Resumo
O artigo aborda o estatuto fonológico das sequências do tipo ‘oclusiva glotal + consoante’ em três línguas pertencentes ao ramo Jê Setentrional (família Jê, tronco Macro-Jê), faladas no Maranhão e no Tocantins: Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ. São analisadas as restrições distribucionais à ocorrência de tais sequências, as alternâncias entre a presença e a ausência da oclusiva glotal, bem como o comportamento idiossincrático de determinados morfemas em relação à ocorrência da oclusiva glotal. Propõe-se uma análise econômica para os fenômenos observados, que envolve a identificação de consoantes preglotalizadas como segmentos de contorno. A preglotalização é realizada na superfície unicamente após vogais curtas, bem como quando precedida por um prefixo de terceira pessoa absolutiva, ao passo que nos demais ambientes a preglotalização é apagada. Nas variedades do complexo Timbira, os segmentos preglotalizados compartilham seu comportamento com os segmentos pós-oralizados, evidenciando um paralelismo entre dois tipos de segmentos de contorno.
Palavras-chave
Línguas Jê Setentrionais; Segmentos de contorno; Preglotalização
Abstract
This paper deals with the phonological status of sequences of the type ‘glottal stop + consonant’ in three languages classified as Northern Jê (Jê branch, Macro-Jê family), spoken in the states of Maranhão and Tocantins, Brazil: Mẽhĩ, Mẽ hẽeh, and Panhĩ. It analyzes the distributional restrictions on the occurrence of such sequences, followed by the alternations between the presence and the absence of a glottal stop, as well as the idiosyncratic behavior of certain morphemes regarding the occurrence of the glottal stop. A parsimonious analysis is proposed for these phenomena involving the identification of preglottalized consonants as complex segments. Preglottalization occurs on the surface exclusively after short vowels, as well as when preceded by a third-person absolutive prefix, whereas in other environments it is deleted. In the varieties of the Timbira complex, the preglottalized segments share behavioral properties with postoralized nasals, revealing similarities between two types of complex segments.
Keywords
Northern Jê languages; Complex segments; Preglottalization
INTRODUÇÃO
Este artigo explora o estatuto fonológico das sequências do tipo ‘oclusiva glotal + consoante’ nas variedades Jê Setentrionais (Jê < Macro-Jê) faladas pelos povos Panhĩ (Apinajé), Pyhcop cati ji (Gavião-Pykobjê), Crẽhcateh cati ji (Krikati), Cree pym cati ji, Apànjêhkra (Canela de Porquinhos), Mẽmõrtũmre (Canela) e Krahô1. Em todas essas variedades, tais sequências podem ocorrer tanto no meio de morfemas (1a) como em fronteiras morfológicas (contraste-se 1b com 1c) e inclusive nas fronteiras entre palavras ortográficas, contexto em que [ʔ] não é representado na escrita (como em 1d). Os exemplos a seguir são da variedade da língua Mẽhĩ falada pelo povo Mẽmõrtũmre2.
-
(1) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230630)
-
cuhtõj [kuʔ.t̠õj] ‘chocalho’
-
ihkra [iʔ.kʰɽa ~ iʔ.kɽ̊a] ‘filho dele’
-
akra [aː.kʰɽa ~ aː.kɽ̊a] ‘teu filho’
-
mẽ hõ krĩ [mɛ̃.ɦ̃õʔ.kʰɽ̃ĩ ~ mɛ̃.ɦ̃õʔ.kɽ̥̃ĩ] ‘aldeia deles’
-
Em análises anteriores, a oclusiva glotal é considerada uma realização do fonema /ʔ/ (Albuquerque, 2011; Albuquerque & Krahô, 2016, p. 24) ou um alofone de /h/ (Popjes & Popjes, 1971; Sá, 2000, p. 63; Castro Alves, 1999, p. 61). Este trabalho oferece uma análise alternativa, de acordo com a qual as sequências do tipo ‘oclusiva glotal + consoante’ ([ʔC]) seriam realizações de consoantes preglotalizadas subjacentes, sendo, portanto, monossegmentais (/ˀC/ – notação que utilizo neste artigo para evitar qualquer confusão entre segmentos preglotalizados complexos e sequências do tipo /ʔ/ + /C/). Desta forma, propõe-se que, em Proto-Jê Setentrional e em algumas das línguas-filhas, consoantes simples (/C/) contrastam com suas contrapartes preglotalizadas (/ˀC/), com base em evidências distribucionais e comportamentais (alternâncias fonológicas e morfofonológicas). São defendidas, ainda, as seguintes hipóteses:
-
Em Proto-Jê Setentrional, bem como nas variedades do complexo Timbira faladas no Maranhão e Tocantins (mas não no Pará), /ˀC/ realiza-se como [ʔC] após vogais curtas e como [C] nos demais ambientes;
-
As sequências do tipo [ʔC] são segmentos de contorno, da mesma forma que as sequências do tipo [NT] ou [ND] são realizações pós-oralizadas de consoantes nasais subjacentes (/N/; ver Stanton, 2018; Wetzels & Nevins, 2018; Lapierre, 2023a sobre este último padrão);
-
Alguns prefixos gramaticais apresentam um comportamento especial em relação à preglotalização;
-
As alternâncias entre [ʔC] e [C] foram diacronicamente morfofonologizadas na língua Panhĩ (Apinajé), que perdeu a duração vocálica contrastiva e criou um fonema /ʔ/, ausente do inventário fonológico do Proto-Jê Setentrional.
Os procedimentos metodológicos aplicados neste estudo envolveram as técnicas usuais da análise fonológica (ver Cagliari, 2002 para uma descrição em português), aplicadas às fontes listadas na respectiva subseção, bem como o método histórico-comparativo (ver Gabas Jr., 2001 para uma descrição em português). No que diz respeito à abordagem teórica, são aceitas as principais premissas dos modelos fonológicos não lineares, tais como a Fonologia Articulatória (Browman & Goldstein, 1989, 1992), a Teoria de Abertura (Steriade, 1993, 1994), a Teoria Autossegmental (Clements & Hume, 1995) e a Teoria Q (Shih & Inkelas, 2019), de acordo com as quais alguns segmentos – os segmentos de contorno – podem ser subdivididos no eixo temporal, apresentando, dessa forma, várias fases com especificações fonológicas diferentes. Contudo, formalismos específicos a essas teorias são evitados neste trabalho a fim de tornar a leitura acessível para especialistas em línguas Jê Setentrionais em geral.
O restante deste artigo estrutura-se da seguinte maneira. Após uma breve apresentação das línguas Jê Setentrionais e seus sistemas ortográficos, são trazidos os principais fatos distribucionais relativos à ocorrência ou não ocorrência de [ʔ] em línguas Jê Setentrionais específicas. Após uma discussão das análises encontradas na literatura, procede-se a uma nova proposta de análise. Em seguida, são apresentadas as evidências comparativas das demais línguas Jê Setentrionais, que permitem reconstruir o padrão em questão para o Proto-Jê Setentrional. Na conclusão, destaca-se a raridade tipológica dos segmentos preglotalizados não derivados nas línguas sul-americanas.
LÍNGUAS JÊ SETENTRIONAIS
O ramo Jê Setentrional integra a família linguística Jê, parte do tronco Macro-Jê, e inclui cerca de sete línguas vivas com seus respectivos dialetos (Nikulin, 2021, pp. 2–3). O subagrupamento do tronco Macro-Jê e do ramo Jê Setentrional é apresentado nas Figuras 1 e 2, respectivamente, ao passo que a distribuição geográfica das línguas Jê Setentrionais se encontra esquematizada na Figuras 3. Os nomes das línguas Jê Setentrionais contemporâneas (definidas como conjuntos de variedades mutuamente inteligíveis) estão em negrito. Os nomes que correspondem a grupos étnicos autônomos adotados neste artigo estão sublinhados, com nomes alternativos encontrados na literatura dados entre parênteses.
SÍLABA NAS LÍNGUAS JÊ SETENTRIONAIS
As línguas Jê Setentrionais apresentam estruturas silábicas semelhantes entre si (Castro Alves, 1999; Sá, 2000; Salanova, 2001). Em todas as línguas menos Panhĩ e Mẽbêngôkre, os ataques são obrigatórios, exceto na margem esquerda de palavra. O inventário dos ataques complexos em Proto-Jê Setentrional incluía */pr/, */pj/, */mr/, */mw/, */mj/, */tw/, */tj/, */nw/, */rw/, */cw/, */ñw/, */ĵw/, */kr/, */kw/, */krw/, */kj/, */ŋr/, */ŋw/, */ŋrw/, */ŋj/3. Isto é, apenas oclusivas e nasais subjacentes podiam combinar-se com */r/ como segundo elemento do ataque, e existia uma restrição às combinações de ataques labiais com */w/ (exceto */mw/) e de ataques coronais com */j/ (exceto */tj/) ou */r/, que tem sido atribuída ao Princípio do Contorno Obrigatório (Damulakis, 2010, capítulo 5). Nas línguas contemporâneas, o inventário dos ataques da protolíngua sofreu algumas mudanças, mas os princípios gerais ainda são reconhecíveis. Já as codas nas línguas Jê Setentrionais são invariavelmente simples e não são obrigatórias. Duas línguas Jê Setentrionais (Mẽ hẽeh e Mẽhĩ) apresentam, de acordo com algumas análises, duração vocálica contrastiva (Popjes & Popjes, 1986, p. 190; Crocker, 1990, p. 357; Albuquerque & Krahô, 2016, p. 28; Ribeiro Silva, 2020, pp. 178–179), e todas as línguas apresentam pelo menos alguns ditongos decrescentes (a exemplo de /iᵊ/)4. Sincronicamente, as vogais longas e os ditongos decrescentes não parecem ser compatíveis com codas em nenhuma língua Jê Setentrional5, indicando que a segunda mora das vogais longas e dos ditongos ocupa a mesma posição que as codas. Entretanto, em Proto-Jê Setentrional as vogais longas combinavam-se com a coda */r/, como em *priːr-ti ‘pacu’, fazendo com que seja necessário postular um modelo mais complexo para a sílaba do Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Salanova, 2022b). Nesta descrição resumida da estrutura silábica das línguas Jê Setentrionais, não foram mencionadas as complicações relacionadas ao fone [ʔ], que serão apresentadas e discutidas em detalhe a seguir.
FONTES DOS DADOS
Os dados utilizados neste estudo provêm de obras descritivas, lexicográficas, etnográficas, bem como de textos acadêmicos e materiais didáticos escritos em línguas Jê Setentrionais. As principais fontes encontram-se resumidas no Quadro 1.
Após ter formulado as principais hipóteses deste estudo, o autor teve a oportunidade de verificá-las no âmbito de suas atividades de ensino de conceitos linguísticos e discussões acerca da grafia, desenvolvidas junto a falantes nativos de línguas Jê Setentrionais – tanto aquelas que têm [ʔC] (Mẽmõrtũmre, Apànjêhkra, Krahô) como aquelas que perderam as preglotalizadas (Khĩsêtjê, Mẽbêngôkre, Kajkwakhrattxi) – no âmbito de suas atividades de ensino no curso de Educação Intercultural no Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena, da Universidade Federal de Goiás (NTFSI/UFG). Seu conhecimento das línguas Jê Setentrionais beneficiou-se, ainda, do convívio que teve com falantes nativos de línguas Jê Setentrionais, particularmente durante suas estadas nas aldeias Escalvado (município de Fernando Falcão, Maranhão), do povo Mẽmõrtũmre, e Khĩkatxi (município de Querência, Mato Grosso), do povo Khĩsêtjê. Em particular, o autor agradece a Ricardo Capêrkô Canela, do povo Mẽmõrtũmre, por esclarecer a pronúncia e o significado de algumas expressões em sua língua materna e participar de algumas sessões de gravação. Alguns exemplos representativos da fala dos Krahô provêm de uma narrativa de Elton Hiku Krahô sobre a machadinha kàjre, gravada no âmbito do tema contextual “Documentação de saberes tradicionais em línguas indígenas”, ministrada pelo autor em 2023 no NTFSI/UFG, e de uma entrevista de Francisquinho Tephot sobre a história da educação no povo Mẽmõrtũmre, concedida a acadêmicos do curso de Educação Intercultural e ao autor em setembro de 2023, na aldeia Escalvado. As gravações realizadas com Ricardo Capêrkô, Elton Hiku e Francisquinho Tephot são referenciadas aqui por meio dos códigos RC, EH e FT, respectivamente, seguidos de um código referente à data da gravação (no formato AAMMDD). Todas as gravações foram realizadas com o microfone embutido de uma gravadora Zoom H4n, com a taxa de amostragem de 44,1 kHz.
GRAFIA
No que diz respeito à representação ortográfica de sons glotais e preglotalizados e das vogais longas nas línguas Panhĩ, Me hẽeh e Mẽhĩ, as respectivas convenções são como segue.
Na língua Panhĩ, as sequências do tipo [ʔC] são representadas como ‹hC› e a oclusiva glotal [ʔ] como ‹h›; a aproximante glotal [h] não ocorre na língua Panhĩ. As vogais foneticamente longas podem ocorrer quando uma coda consonantal é apagada em uma sílaba tônica6, causando um alongamento compensatório (Salanova, 2001, p. 42); tais vogais longas são grafadas usando sequências de dois grafemas idênticos.
Os falantes da língua Mẽ hẽeh utilizam uma grafia criada originalmente por missionários evangélicos da Missão Novas Tribos. Nessa grafia, as sequências do tipo [ʔC] são representadas como ‹’C›. No começo de palavras ortográficas (ou seja, após um espaço), a preglotalização normalmente não é representada; às vezes, é indicada por meio de um ‹’› no final da palavra anterior. O grafema ‹h› é utilizado para representar o fonema /h/, bem como a voz murmurada associada com as vogais /e̤/, /ə̤/, /o̤/, /ẽ̤/, /ə̤̃/, /õ̤/ (‹eh›, ‹yh›, ‹oh›, ‹ẽh›, ‹ỹh›, ‹õh›) e suas contrapartes longas (‹eeh›, ‹yyh›, ‹ooh›, ‹ẽeh›, ‹ỹyh›, ‹õoh›). Outras vogais também possuem contrapartes longas, grafadas como sequências de dois grafemas idênticos (exceto pelos diacríticos, que ocorrem apenas na primeira vogal, como em /əː/ ‹ỳy›).
A grafia utilizada pelos falantes da língua Mẽhĩ foi desenvolvida por um casal de missionários evangélicos, Prejaka e Tehtihkwỳj, que atuaram entre os Mẽmõrtũmre. Nela, as sequências do tipo [ʔC] são representadas como ‹hC› no meio de palavra ortográfica, mas como ‹C› após espaço. Grupp (2015, p. vii) – o sucessor de Prejaka e Tehtihkwỳj – afirma que “[s]e escreve duas palavras separadamente, não se escreve o glotal [sic! – autor], mas se fala”, esclarecendo, ainda, que “[n]a fala todos sabem que tem um glotal [sic! – autor]”. Em razão desta inconsistência entre a fonologia e a ortografia, os falantes às vezes têm dúvidas se devem escrever, por exemplo, ‹mẽ wej› ou ‹mẽhwej› [mẽʔβɛj] ‘velhos’, ‹to pôj› ou ‹tohpôj› [t̠ɔʔpoj] ‘tirar (plural)’. Diante de vogais, ‹h› representa [ɦ] (ou sons semelhantes, tais como [x]). A duração vocálica, cujo valor fonológico é sujeito à variação dialetal dentro da língua Mẽhĩ (Popjes & Popjes, 1971), geralmente não é representada na escrita pelos Mẽmõrtũmre e Apànjêhkra, à diferença dos Krahô, que utilizam grafemas duplicados. Por exemplo, a palavra /mĩːti/ ‘jacaré’ é grafada como ‹mĩti› pelos Mẽmõrtũmre e Apànjêhkra, mas como ‹mĩĩti› pelos Krahô7.
Existe, ainda, uma proposta de grafia uniformizada (supradialetal) para os povos Timbira. Foi lançada em dezembro de 2003 por um grupo de trabalho composto por professores indígenas e linguistas não indígenas (Sá Amado, 2004a). Nessa proposta, as sequências do tipo [ʔC] são representadas como ‹’C› (como na grafia Mẽ hẽeh), exceto após um espaço, ambiente em que a preglotalização não é representada. A duração vocálica não é representada na grafia uniformizada. De qualquer forma, apenas um livro foi publicado na grafia uniformizada (Ladeira, 2006), sendo que nos anos subsequentes a proposta caiu em desuso.
FATOS DISTRIBUCIONAIS
Nesta seção, exponho as principais propriedades distribucionais das sequências do tipo [ʔC] nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ. Exemplifico as generalizações a seguir com dados da variedade Mẽmõrtũmre da língua Mẽhĩ, para a qual disponho de dados gravados em áudio, e da língua Panhĩ, utilizando as transcrições estreitas de Callow (1962)8.
Nas três línguas, as sequências do tipo [ʔC] ocorrem tanto no meio de morfemas (2–3) como em fronteiras morfológicas (4–5), e também nas fronteiras entre palavras (6–7). Neste último caso, devido a uma peculiaridade da convenção ortográfica das línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh, os falantes dessas duas línguas deixam de representar [ʔ] na escrita no começo de palavras ou recorrem a estratégias alternativas: utilizam um grafema ‘mudo’ (‹i› na língua Mẽhĩ), representam a oclusiva glotal como se fizesse parte da palavra ortográfica anterior (na língua Mẽ hẽeh) ou grafam as palavras sem espaço, possibilitando a representação de [ʔ] na escrita (em ambas as línguas). Na grafia da língua Panhĩ, a representação das sequências do tipo [ʔC] por meio de ‹hC› é permitida inclusive no começo de palavra ortográfica (7). Quanto à silabificação, na superfície as sequências do tipo [ʔC] são heterossilábicas: o elemento [ʔ] é silabificado como coda e o elemento [C] como ataque da sílaba subsequente.
-
(2) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
cuhtõj [kuʔ.t̠õj] ‘chocalho’ (RC-230630)
-
jôhjôtre [zoʔ.zo.ɭɛ ~ joʔ.jo.ɭɛ] ‘tipo de tucaninho’ (RC-230725)
-
tôhtôjre [t̠oʔ.t̠oj.ɽɛ] ‘coruja caburé’ (RC-230725)
-
ahkrã [aʔ.kɽ̊ɘ̃] ‘estrela cadente (feitiço)’ (RC-230725)
-
cuhkõncahàc [kuʔ.kʰõn̠.ga.ɦɜk̚] ‘jerimum’ (RC-230419)
-
-
(3) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 35, 42, 133)
-
ohtô [ɔʔ.ˈt̪o] ‘é muito’
-
pêhkã [peʔ.ˈkə̃] ‘alma-de-gato’
-
apkahti [ap.kaʔ.ˈt̪i] ‘amanhã, no dia seguinte’
-
-
(4) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
ihtwỳm [iʔ.t̠β̞ɘm] ‘gordura dele’ (RC-230630)
-
tehti [t̠ɛʔ.d̠i] ‘jatobá’ (RC-230630)
-
pahkra [paʔ.kʰɽa ~ paʔ.kɽ̊a] ‘nosso filho (teu e meu)’ (RC-230630)
-
ihroj xi [iʔ.ɽɔj.t͡s̺ʰiː] ‘espertalhão’ (RC-230725)
-
-
(5) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 53, 241)
-
ahpar mã [aʔ.ˈpaɭ.mʌ̃] ‘para baixo’
-
mẽ pahpyràk [mɛ̃.ʋaʔ.pɯ.ˈɾʌː] ‘parecido com a gente’
-
-
(6) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
mẽ hõ krĩ [mɛ̃.ɦ̃õʔ.kʰɽ̃ĩ ~ mɛ̃.ɦ̃õʔ.kɽ̥̃ĩ] ‘aldeia deles’ (RC-230630)
-
jũ caxuw [j̃ũʔ.ga.t͡s̺ʰuw] ‘quando’ (RC-230630)
-
to pôj [t̠ɔʔ.poj] ‘tirar (plural)’ (RC-230630)
-
pĩxô ihtatap [pĩ.t͡s̺ʰoʔ.d̠at̠.t̠ap̚] ‘fruta amarela’ (RC-230725)9
-
ite ihcuhtô [iː.d̠ɛʔ.guʔ.t̠o] ‘eu cuspi’ (RC-230725)
-
quê ha inta apu ihpahàm [ke.ɦan̠.t̠aː.buʔ.ba.ɦɜm] ‘esse vai ficar com vergonha’ (RC-230630)
-
-
(7) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 59, 117, 223–4)
-
hikjê htỳxre [ʔi.ˌkseʔ.ˈtɤd̪.l̪ɛ] ‘lado durinho’
-
na hprõt [nãʔ.ˈpɾɔ̃ⁿd̪ɔ̃] ‘correu’
-
gôx kãm ho hkrĩ [ˌŋgoi̯tʲ.kʌ̃m.ʔɔʔ.ˈkɾĩ] ‘sentava com ele no rio’
-
RESTRIÇÃO DE [ʔC] À POSIÇÃO APÓS VOGAIS CURTAS EM MẼHĨ E MẼHẼEH
Uma propriedade fundamental das sequências do tipo [ʔC] nas línguas Mẽ hẽeh e Mẽhĩ é que elas ocorrem exclusivamente após vogais curtas. Esta restrição dá origem a alternâncias entre [ʔC] e [C]. Diversos morfemas, que normalmente apresentam [ʔC] em sua margem esquerda quando precedidos por vogais curtas, perdem o elemento glotal quando ocorrem em qualquer outro ambiente, isto é, após uma consoante (8), vogal longa (9) ou pausa (10).
-
(8) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230630)
-
-hti / -ti ‘sufixo aumentativo’:
tehti [t̠ɛʔ.d̠i] ‘jatobá’
hô ntepti [hon̠.t̠ɛp.t̠i] ‘fruta bem madura’
-
-hkra / -kra ‘filho, filha, filhote’:
pahkra [paʔ.kʰɽa ~ paʔ.kɽ̊a] ‘nosso filho (teu e meu)’
jũm kra [zʲũm.kʰɽa ~ zʲũm.kɽ̊a] ‘filho de quem’
-
-
(9) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230630)
-
-hti / -ti ‘sufixo aumentativo’:
pohti [pɔʔ.d̠i] ‘taquara grande’
mĩti [mĩː.ti̠ ~ mĩː.d̠i] ‘jacaré’
-
-hkra / -kra ‘filho, filha, filhote’:
mĩti kra [mĩː.d̠iʔ.kʰɽa ~ mĩː.d̠iʔ.kɽ̊a] ‘filhote de jacaré’
ihkra [iʔ.kʰɽa ~ iʔ.kɽ̊a] ‘filho dele’
cra kra [kɽaː.kʰɽa ~ kɽaː.kɽ̊a] ‘filhote de paca’
akra [aː.kʰɽa ~ aː.kɽ̊a] ‘teu filho’
-
-hhy / -hy ‘semente’:
pĩhhy [pĩʔ.xɨ ~ pĩʔ.ɦɨ] ‘semente de árvore’
põhy [põː.xɨ ~ põː.ɦɨ] ‘milho’
-
-hnõ / -nõ ‘um de’:
mĩti nõ [mĩː.d̠iʔ.n̠õ] ‘um dos jacarés’
cra nõ [kɽaː.n̠õ] ‘uma das pacas’
-
-
(10) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230630)
-
-hkrẽ / -krẽ ‘comer (completamente)’:
mĩti nõ krẽ [mĩː.d̠iʔ.n̠õʔ.kʰɽ̃ẽ ~ mĩː.d̠iʔ.n̠õʔ.kɽ̥̃ẽ] ‘come um jacaré!’
ihkwỳ krẽ [iʔ.kʰβɘʔ.kʰɽ̃ẽ ~ iʔ.kʰβɘʔ.kɽ̥̃ẽ] ‘come um pouco disso!’
krẽ [kʰɽ̃ẽ ~ kɽ̥̃ẽ] ‘come isso!’
-
-hto / -to ‘voar’:
ihtor [iʔ.t̠ɔɽʊ] ‘voou’
to [t̠ɔ] ‘voa!’
-
MORFEMAS QUE NÃO PODEM SER SEGUIDOS POR [ʔC]
Além dos morfemas que terminam em consoante ou vogal longa, há alguns poucos morfemas cujo último segmento é uma vogal curta e que não podem ser seguidos por uma sequência do tipo [ʔC]. Até o presente, foram identificados dois morfemas com tal propriedade: o prefixo de terceira pessoa acusativa (Mẽhĩ cu- [ku-], Mẽ hẽeh coh- [ko̤], Panhĩ ku- [ku-]) e o prefixo reflexivo (Mẽhĩ amjĩ- ~ amji- [am.zʲĩ- ~ am.j̃ĩ-], Mẽ hẽeh amjõh- [am.jõ̤-], Panhĩ amnhĩ- [am.ɲĩ-]). Os exemplos em 11 ilustram o fenômeno (para a geminação no segundo exemplo em 11b, veja-se a nota 9).
-
(11) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
-hkrẽ / -krẽ ‘comer (singular)’:
ite ihkrẽr [iː.d̠ɛʔ.kʰɽ̃ẽɽ̥̃ᵊ ~ iː.d̠ɛʔ.kɽ̥̃ẽɽ̥̃ᵊ] ‘eu comi isso’ (RC-230630)
wa ha cukrẽ [βa.ɦa.ku.kʰɽ̃ẽ ~ βa.ɦa.ku.kɽ̥̃ẽ] ‘eu vou comer isso’ (RC-230630)
-
-hkĩn / -kĩn ‘ser prazeroso’:
mẽhkĩn [mẽʔ.k̟ʰĩn̠] ‘gostar deles’ (Grupp, 2015, p. 117; pronúncia inferida a partir da grafia)
amjikĩn [am.zʲik̟.k̟ʰĩn̠] ‘festa’ (RC-230630)
-
CONTRASTE ENTRE [ʔC] E [C]
Os dados expostos até agora poderiam sugerir que as instâncias de [ʔ] nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh devem ser analisadas, pelo menos em alguns contextos, como inseridas por meio de uma regra de epêntese de [ʔ] após vogais curtas. Contudo, tal análise não é possível, pois as sequências do tipo [ʔC] claramente contrastam com [C] após vogais curtas, tanto no meio de morfemas (compare 12a–12b com 12c–12d, 13a com 13b, 14a–14c com 14d–14f) como na margem esquerda de morfemas (compare 14b–14c com 14e–14f, 15a–15f com 15g–15l). Dessa forma, a ocorrência de [ʔC] ou [C] é uma propriedade lexical de morfemas, pelo menos nas línguas contemporâneas. Para a geminação em 13b, 15g e 15l, veja-se a nota 9. Infelizmente, não há transcrições estreitas ou gravações disponíveis para os dados em 14.
-
(12) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
ihcahhõ [iʔ.gaʔ.ɦ̃õ] ‘lavá-lo’ (RC-230630)
-
ahhuware [aʔ.ɦu.wă.ɽɛ] ‘ariramba-de-cauda-ruiva’ (Ricardo Capêrkô Canela, comunicação pessoal, setembro de 2023)
-
cahuw [ka.ɦu.wă] ‘pilão’ (comum no dia a dia)
-
hihô kre [ɦi.ɦoʔ.kʰɽɛː ~ ɦi.ɦoʔ.kɽ̊ɛː] ‘seu corte de cabelo tradicional’ (RC-230725)
-
-
(13) Mẽhĩ (Krahô)
-
hahkrepej [ɦaʔ.kʰɽɛː.pɛj] ‘conhecê-lo’ (EH-230201)
-
hakràj [ɦak.kʰɽɜj] ‘é importante’ (EH-230201)
-
-
(14) Mẽ hẽeh (Pries, 2008, pp. 14, 19, 28, 30, 56, 57)
-
-ja’cree /-jaʔkʰɾeː/ ‘mostrar, procurar’
-
-’ca’hyh /-ʔkaʔhə̤/ ‘surrar’
-
-’coh’hi /-ʔko̤ʔhi/ ‘ficar em pé (plural)’
-
-jacre /-jakʰɾe/ ‘ultrapassar, ser mais’
-
-cahyh /-kahə̤/ ‘costurar’
-
-cohhii /-ko̤hiː/ ‘espinha, nascida’
-
-
(15) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
-hpahàm [-ʔ.ba.ɦɜm] ‘vergonha’ (RC-230630)
-
-hpêrhy [-ʔ.peɽ.xɨ ~ -ʔ.peɽ.ɦɨ] ‘ferrão’ (RC-230630)
-
-to … -hpôj [-t̠ɔ … -ʔ.poj] ‘tirar (plural)’ (RC-230630)
-
-htwỳm [-ʔ.t̠βɘm] ‘gordura’ (RC-230630)
-
-hnõ [-ʔ.n̠õ] ‘um de’ (RC-230630)
-
-hcakôc [-ʔ.gaː.kʰok̚] ‘falar’ (RC-230630)
-
-pijakrut [-bi.jak.kʰɽut̚ ~ -bi.jak.kɽ̊ut̚] ‘ser dois (não finito)’ (RC-230419)
-
-pàr [-pɜɽᵊ] ‘pé (de árvore tal)’ (RC-230630)
-
-pôj [-poj] ‘chegar (não finito)’ (comum no dia a dia)
-
-to [-t̠ɔ] ‘posposição instrumental, marcador aplicativo/causativo’ (RC-230419)
-
-nõr [-n̠õɽ̃ᵊ] ‘deitar, colocar no chão, tirar do fogo (plural)’ (Grupp, 2015, p. 169; pronúncia inferida a partir da grafia)
-
-cacô [-gak.ko] ‘líquido’ (comum no dia a dia)
-
Na língua Panhĩ, que carece de um contraste entre vogais curtas e longas, as sequências do tipo [ʔC] também indiscutivelmente contrastam com [C], conforme evidenciado por múltiplos pares mínimos (16). Infelizmente, não há transcrições estreitas ou gravações disponíveis para os dados em 16.
-
(16) Panhĩ (Albuquerque, 2012a, pp. 13–14, 17, 27, 74)
-
ahpa /a+ʔpa/ ‘mudar (finito)’
-
apa /a+pa/ ‘teu braço’
-
ahkĩ /a+ʔkĩ/ ‘roubar (finito)’
-
akĩ /a+kĩ/ ‘teu cabelo’
-
akir /a+kiᵊ/ ‘gritar (finito)’
-
O contraste também está presente na margem esquerda de temas (17). Callow (1962) não fornece uma descrição unificada para esse contraste, mas define as respectivas classes morfofonológicas para algumas classes de palavras: por exemplo, os nomes que apresentam [ʔC] em sua margem esquerda são classificados como pertencentes à chamada classe A, em oposição à classe B (Callow, 1962, p. 143), ao passo que os verbos intransitivos que apresentam [ʔC] em sua margem esquerda são classificados como pertencentes à chamada classe 1.1a, em oposição à classe 1.1b (Callow, 1962, p. 168). Infelizmente, não há transcrições estreitas ou gravações disponíveis para os dados em 17.
-
(17) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 143, 168, 282)
-
-hkaàr /-ʔkaʌɾ/ ‘lasca’
-
-hkaxkep /-ʔkat͡ʃkɛp/ ‘girar’
-
-hpar /-ʔpaɾ/ ‘pé’
-
-hprõt /-ʔpɾɔ̃t̪/ ‘correr’
-
-hkrĩ /-ʔkɾĩ/ ‘sentar (plural)’
-
-kapẽr /-kapɛ̃ɾ/ ‘falar’
-
-kato /-kat̪ɔ/ ‘nascer, sair’
-
-pa /-pa/ ‘andar (plural)’
-
-pipro /-pi+pɾɔ/ ‘estar coberto’
-
PARTICULARIDADES DA LÍNGUA PANHĨ
Na língua Panhĩ, à diferença das línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh, o segmento [ʔ] pode não apenas ocorrer diante de outra consoante, mas também ocupar a posição de ataque (18). Infelizmente, não há transcrições estreitas ou gravações disponíveis para os dados em 18.
-
(18) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 287–288, 294, 295–296)
-
mẽhõ /mɛ̃+ʔɔ̃/ ‘quem, alguém’
-
pĩhô /pĩ+ʔo/ ‘folha de árvore’
-
rãhã /ɾʌ̃ʔʌ̃/ ‘até’
-
-puhã /-pu+ʔʌ̃/ ‘ao redor de’
-
-hkwỳ hô /-ʔkʋɤ+ʔo/ ‘sugar um pouco, comer um pouco de coisa doce (finito)’
-
-hkwỳ hyr /-ʔkʋɤ+ʔɨ+ɾ/ ‘arrancar um pouco (não finito)’
-
-pika’êk /-pi+kaʔe+k/ ‘quebrar-se (não finito)’
-
Além disso, Callow (1962, pp. 87–88) descreve a possibilidade de as sequências do tipo [ʔC] e [ʔ] ocorrerem após consoantes na língua Panhĩ. Neste caso, o núcleo e a coda da sílaba precedente são comumente laringalizados, e a coda não sofre o mesmo tipo de lenição que é observado diante de outros segmentos (por exemplo, /ɾ/ é realizado como [ɾ̥] e não como [l]). Os exemplos disponíveis (19) envolvem exclusivamente formas com um índice de terceira pessoa absolutiva, segmentado aqui como ∅-10.
-
(19) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 87–88)
-
kot ∅-hpĩr [kɔ̰t̪̰ʔ.pĩɭ] ‘o mataram’
-
∅-ũm kãm ∅-hkagô [ˈũm.gʌ̰̃m̰ʔ.ka.ˈŋgo] ‘mel misturado com saburá’
-
na jar ∅-hkanhwỳ [nã.ˈʑa̰ɾ̥̰ʔ.ˌkaˈn̪d͡ʑʋɤ] ‘ele o furou aqui’
-
kêp ∅-hĩkjê htỳx [ˌkḛp̰.ʔi.ˌkseʔ.ˈt̪ɤi̯d͡ʑi] ‘um lado ficou duro’
-
nhũm ∅-hõ ja [ɲṵ̃m̰.ˈʔɔ̃.ja] ‘então um deles’
-
Nos dados de Callow (1962), as sequências do tipo [ʔC] ou [ʔ] não ocorrem após consoantes em outras formas, isto é, naquelas que não apresentam um índice de terceira pessoa absolutiva. Diversos morfemas, que normalmente apresentam [ʔC] ou [ʔ] em sua margem esquerda quando precedidos por vogais curtas, perdem o elemento glotal quando ocorrem após uma consoante (20).
-
(20) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 74, 82–84)
-
-hpa / -pa ‘terminar’:
…hpõnh pa […ʔ.ˈpoi̯ɲ.ˈpa] ‘terminar de limpá-lo’
-
-hkujate / -kujate ‘empurrar’:
gyw kujate [ˈŋgɯʋ.ˌku.jat̪.ˈt̪ɛ] ‘empurrar a lama’
-
-hxêt / -xêt ‘queimado’:
rõnh xêt [ˈɾɔ̃n̪.ˈt͡ɕed̪e] ‘macaúba queimada’
-
-htwỳm / -twỳm ‘gordura’:
pàtkàk twỳm [ˌpʌt̪.ˈkʌː.ˈt̪ᵊʋɤm] ‘gordura da preguiça’
-
-hkêt / -kêt ‘não’:
hĩnur kêt nẽ [ʔĩ.ˈn̪d̪uːˈkeː.n̪ɛ̃] ‘não o escavou’
-
-hkura / -kura ‘bater’:
axpẽn kura [ai̯tʲ.ˈpɛ̃n.gu.ˈɾa] ‘bater um no outro’
-
-hy / -y ‘semente’:
gôhkõn hy [ˌŋgoʔ.ˈkɔ̃.ˈn̪ɯ] ‘semente de cabaça’
-
-ho / -o ‘posposição instrumental, marcador aplicativo/causativo’:
anhỹr ho xa [a.ˈɲɯ̃.ɾɔ.ˈt͡ɕa] ‘ficar falando assim’
-
As sequências do tipo CʔC são atestadas ocasionalmente em fontes mais recentes: aphtô ‘cuspir’ (Ham et al., 1979, p. 54), tephkahê ‘curral de peixe’ (Oliveira, 2005, p. 51). A realização fonética de tais dados deve ser investigada em mais detalhe em futuras pesquisas.
CONSOANTES QUE OCORREM NAS SEQUÊNCIAS DO TIPO [ʔ]
Em todas as línguas Jê Setentrionais que apresentam as sequências do tipo [ʔC], as consoantes variam significativamente em função da frequência lexical de suas combinações com [ʔ].
Na variedade Mẽmõrtũmre da língua Mẽhĩ, por exemplo, há inúmeros itens lexicais que apresentam as sequências [ʔp], [ʔt̠], [ʔkʰ], [ʔg], [ʔɦ] (e suas variações alofônicas)11. As sequências [ʔβ] e [ʔn̠] são menos frequentes, mas ocorrem em algumas palavras comuns no dia a dia: ahwỳ [aʔ.βɘ] ‘pedir’, -hwej [-ʔ.βɛj] ‘velho’, -hnõ [-ʔ.n̠õ] ‘um de’, tahnã [t̠aʔ.n̠ɘ̃] ‘assim’ (Grupp, 2015). As sequências [ʔm], [ʔɽ], [ʔj], [ʔt͡s̺ʰ] são extremamente raras, mas ocorrem em palavras como -hmat ri [-ʔmãd̠.ɭi] ‘muito longe’, -hràn [-ʔ.ɽɜn̠] ‘animar’, jôhjôt [joʔ.jot̠̚] ‘tucaninho’, hõxãhxãc [hõ.t͡s̺ʰɘ̃ʔ.t͡s̺ʰɘ̃k̚] ‘galinha’ (Grupp, 2015). A Tabela 1 traz as frequências dos respectivos dígrafos (hp [ʔp], ht [ʔt̠], hk [ʔkʰ], hc [ʔg], hh [ʔɦ], hw [ʔβ], hn [ʔn̠], hm [ʔm], hr [ʔɽ], hj [ʔj], hx [ʔt͡s̺ʰ]) em um corpus de textos escritos por acadêmicos Krahô e Mẽmõrtũmre (Põcuhtô Krahô, 2020; Têrkwỳj Krahô, 2020; Xôhtyc Krahô, 2020; Capêrkô Canela, 2023) e no dicionário de Grupp (2015; a contagem inclui não apenas as entradas, mas também os exemplos, os anexos e o índice). Como é de se esperar, as frequências dos segmentos que ocorrem predominantemente em lexemas raros são maiores em Grupp (2015), por tratar-se de uma obra lexicográfica. Além do número das ocorrências de cada segmento nos corpora, é indicada sua frequência relativa (número das ocorrências de cada segmento dividido pelo total das ocorrências das preglotalizadas num dado corpus).
Na língua Mẽ hẽeh, também há inúmeros exemplos de palavras com [ʔp], [ʔt], [ʔk], [ʔkʰ] (ausente na variedade falada pelos Crẽhcateh cati ji) e [ʔh] (e suas variações alofônicas). As sequências [ʔw], [ʔn] e [ʔm] são menos frequentes no léxico, mas ocorrem em algumas palavras comuns no discurso, incluindo posposições (-’wyr [-ʔ.wɨɾ] ‘em direção a’, -’ny [-ʔ.nə̃] ‘sobre’) e partículas (ry’my [ɾɨʔ.mə̃] ‘já’). As sequências [ʔɾ], [ʔj], [ʔt͡ʃ] são extremamente raras, mas ocorrem em palavras como -’rut [-ʔ.ɾut] ‘ter frieira no pé’, -ja’jee [-jaʔ.jeː] ‘estar com as pernas abertas’, xu’xu [t͡ʃuʔ.t͡ʃu] ‘camarão’ (Pries, 2008). A Tabela 2 traz as relativas frequências dos respectivos dígrafos (’p [ʔp], ’t [ʔt], ’c/’qu [ʔk(ʰ)], ’h [ʔh], ’w [ʔw], ’n [ʔn], ’m [ʔm], ’r [ʔɾ], ’j [ʔj], ’x [ʔt͡ʃ]) na coletânea organizada por Nazareno e Dias (2017). A elevada frequência de ’r possivelmente advém de erros de digitação, tais como hyc’re em vez de hỳcre ‘ave pequena’ (Pries, 2008, p. 78).
Na língua Panhĩ, as sequências comuns são [ʔp], [ʔt̪] e [ʔk]; a consoante [ʔ] em ataques também é relativamente comum. A sequência [ʔʋ] é menos comum, mas é encontrada em palavras como -hã ahwỳ /-ʔɘ̃ a+ʔʋɘ/ ‘pedir’ ou hihwrỳ /ʔi+ʔʋɾɘ/ ‘costela dele’ (Callow, 1962, pp. 118, 302). Callow (1962, p. 64, nota 1) documenta, ainda, a palavra rôhrôt /ɾoʔɾot̪/ ‘nome de uma dança’ que, segundo o autor, excepcionalmente conteria a sequência [ʔɾ], mas parece tratar-se de um erro de transcrição: todos os demais autores documentam apenas a forma rôrôt /ɾoɾot̪/ (Ribeiro Apinajé, 2019, p. 103). A Tabela 3 traz as relativas frequências dos respectivos dígrafos (hp [ʔp], ht [ʔt̪], hk [ʔk], hw [ʔʋ]) na dissertação de Ribeiro Apinajé (2019) e no dicionário organizado por Albuquerque (2012a).
ANÁLISES ANTERIORES
Os fatos expostos na seção “Fatos distribucionais” foram tratados de três formas diferentes na literatura: alguns autores têm analisado [ʔ] como um alofone de /ʔ/, outros como um alofone de /h/, enquanto algumas propostas têm analisado pelo menos algumas das ocorrências de [ʔ] em termos suprassegmentais.
[ʔ] COMO REALIZAÇÃO DE /ʔ/
Alguns autores têm analisado as sequências do tipo [ʔC] como sequências compostas pelo fonema /ʔ/ e um segundo fonema consonantal. Tal análise é proposta por Albuquerque e Krahô (2016, p. 24) para a variedade Krahô da língua Mẽhĩ, bem como por Ham et al. (1979) e Albuquerque (2011, pp. 32, 43) para a língua Panhĩ. Dessa forma, por exemplo, Albuquerque e Krahô (2016, p. 18) analisam Mẽhĩ pahhi ‘chefe’ como /paʔɦi/. Ribeiro Silva (2020, pp. 151–152) reconstrói */ʔ/ como um fonema do Proto-Timbira, como na forma */paʔhi/ ‘chefe’ (Ribeiro Silva, 2020, p. 208). Entretanto, nenhum dos trabalhos supracitados oferece argumentação que possa sustentar tal decisão ou fornece uma explicação para a distribuição limitada do suposto segmento /ʔ/, bem como sua ‘instabilidade’ (tendência às alternâncias com zero).
[ʔ] COMO ALOFONE DE /h/
Em outras análises aplicadas na literatura às línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh, [ʔ] tem sido considerado um alofone de /h/ na posição de coda. Isto foi proposto por Popjes e Popjes (1971) para a variedade Mẽmõrtũmre da língua Mẽhĩ, por Sá (2000, p. 63) para a variedade Pyhcop cati ji da língua Mẽ hẽeh, bem como por Castro Alves (1999, p. 61) para a variedade Apànjêhkra da língua Mẽhĩ. O uso ‘duplo’ do grafema ‹h› ([ʔ] em codas, [ɦ] ou [x] em ataques) na grafia da língua Mẽhĩ reflete a decisão analítica de Popjes e Popjes (1971). Dessa forma, por exemplo, Sá Amado (2004b, p. 141) analisa Mẽ hẽeh a’hu [aʔhu] ‘folha (em geral)’ como /ahhu/.
De um ponto de vista distribucional, a análise que deriva [ʔ] de um /h/ subjacente é possível, pois os sons [h], [ɦ], [x] não ocorrem em coda nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh, havendo, dessa maneira, uma distribuição complementar entre [ɦ] ([x], [h]) em ataques e [ʔ] em codas. Porém não se tem conhecimento de nenhuma alternância entre [ʔ] e [ɦ] ([x], [h]) nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh que demonstre com clareza a suposta relação entre esses fones. Além disso, [ɦ] ([x], [h]) não é o único fone consonantal cuja ocorrência é restrita à posição de ataque nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh: esta propriedade é compartilhada também pelos fonemas /kʰ/ (exceto na variedade Crẽhcateh cati ji da língua Mẽ hẽeh, onde /kʰ/ não existe), /t͡s̺ʰ/ ~ /t͡ʃ/ (exceto na variedade Pyhcop cati ji da língua Mẽ hẽeh, onde /t͡ʃ/ apresenta o alofone [s] em coda), /ŋ/ (exceto na variedade Crẽhcateh cati ji da língua Mẽ hẽeh, onde /ŋ/ não existe), dentre outros. Alguns desses segmentos compartilham com [ʔ] o modo de articulação (como a oclusiva /kʰ/), assim como [ʔ] compartilha com [ɦ] ([h]) o ponto de articulação. À luz desses fatos, conclui-se que associar [ʔ] ao fonema /h/ (ou /ɦ/) é uma decisão arbitrária, pois a mesma lógica distribucional poderia ser usada para afirmar que [ʔ] é um alofone do fonema /kʰ/ (ou algum outro) na posição de coda.
Chama, ainda, a atenção o fato de as codas serem particularmente comuns no final de palavras nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh, como em Mẽhĩ tep /tɛp/ ‘peixe’, jàt /jɜt/ ‘batata doce’, hàc /ɦɜk/ ‘gavião, ave’, mãm /mãm/ ‘antigamente’, twỳn /tβɘn/ ‘caramujo’, kuj /kʰuj/ ‘disco de orelha’, kôr /kʰoɽ/ ‘sede’ (Grupp, 2015). Se [ʔ] fosse a realização de algum fonema em coda, seria, então, uma coda atípica, pois seria a única coda das línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh que jamais ocorre na posição final de palavras.
Finalmente, uma parecerista anônima deste Boletim observa que padrões de alofonia em que [ʔ] seria, de forma inequívoca, um alofone de /h/ (com alterâncias entre [ʔ] e [h] no mesmo morfema) são difíceis de encontrar nas línguas do mundo e possivelmente não existem. Desta maneira, a análise que deriva [ʔ] de um /h/ subjacente está em desacordo com fatos tipológicos, tornando-a ainda menos atraente.
[ʔ] COMO FENÔMENO SUPRASSEGMENTAL
Algumas instâncias de [ʔ], principalmente aquelas que ocorrem em fronteiras entre palavras morfológicas, têm sido atribuídas a processos de natureza prosódica, não sendo associadas a nenhum segmento.
Por exemplo, Castro Alves (1999, pp. 80–81, 89) propõe que [ʔ] “é inserido na última sílaba (quando aberta) de um item lexical quando este ocorrer em um constituinte prosódico maior” na variedade da língua Mẽhĩ falada pelos Apànjêhkra. Nos exemplos em 21, a análise fonológica e as transcrições são de Castro Alves (1999). À primeira vista, as ocorrências de [ʔ] realmente poderiam ser atribuídas a uma regra de epêntese12.
-
(21) Mẽhĩ (Apànjêhkra) (Castro Alves, 1999, pp. 35, 80–81, 83, 89)
-
hũmre par /h+um+ɾɛ+paɾ/ [ˌhũm.ɾɛʔ.ˈpaɻ] ‘pé do homem’
-
hũmre te /h+um+ɾɛ+tɛ/ [hũm.ˈɾɛʔ.ˈtɛ] ‘perna do homem’
-
putwrỳhti /putɾə+ti/ [pudˈɭəʔˈti] ‘a lua é grande’
-
caxêre cunẽa /kat͡ʃe+ɾɛ+kunɛa/ [ka.t͡ʃeːˈɾɛʔ.gu.ˈnɛ.a] ‘todas as estrelas’
-
pĩhkà /pĩ+kʰɜ/ [pĩʔ.ˈkʰɜ] ‘casca de pau’
-
pryti kà cacô cacro /pɾɨ+ti+kʰɜ+kako+kakɾɔ/ [ˈpɾɨː.ɾiʔ.kʰɜ.ga.ˈkoʔ.ga.ˈkɾo] ‘o leite ferveu’
-
Tal proposta, contudo, não explica por que a suposta inserção de [ʔ] ocorre diante de alguns morfemas (como par ‘pé’, te ‘perna’, ti ‘grande’, cunẽa ‘todos’, kà ‘casca’) e não de outros (como pàr ‘pé de árvore tal’, te ‘posposição ergativa’, to ‘posposição instrumental, marcador aplicativo/causativo’, cacô ‘líquido’, cahãj ‘mulher, fêmea’), contraste que pode ser visto em 21f: observe que o morfema /-kako/ não é precedido por [ʔ] na superfície, apesar de a sílaba [kʰɜ] ser aberta.
Para a língua Panhĩ, algo semelhante foi proposto por Oliveira (2005, p. 51), que afirma que algumas das “ocorrências de [ʔ] são fonéticas, observadas particularmente em fala cuidadosa e indicadoras de fronteiras silábicas que envolvem obstruintes” (tradução do autor), como em kẽnkrãhti [kʲenˌŋgɾə̃ʔˈti] ‘serra alta’, dado analisado pela autora como /ken=kɾə̃=ti/.
Neste sentido, uma análise consideravelmente mais detalhada é aquela de Callow (1962), que analisa as ocorrências e não ocorrências de [ʔ] em termos das chamadas ‘junturas prosódicas’ (aquele autor adota o aparato do modelo prosódico firthiano, em que o termo ‘prosódia’ se refere a quaisquer fenômenos que transcendem um segmento, contrastando com o uso moderno). Infelizmente, a complexidade da notação utilizada por Callow (1962), bem como o fato de sua abordagem teórica ter decaído em popularidade pouco após a elaboração de seu trabalho, fez com que seus achados fossem ignorados em pesquisas subsequentes sobre a fonologia das línguas Jê Setentrionais. Abaixo, as observações desse autor relativas a [ʔ] são resumidas em termos mais acessíveis.
Callow (1962) classifica as junturas prosódicas (termo mais ou menos equivalente ao conceito de sândi) em dois tipos: junturas do tipo Jv (sândi entre vogal e outro segmento) e junturas do tipo Jc (sândi entre consoante e outro segmento). Em sua terminologia, as junturas do tipo Jv podem apresentar a chamada ‘prosódia ʔ’ (com a ocorrência de [ʔ]) ou a chamada ‘prosódia ʔ̠’ (sem a ocorrência de [ʔ]). A prosódia ʔ ocorre somente quando a consoante subsequente pertence ao chamado ‘subsistema Cp’ (rótulo dado ao conjunto dos fonemas /p/, /t̪/, /tɕ/, /k/ em sílabas tônicas), ao ‘subsistema cp’ (rótulo dado ao conjunto dos fonemas /p/, /t̪/, /tɕ/, /k/ em sílabas átonas) ou – apenas no meio de palavra – quando a sílaba subsequente, em termos de Callow (1962, p. 64), “começa com vogal e apresenta a prosódia inicial w” (referindo-se a sílabas com a estrutura /ʋV/). Nos termos deste artigo, isto significa que [ʔ] pode ocorrer diante das consoantes /p/, /t̪/, /k/ e (apenas no meio de palavra) /ʋ/. A prosódia ʔ̠ (isto é, a ausência de [ʔ]) é compatível com um número maior de consoantes. As junturas do tipo Jc também apresentam, na terminologia de Callow (1962), diversas prosódias, tais como Z, X e H, mas estas não se correlacionam com os fenômenos associados a [ʔ] (e sim com fatores tais como acento e ponto de articulação dos segmentos).
Entretanto, Callow (1962) não faz uma tentativa de descrever, de forma geral, os contextos em que ocorrem as ‘prosódias ʔ e ʔ̠’. Dentre suas generalizações, constam as seguintes:
-
Na margem esquerda dos nomes, podem aparecer as duas prosódias, sendo que se trata de informação lexical: os nomes da chamada classe A apresentam a ‘prosódia ʔ’; os da chamada classe B apresentam a ‘prosódia ʔ̠’ (Callow, 1962, p. 143).
-
Na margem esquerda dos verbos intransitivos, podem aparecer as duas prosódias, sendo que se trata de informação lexical: os verbos da chamada classe 1.1a apresentam a ‘prosódia ʔ’; os da chamada classe 1.1b apresentam a ‘prosódia ʔ̠’ (Callow, 1962, p. 168).
-
Na margem direita dos nomes terminados em vogal e seguidos por um sufixo aumentativo, podem aparecer as duas prosódias, sendo que se trata de informação lexical: os nomes da chamada classe F apresentam a ‘prosódia ʔ’; os da chamada classe L apresentam a ‘prosódia ʔ̠’ (Callow, 1962, p. 154).
-
O prefixo de segunda pessoa a- sempre ocorre com a ‘prosódia ʔ̠’ (Callow, 1962, p. 117).
Estas observações, apesar de acertadas, são pouco econômicas e fracas no que diz respeito a sua força explicativa, além de não contemplarem toda a diversidade das alternâncias entre [ʔC] e [ʔ]. A próxima seção traz uma proposta de análise que captura os fatos supracitados.
PROPOSTA
Esta seção expõe uma nova proposta de análise relativa aos fatos discutidos nas seções anteriores.
Propõe-se que as sequências do tipo [ʔC] nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ, bem como em Proto-Jê Setentrional, devem ser analisadas como segmentos de contorno, realização de consoantes preglotalizadas subjacentes (/ˀC/). A reconstrução de tais segmentos para o Proto-Jê Setentrional já foi proposta por Nikulin e Salanova (2022a, pp. 133–140) com base nos reflexos na língua Mẽbêngôkre, bem como em algumas das ideias que deram origem a este artigo, mas sem uma devida discussão de seu comportamento fonológico e morfofonológico.
O inventário das consoantes preglotalizadas varia de língua para língua. O maior inventário, que inclui quatro segmentos frequentes (/ˀp/, /ˀt/, /ˀk(ʰ)/, /ˀɦ ~ ˀh/) e seis infrequentes (/ˀt͡s̺ʰ ~ ˀt͡ʃ/, /ˀm/, /ˀn/, /ˀβ ~ ˀw/, /ˀɽ ~ ˀɾ/, /ˀj/), foi encontrado nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh13. Na língua Panhĩ, o inventário conta com três segmentos preglotalizados frequentes (/ˀp/, /ˀt̪/, /ˀk/) e um infrequente (/ˀʋ/); além disso, a língua Panhĩ tem a oclusiva glotal /ʔ/, que não possui estatuto fonológico nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh. Para o Proto-Jê Setentrional, são reconstruídos cinco segmentos preglotalizados: */ˀp/, */ˀt/, */ˀc/, */ˀk/, */ˀn̥/.
Em Proto-Jê Setentrional, bem como nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh, a realização dos segmentos preglotalizados é como segue. A preglotalização é manifestada na superfície apenas após uma vogal curta, sendo que a oclusiva [ʔ] é silabificada como coda da sílaba precedente (22a, 22d). Nos demais ambientes – isto é, após consoantes, vogais longas ou pausa –, ocorre a neutralização dessas consoantes com suas contrapartes simples por meio de um processo de desglotalização (22b–22c, 22e).
-
(22) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
pĩ kà /pĩ+ˀkʰɜ/ [pĩʔ.kʰɜ] ‘casca de pau’ (RC-230725)
-
cuhtõj kà /kuˀtõj+ˀkʰɜ/ [kuʔ.t̠õj.kʰɜ] ‘cuia’ (‘casca de chocalho’)
-
ikà /iː+ˀkʰɜ/ [iː.kʰɜ] ‘minha pele’
-
mẽ hõ krĩ /mẽ+ɦ+õ+ˀkʰɽĩ/ [mɛ̃.ɦ̃õʔ.kʰɽ̃ĩ ~ mɛ̃.ɦ̃õʔ.kɽ̥̃ĩ] ‘aldeia deles’ (RC-230630)
-
krĩ kãm /ˀkʰɽĩ ˀkɘ̃m/ [kʰɽ̃ĩʔ.kʰɘ̃mɘ̃] ‘na aldeia’ (RC-230725)
-
A possível motivação para a desglotalização após consoantes ou vogais longas é o fato de as sílabas admitirem, no máximo, duas moras, sendo que as vogais curtas contribuem uma mora, as longas duas moras, e as codas uma mora, fazendo com que a fase glotal [ʔ] dos segmentos preglotalizados /ˀC/ deixe de ser realizada em contextos em que esta não pode ser silabificada (22b–22c). Da mesma maneira, após pausa, a fase glotal [ʔ] dos segmentos preglotalizados /ˀC/ não pode ser silabificada e é, portanto, apagada (22e).
Nesta subseção, foram apresentadas as realizações dos segmentos preglotalizados subjacentes (sem e com desglotalização) condicionadas fonologicamente. Contudo, em determinados contextos, são observadas alternâncias entre segmentos preglotalizados e suas contrapartes simples que não podem ser atribuídas a um condicionamento fonológico. Tais alternâncias serão discutidas abaixo.
SEGMENTOS DE CONTORNO NAS VARIEDADES TIMBIRA
O processo de desglotalização, descrito acima para as línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ e reconstruído para o Proto-Jê Setentrional, possui um paralelo nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Gavião do Pará (isto é, em todas as variedades do complexo Timbira). Trata-se do processo de desnasalização, que apaga a fase nasal dos alofones pós-oralizados das consoantes nasais subjacentes. Em todas as variedades Timbira, de acordo com a proposta de Castro Alves (2004, pp. 33–34) referente à língua Mẽhĩ, consoantes nasais subjacentes possuem alofones pós-oralizados quando seguidos por uma vogal oral e precedidos por uma vogal curta heteromorfêmica. Na variedade da língua Mẽhĩ falada pelos Mẽmõrtũmre, esses alofones pós-oralizados são: /m/ [mp], /n/ [n̠t̠], /ɲ/ [n̠t͡s̺ʰ], /ŋ/ [n̠k] (23). São sempre ambissilábicos, com a fase nasal sendo silabificada como coda da sílaba anterior. A vogal /ũ/, que historicamente provém de uma vogal oral */u/ (Nikulin & Salanova, 2019, apêndice A), comporta-se como uma vogal oral para os fins deste processo (23d).
-
(23) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
ihhimpej /°+ˀɦi+mɛj/ [iʔ.ɦim.pɛj] ‘bom trabalho dele, governo dele’ (‘bom osso dele’) (RC-230630)
-
hô intepti /ɦ+o+nɛp+ti/ [ɦon̠.t̠ɛp.t̠i] ‘fruta bem madura’ (RC-230630)
-
côntuwajê /ko+nuʷ+je/ [kon̠.t̠u.wă.d͡ʑe] ‘os jovens do ritual Pepjê’ (‘água nova’) (RC-230419)
-
hõ inxũ /ɦ+õ+ɲũː/ [ɦõn̠.t͡s̺ʰũː] ‘pai dele’ (comum no dia a dia)
-
pancacaxà /pa+ŋaːkaː+t͡s̺ʰɜ/ [pan̠.gaː.kaː.t͡s̺ʰɜ] ‘nossa cultura’ (RC-230419)
-
mẽ pancjêj /mẽ+pa+ŋjêj/ [mẽ.pan̠.k̟jej] ‘nos colocar’ (RC-230419)
-
mẽ panquêtjê /mẽ+pa+ŋêt+jê/ [mẽ.pan̠.k̟ed.d͡ʑe] ‘nossos antepassados’ (RC-230419)
-
Nas mesmas posições em que os segmentos preglotalizados sofrem o processo de desglotalização (/ˀC/ → [C]) – isto é, após vogais longas, consoantes, pausa e os prefixos de terceira pessoa acusativa (Proto-Jê Setentrional *ku- e seus reflexos) e reflexivo (*amñĩ- e seus reflexos)14 –, os alofones do tipo [NT] perdem sua fase nasal, oralizando-se totalmente (24). O símbolo ad hoc /•/ em 24d indica que o morfema induz o apagamento da fase inicial do segmento seguinte, fenômeno que será abordado em subseções posteriores.
-
(24) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
ihpore cwa /°+ˀpɔ+ɽɛ+ŋβa/ [iʔ.pɔ.ɽɛn̠.kβ̞a] ‘pega o dinheiro!’ (Dermivaldo Crôpej Canela, comunicação pessoal, julho de 2023)
-
amcwa /am+ŋβa/ [am.kβ̠a] ‘cobra!’, ‘pega o que é teu!’ (Grupp, 2015, pp. 14, 66)
-
ca ha acwa /ka ɦa aː+ŋβa/ [ka.ɦaː.kβ̞a] ‘tu vais pegá-los!’ (RC-230725)
-
wa ha cucwa /βa ɦa ku•+ŋβa/ [βa.ɦa.ku.kβ̞a] ‘eu vou pegá-los’ (Ricardo Capêrkô Canela, comunicação pessoal, julho de 2023)
-
Assim como no caso dos segmentos preglotalizados, no caso das nasais os falantes da língua Mẽhĩ às vezes têm dúvidas se devem escrever, por exemplo, ihpore incwa ou ihpore cwa. A grafia ihpore ncwa, que seria mais fiel à pronúncia, não é aceita por razões pouco claras. Uma possibilidade é que se trata de uma consequência das preferências estéticas dos primeiros agentes alfabetizadores, que eram missionários evangélicos e não falantes nativos da língua. Outra possibilidade, sugerida por uma parecerista anônima deste Boletim, é que os falantes preferem, inconscientemente, que as fronteiras entre palavras ortográficas coincidam com as fronteiras silábicas.
Uma vez que [mp], [n̠t̠], [n̠t͡s̺ʰ], [n̠k] são analisados como segmentos complexos, ou seja, alofones pós-oralizados das nasais subjacentes /m/, /n/, /ɲ/, /ŋ/, não é problemático estender a solução analítica em questão a [ʔp], [ʔt̠], [ʔkʰ], [ʔɦ] e outros segmentos preglotalizados: um processo converteria segmentos subjacentes em sequências heterossilábicas de fones; outro processo elimina sua fase inicial em determinados contextos (após vogais longas, consoantes, pausa, morfemas /ku-/ e /amjĩ-/) na língua Mẽhĩ (e, mutatis mutandis, na língua Mẽ hẽeh).
Em resumo, nesta subseção foi demonstrado que há paralelismo entre o comportamento de duas classes de segmentos complexos: das nasais pós-oralizadas (cuja existência já é reconhecida na literatura) e das consoantes preglotalizadas, propostas neste artigo.
ALOMORFIA DESENCADEADA POR CONSOANTES PREGLOTALIZADAS LOCALIZADAS À DIREITA
A análise que postula consoantes preglotalizadas permite explicar determinados padrões de alomorfia observados nas línguas Jê Setentrionais. Dois prefixos possuem alomorfes diferenciados quando seguidos por um segmento preglotalizado: o prefixo antipassivo e o prefixo que indexa cumulativamente um agente de segunda pessoa e um paciente de terceira pessoa em uma classe de verbos transitivos. No caso do primeiro desses prefixos, a consoante final do prefixo é apagada a fim de possibilitar a realização da preglotalização do segmento inicial da raiz verbal na superfície, prevenindo a desglotalização (agradeço a uma parecerista anônima deste Boletim por sugerir esta interpretação). Contudo, o mesmo não pode ser dito sobre o segundo prefixo: seu alomorfe que ocorre diante de segmentos preglotalizados não termina com uma vogal curta, fazendo com que o processo de desglotalização seja aplicado normalmente. Exemplos serão apresentados a seguir.
PREFIXO ANTIPASSIVO
O prefixo em questão apresenta uma série de alomorfes nas línguas Jê Setentrionais, a depender do segmento inicial da raiz, bem como do valor de finitude da forma verbal. Seus reflexos têm sido analisados como marcadores antipassivos (Oliveira, 2005, p. 370; Miranda & Sansò, 2019) ou prefixos detransitivizadores/intransitivizadores (Salanova, 2001, p. 63; Castro Alves, 2004, p. 78). Neste artigo, é adotado o primeiro desses rótulos; contudo, convém ressaltar que a reconstrução das propriedades morfossintáticas das respectivas derivações ainda não foi objeto de estudos aprofundados. Nas línguas modernas, tais como Mẽhĩ, a relação semântica entre o verbo não derivado e aquele antipassivizado (pelo menos, etimologicamente) é, por vezes, idiossincrática (como em 26f, 26h, 28b, 30a), sugerindo que sincronicamente o respectivo prefixo nem sempre deve ser segmentado. De qualquer maneira, a discussão abaixo é centrada nas propriedades morfofonológicas desse morfema e independe de sua função exata. Além do Proto-Jê Setentrional, foi escolhida uma língua contemporânea – o Mẽhĩ – para ilustrar o padrão de alomorfia ora em discussão, porém os fatos são semelhantes em línguas como Mẽ hẽeh ou Panhĩ (ver Pries, 2008; Albuquerque, 2012a para os dados dessas línguas).
Diante de consoantes simples (não preglotalizadas), os alomorfes do prefixo antipassivo são reconstruídos como *ap- (finito) e *-ju- (não finito) para o Proto-Jê Setentrional (25). Os reflexos na língua Mẽhĩ são aw- e -jũ-, respectivamente (26).
-
(25) Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Salanova, 2022b)
-
f *-mba, nf *-mba-r ‘ouvir, escutar’ → f *ap-mba, nf *-ju-mba-r ‘conseguir ouvir, ser obediente’
-
f *-gabê, nf *-gabê-r ‘atirar, lançar’ → f *ap-gabê, nf *-ju-gabê-r ‘atirar, lançar objetos’
-
f *-janə̃, nf *-janə̃-r ‘evitar’ → f *ap-janə̃, nf *-ju-janə̃-r ‘rodear’
-
f *-jaːrẽ, nf *-jaːrẽ-ñ ‘contar sobre’ → f *ap-jaːrẽ, nf *-ju-jaːrẽ-ñ ‘narrar’
-
f *-jacy, nf *-jacy-r ‘cortar com facão’ → f *ap-jacy, nf *-ju-jacy-r ‘cortar coisas com facão’
-
f *-jakô, nf *-jakô-r ‘assoprar, fumar’ → f *ap-jakô, nf *-ju-jakô-r ‘fumar’
-
-
(26) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (Grupp, 2015)
-
f -capi /-kapi/, nf -capi /-kapi/ ‘experimentar, escolher’ → f awcapi /aw+kapi/, nf -jũcapi /-jũ+kapi/ ‘verificar, examinar’
-
f -jahê /-jaɦe/, nf -jahêr /-jaɦe+ɽ/ ‘espantar, ultrapassar correndo’ → f awjahê /aw+jaɦe/, nf -jũjahêr /-jũ+jaɦe+ɽ/ ‘caçar’
-
f -jahy /-jaɦɨ/, nf -jahyr /-jaɦɨ+ɽ/ ‘bater, cortar’ → f awjahy /aw+jaɦɨ/, nf -jũjahyr /-jũ+jaɦɨ+ɽ/ ‘cortar com machado ou terçado’
-
f -jakop /-jakʰɔp/, nf -jakop /-jakʰɔp/ ‘rastrear’ → f awjakop /aw+jakʰɔp/, nf -jũjakop /-jũ+jakʰɔp/ ‘seguir rastros de um animal’
-
f -jakô /-jakʰo/, nf -jakôr /-jakʰo+ɽ/ ‘soprar, ventar’ → f awjakô /aw+jakʰo/, nf -jũjakôr /-jũ+jakʰo+ɽ/ ‘fumar’
-
f -jarê /-jaːɽe/, nf -jarên /-jaːɽe+n/ ‘arrancar, tirar a raiz’ → f awjarê /aw+jaːɽe/, nf -jũjarên /-jũ+jaːɽe+n/ ‘apressar-se’
-
f (-kãm)-pa /-(kʰɘ̃m+)ma/, nf -mpar /-ma+ɽ/ ‘escutar, obedecer’ → f awpa /aw+pa/, nf -jũpar /-jũ+pa+ɽ/ ‘escutar, obedecer’
-
f -pjê /-pje/, nf -pjêr /-pje+ɽ/ ‘arrastar pelo chão’ → f awpjê /aw+pje/, nf -jũpjêr /-jũ+pje+ɽ/ ‘avisar para alguém se esconder’
-
Quando uma raiz verbal começa com a sequência *-py…, o prefixo antipassivo funde-se com ela como *a-m… (finito), *-jə-m… (não finito) em Proto-Jê Setentrional (27). Os reflexos na língua Mẽhĩ são a-m… e -jà-m…, respectivamente (28).
-
(27) Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Salanova, 2022b)
-
f *-pytə, nf *-pytə-r ‘proteger, adotar’ → f *a-mtə, nf *-jə-mtə-r ‘proteger, adotar’
-
f *-pynə̃, nf *-pynə̃-r ‘seguir os passos de, ir atrás de’ → f *a-mnə̃, nf *-jə-mnə̃-r ‘pisar no chão com força’
-
f *-pynĵuᵊ, nf *-pynĵwə̂-r ‘colocar em pé (plural)’ → f *a-mnĵuᵊ, nf *a-mnĵwə̂-r ‘colocar, fincar alguma coisa no chão’
-
-
(28) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (Grupp, 2015)
-
f -pytà /-pɨtɜ/, nf -pytàr /-pɨtɜ+ɽ/ ‘proteger, defender, tomar para si’ → f amtà /a+mtɜ/, nf -jàmtàr /-jɜ+mtɜ+ɽ/ ‘proteger, defender, tirar proveito (às custas de outro)’
-
f -pyxwỳ /-pɨt͡s̺ʰβɘ/, nf -pyxwỳr /-pɨt͡s̺ʰβɘ+ɽ/ ‘colocar em pé (plural)’ → f amxwỳ /a+mt͡s̺ʰβɘ/, nf -jàmxwỳr /-jɜ+mt͡s̺ʰβɘ+ɽ/ ‘aterrissar, fincar-se no chão, andar levantando e baixando os pés muito devagar’
-
Finalmente, diante de consoantes preglotalizadas, os alomorfes do prefixo antipassivo são reconstruídos como *a- (finito) e *-jə- (não finito) para o Proto-Jê Setentrional (29), com a perda da consoante final do prefixo. Os reflexos na língua Mẽhĩ são a- e -jà-, respectivamente (30).
-
(29) Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Salanova, 2022b)
-
f *-ˀtwə̂, nf *-ˀcu-k ‘socar, pisar no pilão’ → f *a-ˀtwə̂, nf *-jə-ˀcu-k ‘socar, pisar no pilão, bater numa superfície’
-
f *-ˀtêp, nf *-ˀtêp ‘aproximar-se de’ → f *a-ˀtêp, nf *-jə-ˀtêp ‘aproximar-se’
-
f *-ˀcy, nf *-ˀcy-r ‘tecer’ → f *a-ˀcy, nf *-jə-ˀcy-r ‘fazer artesanato’
-
f *-ˀcuᵊ ~ *-ˀcwə̂, nf *-ˀcwə̂-r ‘pedir’ → f *a-ˀcuᵊ ~ *-ˀcwə̂, nf *-jə-ˀcwə̂-r ‘andar pedindo, mendigar’
-
-
(30) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (Grupp, 2015)
-
f -hcahhõ /-ˀkʰaˀɦõ/, nf -hcahhõn /-ˀkʰaˀɦõ+n/ ‘lavar (roupas, cabelo)’ → f ahcahhõ /a+ˀkʰaˀɦõ/, nf -jàhcahhõn /-jɜ+ˀkʰaˀɦõ+n/ ‘reclamar’
-
f -hcucrà /-ˀkʰukʰɽɜ/, nf -hcucràn /-ˀkʰukʰɽɜ+n/ ‘pintar com urucum’ → f ahcucrà /a+ˀkʰukɽɜ/, nf -jàhcucràn /-jɜ+ˀkʰukɽɜ+n/ ‘estar pintado com urucum’
-
f -hcukê /-ˀkʰuːkʰe/, nf -hcukên /-ˀkʰuːkʰe+n/ ‘raspar, roçar, escamar’ → f ahcukê /a+ˀkʰuːkʰe/, nf -jàhcukên /-jɜ+ˀkʰuːkʰe+n/ ‘comer toda a comida de uma vez, enchendo a boca’
-
f -hcukij /-ˀkʰuːkʰiᵊ/, nf -hcukij15 /-ˀkʰuːkʰiᵊ/ ‘perguntar’ → f ahcukij /a+ˀkʰuːkʰiᵊ/, nf -jàhcukjêr /-jɜ+ˀkʰuːkʰje+ɽ/ ‘investigar’
-
f -htwỳ /-ˀtβɘ/, nf -hhuc /-ˀɦu+k/ ‘pisar no pilão’ → f ahtwỳ /a+ˀtβɘ/, nf -jàhhuc /-jɜ+ˀɦu+k/ ‘pernoitar, ficar’
-
f -hhy /-ˀɦɨ/, nf -hhyr /-ˀɦɨ+ɽ/ ‘fazer, tecer’16 → f ahhy /a+ˀɦɨ/, nf -jàhhyr /-jɜ+ˀɦɨ+ɽ/ ‘tecer artefatos’
-
f -hkôpĩ /-ˀkʰopĩɽ/, nf -hkôpĩr /-ˀkʰopĩɽ/ ‘verificar, examinar, chegar a uma conclusão a respeito de’ → f ahkôpĩ /a+ˀkʰopĩ/, nf -jàhkôpĩr /-jɜ+ˀkʰopĩ+ɽ/ ‘verificar, analisar’
-
f -htàt /-ˀtɜt/, nf -htàt /-ˀtɜt/ ‘tocar levemente, provar lambendo os dedos’ → f ahtàt /a+ˀtɜt/, nf -jàhtàt /-jɜ+ˀtɜt/ ‘ser tímido, respeitoso, hesitar’
-
f -htêp /-ˀtep/, nf -htêp /-ˀtep/ ‘aproximar-se de’ → f ahtêp /a+ˀtep/, nf -jàhtêp /-jɜ+ˀtep/ ‘aproximar-se’
-
f -htõtõc /-ˀtõːtõk/, nf -htõtõc /-ˀtõːtõk/ ‘picar (plural)’ → f ahtõtõc /a+ˀtõːtõk/, nf -jàhtõtõc /-jɜ+ˀtõːtõk/ ‘fazer barulho’
-
f -hwỳ /-ˀβɘ/, nf -hwỳr /-ˀβɘ+ɽ/ ‘pedir’17 → f ahwỳ /a+ˀβɘ/, nf -jàhwỳr /-jɜ+ˀβɘ+ɽ/ ‘mendigar, suplicar, carregar numa vara entre dois homens’
-
O padrão de alomorfia do prefixo discutido nesta subseção pode ser resumido como segue: em sua forma subjacente, seu segmento final é uma consoante labial (*p em Proto-Jê Setentrional, w em Mẽhĩ), que é apagada diante de segmentos preglotalizados. Uma parecerista anônima deste Boletim sugere que o apagamento do segmento labial poderia ocorrer a fim de possibilitar a realização da preglotalização da superfície (se não fosse pelo apagamento da consoante labial, o segmento preglotalizado seria afetado pela desglotalização).
PREFIXO DE 2A3P
Nesta subseção é apresentada a alomorfia do prefixo de 2A3P, isto é, um índice que codifica, cumulativamente, um agente de segunda pessoa e um paciente de terceira pessoa, como a- em Mẽbêngôkre a-bĩ ‘tu o matas’ (Reis Silva, 2001, p. 53). Este prefixo ocorre somente em formas finitas de verbos transitivos monossilábicos que apresentam uma distinção formal de finitude (os mesmos que se combinam com o índice de terceira pessoa acusativa), classe conhecida na literatura como ‘verbos *ku-’ (ver Nikulin & Salanova, 2019, pp. 538–539). O uso da flexão de 2A3P é obrigatório em línguas como Mẽbêngôkre e Mẽhĩ (na variedade falada pelos Mẽmõrtũmre), mas opcional (em variação com o prefixo de terceira pessoa acusativa) na língua Mẽhĩ falada pelos Apànjêhkra e possivelmente em outras variedades; em línguas como Khĩsêtjê e Kajkwakhrattxi, a respectiva flexão foi perdida completamente. Uma vez que uma descrição detalhada do funcionamento e da alomorfia do referido prefixo – com um enfoque na língua Mẽhĩ – constitui o objeto de outro estudo (Nikulin & Capêrkô Canela, 2024), aqui os principais fatos são apresentados de forma resumida.
Em Proto-Jê Setentrional, o prefixo em questão apresenta dois alomorfes. O alomorfe *aː- ocorre com a maioria dos verbos (31) e é formalmente idêntico a um dos alomorfes do prefixo de segunda pessoa acusativa/absolutiva, induzindo diversas pesquisadoras a atribuírem sua ocorrência a um fenômeno de hierarquia de pessoa, em que um agente de segunda pessoa seria indexado na posição reservada para o paciente de verbos transitivos (Reis Silva, 2001, pp. 53–56; Castro Alves, 2004, pp. 104–105; Oliveira, 2005, pp. 227, 257). O respectivo reflexo na língua Mẽhĩ é a- /aː-/ (32). As formas em questão ocorrem em contextos imperativos (sem morfologia adicional), bem como em todas as construções que exigem a ocorrência da forma finita do verbo (na língua Mẽhĩ, elas incluem o progressivo, o futuro, o passado distante, dentre outras possibilidades; Castro Alves, 2004).
-
(31) Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Capêrkô Canela, 2024)
-
*aːbjê */aː+bjê/ ‘tu o arrastas’
-
*aːĵə */aː+ĵə/ ‘tu o inseres’
-
*aːga */aː+ga/ ‘tu o assas’
-
*aːŋõ */aː+gõ/ ‘tu o dás’
-
*aːmẽ */aː+mẽ/ ‘tu o jogas, tu o arremessas’
-
*aːnĵê */aː+ñe/ ‘tu o beliscas’
-
*aːŋgrô */aː+ŋrô/ ‘tu o ameaças’
-
*aːre */aː+re/ ‘tu o abandonas’
-
-
(32) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230725)
-
apjê /aː+pje/ [aː.pze] ‘tu o arrastas’
-
axà /aː+t͡s̺ʰɜ/ [aː.t͡s̺ʰɜ] ‘tu o inseres’
-
aca /aː+ka/ [aː.ka] ‘tu o assas’
-
agõ /aː+ŋõ/ [aː.gõ] ‘tu o dás’
-
amẽ /aː+mẽ/ [aː.mẽ] ‘tu o jogas, tu o arremessas’
-
axê /aː+ɲe/ [aː.t͡s̺ʰe] ‘tu o beliscas’
-
acrô /aː+ŋɽo/ [aː.kɽo] ‘tu o ameaças’
-
are /aː+ɽɛ/ [aː.ɽɛ] ‘tu o deixas para trás’
-
Em contraste, diante de consoantes preglotalizadas ocorre o alomorfe *∅- do prefixo de 2A3P (33). Uma vez que este não é alinhado com o índice de segunda pessoa, a análise que envolveria o fenômeno de hierarquia de pessoa não pode ser aceita: os prefixos de 2A3P e de segunda pessoa claramente são morfemas distintos. O respectivo reflexo na língua Mẽhĩ é ∅- (34). Nas representações subjacentes, utilizo a notação /∅-/, pois não me parece possível derivar os alomorfes aː- e ∅- de uma única forma subjacente por meio de regras plausíveis.
-
(33) Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Capêrkô Canela, 2024)
-
*pe */∅+ˀpe/ ‘tu o bebes até não sobrar mais’
-
*ta */∅+ˀta/ ‘tu o cortas fora’
-
*cuᵊ */∅+ˀcuᵊ/ ‘tu o pedes’
-
*kê */∅+ˀkê/ ‘tu o ralas’
-
*krẽ */∅+ˀkrẽ/ ‘tu o comes’
-
*kwỹr */∅+ˀkwỹr/ ‘tu o quebras’
-
-
(34) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230725)
-
pe /∅+ˀpɛ/ [pɛ] ‘tu o bebes até não sobrar mais’
-
ta /∅+ˀta/ [t̠a] ‘tu o cortas fora’
-
wỳ /∅+ˀβɘ/ [βɘ] ‘tu o pedes’
-
kê /∅+ˀkʰe/ [k̟ʰe] ‘tu o ralas’
-
krẽ /∅+ˀkʰɽẽ/ [kʰɽ̃ẽ] ‘tu o comes’
-
kwĩ /∅+ˀkʰβĩ/ [k̟ʰɥβ̞̃ĩ] ‘tu o quebras’
-
É importante notar que, pelo menos na língua Mẽhĩ, a fase inicial dos segmentos preglotalizados subjacentes não aparece quando a forma verbal é precedida por um marcador de tempo/aspecto, como ha ‘futuro’ ou apu ‘progressivo’: ca ha kê /ka ɦa ∅+ˀkʰe/ [ka.ɦak̟.k̟ʰe] ‘tu vais ralá-lo’ (RC-230725), ca apu wỳ /ka apu ∅+βɘ/ [kaː.bu.βɘ] ‘tu estás pedindo-o’ (RC-230725). Isto sugere que as fronteiras entre marcadores preverbais de tempo/aspecto e verbos não permitem a ressilabificação da fase preglotalizada, fenômeno observado também em verbos intransitivos ativos sem flexão: quê ha tẽ /ke ɦa ˀtẽ/ [ke.ɦat̠.t̠ẽ] ‘vai ligeiro’ (RC-230630). Neste estudo, os domínios que permitem (ou não) a ressilabificação de segmentos complexos não podem ser discutidos em detalhe devido à falta de dados relevantes, porém se trata de uma questão fundamental para o entendimento dos segmentos complexos nas línguas Jê Setentrionais, que deve ser abordada em futuras pesquisas.
À diferença do que foi observado em relação ao prefixo antipassivo, o padrão de alomorfia do prefixo de 2A3P carece de uma motivação fonológica óbvia: tanto o alomorfe */aː-/ como o alomorfe */∅-/ desencadeiam o processo de desglotalização. Atualmente, a origem do alomorfe */∅-/ é desconhecida. Informações mais detalhadas sobre o referido prefixo e sua evolução em outras línguas Jê Setentrionais podem ser encontradas em Nikulin e Capêrkô Canela (2024).
MORFEMA QUE BLOQUEIA O PROCESSO DE DESGLOTALIZAÇÃO À DIREITA
Todas as línguas Jê Setentrionais apresentam um prefixo de terceira pessoa absolutiva (ou terceira pessoa interna; doravante 3ABS), que codifica o possuidor (nos nomes), o complemento (nas posposições), o paciente (nos verbos transitivos) ou o sujeito (nos verbos intransitivos inativos, bem como na forma não finita dos verbos intransitivos ativos; Castro Alves, 2010, pp. 443, 451, 454). Não é utilizado apenas na forma finita dos verbos transitivos monossilábicos que apresentam uma distinção formal de finitude, em que os pacientes de terceira pessoa são indexados por meio de um prefixo de terceira pessoa acusativa (Nikulin & Salanova, 2019, pp. 538–539).
O prefixo de 3ABS apresenta um padrão de alomorfia peculiar. Nos temas da chamada classe II (Rodrigues, 2000, p. 221), que começam com uma consoante temática (Proto-Jê Setentrional */ĵ/, com as realizações *ĵ, *j ou *ñ, a depender do ambiente), o prefixo de 3ABS é reconstruído como Proto-Jê Setentrional */c-/ (> Mẽhĩ, Mẽ hẽeh, Gavião do Pará h- diante de vogal, ∅- diante de w); ele substitui a consoante temática em vez de coocorrer com ela (Salanova, 2011) (35–36).
-
(35) Proto-Jê Setentrional (reconstrução baseada em Nikulin & Salanova, 2022b)
-
*-ĵô ‘fruta’ → *c-ô ‘fruta dele’
-
*-ĵwaː ‘dente’ → *c-waː ‘dente dele’
-
*-japôj ‘sair (plural)’ → *c-apôj ‘eles saem’
-
*-ñĩː ‘carne’ → *c-ĩː ‘carne dele’
-
-
(36) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (Grupp, 2015; pronúncia inferida com base na grafia)
-
-xô [-t͡s̺ʰo] ‘fruta’ → h-ô [ɦo] ‘fruta dele’
-
-xwa [-t͡s̺ʰβ̞aː] ‘dente’ → ∅-wa [βaː] ‘dente dele’
-
-japôj [-jap.poj] ‘sair (plural)’ → h-apôj [ɦap.poj] ‘eles saem’
-
-jĩ ‘carne’ [-z̃ʲĩː] → h-ĩ [ɦ̃ĩː] ‘carne dele’
-
Mas nos temas da chamada classe I, que começam com outras consoantes, a alomorfia do prefixo em questão é mais complexa, principalmente nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh, Gavião do Pará e, em menor medida, Panhĩ. Popjes e Popjes (1986, pp. 175, 194–195) e Miranda (2014, pp. 77, 121), por exemplo, listam os alomorfes ∅-, i-, in-/im-, ih- para a língua Mẽhĩ, implícita ou explicitamente sugerindo que o uso de um ou outro alomorfe é uma especifição lexical de cada tema. Considere os exemplos em 37, com a segmentação do prefixo em questão seguindo a análise de Miranda (2014).
-
(37) Mẽhĩ (Krahô) (Miranda, 2014, pp. 80–82, 124)
-
pjê xôm reerec ‘areia mole’ / i-reerec ‘é mole’
-
a-tyctyj ‘tua tia’ / ih-tyctyj ‘tia dele’
-
Pytô pjên ‘marido de Pytô’ / im-pjên ‘marido dela’
-
põõhy cràà ‘milho seco’ / in-cràà ‘está seco’
-
Castro Alves (2004, pp. 33–34) propôs que o suposto alomorfe in-/im- advém de um erro de segmentação, pois o elemento nasal nesses casos constitui a fase inicial dos alofones pós-oralizados de consoantes nasais subjacentes (seção “Segmentos de contorno nas variedades Timbira”), que pertencem ao tema e não ao prefixo. Esta análise estende a ideia de Castro Alves (2004) para os demais alomorfes do prefixo em questão: os elementos [ʔ], [m] e [n] ([n̠]) são analisados como fases iniciais de segmentos de contorno, pertencentes ao morfema à direita. Na superfície, os alomorfes remanescentes seriam ∅-, i- [i-] (ẽh- [ẽ̤-] na língua Mẽ hẽeh), i- [iː-] (ẽhj- [ẽ̤j-] na língua Mẽ hẽeh) e i- [j-] (j- [j-] na língua Mẽ hẽeh), distribuídos como explicado a seguir.
O prefixo de 3ABS nos temas da classe I, simbolizado aqui como /°-/ nas representações subjacentes, é realizado da seguinte maneira nas variedades nas línguas do complexo Timbira. Diante das oclusivas simples (não preglotalizadas) /t/ e /k/, bem como diante dos alofones plenamente nasais de /m/ e /n/, utiliza-se o alomorfe ∅- (38–39). Na língua Mẽ hẽeh, o referido alomorfe ocorre, ainda, diante do alofone plenamente nasal de /ŋ/ (na fala dos Pyhcop cati ji) ou da fricativa /h/ (na fala dos Crẽhcateh cati ji), como no verbo ngỹn /°+ŋə̃+n/ (Pyhcop cati ji) ~ hỹn /°+hə̃+n/ (Crẽhcateh cati ji) ‘desmanchá-lo’.
-
(38) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (Grupp, 2015; pronúncia inferida com base na grafia)
-
to /°+to/ [d̠ɔ ~ t̠ɔ] ‘com ele’
-
cator /°+katɔ+ɽ/ [kat̠.t̠ɔɽʊ] ‘saiu’
-
mẽ cahãj /mẽ+°+kaɦɘ̃j/ [mẽ.ga.ɦɘ̃j̃] ‘mulherada’ (‘elas fêmeas’)
-
mõr /°+mõ+ɽ/ [mõɽ̃ʊ̃] ‘andou’
-
nõr /°+nõ+ɽ/ [n̠õɽ̃ʊ̃] ‘deitou’
-
-
(39) Mẽ hẽeh (Sá Amado, 2004b, p. 77; pronúncia inferida com base na grafia)
-
capruu /°-kapɾuː/ [ka.pɾuː] ‘sangue dele’
-
cajẽhn /°-kajẽ̤n/ [ka.jẽ̤n] ‘tutano dele’
-
caquẽc /°-kakẽk/ [ka.kẽk] ‘costas dele’
-
mõr /°+mõ+ɾ/ [mõɾ] ‘andou’
-
Diante dos segmentos de contorno – as consoantes preglotalizadas /ˀp/, /ˀt/, /ˀkʰ/, /ˀɦ/, /ˀn/ e outras, bem como diante dos alofones pós-oralizados de /m/, /n/, /ɲ/ e /ŋ/ –, o prefixo de 3ABS é realizado como bloqueio dos processos de desglotalização e desnasalização. Como foi visto nas subseções anteriores, normalmente os segmentos de contorno perdem sua fase inicial (glotal ou nasal) após vogais longas, consoantes e pausa; entretanto, nas formas flexionadas para a terceira pessoa absolutiva, isto não ocorre, e ambas as fases são realizadas na superfície. Para evitar um encontro consonantal ilícito, é inserida a vogal [i] na língua Mẽhĩ e a vogal [ẽ̤] na língua Mẽ hẽeh (40–41). A inserção não ocorre após vogais curtas, pois nesse ambiente é possível ressilabificar a fase inicial do segmento de contorno como coda (42–43). A inserção também não ocorre na língua Gavião do Pará, que carece de segmentos preglotalizados, mas possui alofones pós-oralizados das nasais subjacentes; nesta língua, [mp], [nt] e [nk] podem ocorrer após consoantes e pausa (44).
-
(40) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
ihpahàm /°+ˀpaɦɜm/ [iʔ.pah.hɜm] ‘vergonha dele’ (RC-230630)
-
ihtwỳm /°+ˀtβɘm/ [iʔ.t̠βɘm] ‘gordura dele’ (RC-230630)
-
ihnõ /°+ˀnõ/ [iʔ.n̠õ] ‘um deles’ (RC-230630)
-
ihcakôc /°+ˀkʰaːkʰok/ [iʔ.gaː.kʰok̚] ‘falou’ (RC-230630)
-
ihhimpej /°+ˀɦi+mɛj/ [iʔ.ɦim.pɛj] ‘bom trabalho dele, governo dele’ (‘bom osso dele’) (RC-230630)
-
impopoc /°+mɔːpɔk/ [im.pɔː.pɔk̚] ‘bater repetidamente, tirar casca com a mão’ (RC-230725)
-
intij /°+nij/ [in̠.t̠ij] ‘vagina dela’ (RC-230725)
-
increr /°+ŋɽɛ+ɽ/ [in̠.kɽɛɽᵊ] ‘cantou’ (comum no dia a dia)
-
-
(41) Mẽ hẽeh (Sá Amado, 2004b, pp. 75, 78; transcrição inferida com base na grafia)
-
ẽh’pa /°+ˀpa/ [ẽ̤ʔ.pa] ‘braço dele’
-
ẽh’toh /°+ˀto̤/ [ẽ̤ʔ.tɔ̤] ‘barriga dele’
-
ẽh’tõ /°+ˀtõ/ [ẽ̤ʔ.tõ] ‘irmão dele’
-
ẽh’te /°+ˀte/ [ẽ̤ʔ.te] ‘perna dele’
-
ẽh’caacuc /°+ˀkʰaːkʰuk/ [ẽ̤ʔ.kaːkʰuk] ‘ele falou’
-
ẽhmpa /°+ma/ [ẽ̤m.pa] ‘fígado dele’
-
ẽhmpjin /°+mjin/ [ẽ̤m.pjin] ‘marido dela’
-
ẽhmpoht /°+mo̤t/ [ẽ̤m.pɔ̤t] ‘pescoço dele’
-
ẽhmpux /°+put͡ʃ/ [ẽ̤m.pus] ‘chegou’
-
ẽhnto /°+nɔ/ [ẽ̤n.to] ‘olho dele’
-
ẽhnxar /°+ɲa+ɾ/ [ẽ̤n.t͡ʃaɾ] ‘mordê-lo’
-
-
(42) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
mẽhpre /mẽ+°+ˀpɽɛ/ [mẽʔ.pɾɛ] ‘cinto deles’ (RC-230419)
-
apu ihpahàm /apu+°+ˀpaɦɜm/ [a.buʔ.ba.ɦɜm] ‘está ficando com vergonha’ (RC-230630)
-
ite ihcuhtô /iː+tɛ+°+ˀkuˀto/ [iː.d̠ɛʔ.guʔ.t̠o] ‘eu cuspi’ (RC-230725)
-
ite ihkrẽr /iː+tɛ+°+ˀkʰɽẽ+ɽ/ [iː.d̠ɛʔ.kʰɽ̃ẽɽ̥̃ᵊ ~ iː.d̠ɛʔ.kɽ̥̃ẽɽ̥̃ᵊ] ‘eu comi isso’ (RC-230630)
-
mẽhcapõn catê /mẽ+°+ˀkʰaːpõ+n+ˀkate/ [mẽʔ.gaː.põn̠.gat̠.t̠e] ‘chefe de grupo no ritual’ (‘varredor deles’) (RC-230419)
-
mẽ to impej /mẽ+°+tɔ+°+mɛj/ [mẽ.d̠ɔm.pɛj] ‘pacificá-los’ (RC-230725)
-
mẽntij catêjê /mẽ+°+nij+ˀkat̠e+je/ [mẽn̠.tij.gat̠.t̠e.je] ‘moças’ (RC-230725)
-
mẽntuwajê /mẽ+nuʷ+je/ [mẽn̠.t̠u.wă.d͡ʑe] ‘jovens’ (RC-230419)
-
mẽnquêtjê /mẽ+ŋet+je/ [mẽn̠.k̟ed.d͡ʑe] ‘antepassados deles’ (RC-230419)
-
-
(43) Mẽ hẽeh (Pyhcop cati ji) (Pries, 2008, pp. 85–86; transcrição inferida com base na grafia)
-
me’pro /mẽ+ˀpɾo/ [mẽʔ.pɾo] ‘cinza deles’
-
me’crỹ’ tyx /mẽ+ˀkʰɾə̃+ˀtɨt͡ʃ/ [mẽʔ.kʰɾə̃ʔ.tɨs] ‘cabeça dura deles’
-
mempji /mẽ+mji/ [mẽm.pji] ‘maridos delas’
-
mentohwaji /mẽ+no̤ᵊ+ji/ [mẽn.tɔ̤.wa.ji] ‘jovens’
-
menxohrxwy /mẽ+ɲo̤ɾ+t͡ʃwɨ/ [mẽn.t͡ʃɔ̤ɾ.t͡ʃwɨ] ‘parentes maternos deles’
-
menquitji /mẽ+ŋit+ji/ [mẽn.kit.ji] ‘antepassados’
-
-
(44) Gavião do Pará (Parkatêjê) (Ribeiro Silva et al., 2018, pp. 220, 222; transcrição inferida com base na grafia)
-
ite mprar /i+tɛ+°+mɾa+ɾ/ [i.tɛm.pɾaɾ] ‘eu a acordei’
-
Nazaré ikãm nkryk /N.+i+kə̃m+°+ŋɾɨk/ [na.za.ɾɛ.i.kə̃m.n.kɾɨk] ‘a Nazaré está brava comigo’
-
Finalmente, diante da oclusiva simples (não preglotalizada) /p/ e do rótico /ɽ/ (ou /ɾ/, dependendo da variedade) o prefixo de 3ABS é realizado como i- [iː-] na língua Mẽhĩ, ẽhj- na língua Mẽ hẽeh e i- na língua Gavião do Pará (45–47). Na língua Mẽhĩ, o referido alomorfe é encontrado, ainda, diante da consoante /ŋ/ seguida por uma vogal nasal (pronunciada nesse ambiente como [g], [ŋg] ou [ŋ]). Pelo menos etimologicamente, e talvez sincronicamente, o alomorfe do prefixo de 3ABS deve ser neste caso identificado como /j-/, com a prótese de [i] ou [ẽ̤] diante de um encontro consonantal ilícito (como em Proto-Timbira *j-pər ‘pé dela (dessa árvore)’ > *ij-pər > Mẽ hẽeh ẽhjpỳr; 46c)18. Porém a língua Mẽhĩ transformou a rima *ij em sílabas átonas em /iː/ (mudança sonora que ocorreu também no prefixo da primeira pessoa do singular), e o Gavião do Pará vocalizou *j em /i/. Somente a língua Mẽ hẽeh preserva a consoante j em ẽhj-. A forma do prefixo sem prótese é encontrada após vogais curtas (48–49).
-
(45) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230725)
-
ipijapjêr nãre /°+pi+japje+ɽ+nãɽɛ/ [iː.pi.zʲa.pᵊzʲeɽ.nãː.ɽ̃ẽ] ‘não desce, não flui (a água de um lago)’
-
iràrà /°+ɽɜːɽɜ/ [iː.ɽɜː.ɽɜ] ‘de manhã’
-
irãrãc /°+ɽɘ̃ː.ɽɘ̃k/ [iː.ɽ̃ɘ̃ː.ɽ̃ɘ̃k̚] ‘está trovejando’
-
-
(46) Mẽ hẽeh (Pries, 2008, pp. 47–49; transcrição inferida com base na grafia)
-
ẽhjpõh’ny /°-põ̤-ˀnə̃/ [ẽ̤j.põ̤ʔ.nə̃] ‘ao redor dele’
-
ẽhjpux /°-put͡ʃ/ [ẽ̤j.pus] ‘chegou’
-
ẽhjpỳr /°-pəɾ/ [ẽ̤j.pəɾ] ‘pé dela (dessa árvore)’
-
ẽhjreerec /°-ɾeːɾek/ [ẽ̤j.ɾeː.ɾek] ‘está mole, é brando’
-
ẽhjroo /°-ɾoː/ [ẽ̤j.ɾoː] ‘filhote dele’
-
-
(47) Gavião do Pará (Parkatêjê) (Ribeiro Silva et al., 2018, pp. 217–218; transcrição inferida com base na grafia)
-
aikre pĩn ipỳp /ajkɾɛ+pĩn+°+pɤp/ [aj.kɾɛ.pĩn.i.pəp] ‘ele caiu de cima da casa’
-
Cinthia te ipĩr /C.+°+tɛ+°+pĩ+ɾ/ [sĩ.t͡ʃa.tɛ.i.pĩɾ] ‘a Cinthia o flechou’
-
-
(48) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (RC-230419)
-
ihcukij to ipa /°+ˀkʰukʰij+tɔ+°+pa/ [iʔ.gu.k̟ʰij.d̠ɔj.pa] ‘ficar perguntando’
-
ãn to ipijakrut /ɘ̃n+tɔ+°+pi+jakʰɽut/ [ɘ̃n̠.d̠ɔj.bjak.kʰɾut̠] ‘dois anos’
-
-
(49) Mẽ hẽeh (Pries, 2008, pp. 50, 86; transcrição inferida com base na grafia)
-
mejpehcahohr /mẽ+°+pe̤+kaho̤+ɾ/ [mẽj.pɛ̤.ka.hɔ̤ɾ] ‘pessoas fazendo algazarra, barulho’
-
mejpaaxỳ’ crat /mẽ+°+paː+t͡ʃə+ˀkʰɾat/ [mẽj.paː.t͡ʃəʔ.kʰɾat] ‘lugar de origem, terra natal deles’
-
taj rỹỹrỹc /ta+°+ɾə̃ːɾə̃k/ [taj.ɾə̃ː.ɾə̃k] ‘está trovejando’ (‘a chuva está trovejando’)
-
Na língua Panhĩ, assim como nas variedades Timbira, o prefixo de 3ABS geralmente é realizado como zero (50a), sendo que sua presença bloqueia a regra de desglotalização após pausa ou consoantes (o Panhĩ carece de uma regra de desnasalização), como em 50b–50c (ver exemplos em 19 acima para o bloqueio da desglotalização após consoantes). Os segmentos de contorno não precedidos por um segmento vocálico recebem, após pausa, uma vogal i protética a fim de possibilitar a silabificação da fase inicial de tais segmentos de contorno (50d–50e).
-
(50) Panhĩ (Callow, 1962, pp. 117–118)
-
na pa /n̪ã+°+pa/ [n̪ãp.ˈpa] ‘andou’
-
na hkagro nẽ /n̪ã+°+ˀkaŋɾɔ+nɛ̃/ [n̪ãʔ.ka.ˈŋgɾɔ.nɛ̃] ‘está quente’
-
na hprõt /n̪ã+°+ˀpɾɔ̃t̪/ [n̪ãʔ.ˈpɾɔ̃ⁿd̪ɔ̃] ‘correu’
-
hkamrô /°+ˀkamɾo/ [iʔ.ka.ˈmbɾo] ‘sangue dele’
-
mut /°+mut̪/ [im.ˈbud̪u] ‘pescoço dele’
-
Nesta subseção, foi mostrado que uma análise que reconhece a realidade fonológica de segmentos preglotalizados subjacentes permite simplificar a descrição do padrão de alomorfia do prefixo de terceira pessoa absolutiva em algumas línguas Jê Setentrionais. Em particular, os segmentos preglotalizados se comportam como outro tipo de segmentos de contornos – as nasais pós-oralizadas – no que diz respeito à epêntese vocálica nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ.
MORFEMAS QUE CAUSAM DESGLOTALIZAÇÃO NO SEGMENTO À DIREITA
Pelo menos dois morfemas que terminam com uma vogal curta causam a desglotalização do segmento inicial do morfema seguinte. Trata-se dos prefixos de terceira pessoa acusativa (Mẽhĩ cu- /ku•-/, Mẽ hẽeh coh- /ko̤•-/, Panhĩ ku- /ku•-/; 51a–51b) e do prefixo reflexivo (Mẽhĩ amjĩ- ~ amji- /amjĩ•-/, Mẽ hẽeh amjõh- /amjõ̤•-/, Panhĩ amnhĩ- /amɲĩ•-/; 51c–51d). O símbolo /•/ nas representações subjacentes, já introduzido na discussão de 24d, indica que o morfema causa apagamento da fase inicial dos segmentos complexos na margem esquerda do morfema seguinte.
-
(51) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
wa ha cu-krẽ /βa+ɦa+ku•+ˀkʰɽẽ/ [βa.ɦa.ku.kʰɽ̃ẽ ~ βa.ɦa.ku.kɽ̥̃ẽ] ‘eu vou comer isso’ (RC-230630)
-
wa ha cu-wỳ /βa+ɦa+ku•+ˀβɘ/ [βa.ɦa.ku.β̞ɘ] ‘eu vou pedir isso’ (RC-230630)
-
mẽ amji cukê /mẽ+amjĩ•+ˀkʰuːkʰe/ [mæ̃m.j̃ĩ.guː.k̟ʰe] ‘se esfregam’ (RC-230419)
-
amji-kĩn /amjĩ•+ˀkĩn/ [am.zʲik̟.k̟ʰĩn̠] ‘festa’19 (RC-230630)
-
Há explicações diacrônicas para as peculiaridades destes dois prefixos. No Proto-Jê Setentrional, o prefixo de terceira pessoa acusativa (Mẽhĩ cu-, Mẽ hẽeh coh-, Panhĩ ku-) foi reconstruído como *ku- (Nikulin & Salanova, 2019, pp. 538–539). Este prefixo codifica um paciente de terceira pessoa de verbos transitivos monossilábicos finitos (mas apenas daqueles verbos que apresentam uma distinção formal de finitude), bem como um complemento de terceira pessoa de algumas posposições monossilábicas. Em temas polissilábicos, bem como em nomes e em uma subclasse de posposições, o mesmo participante é codificado por meio do prefixo *c-. É imaginável que o prefixo *ku- possua a representação subjacente */k-/, sendo a vogal *u oriunda de um processo de epêntese. A forma sem epêntese (isto é, *k-) possivelmente deve ser reconstruída para as formas flexionadas das posposições dativa (*k-mə̃ > Khĩsêtjê khwã /kʰwɘ̃/, Panhĩ kãm /kʌ̃m/) e malefactiva (*k-bê > Khĩsêtjê khwê /kʰwe/, Panhĩ kêp /kep/)20, embora algumas línguas apresentem formas das mesmas posposições com a epêntese (por exemplo, Mẽhĩ cumã, cupê; Grupp, 2015), que talvez resultem de uma extensão analógica do alomorfe *ku-21. Na língua A’uwẽ Uptabi (= Xavante; ramo A’uwẽ da família Jê), relacionada às línguas Jê Setentrionais, o possível cognato do prefixo *ku- (ou *k-) é ti-, prefixo descrito por Estevam (2011, pp. 182–184). Nikulin (2020, p. 273) observou semelhanças entre esses morfemas, mas não os considerou cognatos, pois as correspondências sonoras *k, *u (Proto-Jê Setentrional) e t, i (A’uwẽ Uptabi) seriam restritas a este item específico. Contudo, é imaginável que se trate de prefixos cognatos. As línguas Jê Setentrionais e A’uwẽ Uptabi poderiam ter empregado estratégias diferentes de evitar uma estrutura silábica atípica da protolíngua, por exemplo, *cC…. O Proto-Jê Setentrional teria dorsalizado a oclusiva palatal e inserido a vogal *u (exceto em algumas posposições), ao passo que o A’uwẽ Uptabi teria dentalizado a oclusiva palatal e inserido a vogal *i. Dessa forma, é até mesmo possível que os prefixos *ku- e *c- do Proto-Jê Setentrional tenham se originado como alomorfes de um único prefixo em um estágio muito antigo. Caso a hipótese exposta esteja correta, pode-se atribuir a desglotalização de /ˀC/ após o prefixo *ku- à ocorrência na posição após uma consoante subjacente, como em */k+ˀta/ > *ku-ta ‘cortá-lo fora, arrancá-lo’.
Quanto ao prefixo reflexivo, sua forma em Proto-Jê Setentrional é reconstruída como *apñĩ-. Castro Alves et al. (2021) propuseram que etimologicamente se trata de uma combinação dos morfemas *ap- ‘argumento genérico; absolutizador’ e *-ñĩː ‘carne’, sendo que este último morfema deve ser reconstruído com uma vogal longa, preservada nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh. Os reflexos de *apñĩ- apresentam diversas irregularidades nas línguas-filhas, tais como a vogal /õ̤/ no reflexo Mẽ hẽeh amjõh- e a perda de *ñ no reflexo Mẽbêngôkre ami-; é possível, portanto, que a reconstrução deva ser ajustada para *apñĩː-, com um desenvolvimento irregular (*ĩː > /ĩ/) também na língua Mẽhĩ. Após vogais longas, a desglotalização seria regular.
Nesta subseção, foram examinados dois afixos que, apesar de terminarem sincronicamente com uma vogal curta, desencadeiam a desglotalização do segmento inicial do morfema seguinte. Foram, ainda, propostas explicações diacrônicas, ainda que especulativas, para tal fenômeno: é possível que no passado esses afixos excepcionais terminavam com outros segmentos (consoantes ou vogais longas).
MORFEMA QUE INTRODUZ PREGLOTALIZAÇÃO NO SEGMENTO À DIREITA
As línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh apresentam uma complicação adicional nas formas flexionadas para a primeira pessoa inclusiva. Estas formas apresentam o prefixo pa- /pa-/, que na variedade da língua Mẽhĩ falada pelos Mẽmõrtũmre normalmente se comporta como qualquer outro morfema que termina em uma vogal curta: possibilita a realização das duas fases dos segmentos de contorno preglotalizados (52) e pós-oralizados (53) e não afeta a realização de segmentos nasais (54) e outras soantes (55) de forma alguma22.
-
(52) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
mẽ pahcuhtỳj /mẽ+pa+ˀkʰuˀtɘj/ [mẽ.paʔ.guʔ.t̠ɘj] ‘somos fortes’ (RC-230419)
-
pahpahàm /pa+ˀpaɦɜm/ [paʔ.pah.hɜm] ‘nossa vergonha (tua e minha)’ (RC-230419)
-
pahkra /pa+ˀkɽa/ [paʔ.kʰɽa ~ paʔ.kɽ̊a] ‘nosso filho (teu e meu)’ (RC-230630)
-
mẽ pahràn /mẽ+pa+ˀɽɜn/ [mẽ.paʔ.ɽɜn̠] ‘nos anima’ (Capêrkô Canela, 2023, p. 16; pronúncia inferida a partir da grafia)
-
pahna /pa+ˀnɘ̃/ [paʔ.n̠ɘ̃] ‘sobre nós dois (tu e eu)’ (Grupp, 2015, p. 15; pronúncia inferida a partir da grafia)
-
-
(53) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
panto /pa+nɔ/ [pan̠.t̠ɔ] ‘nossos olhos (teus e meus)’ (Grupp, 2015, anexo 2, p. 38; pronúncia inferida a partir da grafia)
-
panxyrxwỳ /pa+ɲɨɽ+t͡s̺ʰβɘ/ [pan̠.t͡s̺ʰɨɽ.t͡s̺ʰβɘ] ‘nossos parentes maternos’ (Capêrkô Canela, 2023, pp. 14, 16; pronúncia inferida a partir da grafia)
-
pancacaxà /pa+ŋaːkaː+t͡s̺ʰɜ/ [pan.gaː.kaː.t͡s̺ʰɜ] ‘nossa cultura’ (RC-230419)
-
mẽ pancjêj /mẽ+pa+ŋjêj/ [mẽ.pan̠.k̟jej] ‘nos colocar’ (RC-230419)
-
mẽ panquêtjê /mẽ+pa+ŋêt+jê/ [mẽ.pan̠.k̟ed.d͡ʑe] ‘nossos antepassados’ (RC-230419)
-
-
(54) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
mẽ pamã /mẽ+pa+mɘ̃/ [mẽ.pa.mɘ̃] ‘para nós’ (Capêrkô Canela, 2023, pp. 13–14, 16, 18, 19, 21, 23; pronúncia inferida a partir da grafia)
-
-
(55) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
mẽ pajõ wej /mẽ+pa+jõ+ˀβɛj/ [mẽ.pa.j̃õʔ.βɛj] ‘nossos velhos’ (RC-230419)
-
No caso dos temas cujo segmento inicial é uma oclusiva simples (não preglotalizada) – /p/, /t/ ou /k/ –, a flexão de primeira pessoa inclusiva apresenta um comportamento inesperado. Mais especificamente, uma subclasse desses temas apresenta [ʔ] entre o prefixo e o segmento inicial da raiz (56). Alguns temas apresentam as formas sem [ʔ] (57), mas provavelmente apresentam um alongamento da vogal [aː], igualmente inesperado. Infelizmente, os dados relevantes estão disponíveis apenas em forma ortográfica, motivo pelo qual os exemplos em 56 e 57 não estão acompanhados de transcrições fonéticas, porem o uso dos dígrafos hp, ht, hc em 56 e sua ausência em 57 revelam o contraste ora em discussão.
-
(56) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre) (Grupp, 2015)
-
pahte /pa+tɛ/ ‘nós (ergativo)’
-
pahto /pa+tɔ/ ‘conosco (instrumental), nos (paciente de causação, objeto aplicado)’
-
Pahpãm /pa+pɘ̃m/ ‘Deus cristão’ (‘nosso pai’)
-
pahcuxà /pa+kut͡s̺ʰɜ/ ‘igual a nós dois’
-
mẽ pahcurê xwỳn /mẽ+pa+kuɽe+t͡s̺ʰβɘn/ ‘diabo na mitologia cristã’ (‘aquele que nos odeia’)
-
mẽ pahpytàr catê /mẽ+pa+pɨtɜ+ɽ+ˀkate/ ‘salvador na mitologia cristã’ (‘aquele que nos salva’)
-
-
(57) Mẽhĩ (Mẽmõrtũmre)
-
mẽ papa /mẽ+pa+pa/ ‘nós andamos’ (Capêrkô Canela, 2023, p. 13)
-
mẽ papê /mẽ+pa+pe/ ‘de nós; nós somos’ (Capêrkô Canela, 2023, pp. 13, 16–17, 23)
-
pacagãgã /pa+kagɘ̃ːgɘ̃ː/ ‘nossos suspiros’ (Grupp, 2015, p. 169)
-
papĩ /pa+pĩ/ ‘matar nós dois com feitiço’ (Capêrkô Canela, comunicação pessoal, setembro de 2023)
-
mẽ papijacri /mẽ+pa+pi+jakɽi/ ‘nosso resguardo’ (Capêrkô Canela, 2023, pp. 13, 16)
-
Na língua Mẽ hẽeh, os fatos são semelhantes: diante de quase todas as consoantes, o prefixo pa- se comporta como qualquer outro morfema que termina com uma vogal curta23, mas diante das consoantes /p/, /t/ ou /k/ ocorre um alomorfe com [ʔ] (como na posposição instrumental, pa’to [paʔ.to], que funciona, ainda, como um marcador causativo/aplicativo, como 56b em Mẽhĩ) ou com um alongamento (com uma frequência maior do que na língua Mẽhĩ; por exemplo, a posposição ergativa recebe a forma paate [paː.te] em Mẽ hẽeh, à diferença de 56a em Mẽhĩ). Exemplos textuais dessas formas na língua Mẽ hẽeh podem ser encontrados, entre outros, em Belizário Gavião (2017, pp. 64, 78, 98).
As propriedades morfofonológicas do prefixo pa- de primeira pessoa inclusiva devem ser investigadas e testadas em um corpus mais abrangente. Provisoriamente, é possível propor um processo lexicalmente restrito que transforma as oclusivas simples em preglotalizadas (/C/ → /ˀC/) após o prefixo pa-. Diante dos demais temas que começam com uma oclusiva simples, que não são afetadas por este processo, a vogal do prefixo é alongada. Não foi encontrada uma explicação diacrônica ou sincrônica para tais processos.
MORFOFONOLOGIZAÇÃO EM PANHĨ
Como foi visto nas seções anteriores, nas línguas Mẽhĩ e Mẽ hẽeh, bem como no Proto-Jê Setentrional, os ambientes que condicionam a desglotalização das consoantes preglotalizadas subjacentes (isto é, a realização de /ˀC/ como [C]) são fonológicos, com a exceção de alguns poucos elementos gramaticais que apresentam um comportamento divergente. Mais especificamente, verifica-se que o apagamento da fase glotal ocorre após vogais longas, consoantes e pausa.
A língua Panhĩ, contudo, sofreu uma mudança que fez com que as condições do processo de desglotalização tenham se tornado menos transparentes. Trata-se da perda da duração vocálica contrastiva, um processo diacrônico em que as vogais longas (*Vː) se tornaram curtas (V) em todas as línguas Jê Setentrionais do ramo Trans-Tocantins (algo não descrito na literatura, mas evidenciado na base de dados de Nikulin & Salanova, 2022b), bem como na língua Gavião do Pará (Ribeiro Silva, 2020, p. 189)24.
Em decorrência da referida mudança, sincronicamente na língua Panhĩ são identificados dois grupos de morfemas que terminam em vogal (Callow, 1962, pp. 152, 154). Os morfemas do primeiro grupo, chamado de ‘classe F’ por Callow (1962), permitem a realização da fase glotal de um segmento preglotalizado à sua direita (58a–58b). Os morfemas do segundo grupo, chamado de ‘classe L’ por Callow (1962), desencadeiam a desglotalização de um segmento preglotalizado à sua direita (58c–58d). Assim como no exemplo 51, o símbolo /•/ nas representações subjacentes indica que um determinado morfema desglotaliza o segmento seguinte. Infelizmente, não há transcrições estreitas ou gravações disponíveis para os dados em 58.
-
(58) Panhĩ
-
pĩhti /pĩ-ˀt̪i/ ‘árvore grande’ (Albuquerque, 2012a, p. 63)
-
krôhti /krô-ˀt̪i/ ‘trepadeira, videira’ (Callow, 1962, p. 154)
-
krôti /krô•-ˀt̪i/ ‘preá’ (Callow, 1962, p. 154)
-
mĩti /mĩ•-ˀt̪i/ ‘jacaré’ (Albuquerque, 2012a, p. 51)
-
Os morfemas do primeiro grupo são justamente aqueles cujos étimos terminavam em uma vogal curta em Proto-Jê Setentrional, e os do segundo (que terminam com /V•/) são aqueles cujos étimos terminavam em uma vogal longa: compare Mẽ hẽeh pẽh /pẽ̤/ ‘árvore (não frutífera)’, -’cru /-ˀkɾu/ ‘trepadeira, videira’, cruu /kɾuː/ ‘porco, queixada’, meeh /mẽ̤ː/ ‘jacaré’ (Pries, 2008, pp. 23, 33, 86, 90). Dessa forma, ao perder o contraste de duração vocálica, a língua Panhĩ passou a apresentar uma complexidade morfofonológica mais elevada no que diz respeito às condições necessárias para o processo de desglotalização.
PANORAMA DIACRÔNICO
Os segmentos preglotalizados foram mais bem preservados nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ, mas um resquício do contraste entre as consoantes simples e preglotalizadas pode ser encontrado, ainda, na língua Mẽbêngôkre (Nikulin & Salanova, 2022a). Nessa língua, as consoantes preglotalizadas *ˀn̥ e *ˀc do Proto-Jê Setentrional são refletidas como ’ /ʔ/ (59a–59c), porém a consoante simples *n̥ é refletida como t /t/ (59d; reflexo não mencionado por Nikulin & Salanova, 2022a) ao passo que a oclusiva simples *c é refletida como ∅ (59e), com a possibilidade de o hiato ser resolvido por uma aproximante epentética (59f).
-
(59)
-
Proto-Jê Setentrional *-ˀn̥õ ‘um de’ > Mẽbêngôkre -’õ [-ˈʔõ], Mẽhĩ -hnõ [-ʔ.n̠õ]
-
Proto-Jê Setentrional *-ˀkuˀcê ‘ficar em pé (plural)’ > Mẽbêngôkre -ku’ê [-ku.ˈʔe], Mẽhĩ -hcuhhê [-ʔ.guʔ.ɦe]
-
Proto-Jê Setentrional *-ˀcô ‘folha’ > Mẽbêngôkre -’ô [-ˈʔo], Mẽhĩ -hhô [-ʔ.ɦo]
-
Proto-Jê Setentrional *-gun̥ə̃ ‘contra’ > Mẽbêngôkre -kutã [-kuˈtʌ̃], Mẽhĩ -cunã [-gu.n̠ɘ̃]
-
Proto-Jê Setentrional *c-ô ‘fruta dele’ > Mẽbêngôkre ∅-ô [ˈho], Mẽhĩ h-ô [ɦo]
-
Proto-Jê Setentrional *-gucêː ‘furúnculo’ > Mẽbêngôkre -kuwê [-ku.ˈwe], Mẽhĩ -cuhê [-gu.ɦe(ː)]
-
Porém, no geral, as evidências comparativas sugerem que o contraste entre os segmentos simples e preglotalizados era consideravelmente menos produtivo em Proto-Jê Setentrional do que nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ. Isto ocorre porque diversos segmentos ‘simples’ – que contrastam, sincronicamente, com segmentos preglotalizados nas três línguas contemporâneas – são reflexos de uma série de obstruintes vozeadas do Proto-Jê Setentrional, preservada em Mẽbêngôkre. Dessa forma, os contrastes encontrados na margem esquerda de morfemas na língua Mẽhĩ, tais como aqueles entre /p/ e /ˀp/, /t/ e /ˀt/, /n/ e /ˀn/, /k/ e /ˀkʰ/, continuam os antigos contrastes entre */b/ e */ˀp/, */d/ e */ˀt/, */n/ e */ˀn̥/, */g/ e */ˀk/. As obstruintes surdas da protolíngua – */p/, */t/, */c/, */k/ – jamais ocorriam na margem esquerda de morfemas (com a exceção de um grupo de morfemas que começavam com o formativo *py- / *pu-). As consoantes que podiam ocupar a posição inicial dentro de um morfema incluíam as seguintes: */ˀp/, */ˀt/, */ˀc/, */ˀk/, */ˀn̥/, */b/, */d/, */ĵ/, */g/, */m/, */n/, */ñ/, */ŋ/, */r/, bem como */p/ (somente no formativo *py- / *pu-). O triplo contraste entre as obstruintes vozeadas, desvozeadas e preglotalizadas é observado dentro de morfemas (60).
-
(60) Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Salanova, 2022b)
-
*-jabjê ‘alto, comprido’
-
*-japar ‘neto, sobrinho (referência indireta)’
-
*-juˀpiᵊ ‘carregar no ombro’
-
*-ˀkãmder ‘filho (referência indireta)’
-
*-gato ‘sair’
-
*-ñõˀto ‘língua (órgão)’
-
*-jaĵuᵊ ‘colocar deitado (plural)’
-
*kacuᵊ ‘pilão’
-
*aˀcuᵊ ‘ariramba-de-cauda-ruiva’
-
*-jagot ‘redondo e pequeno’
-
*-jakop ‘seguir, rastrear’
-
*koˀkot ‘cigarra’
-
Nas línguas Mẽhĩ, Mẽ hẽeh e Panhĩ, as antigas obstruintes vozeadas deixaram de contrastar com as desvozeadas, levando a um aumento da carga funcional do contraste de preglotalização. Além disso, novos fonemas preglotalizados surgiram graças à mudança sonora */ˀcw/ > */ˀw/ (> Mẽhĩ /ˀβ/, Panhĩ /ˀʋ/), ao influxo de empréstimos, tais como Mẽhĩ -hwej /-ˀβɛj/ ‘velho’ (do português), e à criação de palavras novas, provavelmente onomatopaicas, tais como Mẽhĩ -hmũt ri /-ˀmũt ɽi/ ‘longe’, -hràn /-ˀɽɜn/ ‘animar’, jôhjôt /joˀjot/ ‘tucaninho’, hõxãhxãc /ɦõt͡s̺ʰɘ̃ˀt͡s̺ʰɘ̃k/ ‘galinha’.
Nas demais línguas – Khĩsêtjê, Kajkwakhrattxi e Gavião do Pará –, o antigo contraste entre os segmentos simples e preglotalizados foi perdido. Os dados da língua Gavião do Pará em 61 são representativos da fala dos Parkatêjê e provêm de Araújo (2016); os da língua Khĩsêtjê foram fornecidos por Jamthô Suyá (comunicação pessoal, 2022–2023).
-
(61) Proto-Jê Setentrional (Nikulin & Salanova, 2022b)
-
*-ˀkaprə̂ ‘não cheio’ > Khĩsêtjê -kahrâ [-ka.hᵊɽɘ], Gavião do Pará -kaprỳ [-ka.ˈpɾə]
-
*caˀprəː ‘brasa, cinza’ > Khĩsêtjê sahrá [sa.hᵊɽʌ], Gavião do Pará haprà ~ aprà [haˈpɾʌ ~ aˈpɾʌ]
-
*-ˀkujate ‘empurrar, afastar’ > Khĩsêtjê -kujathe [-ku.ja.t̠ʰɛ], Gavião do Pará -kujate [-ˈku.ja.ˈtɛ] ‘mandar embora’
-
*-ˀkaˀte ‘quebrar em pedaços’ > Khĩsêtjê -kathe [-ka.t̠ʰɛ], Gavião do Pará -kate [-ka.ˈtɛ]
-
*kacuᵊ ‘pilão’ > Khĩsêtjê khaswa [kxa.swa], Gavião do Pará kahuwa [ka.ˈhu.wa]
-
*aˀcuᵊ ‘ariramba-de-cauda-ruiva’ > Khĩsêtjê aswa [a.swa], Gavião do Pará ahuwa-re [a.ˈhu.wa.ˈɾɛ] ‘bico-de-agulha’
-
*-jakop ‘seguir, rastrear’ > Khĩsêtjê -jakháwá [-ja.kxʌwʌ̆], Gavião do Pará -jakop [-ja.ˈkɔp]
-
*-ñỹ-ˀkop ‘unha da mão’ > Khĩsêtjê -nhỹ-kháwá [-ɲɨ̃.kxʌwʌ̆], Gavião do Pará -jõ-kop [-ʒõ.ˈkɔp]
-
CONCLUSÃO
Neste artigo, propôs-se uma possibilidade de análise para as sequências do tipo [ʔC], encontradas em algumas línguas Jê Setentrionais. Mostrou-se que é vantajoso analisá-las como realizações de segmentos de contorno, que podem ser reconstruídos para o Proto-Jê Setentrional: */ˀp/, */ˀt/, */ˀc/, */ˀk/, */ˀn̥/. O inventário dos segmentos preglotalizados foi ampliado nas línguas modernas graças a mecanismos tais como mudança sonora, empréstimo e formações onomatopaicas.
Já na protolíngua a preglotalização era realizada apenas após vogais curtas, sendo apagada nos demais ambientes por meio de uma regra de desglotalização. O processo de desglotalização é bloqueado após o prefixo de terceira pessoa absolutiva, mas é inesperadamente desencadeado por alguns morfemas que terminam, sincronicamente, com uma vogal curta: *ku- (terceira pessoa acusativa) e *amñĩ- (prefixo reflexivo). Os segmentos preglotalizados podem afetar a escolha dos alomorfes de alguns afixos. Na língua Panhĩ, os fenômenos relativos à preglotalização apresentam um nível maior de complexidade morfofonológica devido à perda do antigo contraste de duração vocálica.
O padrão identificado é chamativo de um ponto de vista tipológico e areal. Embora sequências do tipo [ʔC] ocorram em diversas línguas sul-americanas na posição de ataque, sendo comumente analisadas como segmentos de contorno, em muitos casos é possível derivá-las de sequências subjacentes de consoantes simples e /ʔ/, revelando sua provável origem diacrônica. Por exemplo, na língua Iyojwa’aja’ (ramo Chorote, família Mataguaia), falada no norte da Argentina, os segmentos preglotalizados podem ocorrer no meio de morfemas, mas em fronteiras morfêmicas eles são claramente derivados de sequências bissegmentais por meio de um processo de metátese, como em ’not /n+ʔot/ [ˈʔnɔt] ‘peito de gente’ (Carol, 2014, p. 77). Da mesma forma, na língua Kawaiwete (= Kayabi, família Tupi-Guarani, tronco Tupi), a maior parte das ocorrências de segmentos preglotalizados deve-se a um processo que funde codas simples com /ʔ/, como em aka’ja /akaj+ʔa/ [akaʔˈja] ‘taperebá’, tuku’ri /tukut+ʔi/ [tukuʔˈɾi] ‘gafanhotinho’25. Nas línguas Jê Setentrionais, no entanto, não foram identificadas evidências que permitissem postular uma origem bissegmental para os segmentos preglotalizados. Neste sentido, elas assemelham-se à língua Mako (família Sáliba, tronco Jodï-Sáliba), falada na Amazônia venezuelana, que apresenta os fonemas /ˀb/, /ˀd/, /ˀd͡ʒ/ (Rosés Labrada, 2015, pp. 178–194), e à língua Wayuunaiki (ramo Marítimo, família Aruak), falada na península de La Guajira na Venezuela e Colômbia, que apresenta os fonemas /ˀw/, /ˀɺ/, /ˀr/, /ˀj/ (Sabogal & Nikulin, em preparação). Essas são as únicas línguas sul-americanas das quais tenho conhecimento (além, é claro, das línguas Jê Setentrionais) em que os segmentos preglotalizados jamais decorrem de uma fusão de um segmento simples e /ʔ/. O fato de os segmentos preglotalizados serem soantes ou vozeados nas línguas Mako e Wayuunaiki distancia-as das línguas Jê Setentrionais: os segmentos preglotalizados eram exclusivamente desvozeados em Proto-Jê Setentrional, e seus reflexos nas línguas-filhas são predominantemente realizados como desvozeados em sílabas tônicas (exceto os reflexos de */ˀn̥/ e */ˀc/). Desta maneira, os segmentos preglotalizados das línguas Jê Setentrionais são tipologicamente peculiares, e sua origem deve ser investigada em maior detalhe em futuros estudos.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de expressar minha gratidão a todos os falantes de línguas Jê Setentrionais que têm conversado comigo em suas línguas maternas, corrigido meus erros e respondido minhas inúmeras perguntas com muita paciência. Em particular, sou grato ao meu inxũtũm Ricardo Capêrkô Canela e a toda minha familia Mẽmõrtũmre, bem como a acadêmicos do curso de Educação Intercultural: Arlene Ribeiro Sansão, Dermivaldo Crôpej Canela, Elton Hiku Krahô, Jamthô Suyá, Juliana Pahĩc Krahô, Maurino Belizário Gavião, Sandra Crakwỳj Krahô e Silas Wôôcô Krahô. Agradeço, ainda, a Flávia de Castro Alves – editora associada responsável por este manuscrito – e a duas/dois pareceristas anônimas/os por uma leitura atenciosa do manuscrito e por suas sugestões e críticas, sempre relevantes. Uma versão anterior deste estudo foi apresentada no simpósio de fonologia do Amazônicas IX, em 5 de junho de 2023, em Bogotá, Colômbia; sou grato ao público por seus comentários. Quaisquer equívocos são de minha inteira responsabilidade.
-
DADOS DA PESQUISA
Os dados não foram depositados em repositório.
-
PREPRINT
Não foi publicado em repositório.
-
AVALIAÇÃO POR PARES
Avaliação duplo-cega, fechada.
-
1
Este estudo foi inspirado pela tese de Ribeiro Silva (2020), a primeira autora que reconstruiu o contraste de duração vocálica e as instâncias de [ʔ] para o Proto-Timbira, bem como pelas gravações de narrativas Apànjêhkra feitas por Flávia de Castro Alves – o primeiro contato deste autor com os sons do fluxo de fala de uma variedade Timbira, ocorrido no âmbito das atividades de um projeto de pesquisa intitulado “Trabalho de campo colaborativo, documentação e descrição do Canela com foco nos direitos à língua materna” (coordenado por Flávia de Castro Alves). Neste estudo, contudo, as gravações de narrativas Apànjêhkra não são analisadas.
-
2
As denominações de algumas das línguas mencionadas neste artigo divergem daquelas usualmente empregadas em publicações acadêmicas, preferência sendo dada à nomenclatura utilizada pelos próprios falantes. O rótulo Mẽhĩ diz respeito ao conjunto das variedades faladas pelos povos Mẽmõrtũmre (Canela da Terra Indígena/TI Kanela), Apànjêhkra (Canela da TI Porquinhos) e Krahô. O rótulo Mẽ hẽeh refere-se ao conjunto das variedades faladas pelos povos Pyhcop cati ji (Gavião, Pykobjê), Crẽhcateh cati ji (Krikati) e Cree pym cati ji. O endônimo Panhĩ é utilizado em vez do nome mais conhecido, Apinajé (Apinayé).
-
3
As formas reconstruídas estão no Alfabeto Macro-Jê (Nikulin, 2020, pp. 50–53) e não no Alfabeto Fonético Internacional. Os segmentos reconstruídos como */r/, */ñ/ e */ĵ/ provavelmente eram realizados como [ɾ] ou [ɽ], [ɲɟ] e [ɟ], respectivamente. Informações mais detalhadas acerca da reconstrução fonológica do Proto-Jê Setentrional podem ser encontradas em Nikulin e Salanova (2019, apêndice A; 2022a), sendo que apenas o último desses trabalhos reconhece a relevância da reconstrução dos segmentos preglotalizados. Em relação à reconstrução lexical, as reconstruções neste artigo provêm da pesquisa em andamento de Nikulin e Salanova (2022b), que já incorpora as principais conclusões deste estudo.
-
4
A língua Mẽhĩ apresenta, ainda, sequências tautossilábicas do tipo [V̯a], como em mẽhcunea [mẽʔ.guː.n̠ẽ̯a] ‘todos eles’, que não foram objeto de pesquisas aprofundadas até o presente. São mencionadas apenas in passim por Grupp (2015, p. vi). Tais sequências ocorrem em contextos enfáticos, e parecem ser obrigatórias na construção X to X ‘realmente X’, como em i-mpeaj to i-mpej ‘é muito bom’, h-akrya to h-akry ‘está muito contente’, i-hcuhtỳaj to i-hcuhtỳj ‘é muito forte’ (expressões comuns no dia a dia). Não foi detectada nenhuma interação entre este fenômeno e a estrutura silábica na língua Mẽhĩ.
-
5
Um possível contraexemplo foi documentado na variedade Pyhcop cati ji da língua Mẽ hẽeh, caax ‘pacará’, pronunciado [kʰaːs] (Pries, 2008, p. 13). Entretanto, Arlene Ribeiro Sansão (comunicação pessoal, 2024) informa que o termo em questão é grafado cax e pronunciado [kʰas], sugerindo que poderia se tratar de um erro de digitação da parte de Pries (2008); neste caso, não haveria contraexemplos.
-
6
As codas na língua Panhĩ são apagadas quando elas são homorgânicas com o ataque da sílaba subsequente, com algumas restrições; a coda /k/ é apagada diante de qualquer consoante não rótica (Callow, 1962, pp. 79, 81, 83).
-
7
Em seus trabalhos sobre o povo Mẽmõrtũmre, o antropólogo Pỳp utiliza um sistema de transcrição totalmente diferente daquele proposto por Prejaka e Tehtihkwỳj (Crocker, 1990, pp. 356–360). Esse autor representa as sequências do tipo [ʔC] por meio de ‹?C›. Além disso, ele representa, de forma sistemática, as vogais longas por meio de letras duplicadas. Apesar de ser fonologicamente superior à proposta missionária, a grafia de Pỳp é praticamente desconhecida na comunidade (com exceção de pessoas que foram próximas a Pỳp no passado, como é o caso de Francisquinho Tephot).
-
8
Embora Callow (1962, p. 11) descreva os alofones desvozeados das obstruintes da língua Panhĩ como levemente aspirados, as transcrições neste trabalho seguem Oliveira (2005, p. 44), que afirma que as obstruintes dessa língua não são aspiradas. As transcrições seguem, ainda, a observação de Oliveira (2005, pp. 57–58) referente à ocorrência do alofone [ɭ] do rótico da língua Panhĩ, transcrito como [l] por Callow (1962).
-
9
Este exemplo apresenta a geminação de uma oclusiva, que ocorre apenas após vogais curtas (Castro Alves, 1999, pp. 80, 95–96; Popjes & Popjes, 1971).
-
10
Em trabalhos mais recentes, o fenômeno descrito por Callow (1962, pp. 87–88) não é mencionado de forma explícita. Seria possível atribuir a ausência das sequências do tipo CʔC nas fontes modernas a uma mudança linguística recente: dos colaboradores de Callow (1962, p. 5), o mais jovem tinha pouco mais de 20 anos em 1958–1959. Porém é imaginável que os estudos mais recentes simplesmente não tenham dado a devida atenção às instâncias de laringalização descritas por Callow (1962), considerando-as subfonêmicas. Este tema poderá ser abordado em futuras pesquisas junto ao povo Panhĩ.
-
11
Destas, [ʔg] e [ʔkʰ] ocorrem em distribuição complementar, pois [ʔkʰ] aparece apenas em sílabas com acento primário (como em -hkà [ʔ.ˈkʰɜ] ‘pele, casca’, -hkre [ʔ.ˈkʰɽɛ] ‘plantar; buraco’) ou secundário (como em -hkujate [ʔ.ˌkʰu.ja.ˈt̠ɛ] ‘empurrar’, -hkôpĩ [ʔ.ˌkʰo.ˈpĩ] ‘examinar’, -hkêrkêt [ʔ.ˌk̟ʰeɽ.ˈk̟ʰet̠] ‘torturar’), enquanto [ʔg] ocorre em sílabas átonas (como em -hcajpẽ [ʔ.gaj.ˈpẽ] ‘pesar, experimentar’, -hcakôc [ʔ.gaː.ˈkʰok̚] ‘falar’, -hcuhtỳj [ʔ.guʔ.ˈt̠ɘj] ‘ser forte’, -hcuhhê [ʔ.guʔ.ˈɦe(ː)] ‘ficar de pé (plural)’, ahcukij [aʔ.guː.ˈk̟ʰijă] ‘procurar’, hcunẽa [ʔ.guː.ˈn̠ẽ̯ã] ‘todos’). Dessa forma, é possível analisar [ʔg] como um alofone enfraquecido de [ʔkʰ]. Um ponto fraco desta hipótese é a ausência de uma confirmação instrumental da realidade do acento primário e secundário na língua Mẽhĩ, tema que deverá ser abordado em futuras pesquisas. Neste trabalho o acento não é representado nas transcrições fonéticas, embora o autor acredite em sua relevância.
-
12
As representações ortográficas em 21 seguem a grafia usada pelos Mẽmõrtũmre, pois o autor deste trabalho não tem conhecimento suficiente acerca da prática ortográfica dos Apànjêhkra em alguns casos; a segmentação morfológica também é do autor.
-
13
A oclusiva velar preglotalizada é representada como /ˀkʰ/ nas duas línguas, exceto na variedade da língua Mẽ hẽeh falada pelos Crẽhcateh cati ji, que tem /ˀk/. Não é postulado um contraste entre /ˀkʰ/ e /ˀk/, pois as instâncias de [ʔg] (ou [ʔk] em fala hiperarticulada) são alofones de /ˀkʰ/ em sílabas átonas, como foi discutido na nota 11. A fricativa glotal preglotalizada é representada como /ˀɦ/ nas variedades da língua Mẽhĩ faladas pelos Mẽmõrtũmre e Krahô, em que é tipicamente articulada como sonora ([ʔɦ]); nas demais variedades, utiliza-se a representação /ˀh/, pois as fontes consultadas tendem a transcrever o respectivo som como [ʔh]. O ponto de articulação da africada preglotalizada é descrito como pós-alveolar em Mẽ hẽeh (Sá, 2000), ao passo que em Mẽhĩ têm sido documentadas realizações pós-alveolares ([ʔt͡ʃ]) e alveolares ([ʔt͡s]). Nas gravações da fala dos Mẽmõrtũmre, a realização predominante é alveolar, com contato apical e uma leve aspiração: [ʔt͡s̺ʰ], motivo pelo qual neste trabalho é adotada a representação /ˀt͡s̺ʰ/. De forma semelhante, as soantes preglotalizadas /ˀβ/ e /ˀɽ/ são postuladas com base nas realizações predominantes nas gravações da fala dos Mẽmõrtũmre ([ʔβ], [ʔɽ], respectivamente), já as descrições das demais variedades descrevem os respectivos sons como labiovelar ([ʔw]) e alveolar ([ʔɾ]), respectivamente, sugerindo que poderia se tratar de variação dialetal.
-
14
O comportamento dos últimos dois morfemas em relação à desglotalização será discutido abaixo.
-
15
Pelo menos na variedade falada pelos Mẽmõrtũmre, a forma não finita é -hcukij em vez da forma esperada *-hcukjêr */ˀkʰuːkʰje+ɽ/, como em pyjê cukij prãm [pɨ.zʲeʔ.guː.k̟ij.pɽɘ̃m] ‘vontade de namorar com mulheres’ (literalmente ‘querer perguntar mulheres’), ihcukij to ipa [iʔ.guː.k̟ʰij.d̠ɔj.pa] ‘ficar perguntando’ (RC-230419).
-
16
Este verbo não se encontra documentado em Grupp (2015), mas ocorre em RC-230725.
-
17
Este verbo não se encontra documentado em Grupp (2015), mas ocorre em RC-230725.
-
18
Um padrão semelhante de epêntese de [i] foi descrito para a língua Panãra, estreitamente relacionada às línguas Jê Setentrionais (Lapierre, 2023b). Agradeço a uma avaliadora anônima deste Boletim por direcionar minha atenção a esse fato.
-
19
Crocker (1990, pp. 94, 116–117, 181, 196, 269, 270, 366) registra este termo com [ʔkʰ]: ‹amyi?khin›. Provavelmente se trata de um erro de transcrição; os Mẽhĩ consultados pelo autor foram enfáticos em dizer que esta palavra, tão comum na língua, não apresenta a preglotalização. Para a geminação da consoante, veja nota 9.
-
20
Esta hipótese diacrônica é inspirada naquela de Oliveira (2005, p. 299), que, entretanto, acredita que as formas com *u sejam mais arcaicas e sugere que o desenvolvimento histórico das respectivas formas na língua Panhĩ tenha envolvido uma harmonização vocálica: *ku-mə̃ > *kə̃-mə̃ > kãm. Na presente proposta, a língua Panhĩ teria sofrido uma metátese nestes casos. Para a língua Khĩsêtjê, Nonato (2014, p. 132) documenta as formas khwã e khwê, derivando-as de /kʰu+mɘ̃/, /kʰu+we/ por meio de processos de truncamento do prefixo e, no caso da posposição dativa, mutação consonantal.
-
21
Na língua Mẽ hẽeh, o alomorfe /k-/ é encontrado em algumas posposições quando precedido por um clítico do plural, como em mecte /mẽ+k+te/ ‘eles (ergativo)’, mecme /mẽ+k+mẽ/ ‘com eles’ (Pries, 2008, p. 86). Pelo menos na fala rápida dos Mẽmõrtũmre, o alomorfe /k/ ocorre também na língua Mẽhĩ, desde que precedido por vogal: pê cumã ihkĩan /pe+k(u)+mɘ̃+ˀkʰĩn/ [peg̚.mɘ̃ʔ.k̞ʰĩ̯ã́n̠] ‘ele gostou muito’ (FT-230926).
-
22
Na variedade da língua Mẽhĩ falada pelos Krahô, os fatos são semelhantes, porém a vogal do prefixo pode sofrer um alongamento diante das consoantes x /t͡s̺ʰ/ e j /j/, representado na grafia: paajõ pur /paːjõ puɽ/ ‘nossa roça’, paaxà /paːt͡s̺ʰɜ/ ‘nossa doença’, paajĩ /paːjĩ/ ‘nossa carne’. O autor pôde verificá-lo ao realizar atividades sobre flexão nominal e verbal com uma turma de acadêmicos Krahô, Mẽmõrtũmre, Pyhcop cati ji, Crẽhcateh cati ji, Mẽtyktire (Kayapó) e Khĩsêtjê no curso de Educação Intercultural (NTFSI/UFG) em 2023. Todos os acadêmicos Krahô que participaram da atividade produziram formas com o alongamento pelo menos uma vez, mas houve também considerável variação. O autor agradece a Silas Wôôcô Krahô, Juliana Pahĩc Krahô e Sandra Crakwỳj Krahô pelas discussões a respeito durante as aulas.
-
23
Esta afirmação baseia-se no corpus textual analisado (Nazareno & Dias, 2017). Entretanto, Maurino Belizário Gavião, no âmbito da atividade mencionada na nota anterior, informou que na variedade dos Pyhcop cati ji as formas com e sem o alongamento coexistem, sendo que as variantes com o alongamento são mais usuais: paatyx /paː+ˀtɨt͡ʃ/ [paː.tɨs] ‘somos fortes’, paamor /paː+mõ+ɾ/ [paː.mõɾ] ‘fomos’, paarii /paː+ɾiː/ [paː.ɾiː] ‘nadamos’, paapẽh /paː+pẽ̤/ ‘matar-nos afogados’. Talvez se trate de uma diferença subdialetal ou geracional, algo que deve ser investigado em futuros estudos.
-
24
As vogais longas não são reconstruídas para o Proto-Jê Setentrional por Nikulin (2020), mas certamente trata-se de um erro. Ribeiro Silva (2020) reconstrói duração vocálica contrastiva para o Proto-Timbira. Em diversos conjuntos de cognatos, as vogais longas do Mẽhĩ e do Mẽ hẽeh correspondem a vogais longas na língua A’uwẽ Uptabi (ramo Akuwẽ, família Jê), tal como estas foram documentadas por McLeod e Mitchell (1977); note que as vogais longas do A’uwẽ Uptabi se tornam curtas diante de pausa e não são representadas na escrita. Observem-se os seguintes conjuntos de cognatos: Mẽ hẽeh cohpaa ‘cipó cupá’, aacỳy ‘semente de tiririca’, -jacaa ‘branco’, -ncrỳy ‘seco’ e A’uwẽ Uptabi upaː ‘mandioca’, aː’é ‘semente de tiririca’, -’aː ‘branco’, -’réː ‘seco’; Mẽhĩ têː-ti ‘carrapato’, -nãː ‘mãe’, poː ‘veado’ e A’uwẽ Uptabi tiː-’a ‘carrapato’, -naː ‘mãe’, póː em póːwawẽ ‘gado’, póː-nẽ’ẽ ‘veado-mateiro’, póː-dzé ‘cervo’. Estes exemplos mostram que a duração vocálica contrastiva deve ser antiga nessas línguas, podendo ser reconstruída para a protolíngua dos ramos Jê Setentrional e Akuwẽ, o chamado Proto-Cerratense. Os dados das línguas Mẽ hẽeh, Mẽhĩ e A’uwẽ Uptabi nesta nota provêm de Pries (2008), Crocker (1990) e McLeod e Mitchell (1977), respectivamente.
-
25
Este processo foi originalmente identificado por Jensen (1984, p. 61) em duas línguas Tupi-Guarani e reconstruído para a respectiva protolíngua.
-
Nikulin, A. (2025). Consoantes preglotalizadas em línguas Jê Setentrionais. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 20(1), e20230084. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0084.
REFERÊNCIAS
- Albuquerque, F. E. (2011). Gramática pedagógica da língua Apinajé Editora da PUC-Goiás.
- Albuquerque, F. E. (2012a). Dicionário escolar Apinayé: Panhĩ kapẽr–kupẽ kapẽr, Apinayé–português Editora da Faculdade de Letras/UFMG.
- Albuquerque, F. E. (2012b). Mẽ ipê Krahô catêjê te amjĩ ton xà: arte e cultura do povo Krahô Núcleo Transdisciplinar de Pesquisas Literaterras da Faculdade de Letras/UFMG.
- Albuquerque, F. E. (2014a). Ciências Krahô Pontes Editores.
- Albuquerque, F. E. (2014b). Geografia Krahô: pjê kãm ampo itajê nã carõ Pontes Editores.
- Albuquerque, F. E., & Krahô, R. Y. (2016). Gramática pedagógica Krahô Pontes Editores.
- Araújo, L. (2016). Dicionário Parkatêjê–português Edição da autora.
- Belizário Gavião, P. (2017). Pyyhcop cati ji pehxcreh jãarẽn. In E. Nazareno, & L. O. Dias. (Orgs.), Coleção “Documentação de Saberes Indígenas na UFG”: povo indígena Pyhcop cati ji/Gavião (Vol. 10, pp. 63–119). Editora da Imprensa Universitária.
-
Browman, C. P., & Goldstein, L. (1989). Articulatory gestures as phonological units. Phonology, 6(2), 201–251. https://doi.org/10.1017/S0952675700001019
» https://doi.org/10.1017/S0952675700001019 -
Browman, C. P., & Goldstein, L. (1992). Articulatory phonology: an overview. Phonetica, 49(3–4), 155–180. https://doi.org/10.1159/000261913
» https://doi.org/10.1159/000261913 - Cagliari, L. C. (2002). Análise fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico Mercado de Letras.
-
Callow, J. C. (1962). The Apinayé language: phonology and grammar [Tese de doutorado, University of London]. http://www.etnolinguistica.org/tese:callow-1962
» http://www.etnolinguistica.org/tese:callow-1962 -
Capêrkô Canela, R. (2023). Mẽmõrtũmre Catêjê Cuhtỳj pyr xà: formação do corpo bom do povo Mẽmõrtũmre Canela [Projeto Extraescolar, Universidade Federal de Goiás]. https://intercultural.letras.ufg.br/p/ultimospeedefendidos
» https://intercultural.letras.ufg.br/p/ultimospeedefendidos -
Carol, J. (2014). Esbozo fonológico del chorote (mataguayo). LIAMES: Línguas Indígenas Americanas, 14(1), 73–103. https://doi.org/10.20396/liames.v0i14.1521
» https://doi.org/10.20396/liames.v0i14.1521 -
Castro Alves, F. (1999). Aspectos fonológicos do Apãniekrá (Jê) [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.8.1999.tde-27012023-120057
» https://doi.org/10.11606/D.8.1999.tde-27012023-120057 -
Castro Alves, F. (2004). O Timbira falado pelos Canela Apãniêkrá: uma contribuição aos estudos da morfossintaxe de uma língua Jê [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2004.325573
» https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2004.325573 -
Castro Alves, F. (2010). Evolution of alignment in Timbira. International Journal of American Linguistics, 76(4), 439–475. https://doi.org/10.1086/658054
» https://doi.org/10.1086/658054 -
Castro Alves, F., Nikulin, A., Koga, D. I. E., & Santos, V. A. P. B. (2021, dezembro). As construções reflexivas do Canela: sintaxe, semântica e diacronia. In Seminário do Núcleo de Tipologia e Línguas Indígenas, Universidade de Brasília, Brasília. https://www.youtube.com/watch?v=IsCQOTLRPEg
» https://www.youtube.com/watch?v=IsCQOTLRPEg - Clements, G. N., & Hume, E. V. (1995). The internal organization of speech sounds. In J. A. Goldsmith (Ed.), The Handbook of Phonological Theory (pp. 245–306). Blackwell.
-
Crocker, W. H. (1990). The Canela (Eastern Timbira), I: an ethnographic introduction (Smithsonian Contributions to Anthropology, n. 33). Smithsonian Institution Press. https://doi.org/10.5479/si.00810223.33.1
» https://doi.org/10.5479/si.00810223.33.1 -
Damulakis, G. N. (2010). Fonologias de línguas Macro-Jê: uma análise comparativa via Teoria da Otimalidade [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. http://www.etnolinguistica.org/tese:damulakis-2010
» http://www.etnolinguistica.org/tese:damulakis-2010 -
Estevam, A. M. (2011). Morphosyntaxe du xavante, langue jê du Mato Grosso (Brésil) [Tese de doutorado, Université Paris-Diderot (Paris 7)]. http://www.etnolinguistica.org/tese:estevam-2011
» http://www.etnolinguistica.org/tese:estevam-2011 - Gabas Jr., N. (2001). Lingüística histórica. In F. Mussalim, & A. C. Bentes (Orgs.), Introdução à lingüística: domínios e fronteiras (Vol. 1, pp. 77–103). Cortez Editora.
- Grupp, B. (2015). Dicionário Canela: Canela–Português–Inglês, Português–Canela, Inglês–Canela (2 ed. rev.). Missão Cristã Evangélica do Brasil.
-
Ham, P., Waller, H., & Koopman, L. (1979). Aspectos da língua Apinayé Sociedade Internacional de Lingüística. https://www.sil.org/resources/archives/16974
» https://www.sil.org/resources/archives/16974 -
Jensen, Ch. J. S. (1984). O desenvolvimento histórico da língua Wayampi [Dissetação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.1984.51508
» https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.1984.51508 - Ladeira, M. E. (Org.). (2006). Me pajõ a’xu: nossos frutos Centro de Trabalho Indigenista.
-
Lapierre, M. (2023a). Two types of [NT]s in Panãra: evidence for temporally ordered subsegmental units. Glossa: A Journal of General Linguistics, 8(1), 1–42. https://doi.org/10.16995/glossa.5739
» https://doi.org/10.16995/glossa.5739 -
Lapierre, M. (2023b). The phonology of Panãra: a prosodic analysis. International Journal of American Linguistics, 89(3), 333–356. https://doi.org/10.1086/724988
» https://doi.org/10.1086/724988 -
McLeod, R., & Mitchell, V. (1977). Aspectos da língua Xavánte Summer Institute of Linguistics. https://www.sil.org/resources/archives/75678
» https://www.sil.org/resources/archives/75678 -
Miranda, M. G. (2014). Morfologia e morfossintaxe da língua Krahô (família Jê, tronco Macro-Jê) [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. https://repositorio.unb.br/jspui/handle/10482/17796
» https://repositorio.unb.br/jspui/handle/10482/17796 -
Miranda, M., & Sansò, A. (2019, setembro). Antipassive constructions in Jê languages: typological convergences and divergences. In 13th Conference of the Association for Linguistic Typology, Università degli Studi di Pavia, Pavia. https://www.academia.edu/40235371/Antipassive_constructions_in_J%C3%AA_languages_typological_convergences_and_divergences
» https://www.academia.edu/40235371/Antipassive_constructions_in_J%C3%AA_languages_typological_convergences_and_divergences -
Nazareno, E., & Dias, L. O. (Orgs.). (2017). Coleção “Documentação de Saberes Indígenas na UFG”: povo indígena Pyhcop cati ji/Gavião (Vol. 10.). Editora da Imprensa Universitária. https://www.researchgate.net/publication/330986156_DOCUMENTACAO_DE_SABERES_INDIGENAS_VOL_X_POVO_INDIGENA_PYHCOP_CATI_JIGAVIAO
» https://www.researchgate.net/publication/330986156_DOCUMENTACAO_DE_SABERES_INDIGENAS_VOL_X_POVO_INDIGENA_PYHCOP_CATI_JIGAVIAO -
Nikulin, A., & Salanova, A. P. (2019). Northern Jê verb morphology and the reconstruction of finiteness alternations. International Journal of American Linguistics, 85(4), 533–567. https://doi.org/10.1086/704565
» https://doi.org/10.1086/704565 -
Nikulin, A. (2020). Proto-Macro-Jê: um estudo reconstrutivo [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. http://repositorio.unb.br/handle/10482/38893
» http://repositorio.unb.br/handle/10482/38893 -
Nikulin, A. (2021). Diminutivos em -j nas línguas Jê Setentrionais. LIAMES: Línguas Indígenas Americanas, 21, e021012. https://doi.org/10.20396/liames.v21i00.8667210
» https://doi.org/10.20396/liames.v21i00.8667210 - Nikulin, A., & Salanova, A. P. (2022a). O enfraquecimento diacrônico de consoantes em Mẽbêngôkre. In E. S. Oliveira, E. A. Vasconcelos, & R. D. Sanches (Orgs.), Estudos linguísticos na Amazônia (Vol. 2, pp. 121–143). Pontes Editores.
-
Nikulin, A., & Salanova, A. P. (2022b, agosto 10). A lexical reconstruction of Proto-Northern Jê [Academia.edu]. https://www.academia.edu/84404903/A_lexical_reconstruction_of_Proto_Northern_J%C3%AA_Nikulin_and_Salanova
» https://www.academia.edu/84404903/A_lexical_reconstruction_of_Proto_Northern_J%C3%AA_Nikulin_and_Salanova -
Nikulin, A., & Capêrkô Canela, R. (2024). Tu vai ... ele: uma observação sobre os verbos cu- na fala dos Mẽmõrtũmre. LIAMES–Línguas Indígenas Americanas, 24, e024009. https://doi.org/10.20396/liames.v24i00.8675080
» https://doi.org/10.20396/liames.v24i00.8675080 -
Nonato, R. (2014). Clause chaining, switch reference and coordination [Tese de doutorado, Massachusetts Institute of Technology]. https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/87499
» https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/87499 -
Oliveira, C. C. (2005). The language of the Apinajé people of Central Brazil [Tese de doutorado, University of Oregon]. http://www.etnolinguistica.org/tese:oliveira-2005
» http://www.etnolinguistica.org/tese:oliveira-2005 - Oliveira, C. C. (Org.). (2013). Pyhcop cati ji jõ’amjõhquẽhn CEGRAF.
-
Põcuhtô Krahô, T. (2020). Tep mẽ têêre Pachamama. https://alfabecantar.com.br/tep-me-teere/
» https://alfabecantar.com.br/tep-me-teere/ -
Popjes, J., & Popjes, J. (1971). Phonemic statement of Canela (Arquivo Linguístico, n. 112). Summer Institute of Linguistics. https://www.sil.org/resources/archives/41498
» https://www.sil.org/resources/archives/41498 - Popjes, J., & Popjes, J. (1986). Canela–Krahô. In D. C. Derbyshire, & G. K. Pullum (Eds.), Handbook of Amazonian Languages (Vol. 1, pp. 128–199). De Gruyter Mouton.
- Pries, S. (2008). Dicionário Gavião–Krikati [Manuscrito não publicado].
-
Reis Silva, M. A. (2001). Pronomes, ordem e ergatividade em Mebengokre (Kayapó) [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2001.290974
» https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2001.290974 -
Ribeiro Apinajé, J. K. (2019). Mẽ ixpapxà mẽ ixàhpumunh mẽ uxujahkrexà: Território, saberes e ancestralidade nos processos de educação escolar Panhĩ [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Goiás]. http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/11500
» http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/11500 -
Ribeiro Silva, N., Galucio, A. V. M., & Ferreira, M. N. O. (2018). Expression of the third person in the Parkatêjê language. Línguas e Instrumentos Línguísticos, (42), 202–242. https://doi.org/10.20396/lil.v42i42.8661577
» https://doi.org/10.20396/lil.v42i42.8661577 - Ribeiro Silva, N. (2020). Reconstrução fonológica do Proto-Timbira [Tese de doutorado, Universidade Federal do Pará].
-
Rodrigues, A. D. (2000). Flexão relacional no tronco linguístico Macro-Jê. Boletim da Associação Brasileira de Lingüística, 25, 219–231. http://www.etnolinguistica.org/biblio:rodrigues-2000-flexao
» http://www.etnolinguistica.org/biblio:rodrigues-2000-flexao -
Rosés Labrada, J. E. (2015). The Mako language: vitality, grammar and classification [Tese de doutorado, University of Western Ontario, Université Lumière–Lyon 2]. https://ir.lib.uwo.ca/etd/2851
» https://ir.lib.uwo.ca/etd/2851 -
Sá, R. M. (2000). Análise fonológica preliminar do Pykobyê [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. http://www.etnolinguistica.org/tese:sa-1999
» http://www.etnolinguistica.org/tese:sa-1999 -
Sá Amado, R. (2004a). A grafia uniformizada: uma conquista dos povos Timbira. Linha d’Água, (17), 65–75. https://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v0i17p65-75
» https://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v0i17p65-75 -
Sá Amado, R. (2004b). Aspectos morfofonológicos do Gavião-Pykobjê [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2004.tde-22122022-152709
» https://doi.org/10.11606/T.8.2004.tde-22122022-152709 - Sabogal, A. & Nikulin, A. (Em preparação). A phonological reconstruction of Proto-Lokono–Guajiro. Manuscrito.
-
Salanova, A. P. (2001). A nasalidade em Mebengokre e Apinayé: o limite do vozeamento soante [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2001.253075
» https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2001.253075 -
Salanova, A. P. (2011). A flexão de terceira pessoa nas línguas Jê. LIAMES–Línguas Indígenas Americanas, 11(1), 75–114. https://doi.org/10.20396/liames.v0i11.1497
» https://doi.org/10.20396/liames.v0i11.1497 -
Shih, S. S., & Inkelas, S. (2019). Subsegments and the emergence of segments. Proceedings of the Linguistic Society of America, 4(37), 1–8. https://doi.org/10.3765/plsa.v4i1.4541
» https://doi.org/10.3765/plsa.v4i1.4541 -
Stanton, J. (2018). Environmental shielding is contrast preservation. Phonology, 35(1), 39–78. https://doi.org/10.1017/S0952675717000379
» https://doi.org/10.1017/S0952675717000379 -
Steriade, D. (1993). Closure, release and nasal contours. In M. K. Huffman, & R. A. Krakow (Orgs.), Phonetics and phonology. Nasals, nasalization, and the velum (Vol. 5, pp. 401–470). Academic Press. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-360380-7.50018-1
» https://doi.org/10.1016/B978-0-12-360380-7.50018-1 -
Steriade, D. (1994). Complex onsets as single segments: the Mazateco pattern. In J. S. Cole, & C. Kisseberth (Eds.), Perspectives in phonology (pp. 203–291). CSLI Publications. https://www.researchgate.net/publication/243771246_Complex_onsets_as_single_segments_the_Mazateco_pattern
» https://www.researchgate.net/publication/243771246_Complex_onsets_as_single_segments_the_Mazateco_pattern -
Têrkwỳj Krahô, J. (2020). Pjêcre haahê kãm ihcuhhê jõ amjĩ kĩn mẽ panquêtjê jũjarẽn xà Pachamama. https://alfabecantar.com.br/pjecre-haahe-kam-ihcuhhe-jo-amji-kin-me-panquetje-jujaren-xa
» https://alfabecantar.com.br/pjecre-haahe-kam-ihcuhhe-jo-amji-kin-me-panquetje-jujaren-xa -
Wetzels, W. L., & Nevins, A. (2018). Prenasalized and postoralized consonants: The diverse functions of enhancement. Language, 94(4), 834–866. https://doi.org/10.1353/lan.2018.0055
» https://doi.org/10.1353/lan.2018.0055 -
Xôhtyc Krahô, E. (2020). Pàr kô kãm pryre mẽ pryre jara Pachamama. https://alfabecantar.com.br/par-ko-kam-pryre-m-pryre-jar/
» https://alfabecantar.com.br/par-ko-kam-pryre-m-pryre-jar/
Editado por
-
Responsabilidade editorial:
Flávia de Castro Alves
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Maio 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
04 Out 2023 -
Aceito
22 Ago 2024