Acessibilidade / Reportar erro

CARTA DO EDITOR

O ano de 2010 iniciou com duas boas notícias para o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas: em janeiro, foi indexado no Directory of Open Access Journals (DOAJ), um dos mais importantes serviços de disseminação científica do mundo, mantido pela Universidade Lund, na Suécia. O DOAJ (http://www.doaj.org) reúne cinco mil títulos de periódicos de todas as áreas do conhecimento, em dezenas de línguas, com aproximadamente 400 mil artigos acessíveis. O objetivo da base é aumentar a visibilidade e facilitar o uso de periódicos científicos com acesso aberto, na contra-corrente da mercantilização e do controle da informação científica mantidos pelas grandes corporações editoriais. Nesse sentido, um dos critérios essenciais para ingressar no DOAJ é utilizar um modelo de financiamento que dispense o periódico da cobrança de taxas dos leitores, dos autores e das instituições usuárias. O conceito de 'acesso aberto', internacionalmente reconhecido, implica conceder aos usuários os direitos de ler, fazer o download, copiar, distribuir, imprimir, buscar e ativar links para os textos completos. Além do compromisso com esses direitos, os periódicos indexados devem exercer o controle de qualidade por meio da avaliação por pares, devem divulgar principalmente resultados de pesquisas científicas para a comunidade acadêmica, devem garantir a periodicidade e dispensar o período de embargo, isto é, o tempo decorrido entre a publicação impressa e a disponibilização dos textos online com acesso gratuito.

A segunda boa notícia chegou em março. Na XXIII Reunião do Comitê Consultivo da Scientific Electronic Library Online (Scielo Brasil), ocorrida em fevereiro, o Boletim recebeu parecer favorável ao ingresso na coleção principal de periódicos, após quatro anos de esforços para aperfeiçoá-lo do ponto de vista científico, editorial e gráfico. A Scielo Brasil (http://www.scielo.br) é a mais importante biblioteca digital científica do país, com 205 títulos de periódicos correntes, mantida pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Seus critérios de seleção incluem o caráter científico, a arbitragem por pares, a composição do conselho editorial, a periodicidade, o número de artigos publicados anualmente, os aspectos formais da publicação, como normalização, resumo, abstract etc., além da avaliação de pareceristas sobre o conteúdo científico.

Para o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, ingressar em ambas as bases significa, por um lado, o reconhecimento de que o caminho percorrido até o momento foi acertado e, por outro, atenção redobrada com sua política e seus procedimentos editoriais. O Boletim permanece no caminho do profissionalismo editorial, felizmente livre de impedimentos financeiros, de injunções políticas e da pessoalidade que vez por outra assaltam as instituições brasileiras. Nosso compromisso mantém-se, desde o início, no campo da qualidade e da ética, em boa parte inspiradas pelos ideais que moveram os criadores da revista, há 116 anos: proporcionar ao meio acadêmico um lugar confiável para encontros e debates, e à sociedade brasileira uma revista comprometida com a democratização do conhecimento científico.

Este número, que inaugura o volume cinco, é condizente com os desafios que assumimos. Ele reúne um ensaio e quatro artigos no dossiê temático "Populações, territorialidades e Estado na Amazônia", organizado por Karin Marita Naase (MPEG/MCT), a quem agradeço pela colaboração. Os autores que aderiram ao nosso convite e se submeteram ao processo de avaliação são reconhecidos nacionalmente pelas contribuições sobre o tema: Bertha Becker (UFRJ), Francisco de Assis Costa (UFPA), Wanderley Messias da Costa (USP), Neide Esterci (UFRJ) e Kátia Schweickardt (INCRA/AM), além da organizadora. Juntos, enriquecem uma discussão de grande importância para a Amazônia, sobretudo no momento atual, quando o mundo vê fortalecido um destino que lhe foi imposto por Brasília há algumas décadas: de ser fonte de commodities (incluindo energia elétrica) e espaço para reprodução do grande capital, sem os necessários e complementares investimentos do governo federal para evitar conflitos sociais, para a melhoria da qualidade de vida da população, para o incentivo à pesquisa científica e para a conservação dos recursos naturais. Os autores aqui reunidos mostram que existem alternativas à exploração predatória e que também existem maneiras diferentes de perceber e gerir o espaço amazônico.

Na sequência, apresentamos dois artigos que estão no limiar da arqueologia com outras disciplinas, como as geociências e a etnologia. O primeiro, de Paulo César Giannini (USP) e colaboradores, avança na relação entre processos socioculturais e transformações ambientais, tomando como objeto a distribuição espaço-temporal dos sambaquis da costa de Santa Catarina. Estudos dessa natureza têm grande potencial para aprofundar os conhecimentos disponíveis sobre a ocupação humana do território brasileiro numa escala temporal de longa duração, bem como para demonstrar a construção da paisagem na interseção entre ação humana e forças naturais. O caso dos sambaquis, presentes de norte a sul do país, oferece elementos adequados para essas reflexões, incluindo possíveis comparações entre regiões distintas.

O segundo artigo, de Antonio Porro (USP), trata das raras e pouco estudadas estatuetas líticas amazônicas, cujos exemplares conhecidos, em número de 25, estão depositados em algumas poucas instituições, sendo quatro brasileiras: Museu Nacional/UFRJ, Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT, Universidade Federal do Pará e Museu de História Natural/UFMG. Com base em fontes históricas, em estudos pretéritos e em análise tipológica comparativa, o autor associa esses objetos a rituais xamânicos, possivelmente usados para inalação de alucinógenos, de maneira a permitir a incorporação de seres sobrenaturais. Essa abordagem, ao se aproximar da história e da etnologia, permite maior sofisticação na análise de artefatos sem registro arqueológico ou com registro deficiente.

Na seção Memória, publicamos uma nota biográfica de Erwin Frank (1950-2008), de autoria de sua esposa, Nelita Frank, e um texto que o antropólogo deixou inédito sobre a etnografia de Theodor Koch-Grünberg (1872-1924). Agradeço à Nelita pela oportunidade de publicar este texto e pela confiança que demonstrou ao me permitir editá-lo. Também agradeço ao Dr. Ernst Halbmayer, responsável pela Divisão de Etnologia da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia da Universidade Philipps de Marburg, Alemanha, pela autorização para publicarmos sete fotografias originais de Koch-Grünberg, conforme os planos que Erwin Frank traçou para seu trabalho.

Há, ainda, o relato de uma expedição realizada há 60 anos entre os índios Urubú-Ka'apor, no Maranhão. Escrito pelo israelense Sam Zebba, à época mestrando no curso de Artes Teatrais da Universidade da Califórnia em Los Angeles e atualmente regente da The Emeritus Chamber Orquestra, em Israel, o texto narra não apenas o encontro com os índios, que protagonizaram o conhecido filme "Uirapuru", dirigido por Zebba, mas também o início da amizade do autor com o arqueólogo alemão Peter Paul Hilbert (1914-1989), à época pesquisador do Museu Goeldi (ver biografia escrita por Klaus Hilbert em Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 4, n. 1). Este encontro multi-étnico nos deixou como legado as belas imagens do referido filme e das fotografias de Zebba, publicadas aqui pela primeira vez e agora acrescidas de um testemunho de tolerância e solidariedade.

O número encerra com três resenhas bibliográficas, escritas por Sebastian Drude (MPEG/MCT), Márcio Rangel (MAST/MCT) e Samuel Almeida (MPEG/MCT), respectivamente, sobre publicações relacionadas à obra de Koch-Grünberg, à curadoria em museus e a plantas aromáticas da Amazônia, particularmente a priprioca.

Boa leitura!

Nelson Sanjad

Editor Científico

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Abr 2010
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br