esteja sinalizada com uma cruz simples de madeira [Figura 2]. Algum pesquisador pode passar por lá e nem ao menos desconfiar de que ali jazem os restos mortais de uma colega.


Quando ela queria conhecer a avifauna de uma região, escolhia um lugar que lhe desse a oportunidade de conseguir rapidamente chegar até o local de caça desejado. Na maioria dos casos, eram fazendas ou sítios isolados com casinhas de palha. Bastava-lhe um lugar onde pudesse armar sua rede. Não havendo mesa, sua caixa de transporte servia como tal. Levava consigo o que fosse precisar. Não era muito: instrumentos, algodão fino, arsênico em pó, naftalina, etiquetas, cadernos de anotações, a literatura essencial, alguns remédios e desinfetantes, alguns números da "Manchester Guardian Weekly Edition", cartas de paciência, papel para enrolar cigarro, o devocional da Congregação Bom Pastor71 71 No original, Losungen der Herrnhuter Brüdergemeinde. Losungen é um devocional (para os católicos, um 'devocionário'), ou seja, um pequeno livro que apresenta, para cada dia, versículos bíblicos comentados e uma oração. O devocional citado é publicado ininterruptamente desde 1731, atualmente em mais de 50 idiomas, e vende um milhão de exemplares por ano somente na Alemanha. A Herrnhuter Brüdergemeinde é uma igreja evangélica independente fundada em 1728. e a Bíblia. Levantava-se no início da aurora, tomava banho onde era possível, num igarapé ou rio próximo, tomava seu café da manhã e embrenhava-se então na mata ou no campo com sua Flaubert na mão e uma pequena mochila nas costas. Ela adorava ficar ali sozinha, pois só assim conseguia ficar observando sem ser perturbada. Tal foi o principal motivo de ela ter-se mantido no ostracismo. Só atirava em aves que fosse utilizar em seu trabalho. Aproveitava o tempo restante para conhecer o comportamento e a espécie de novas formas. Seguia espécies mais interessantes por dias a fio, antes de abatê-las. Podia ficar várias horas sentada perto de um tronco de árvore ou acocorada no solo. Espantava os inconvenientes mosquitos baforando fumaça de cigarro, tanto quanto pudesse, já que o mínimo movimento com as mãos poderia espantar seu objeto de atenção. Ouvia atentamente cada som. Com a longa experiência, conseguia já até determinar o resultado que se podia esperar. Mostrava enorme habilidade para achar ninhos e ovos. Nenhum incômodo ou perigo a impediam de olhar lá dentro ou de recolher algo, caso ainda não o possuísse na coleção. No entanto, só o fazia após demorada observação.

Assim, já eram duas ou três da tarde, quando voltava de suas excursões. Novo banho e cuidados com o corpo a livravam dos bichos terríveis que a vegetação brasileira abriga em abundância, tais como carrapatos, ácaros, pulgas etc. O almoço solitário ou o jantar nunca levava muito tempo, da mesma forma que o cafezinho, com que infelizmente nem sempre podia contar. Então, após anotar seus dados pessoais no caderno, vinha a preparação dos animais abatidos. Nisto era também muito versada, pois raramente uma ave lhe tomava mais de meia hora na preparação. Chegou a deixar pronto um colibri em apenas 15 minutos. Depois, tinham vez o preenchimento e a afixação de etiquetas. A noite era para tomada de anotações, leitura de jornais, bate-papo com os moradores da casa e o jogo de paciência. Ela nunca esquecia seu devocional.

Assim era o seu dia a dia. No domingo, ela não caçava. Em vez disso, escrevia cartas ou anotações e, quando muito, jogava paciência.

Em sua última carta, datada de 4 de novembro de 1929, de Porto Velho, no rio Madeira, relata ao irmão:

"Na segunda-feira, partiu para o [rio] Madeira o vapor 'Sapucaia', no qual já viajei muitos anos atrás, e agora para mim é tudo novo de novo, ainda que se trate da minha velha conhecida Amazônia. Paredões de mata em ambas as margens do imenso rio, às vezes iniciando depois de terrenos de grama baixa e áreas pantanosas. Precisamos viajar por quase uma semana até chegar a Porto Velho, já que, a todo o momento, tocamos a sineta e paramos para entregar correio a algum barquinho que com alguma pressa se aproxima e atraca, ou então atracamos durante horas para abastecer de madeira. De grandes localidades, somente Borba à esquerda, Calama à direita, Humaitá de novo à esquerda. Porém, a viagem num barco a vapor como este é aprazível, pois tenho só para mim o maior e mais ventilado camarote, sem contar a agradabilíssima companhia, que desde o Rio [de Janeiro] está compartilhando a viagem comigo: o 'juiz de Direito'72 72 Em português, no original. , autoridade máxima de Santo Antônio, um pouco acima de Porto Velho, ainda na Amazônia, situada logo após a fronteira com Mato Grosso, onde começam as cataratas gigantes do Madeira. Acompanhado de sua simpática e jovem esposa, ele fez igual a mim e preferiu chegar ao seu destino pela rota dez vezes mais longa, saindo do Rio [de Janeiro] e seguindo a costa até entrar pelo Amazonas, em vez de sair de Cuiabá pelo Guaporé. É viável, pois, se não dez vezes, é pelo menos algumas vezes mais rápido. Outro é alguém do pessoal de Rondon73 73 Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), militar brasileiro, coordenava a instalação da linha telegráfica entre Cuiabá e Santo Antônio do Madeira. , que deve esperá-lo no rio Jamari, mas que não sabe de mais nada. — No dia 21, segunda-feira, após um pequeno acidente, quando demos num tronco gigantesco à deriva no rio, quase completamente afundado, que de madrugada se prendeu em uma de nossas hélices, dando uma trabalheira de muitas horas e exigindo no dia seguinte ainda mais reparos na palheta danificada, chegamos a Porto Velho, na margem direita, estação inicial da conhecida e famigerada Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A localidade é, literalmente, um natimorto, tal qual a ferrovia. Construída a peso de enormes sacrifícios de dinheiro e vidas humanas, munidas de janelas e portas modernas e higiênicas, isto é, totalmente protegidas com telas contra mosquitos - casas para uma numerosa diretoria estatal (inglesa, em parte), um dito hotel para a aguardada afluência estrangeira, enormes depósitos, armazéns e instalações técnicas na margem do rio, tudo bem conservado até hoje -, logo após sua conclusão experimentou a crise da borracha, e todas as expectativas foram por água abaixo. Na linha que deveria transportar a borracha vinda da planície boliviana até Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia, transita semanalmente um trem de ida e volta, com pouquíssima carga e passageiros. A companhia recebe subvenção governamental, caso contrário não conseguiria manter nem ao menos isso. Dessa forma, temos a semente e a casca ainda bem conservadas, e tudo não deixa de ter certo brilho. Tudo, como já foi dito, generosamente mobiliado, o hotel com quartos espaçosos e ventilados, rodeado com varandas amplas e protegidas de mosquitos, banheiros, água encanada, luz elétrica, gelo, café da manhã e jantar com várias opções, tudo no maior bom gosto e não tão caro (15 mil réis por dia), os numerosos prédios grandes e belos na beirada e, por detrás, uma simpática cidadezinha do interior do Brasil, atapetada de verde - não é nada mau, sobretudo quando aprecio tudo isso do lugar onde estou atualmente hospedada, uma fazenda bem defronte, no outro lado do rio, à noite, momento em que a iluminação elétrica das ruas tem um brilho realmente cintilante que se reflete na amplidão do rio, sempre majestoso aqui ao pé das corredeiras. Bem, no hotel mencionado, uma nova experiência esperava por mim. Em minhas viagens, é muito frequente eu encontrar colegas, mas aqui encontrei uma colega pela primeira vez. Lógico que era uma inglesa, Miss Fauntaine [sic]74 74 Margaret Elizabeth Fountaine (1862-1940), lepidopterologista de Norwich, Inglaterra. Fez viagens de coleta pela Europa, África, Oriente Médio, Índia, China, Tibete, Hong-Kong, Austrália, América do Norte e do Sul e Caribe. Durante 27 anos, teve como companheiro de vida e viagens o sírio Khalil Neimy, 15 anos mais novo do que ela, que havia conhecido em Damasco. Era membro da Royal Entomological Society. O material que coletou forma, atualmente, a Fountaine-Neimy Collection, no Norwich Castle Museum, e seus cadernos de campo estão no Natural History Museum, em Londres. , especialista em borboletas e lagartas, sendo também logicamente uma filha de pastor de aldeia como eu, isto é, mutatis mutandis, terceira filha de um pai de família nobre, que teve de assumir a frente da paróquia da família e depois levou uma vida aristocrática e de desportista no interior, com 15 criados na casa, tutora francesa etc. Em todo caso, no interior teve a oportunidade de desenvolver sua aptidão para as ciências naturais, no que recebeu apoio, e quando o pai faleceu - o que significou andar com as próprias pernas -, ali achou a sua profissão. O tanto que eu viajei no Brasil, ela viajou pelo mundo e se tornou uma famosa especialista em coleta. Não demorou muito para nos tornarmos amigas, mesmo tendo sido depois de apenas dois dias e meio juntas. Juntas fizemos uma pequena expedição, tomávamos juntas as refeições e fazíamos companhia uma à outra durante o trabalho ou durante os tragos de cigarro. Foi só um lamento quando, na quarta-feira à tarde, cada uma de nós teve de tomar seu rumo, porém ficamos na esperança de nos revermos em fevereiro, no Pará [Belém], ou no próximo outono, na Inglaterra. Então, fui para a fazenda de gado na margem esquerda, onde eu tinha de fazer coleta, e ela retornou para o Pará [Belém] na manhã seguinte, a bordo do 'Sapucaia'.

Neste momento, encontro-me em muito boas mãos, apesar de algumas adversidades, que às vezes acabam sendo inevitáveis. A fazenda - habitada apenas pelo vaqueiro e sua família, que mora nos fundos (e agora também por mim) - tem na espaçosa sala da frente assoalho de tábuas, paredes outrora caiadas de branco, uma mesa grande, uma cadeira, uma corda para estender roupas e outras coisas, quatro escápulas para redes, cada uma no centro de cada parede. Situa-se no meio de um campo de capim não muito extenso, que se estende numa longa faixa de terra margeada por uma vegetação florestal composta de árvores frutíferas e que, mais ao fundo, dá lugar a plantações ou roçados recentes e cultivados. Logo atrás destes, ergue-se a mata virgem, à qual se pode chegar em menos de quinze minutos. Nela, abundam as aves que quero, das quais grande parte difere nitidamente daquelas da margem direita (estas sendo idênticas às da margem esquerda do [rio] Tapajós). Minha vida é rotineira, porém prazerosa, principalmente de manhã, quando vou para a mata, de onde não dá para voltar antes das duas ou três da tarde, depois venho para casa, almoço, preparo as aves, tomo banho, janto, tomo notas, preencho etiquetas, jogo paciência, devoro jornais velhos, deito-me na rede e costumo adormecer rápida e tranquilamente. O senhor Roberto e a Dona Sincoró, índia mestiça boliviana e boa cozinheira, cuidam de mim primorosamente. Temos carne fresca, peixe fresco que o Roberto todo dia traz para nós da cidade, fartura de frutas, manga, laranja, melão e melancia, além de garapa e leite, quando eu apreciava. As contrariedades são: uma terrível praga que voa pela casa atraída pelo gado e que é meu velho amigo - o mucuim dos campos, devido ao qual meu corpo inteiro fica parecendo mármore vermelho. Até que não há muito mosquito, e assim talvez eu ainda fique aqui por oito dias, até a próxima quarta-feira, seguindo então para Guajará-Mirim, a cerca de 300 km de distância, dois dias viajando de trem! Pretendo ficar ali apenas uma semana, se não for muito interessante, e então voltar para cá, para retornar a Manaus no próximo navio e, de lá, provavelmente para Tabatinga, na fronteira com o Peru, ou então para o Japurá".

E.-Heinrich Snethlage

Viagens da Dra. Emília Snethlage

1905 - Santo Antônio do Prata - Marajó

1906 - Monte Alegre - Rio Guamá - Rio Tapajós

1907 - Rio Tocantins

1908 - Peixe-Boi - Coati-Puru - Monte Alegre - Ereré - Rio Maecuru

1909 - Travessia Rio Xingu-Iriri-Curuá-Jamauchim-Tapajós

1910 - Santa Isabel - Rio Tocantins

1911 - Rio Tocantins - Ananindeua - Apeú - Providência - Rio Tapajós

1912 - Óbidos - Rio Jamundá - Arumanduba - Rio Jari

1914 - Rio Iriri - Rio Curuá

1916 - Rio Negro

1917-1918 - Santo Antônio do Prata

1922 - Em torno do Rio de Janeiro

1923 - Maranhão

1925 - Espírito Santo - Rio Doce

1926 - Minas Gerais - Bahia

1927 - Goiás - Rio Araguaia

1928 - Estados brasileiros da região sul - Mato Grosso

1929 - Caparaó - Rio Madeira

Trabalhos científicos da Dra. Emília Snethlage

1905 - Ueber die Frage vom Muskelansatz und der Herkunft der Muskulatur bei den Arthropoden. Freiburg im Breisgau. (Dissertation).

Ueber die Gattung Joufia G. Böhm; Berichte der Naturforschenden Gesellschaft zu Freiburg im Breisgau XVI, S. 1-9.

1906 - Ueber brasilianische Vögel; Orn. Monatsberichte XIV, S. 9.

Einige Bemerkungen über Hypocnemis vidua Hellm. und Phlogopsis paraensis Hellm.; Orn. Monatsber. XIV, S. 29-31.

Ein neuer Zwergspecht. Ibid. S. 59-60.

Ueber unteramazonische Vögel; Journ. f. Orn. 1906, S. 407-411, S. 519-527, 1907, S. 283-299.

1907 - Neue Vogelarten aus Südamerika; Orn. Monatsber. XV, S. 160-164, S. 193-196.

1908 - Eine Vogelsammlung vom Rio Purus, Brasilien; Journ. f. Orn. 1908, S. 7-24.

Ornithologisches von Tapajoz und Tocantins; Journ. f. Orn. 1908, S. 493-539.

Sobre uma colecção de aves do Rio Purus; Bol. do Mus. Goeldi, vol. V, Pará, S. 43-78.

Novas espécies de aves amazônicas das collecções do Museu Goeldi; ibid. vol. V, S. 437-448.

Novas espécies de Peixes amazônicos das collecções do Museu Goeldi; ibid. vol. 5, S. 449-155.

(Bibliographia zoológica; ibid., vol. V, S. 463-471).

1909 - Sobre a distribuição da avifauna campestre na Amazônia; ibid., vol. VI, S. 226-235.

Berichtigung; Orn. Monatsber. XVIII, S. 192.

1910 - Zur Ethnographie der Chipaya und Curuahé; Zeitschr. f. Ethn. 1910, S. 612-637.

Neue Vogelarten aus Amazonien; Orn. Monatsberichte XX, S. 153-155.

1912 - A travessia entre o Xingu e o Tapajoz; Boletim do Museu Goeldi, vol. XII, S. 49-92.

Vocabulário comparativo dos Índios Chipayas e Curuahé; ibid., vol. XII, S. 93-99.

1913 - Ueber die Verbreitung der Vogelarten in Unteramazonien; Journ. f. Ornith. 1913, S. 469-539.

1914 - Neue Vogelarten aus Amazonien; Orn. Monatsber. XXII, S. 39-44.

Catálogo das aves amazônicas; Boletim do Mus. Goeldi, vol. VIII, S. 1-530.

1917 - Nature and Man in Eastern Pará, Brazil; The Geographical Review (New York), vol. IV, S. 41-50.

1920-21 - Die Indianerstämme am mittleren Xingu; Zeitschr. f. Ethnol. 1920-21, S. 395-427.

1923 - Oribatídeos Brasileiros (Uebersetzung der Arbeit von Dr. Mac Sellnick); Archivos do Museu Nacional, vol. XXIV, Rio de Janeiro, S. 283-300.

1924 - Neue Vogelarten aus Nordostbrasilien; Journ. f. Orn. 1924, S. 446-450.

Informações sobre a avifauna do Maranhão; Bol. do Museu Nacional, Rio de Janeiro, vol. I, S. 219-223.

Novas espécies de aves do NE do Brasil; ibid., S. 407-412.

1925 - Neue Vogelarten aus Nordbrasilien; Journ. f. Ornith. LXXIII, S. 264-274.

Die Flüsse Iriri und Curuá im Gebiete des Xingu; Zeitschr. der Ges. f. Erdk. zu Berlin 1925, S. 328-354.

Resumo de trabalhos executados na Europa de 1924-1925; Boletim do Museu Nacional, Rio de Janeiro, vol. II, 6, S. 35-70.

1926 - Uma nova espécie de Dendrocolaptídeo no interior do Brasil; ibid., vol. III, 3, S. 59-60.

Algumas observações sobre pássaros raros e pouco conhecidos do Brasil; ibid., vol. III, 3, S. 61-64.

1927 - Bemerkungen über einige wenig bekannte Formicariiden aus Süd- und Mittel-brasilien; Journ. f. Orn. 1927, S. 371-374.

Novas espécies e subspécies de Aves do Brasil Central. Boletim do Museu Nacional, Rio de Janeiro, vol. IV, 2, S. 1-8. 1928 - Ein neuer Dendrocolaptide aus Inner-Brasilien; Orn. Monatsber. XXXV, S. 8-9.

Ein neuer Cuculide aus Südbrasilien; Orn. Monatsber. XXXV, S. 80-82.

Neue Vogelarten und Unterarten aus Innerbrasilien; Journ. f. Orn. LXXVI, S. 581-587.

1929 - E. Snethlage und Karl Schreiner: Beiträge zur brasilianischen Oologie; Verhandl. des VI. Internationalen Ornithologen-Kongresses in Kopenhagen, 1926, Berlin 1929, S. 576-640.

1930 - Bemerkungen über die Verbreitung der Vögel in Brasilien; Journ. f. Orn. 78, S. 58-65.

  • CORREA, M. A doutora Emília e o detalhe etnográfico. In: FAULHABER, Priscila; TOLEDO, Peter Mann de (Orgs.). Conhecimento e fronteira: história da ciência na Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2001. p. 161-179.
  • CORREA, M. A Doutora Emília e a tradição naturalista. Horizontes Antropológicos, v. 1, n. 1, p. 37-46, 1995.
  • CUNHA, O. R. Maria Elizabeth Emília Snethlage. In: CUNHA, O. R. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, 1. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1989. p. 83-102.
  • JUNGHANS, M. Abrindo as gavetas: Emília Snethlage (1868-1929) e as coleções ornitológicas do Museu Goeldi e do Museu Nacional do Rio de Janeiro em 1922. In: LOPES, M. M.; HEIZER, A. (Orgs.). Colecionismos, práticas de campo e representações Campina Grande: EdUEPB, 2011. p. 61-73.
  • JUNGHANS, M. Emília Snethlage (1868-1929): o heroísmo como estratégia de legitimação da ciência. In: CONGRESSO IBEROAMERICANO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E GÊNERO, 8., 2010, Curitiba. Anais... Curitiba: UTFPR, 2010. Disponível em: <http://files.dirppg.ct.utfpr.edu.br/ppgte/eventos/cictg/conteudo_cd/E2_Em%C3%ADlia_Snethlage.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013.
  • JUNGHANS, M. Avis Rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emília Snethlage (1868-1929) no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2009.
  • JUNGHANS, M. Emília Snethlage (1868-1929): uma naturalista alemã na Amazônia. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 15, supl., p. 243-255, 2008.
  • LOPES, M. M. Proeminência na mídia, reputação em ciências: a construção de uma feminista paradigmática e cientista normal no Museu Nacional do Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 15, supl., p. 73-95, 2008.
  • LOPES, M. M. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997.
  • SANJAD, N. A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República, 1866-1907. Brasília: Instituto Brasileiro de Museus; Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2010.
  • SNETHLAGE, E.-H. Dr. Emilie Snethlage zum Gedächtnis. Journal für Ornithologie, v. 78, n. 1, p. 123-134, 1930.
  • Autor para correspondência:

    Nelson Sanjad
    Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI
    Av. Magalhães Barata, 376
    Belém, PA, Brasil. CEP 66040-170
    (
  • 1
    SNETHLAGE, Emilie. "Tocantins 1907". Original datilografado em alemão. Coleção Emil-Heinrich Snethlage. Acervo particular de Rotger Michael Snethlage, Aachen, Alemanha. Tradução de João Batista Poça da Silva. Os editores agradecem a Rotger Michael Snethlage pelo envio de uma cópia digitalizada deste documento.
  • 2
    Vila localizada um pouco acima de Tucuruí (antiga Alcobaça), estação do km 25 da Estrada de Ferro do Tocantins, então em construção. Em 1954, a estrada de ferro margeava o rio no trecho encachoeirado entre Tucuruí e Jatobal, então com 117 km, permitindo o transbordo de passageiros e carga. A estrada foi desativada em 1974.
  • 3
    A autora se refere a um dos vapores que faziam a linha do Tocantins, pertencente à Companhia Tocantins-Araguaia.
  • 4
    Nome atualizado:
    Mauritia flexuosa L. f. (Arecaceae).
  • 5
    Jacques Huber (1867-1914), botânico suíço, pesquisador do Museu Goeldi entre 1895 e 1914, diretor a partir de 1907. É evidente que a autora se refere, no trecho anterior e posterior, às observações realizadas por Huber em "Sur le Campos de l'Amazone inférieur et leur origine", publicado no Compte Rendu do primeiro Congresso Internacional de Botânica (Paris, 1-10 out. 1900), e em "Contribuição à geografia física dos furos de Breves e da parte ocidental de Marajó", estudo publicado em 1902 no Boletim do Museu Goeldi.
  • 6
    Nome atualizado:
    Montrichardia linifera (Arruda) Schott (Araceae).
  • 7
    Sinal gráfico que aparece ao longo do documento datilografado, talvez marcando referências geográficas, espécies e expressões importantes para E.-Heinrich Snethlage.
  • 8
    Nome atualizado:
    Megaceryle torquata.
  • 9
    Nome atualizado:
    Maximilianamartiana H. Karst. (Arecaceae).
  • 10
    Nome atualizado:
    Bertholletia excelsa Bonpl. (Lecythidaceae).
  • 11
    No original, página 3: "Oh, du verwaistes Land, du öder Nord, du siehst den Glanz des Lichtes nimmer".
  • 12
    Gustav Grüner, cônsul da Alemanha no Pará.
  • 13
    Em português, no original datilografado.
  • 14
    Oscar Rodrigues Martins (?-?), Ajudante de Preparador da Seção de Zoologia do Museu Goeldi a partir de 1907. Ingressou na instituição aos 13 anos de idade, como voluntário da oficina taxidérmica, e começou a viajar em companhia de Emília.
  • 15
    Em português, no original datilografado.
  • 16
    Nomes atualizados:
    Avocettula recurvirostris e
    Heliothryx auritus.
  • 17
    A arara-azul,
    Anodorhynchus hyacinthinus.
  • 18
    Nome atualizado:
    Dasyprocta leporina.
  • 19
    Emília Snethlage, enquanto chefe da Seção de Zoologia do Museu Goeldi, era responsável pelo jardim zoológico da instituição.
  • 20
    Nome atualizado:
    Saimiri sciureus.
  • 21
    Nome atualizado:
    Saguinus niger.
  • 22
    Nomes atualizados, na ordem de citação:
    Ramphastos tucanus; Ramphastos vitellinus; Pteroglossus é um gênero de aves piciformes, da família Ramphastidae, que inclui dez espécies de araçaris no Brasil;
    Psarocolius viridis; Psarocolius bifasciatus.
  • 23
    A autora se refere a Alfred Edmund Brehm (1829-1884), zoólogo e escritor alemão. Escreveu muitos textos de divulgação científica para revistas alemãs e organizou, entre 1864 e 1869, uma enciclopédia zoológica em seis volumes, ampliados para dez na segunda edição, publicados entre 1876 e 1879, com o título "Brehms Thierleben" (Vida animal de Brehm). Quando criança, Emília deve ter consultado esta edição, muito popular e ricamente ilustrada.
  • 24
    Nomes atualizados:
    Anodorhynchus hyacinthinus, Ara macao, Ara chloropterus.
  • 25
    Aldred Russell Wallace (1823-1913), naturalista inglês. Entre 1848 e 1852, viajou pela Amazônia, publicando posteriormente uma série de trabalhos que se tornaram referências para a zoologia e biogeografia. A excursão ao rio Tocantins foi a primeira viagem importante realizada por Wallace na Amazônia, entre 26 de agosto e 30 de setembro de 1848. O terceiro capítulo de "A Narrative of Travels on the Amazon and Rio Negro, with an account of the native tribes, and observations on the climate, geology, and natural history of the Amazon Valley" (1853) é dedicado a esta viagem. A partir de 1894, os pesquisadores do Museu Goeldi seguiram os passos de Wallace por diversas vezes, revendo e ampliando o inventário biológico por ele realizado.
  • 26
    A autora se refere a João Baptista de Sá (?-1909), o mais antigo funcionário do Museu Goeldi na época. Ingressou como servente antes de 1894 e, a partir de 1895, assumiu o cargo de Ajudante de Preparador da Seção de Zoologia.
  • 27
    Em português, no original datilografado.
  • 28
    Esta viagem ao rio Tocantins rendeu 171 aves à coleção ornitológica do Museu Paraense, entre as quais seis novas espécies para a ciência (
    Thalurania furcata intermedia, Dysithamnus capitalis squamosus, Xiphorhynchus multostriatus, Euscarthmus zosterops minor, Euscarthmus griseipectus, Serpophaga pallida), todas descritas por Emília em "Neue Vogelarten aus Südamerika" ("Ornithologische Monatsbericht", v. 15, n. 10, n. 12, 1907) e em "Novas espécies de aves amazônicas" ("Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia", v. 5, n. 2, 1909).
  • 29
    No original datilografado, há uma variante no nome. Aqui aparece "Poncy", em vez de "Poucy".
  • 30
    Em português, no original datilografado.
  • 31
    Em português, no original datilografado.
  • 32
    Na verdade, os primeiros imigrantes chineses chegaram ao Brasil no início do século XIX, para trabalhar no cultivo do chá no Rio de Janeiro.
  • 33
    Emília se refere à famosa residência do chanceler alemão Otto von Bismarck (1815-1898), na cidade de Friedrichsruhe, entre Hamburgo e Berlim, doada a ele pelo Kaiser Wilhelm II. Bismarck é considerado o articulador do II Reich (1871-1918) e conhecido pelas intervenções militaristas na Europa - o que gerou o comentário de Dr. Poucy.
  • 34
    Esse é um dos temas políticos que mobilizava as atenções no início do século. Marrocos era um sultanato cobiçado por França, Espanha e Alemanha. Os dois primeiros pretendiam estabelecer uma colônia formal ou um protetorado, enquanto a Alemanha trabalhava pela independência (e por outras formas de influência local). Em março de 1905, o Kaiser Wilhelm II desembarcou em Tanger e declarou a independência do Marrocos, gerando graves tensões com a França, cuja posição oscilou entre um acordo e a resistência armada. Em 1906, foi realizada uma conferência na Espanha, quando a independência foi ratificada, mas mantendo-se as concessões francesas relativas ao controle bancário e policial. O episódio minou as relações diplomáticas entre os países, motivando o comentário de Emília.
  • 35
    Albert-Auguste Cochon de Lapparent (1839-1908), geólogo francês, autor de vasta e conhecida obra, inclusive no Brasil.
  • 36
    Charles Frederick Hartt (1840-1878), geólogo canadense, fez várias viagens ao Brasil, foi pesquisador do Museu Nacional e criou a Comissão Geológica do Império (1875-1878). Na época, era a grande referência para a geologia amazônica e brasileira. O relato da viagem de Hartt ao rio Tocantins, ao qual Emília se refere, foi publicado por Emílio Goeldi no "Boletim do Museu
  • 37
    Nome atualizado:
    Bertholletia excelsa Bonpl. (Lecythidaceae).
  • 38
    Nome atualizado:
    Papaya papaya (L.) H. Karst. (Caricaceae).
  • 39
    Nome atualizado:
    Tamandua tetradactyla.
  • 40
    Joseph Freiherr von Eichendorff (1788-1857), poeta alemão, considerado um dos mais importantes do romantismo.
  • 41
    Nome atualizado:
    Tangara gyrola.
  • 42
    Em português, no original datilografado.
  • 43
    Em português, no original datilografado.
  • 44
    Neste trecho, Emília se refere, evidentemente, a funcionários e animais do jardim zoológico do Museu Goeldi.
  • 45
    Paul Fair, taxidermista e coletor norte-americano, foi contratado em maio de 1907 como primeiro preparador da Seção de Zoologia do Museu Goeldi. Trabalhou apenas por alguns meses e deixou o Pará para visitar a mãe, que estava doente, não retornando ao cargo. Seu contrato foi rescindido em 31 de outubro de 1907. Agradecemos a Anna Raquel de Matos Castro, do Arquivo Guilherme de La Penha/MPEG, pelas informações.
  • 46
    Museu de zoologia privado em Tring, Inglaterra, criado e mantido por Lionel Walter, segundo Barão de Rothschild. Possuía uma das melhores coleções de aves do mundo, referência para os neotrópicos. Atualmente, é vinculado ao National History Museum, de Londres.
  • 47
    Hans Hermann Carl Ludwig, Conde de Berlepsch (1850-1915), ornitólogo alemão, igualmente detentor de uma grande coleção de aves e autor de vasta obra científica, inclusive sobre o Brasil. Era um dos principais interlocutores de Emília, tendo, por diversas vezes, auxiliado na identificação da coleção ornitológica do Museu Goeldi. Depois de sua morte, a coleção de Berlepsch foi vendida para o Senckenberg Museum, em Frankfurt.
    Figura 1. Emília Snethlage (1868-1929).
  • 48
    SNETHLAGE, E.-Heinrich. Dr. Emilie Snethlage zum Gedächtnis.
    Journal für Ornithologie, v. 78, n. 1, p. 123-134, 1930. Tradução de João Batista Poça da Silva. Os editores agradecem a Rotger Michael Snethlage pelo envio de uma cópia digitalizada deste obituário e a Gleice Mere pela ajuda na revisão da tradução.
  • 49
    Trata-se de Victor Snethlage (1867-1943), professor ginasial em Unna. Casou-se com Anna Snethlage (nascida Hedde) (1896-1965), pais de Emil-Heinrich Snethlage, ornitólogo, etnólogo do Museum für Völkerkunde, em Berlim, autor deste texto.
  • 50
    Escreveu obras de divulgação da história natural bastante populares na época. Como o próprio autor comenta, há pouquíssimas informações disponíveis sobre ele.
  • 51
    Rudolf Heinrich Paul Blasius (1842-1907) pertencia a uma renomada família de ornitólogos. Também era médico e bacteriologista. Foi eleito, em 1884, primeiro presidente do Comitê Internacional de Ornitologia e, em 1900, presidente da Sociedade dos Ornitólogos Alemães (Deutsche Ornithologen-Gesellschaft).
  • 52
    Emília e seus irmãos nunca frequentaram uma escola formal por viverem em uma região afastada e sem escolas nas redondezas. Eles receberam aulas privadas de seu pai. Mesmo sem ter frequentado uma escola formal, Emília foi aprovada nos exames do que equivaleria ao antigo Curso Normal. Após a aprovação, Emília frequentou uma escola privada para meninas, geralmente filhas de acadêmicos, na qual aprofundou seus conhecimentos de língua francesa e etiqueta, para que pudesse lecionar. Nos dez anos a que o texto se refere, ela trabalhou como professora privada para filhos de famílias abastadas.
  • 53
    August Weismann (1834-1914), professor em Freiburg, foi um dos nomes mais importantes da teoria da evolução depois de Charles Darwin. Refutou o conceito de 'herança dos caracteres adquiridos', desenvolveu novas teorias genéticas e lançou as bases para a aceitação das ideias mendelianas sobre hereditariedade.
  • 54
    Trata-se de Johann Heinrich Conrad Gottfried Gustav Steinmann (1856-1929), geólogo, paleontólogo e mineralogista. Foi professor em Jena, Freiburg e Bonn. Fundou diversas sociedades científicas e o periódico "Geologische Rundschau" (Panorama Geológico). Em seus estudos de paleontologia e teoria da evolução, publicou diversas hipóteses que, não obtendo confirmação, provavelmente colaboraram para que seu nome caísse no esquecimento. Uma das suas principais áreas de pesquisa era a América do Sul, sobre a qual publicou, em 1929, "Geologie von Perú".
  • 55
    O ornitólogo alemão Anton Reichenow (1847-1941) trabalhou no Museu de História Natural (Museum für Naturkunde) de Berlim entre 1874 e 1921. Era especialista em aves africanas e editou o periódico "Ornithologishe Monatsberichte".
  • 56
    Trata-se do alemão Karl von Kraatz-Koschlau (1868-1900) e do suíço Max Käch (1875-1904). Ambos eram geólogos e morreram pouco tempo depois de chegarem a Belém.
  • 57
    As primeiras publicações de Emília Snethlage sobre o Brasil datam, na verdade, de 1906, nas revistas "Ornithologische Monatsberichte", de Reichnow, e "Journal für Ornithologie", editada por Jean Cabanis. O autor do texto, contudo, pode estar se referindo ao primeiro trabalho de fôlego de Emília, "Neue Vogelarten aus Südamerika", já aqui mencionado, no qual descreveu 16 aves coletadas nos rios Tapajós, Tocantins e Pará.
  • 58
    O autor se refere à primeira viagem de estudos de Emília à Europa, em 1907, com o objetivo de identificar os espécimes da coleção do Museu Goeldi. O ornitólogo alemão Ernst Hartert (1859-1933) era o curador do Museu Tring, na Inglaterra, e o austríaco Carl Hellmayr (1878-1944) era o curador da coleção ornitológica do Museu de Munique.
  • 59
    Essa é a famosa viagem de Emília, que lhe deu notoriedade mundial. Sobre esta viagem, foram publicados "Zur Ethnographie der Chipaya und Curuahe" (1910), "A travessia entre o Xingu e o Tapajoz" (1912), "Vocabulário comparativo dos índios Chipayas e Curuahé" (1912), "Die Flüsse Iriri und Curua im Gebiete des Xingu" (1925) e outros.
  • 60
    Considerado o mais importante trabalho de Emília, publicado com o título "Catalogo das aves amazônicas, contendo todas as espécies descriptas e mencionadas até 1913", em 1914, no Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia.
  • 61
    Na verdade, no nordeste do estado, no atual município de Igarapé-Açu.
  • 62
    Em português, no original.
  • 63
    Emil Kämpfer foi um naturalista alemão que, como coletor a serviço da ornitóloga Elsie Naumburg, do American Museum of Natural History, percorreu diversas regiões do Brasil (Maranhão, Piauí, Mato Grosso, Rio Grande do Sul) e a área de fronteira com a Argentina, Paraguai e Uruguai entre 1925 e 1931.
  • 64
    O autor se refere, provavelmente, ao Pico da Bandeira, no Parque Nacional do Caparaó, entre o Espírito Santo e Minas Gerais. Atualmente, reconhece-se o Pico da Neblina, localizado no norte do Amazonas, na Serra do Imeri, como o ponto mais alto do Brasil.
  • 65
    Trata-se de
    Rooseveltiella piraya. Refere-se, provavelmente, à atual espécie
    Pygocentruspiraya.
  • 66
    Nomes atualizados:
    Piculus chrysochloros paraensis, Pteroglossus bitorquatus reichenowi e
    Hylopezus ochroleucus. As duas primeiras são atualmente consideradas subespécies e a terceira caiu em sinonímia com uma ave descrita por Maximilian zu Wied
    -Neuwied em 1831. Agradecemos o auxílio de Dr. Alexandre Aleixo na atualização desses nomes.
  • 67
    Karl Schreiner (1849-1896) era um zoólogo alemão naturalizado brasileiro, funcionário do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O material de Schreiner foi publicado em 1929, como "Beiträge zur brasilianischen Oologie" (Verhandlungen. VI. Internationalen Ornithologie Kongreß, Kopenhagen, 1926).
  • 68
    Possivelmente, era a chimpanzé que vivia no parque zoobotânico do Museu Goeldi, por diversas vezes fotografada com Emília.
  • 69
    Os zoólogos Leo E. Miller (1887-1952) e George Kruck Cherrie (1865-1948) acompanharam o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt (1858-1919) em sua viagem amazônica de 1913-1914, durante a qual, juntamente com Cândido Rondon, percorreu o rio da Dúvida, posteriormente denominado de rio Roosevelt. Passando por Belém, conheceram o Museu Goeldi e Emília, a quem Roosevelt se referiu com admiração em seu relato de viagem.
    Figura 2. Túmulo de Emília Snethlage, em Rondônia.
  • 70
    É o trabalho "Die Flüsse Iriri und Curua im Gebiete des Xingu" (Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin, 1925).
  • 71
    No original,
    Losungen der Herrnhuter Brüdergemeinde. Losungen é um devocional (para os católicos, um 'devocionário'), ou seja, um pequeno livro que apresenta, para cada dia, versículos bíblicos comentados e uma oração. O devocional citado é publicado ininterruptamente desde 1731, atualmente em mais de 50 idiomas, e vende um milhão de exemplares por ano somente na Alemanha. A Herrnhuter Brüdergemeinde é uma igreja evangélica independente fundada em 1728.
  • 72
    Em português, no original.
  • 73
    Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), militar brasileiro, coordenava a instalação da linha telegráfica entre Cuiabá e Santo Antônio do Madeira.
  • 74
    Margaret Elizabeth Fountaine (1862-1940), lepidopterologista de Norwich, Inglaterra. Fez viagens de coleta pela Europa, África, Oriente Médio, Índia, China, Tibete, Hong-Kong, Austrália, América do Norte e do Sul e Caribe. Durante 27 anos, teve como companheiro de vida e viagens o sírio Khalil Neimy, 15 anos mais novo do que ela, que havia conhecido em Damasco. Era membro da Royal Entomological Society. O material que coletou forma, atualmente, a Fountaine-Neimy Collection, no Norwich Castle Museum, e seus cadernos de campo estão no Natural History Museum, em Londres.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Mar 2013
    • Aceito
      20 Mar 2013
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