Acessibilidade / Reportar erro

‘Culturas de Chimpanzés’: uma revisão contemporânea das definições em uso

‘Chimpanzee Cultures’: a contemporary view of the definitions in use

Resumo

As ‘culturas de chimpanzés’ correspondem a uma ideia especialmente importante porque chimpanzés são os animais mais próximos aos humanos em termos genéticos e de complexidade de comportamento. Uma avaliação crítica desses fenômenos irá certamente redefinir as fronteiras entre humanos e não humanos. Além disso, criará novas formas de representação da humanidade e sua alteridade. Consequentemente, é também urgente discutir as definições de cultura porque as concepções de ‘culturas de chimpanzés’ adotadas pelos primatólogos são profundamente distintas das concepções de cultura adotadas pelos antropólogos socioculturais. Há um consenso crescente entre os antropólogos socioculturais de que cultura envolve necessariamente a produção de sentidos e a manipulação de símbolos. O que os primatólogos frequentemente apresentam está muito distante disso. Para os antropólogos, cultura é a expressão plena de representações, mitos, arte, rituais e ciência. Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa bibliográfica feita sobre 24 periódicos representativos da área, de 1999 a 2011. Do material encontrado, 63 artigos que apresentam explícitas ou implícitas definições de ‘culturas de chimpanzés’ foram identificados e analisados. Um dos resultados mais importantes é que a grande maioria dos conceitos apresentados não se sustenta sobre concepções de cultura que envolvam a produção de significados e a manipulação de símbolos.

Palavras-chave
Comportamento social de chimpanzés; Definição de cultura; Teoria antropológica; Trabalho de campo

Abstract

‘Chimpanzee culture’s’ idea is a very important topic because chimpanzees are, genetically and behaviorally, the closest animals to humans. A critical assessment of these phenomena will certainly redefine the frontiers between humans and non-humans. Likewise, it may create new forms of representing the humanity and its alterity. Consequently, it’s urgent to discuss the definitions of ‘culture’ because the conception of’ ‘chimpanzee cultures’ adopted by primatologists is far from the sociocultural anthropologists’ conception of culture. At the same time, there is a growing consensus among the sociocultural anthropologists that culture necessary involves the production of meanings and the manipulation of symbols. What primatologists frequently present is far from modern sociocultural anthropologists’ conceptions. For the later, culture is the full expression of representations, myths, art, rituals and science. This paper presents the results of a bibliographical research that was carried out in 24 representative journals of the area from 1999 to 2011. From this survey 63 papers presenting explicit or implicit definitions of ‘chimpanzee cultures’ were identified and analyzed. One of most important results is that the great majority does not rely on a concept of culture that involves production of meanings and manipulation of symbols.

Keywords
Chimpanzee social behavior; Culture definition; Anthropological theory; Field work

CULTURA EM VERSÃO PRIMATOLÓGICA

A primatologia dedicada ao estudo do comportamento promoveu, nas últimas seis décadas, uma profunda revolução no conhecimento sobre primatas não humanos ao publicar dados até então desconhecidos (De Waal, 2000DE WAAL, Frans B. M. Primates: a natural heritage of conflict resolution. Science, v. 289, p. 586-590, 28 July 2000., 2007DE WAAL, Frans B. M. Eu, primata: por que somos como somos. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 344p.; Gibson; Ingold, 1995GIBSON, Kathleen R.; INGOLD, Tim (Ed.). Tools, language and cognition in human evolution. New YorMarshack: Cambridge University Press, 1995.; Goodall, 1991GOODALL, Jane. Uma janela para a vida. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 280p.; Rapchan, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika. Chimpanzés possuem cultura? Questões para a antropologia sobre um tema “bom para pensar”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 227-280, jan.-jun. 2005., 2012RAPCHAN, Eliane Sabeika. Cultura e inteligência: reflexões antropológicas sobre aspectos não físicos da evolução em chimpanzés e humanos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 793-813, jul.-set. 2012.; Rapchan; Neves, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 649-698, jul.-dez. 2005., 2014RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Etnografias sobre humanos e não humanos: limites e possibilidades. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 33-84, 2014.; Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.; Wrangham et al., 2001WRANGHAM, Richard W. A.; MCGREW, William C.; DE WAAL, Frans B.M.; HELTNE, Paul. (Ed.). Chimpanzee cultures. Cambridge: Harvard University Press, Chicago Academy of Sciences, 2001.; Tomasello, 1999aTOMASELLO, Michael. The human adaptation for culture. Annual Review of Anthropology, v. 28, p. 509-529, 1999a.). Este artigo pretende, num sentido teóricoepistemológico amplo, promover uma reflexão crítica acerca do conteúdo e das consequências dos resultados desses estudos sobre a definição de humano ao analisar a correlação entre as definições de cultura de chimpanzés adotadas pelos primatólogos e apresentadas em artigos publicados em periódicos internacionais, de grande impacto na comunidade acadêmica, a partir de 1999, e as concepções antropológicas de cultura.

Tal correlação se justifica na medida que o consenso em torno do reconhecimento da existência de complexidade social e de capacidades cognitivas amplas em não humanos questiona concepções filosóficas e antropológicas sobre as relações entre natureza e cultura em seus moldes clássicos. Ou seja, tanto abre brechas para revisões rigorosas dos determinismos biológico e cultural, quanto revisita possibilidades outrora impensadas de reflexão sobre o lugar e o papel de aspectos físicos e não físicos da evolução em relação aos primatas, particularmente em nossa espécie.

Além disso, o material analisado reforça a percepção de que é urgente refletir sobre as mudanças nas concepções clássicas sobre humanos e não humanos, bem como sobre as relações possíveis entre eles, tanto empíricas quanto analíticas. Entre elas estão as cogitações acadêmicas sobre a atribuição de alteridade a não humanos (Rapchan, 2010RAPCHAN, Eliane Sabeika. Sobre o comportamento de chimpanzés: o que antropólogos e primatólogos podem ensinar sobre o assunto? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, n. 33, p. 227-266, jan.-jun. 2010., 2012RAPCHAN, Eliane Sabeika. Cultura e inteligência: reflexões antropológicas sobre aspectos não físicos da evolução em chimpanzés e humanos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 793-813, jul.-set. 2012.; Rapchan; Neves, 2014RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Etnografias sobre humanos e não humanos: limites e possibilidades. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 33-84, 2014.; Stanford, 1998STANFORD, Craig B. The social behavior of Chimpanzees and Bonobos. Current Anthropology, v. 39, n. 4, p. 399-420, Aug.-Oct. 1998.), os debates jurídicos e filosóficos sobre a possibilidade de extensão da condição de pessoa a não humanos (Lestel, 2004LESTEL, Dominique. L’animal singulier. Paris: Seuil, 2004.; Cavalieri; Singer, 1995CAVALIERI, Paola; SINGER, Paul. The great ape project. In: CORBEY, R.; THEUNISSEN, B. (Ed.). Ape, Man, Apeman: Changing views since 1600. Leiden: Leiden University, 1995. p. 367-376.; Teubner, 2006TEUBNER, Gunther. Rights of non-humans? Electronic agents and animals as new actors in politics and law. Journal of Law and Society, v. 33, p. 497-521, 2006.) e também as análises que apontam para um reposicionamento ético em relação a animais não humanos (Armstrong; Botzler, 2008ARMSTRONG, Susan; BOTZLER, Richard G. (Ed.). The animal ethics reader. London: Routledge, 2008.; Beauchamp; Frey, 2011BEAUCHAMP, Tom L.; FREY, R. G. The Oxford handbook of animal ethics. New York: Oxford University Press, 2011.; Gruen, 2011GRUEN, Lori. Ethics and animals: an introduction. London: Cambridge University Press, 2011.). Em resumo, os resultados apresentados aqui visam, particularmente, a produzir subsídios para questionar concepções de “natureza humana” que se tornaram ultrapassadas (Haraway, 1990HARAWAY, Donna J. A cyborg manifesto: science, technology and socialist-feminism in the late twentieth-century. In: BELL, David; KENNEDY, Barbara M. (Ed.) The Cyber Cultures. London: Routledge, 1990. p. 291-327.; Ingold, 1994INGOLD, Tim. Humanity and Animality. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology. Londres; New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 1994. p. 14-32.; Latour; Woolgar, 1997LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. Vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997.) e desconstruir antigos parâmetros definidores da condição humana, a partir da proposição de um diálogo consistente entre as biociências e a antropologia sociocultural.

Wolfgang Köhler (1887-1967) é considerado o primeiro a sugerir e desenvolver pesquisas em laboratório orientado pela ideia de que primatas não humanos poderiam produzir algo semelhante à cultura humana (McGrew, 2007MCGREW, William C. New wine in new bottles: prospects and pitfalls of cultural primatology. Journal of Anthropological Research, v. 63, n. 2, p. 167-183, 2007.). Contudo, é a década de 1960 que marca a origem das pesquisas modernas sobre comportamento de chimpanzés selvagens, com os trabalhos pioneiros de Jane Goodall, Christopher Boesch e também do primatólogo japonês Toshisada Nishida (Stanford, 1998STANFORD, Craig B. The social behavior of Chimpanzees and Bonobos. Current Anthropology, v. 39, n. 4, p. 399-420, Aug.-Oct. 1998.). Foram tais pesquisas que originaram o debate acadêmico sobre a existência de culturas entre chimpanzés selvagens. Nesse contexto, o artigo de McGrew e Tutin (1978)MCGREW, William C.; TUTIN, C. E. G. Evidence for a social custom in wild chimpanzees? Man, v. 13, n. 2, p. 234-251, May 1978. merece destaque por ter sido, senão a primeira, ao menos a mais influente comunicação acadêmica a efetivamente aplicar o termo ‘cultura’ para explicar variações entre o groominge o groominghandclasp praticado por duas populações distintas de chimpanzés selvagens em Gombe (Tanzânia) e na Floresta de Taï (Costa do Marfim), respectivamente.

Desde aquele período, os primatólogos têm publicado dados surpreendentes sobre os chimpanzés: nas florestas, eles vivem em grupos complexos que possuem sofisticada dinâmica social, produzem e usam conjuntos de ferramentas específicos de cada grupo (Gruberet al., 2012; McGrew 1992MCGREW, William C. Chimpanzee material culture: implications for human evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1992., 2010MCGREW, William C. Chimpanzee technology. Science, v. 328, n. 5978, p. 579-580, 30 Apr. 2010.; Möbius et al., 2008MÖBIUS, Yasmim; BOESCH, Christophe; KOOPS, Kathelijne; MATSUZAWA, Tetsuro; HUMLE, Tatyana. Cultural differences in army ant predation by West African chimpanzees? A comparative study of microecological variables. Animal Behaviour, v. 76, n. 1, p. 37-45, 2008.; Schöning et al., 2008SCHÖNING, Caspar; HUMLE, Tatyana; MÖBIUS, Yasmin; MCGREW, W. C. The nature of culture: technological variation in chimpanzee predation on army ants revisited. Journal of Human Evolution, v. 55, n. 1, p. 48-59, July 2008.; Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.), caçam em grupo (Boesch, C.; Boesch, H., 1989BOESCH, Christophe; BOESCH, Hedwige. Hunting behavior of wild chimpanzees in the Taï National Park. American Journal of Physical Anthropology, v. 78, n. 4, p. 547-573, 1989.; Boesch-Achermann; Boesch, 1994BOESCH-ACHERMANN, Hedwige; BOESCH, Christophe. Hominization in the rainforest: the chimpanzee’s piece of the puzzle. Evolutionary Anthropology, v. 3, n.1, p. 9-16, 1994.), têm comportamentos sociais próprios a cada população, dissimulam diante dos mais fortes e demonstram extensa e complexa capacidade cognitiva em vários segmentos (Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.; Whiten, 2005aWHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a., 2011WHITEN, Andrew. The scope of culture in chimpanzees, humans and ancestral apes. Philosophical Transactions of Royal Society B., v. 366, p. 997-1007, 28 Feb. 2011.) .

Numa outra vertente de pesquisa, desde a década de 1970, pesquisadores dedicados ao aprendizado de linguagem humanizada e não vocal por chimpanzés (Fouts; Mills, 1997FOUTS, Roger; MILLS, Stephen T. Next of kin: what chimpanzees have thought me about who we are. Introduction by Jane Goodall. New York: Avon Books, 1997. 420 p.) e bonobos (Savage-Rumbaugh; Rumbaugh, 1995SAVAGE-RUMBAUGH, E. Sue; RUMBAUGH, Duane M. The emergence of language. In: INGOLD, Tim; GIBSON, Kathleen R. (Ed.). Tools, Language and Cognition in Human Evolution. New York: Cambridge University Press, 1995. p. 86-108.; Segerdahl et al., 2006SEGERDAHL, P.; FIELDS, W.; SAVAGE-RUMBAUGH, S. Kanzi’s Primal Language: the cultural initiation of primates into language. New York: Palgrave Macmillan, 2006.), os quais vivem em ambientes humanizados, têm fornecido muitos dados sobre cognição, transmissão de comportamentos e aprendizado social. Mais recentemente, pesquisas sobre comunicação entre grandes símios têm enfocado a expressão corporal e vocalização natural com resultados surpreendentes em relação ao comportamento vocal de humanos e de chimpanzés (Fedurek; Slocombe, 2011FEDUREK, P.; SLOCOMBE, K. E. Primate vocal communication: a useful tool for understanding human speech and language evolution? Human Biology, v. 83, n. 2, p. 153-173, 2011.; Hobaiter; Byrne, 2011HOBAITER, Catherine; BYRNE, R. W. The gestural repertoire of the wild chimpanzee. Animal Cognition, v. 14, n. 5, p. 745-767, 2011.; Liebal et al., 2004LIEBAL, Katja; CALL, Joseph; TOMASELLO, Michael. Use of gesture sequences in chimpanzees. American Journal of Primatology, v. 64, p. 377-396, 2004.; Crockford et al., 2004CROCKFORD, Catherine; HERBINGER, Ilka; VIGILANT, Linda; BOESCH, Christophe. Wild chimpanzees produce group specific calls: a case for vocal learning? Ethology, v. 110, n. 3, p. 221-243, 2004.; Whiten; Erdal, 2012WHITEN, Andrew; ERDAL, David. The human socio-cognitive niche and its evolutionary origins. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 367, n. 1599, p. 2119-2129, Aug. 2012.) Estes estudos têm enriquecido e aquecido os debates sobre inteligência, vida social, comunicação e aprendizado entre esses animais, bem como sobre a evolução da linguagem humana.

Contudo, a iniciativa de tratar comportamentos de primatas não humanos a partir de uma concepção de cultura surgiu, num núcleo distante do ocidente, na primatologia japonesa na década de 1950 (Perry, 2006PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006.), inicialmente dedicada ao estudo de uma espécie nativa, Macaca fuscata, popularmente conhecido como macaco-japonês. A primatologia japonesa daquele período usava termos distintos para os fenômenos identificados (kaluchua era o termo aplicado a não humanos) e entendia que as culturas humanas são fenômenos distintos dos comportamentos observados entre os macacos, mas orientava-se pela possibilidade de que são as interações sociais que produzem as variações comportamentais (Perry, 2006PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006.)

A primeira iniciativa de McGrew e Tutin (1978)MCGREW, William C.; TUTIN, C. E. G. Evidence for a social custom in wild chimpanzees? Man, v. 13, n. 2, p. 234-251, May 1978. no sentido de associar as variações intergrupais verificadas entre duas populações africanas de chimpanzés à ideia de cultura surgiu, talvez não por acaso, quando esses dois jovens primatólogos visitaram a reserva de Taï, então coordenada por Toshisada Nishida. Além disso, das leituras feitas sobre concepções antropológicas de cultura, McGrew e Tutin (1978)MCGREW, William C.; TUTIN, C. E. G. Evidence for a social custom in wild chimpanzees? Man, v. 13, n. 2, p. 234-251, May 1978. selecionaram a de Edward Tylor (1832-1917) e Alfred Kroeber (1876-1960) (Davidson; McGrew, 2005DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005.). De Kroeber adotaram os seis critérios propostos para identificar cultura: inovação, disseminação, estandardização, durabilidade, difusão, tradição. A estes fatores, McGrew e Tutin (1978)MCGREW, William C.; TUTIN, C. E. G. Evidence for a social custom in wild chimpanzees? Man, v. 13, n. 2, p. 234-251, May 1978. acrescentaram a não-subsistência (nonsubsistence) (comportamentos não associados à sobrevivência) e a naturalidade (comportamento não estimulado por influência humana) (Lestel, 1998LESTEL, Dominique. L’innovation cognitive dans descommunautés hybrides homme/animal de partage de sens, d’intérêts et d’affects. Intellectia, v. 102, n. 26-27, p. 203-226, 1998.). Curiosamente, o aspecto que aproxima a síntese da concepção de cultura proposta por Kroeber e Kluckhohn (1952, p. 153)KROEBER, Alfred L.; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: a critical review of concepts and definitions. Cambridge: Peabody Museum of Archeology and Ethnology, 1952. da capacidade de “simbolização”, “generalização” e “substituição imaginativa” não é explorada inicialmente pelos primatólogos, sendo ainda hoje comum nos estudos cognitivos em laboratório (Biro; Matsuzawa, 2001BIRO, D.; MATSUZAWA, T. Use of numerical symbols by the chimpanzee (Pan troglodytes): Cardinals, ordinals, and the introduction of zero. Animal Cognition, v. 4, n. 3-4, p. 193-199, Nov. 2001.) e rara entre chimpanzés selvagens (Boesch, 2001BOESCH, Christophe. Sacrileges are welcome in science! Opening a discussion about culture in animals. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 327-328, Apr. 2001.).

O impacto do artigo publicado em 1978 foi que McGrew e Tutin anunciaram mais claramente que, além dos humanos, ao menos os grandes símios produzam cultura (Davidson; McGrew, 2005DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005.). Perry (2006)PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006. assinala que a maioria dos primatólogos ocidentais, indiferentes à ‘questão da cultura’ até a década de 1990, com raras exceções, abraçaram fortemente o propósito de investigar as ‘culturas de chimpanzés’ a partir de então.

Segundo Lestel (1998)LESTEL, Dominique. L’innovation cognitive dans descommunautés hybrides homme/animal de partage de sens, d’intérêts et d’affects. Intellectia, v. 102, n. 26-27, p. 203-226, 1998., embora nem uma única população chimpanzé apresente todas essas características simultaneamente, a cada critério indicado correspondem dados sobre o comportamento dos chimpanzés que são dignos de nota. Atualmente, as concepções correntes de ‘culturas de chimpanzés’ não são mais tão formais ou explicitamente tributárias de Kroeber e Kluckhohn (1952)KROEBER, Alfred L.; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: a critical review of concepts and definitions. Cambridge: Peabody Museum of Archeology and Ethnology, 1952.. Modelos explicativos mais contemporâneos, fortemente influenciados pela teoria evolutiva, como os da “inteligência maquiavélica” (Byrne; Whiten, 1988BYRNE, R. W.; WHITEN, Andrew D. Machiavellian intelligence: social complexity and the evolution of intellect in monkeys, apes and humans. Oxford: Oxford University, 1988.), da cultura cumulativa (Tomasello, 1999bTOMASELLO, Michael. The cultural origins of human cognition. Cambridge: Harvard University Press, 1999b.; Tennie et al., 2009TENNIE, Claudio; CALL, Josep; TOMASELLO, Michael. Ratcheting up the ratchet: on the evolution of cumulative culture. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 364, n. 1528, p. 2405-2415, July 2009.) e da teoria da mente (Mindreading) (Call; Tomasello, 2008CALL, Josep ; TOMASELLO, Michael. Does the chimpanzee have a theory of mind? 30 years later. Trends in Cognition Sciences, v. 12, n. 5, p. 187-192, 2008.) foram acoplados às discussões sobre as ‘culturas de chimpanzés’, mas o núcleo original dessa concepção ainda influencia significativamente as concepções primatológicas de cultura.

A partir de 1990 os primatólogos ocidentais aproximaram suas observações sobre variações nos padrões de comportamentos de chimpanzés africanos de uma concepção de cultura que se parece parcialmente com as concepções da primatologia japonesa (Asquith, 2000ASQUITH, Pamela J. Negotiating science: internationalization and japanese primatology. In: STRUM, Shirley C.; FEDIGAN, Linda Marie (Ed.). Primate Encounters: models of science, gender, and society. Chicago: University of Chicago, 2000. p. 165-183.). Em relação ao enfoque no uso de ferramentas (McGrew, 1992MCGREW, William C. Chimpanzee material culture: implications for human evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.; Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.; Wrangham et al., 2001WRANGHAM, Richard W. A.; MCGREW, William C.; DE WAAL, Frans B.M.; HELTNE, Paul. (Ed.). Chimpanzee cultures. Cambridge: Harvard University Press, Chicago Academy of Sciences, 2001.), vale ressaltar que esse interesse sinaliza um esforço comparativo entre humanos e chimpanzés pautado na exploração paleoantropológica, que, além dos ossos, busca, nas ferramentas, indícios para gerar modelos sobre comportamento (Klein, 2000KLEIN, Richard G. Archaeology and the evolution of human behavior. Evolutionary Anthropology, v. 9, n. 1, p. 17-36, 2000., 2009KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.; Neves, 2013NEVES, Walter A. Um esqueleto incomoda muita gente. Campinas: Unicamp, 2013.). No entanto, apesar do reconhecimento da importância da vida social dos primatas, os estudos ocidentais dedicados às ‘culturas de chimpanzés’ têm uma história de afastamento e aproximação em relação às ciências sociais, com predomínio do primeiro tipo de movimento. Assim, se os primeiros trabalhos contaram com influências do trabalho de campo e da teoria antropológica, como é o caso de DeVore (1965)DE VORE, Irwing. Primate behavior: field studies of monkeys and apes. New York: Holt, Rinehartand Winston, 1965. entre os babuínos, ou com a ausência de formações acadêmicas rígidas em psicologia ou biologia, como é o caso de Godall, Fossey e mesmo Galdikas (Jahme, 2001JAHME, Carole. Beauty and the Beasts: woman, ape and evolution. New York: Soho Press, 2001. 416p.), posteriormente a primatologia iniciou e tem mantido uma forte aproximação da sociobiologia (Perry, 2006PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006.). Ao mesmo tempo, mais recentemente, a aproximação entre a primatologia ocidental e a japonesa, que conta, entre outras coisas, com a realização de inúmeras pesquisas conjuntas e a publicação da revista japonesa Primates em inglês, parece estar ocorrendo uma flexibilização do campo (Asquith, 2000ASQUITH, Pamela J. Negotiating science: internationalization and japanese primatology. In: STRUM, Shirley C.; FEDIGAN, Linda Marie (Ed.). Primate Encounters: models of science, gender, and society. Chicago: University of Chicago, 2000. p. 165-183., 2010; Perry, 2006PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006.).

O impactante artigo ‘Chimpanzee Cultures’ publicado em 1999 por um grupo de primatólogos influentes na Nature definiu uma nova era na primatologia ocidental. A era das ‘culturas de chimpanzés’, por sua vez, é marcada por muitas inovações na primatologia e por novas questões, críticas e apropriações advindas de outras áreas do conhecimento (Asquith, 2011ASQUITH, Pamela J. Commentary of bonds and boundaries: what is the modern role of anthropomorphism in primatological studies? American Journal of Primatology, v. 73, p. 238–244, Mar. 2011.; Haraway, 1989HARAWAY, Donna J. Primate visions. Gender, race and nature in the world of modern science. New York; London: Routledge, 1989.), pela possibilidade do delineamento de novas áreas de pesquisa e, principalmente, pela redefinição do que seja humanidade (Asquith, 2011ASQUITH, Pamela J. Commentary of bonds and boundaries: what is the modern role of anthropomorphism in primatological studies? American Journal of Primatology, v. 73, p. 238–244, Mar. 2011.; Rapchan; Neves, 2014RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Etnografias sobre humanos e não humanos: limites e possibilidades. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 33-84, 2014.; Whiten, 2005aWHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a., 2005bWHITEN, Andrew. Animal culture is real but needs to be clearly defined. Nature, n. 438, p. 1078, 21 Dec. 2005b.), que Ingold (1994)INGOLD, Tim. Humanity and Animality. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology. Londres; New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 1994. p. 14-32. sinaliza como um processo recorrente do conhecimento ocidental. Ou, como sinalizam Whiten et al. (2003, p. 92)WHITEN, Andrew; HORNER, Victoria; MARSHALL-PESCINI, Sara. Cultural panthropology. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 92-105, 7 Apr. 2003., ao anunciar que “chimpanzee also exihibit such cultural variation thus not in itself evolutionary. What is new is the richness of the phenomena uncovered in recent years and here reviewed.”

Ao mesmo tempo, a surpresa diante das novidades sobre as variações verificadas nos comportamentos de chimpanzés é atenuada pelo fato de o fenômeno identificado como ‘tradição’, concebido como o conjunto das variações intergrupais, observadas num conjunto de comportamentos transmitidos entre gerações e verificadas em inúmeras espécies de mamíferos (Rendell; Whitehead, 2001RENDELL, L.; WHITEHEAD, H. Culture in whales and dolphins. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 309-382, Apr. 2001.), aves e peixes, ser algo já bastante conhecido pelos etólogos, há décadas (Lorenz, 1995LORENZ, K. Os fundamentos da etologia. São Paulo: Unesp, 1995.).

O que parece muito valorizado por alguns primatólogos (Boesch, 2001BOESCH, Christophe. Sacrileges are welcome in science! Opening a discussion about culture in animals. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 327-328, Apr. 2001., 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.) em relação ao comportamento de chimpanzés, frente a outras espécies, é a quantidade de comportamentos variantes registrados, ou tradições, (Whiten et al., 2003WHITEN, Andrew; HORNER, Victoria; MARSHALL-PESCINI, Sara. Cultural panthropology. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 92-105, 7 Apr. 2003.) e os arranjos singulares de cada conjunto de comportamentos que particulariza cada grupo como único (Whiten, 2005aWHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a.), como ocorre entre culturas humanas. Atualmente, há cerca de quarenta diferentes tradições registradas na África (Whiten; Erdal, 2012WHITEN, Andrew; ERDAL, David. The human socio-cognitive niche and its evolutionary origins. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 367, n. 1599, p. 2119-2129, Aug. 2012.).

Múltiplas tradições variantes foram identificadas apenas em chimpanzés e humanos e isso, segundo muitos primatologistas, marca a diferença entre culturas (humanas e chimpanzés) e outras tradições animais (De Waal, 1999DE WAAL, Frans B. M. Cultural primatology comes of age. Nature, v. 399, p. 635-636, 17 June 1999.; Whiten, 2005aWHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a.). “Each local chimpanzee community hás a unique array of specific traditions, representing a ‘package’ that can be described as its local culture.” (Whiten, 2005aWHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a., p. 53). Tal critério de distinção não é contudo um consenso, como sinalizam os comentários de Rendell e Whitehead (2001)RENDELL, L.; WHITEHEAD, H. Culture in whales and dolphins. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 309-382, Apr. 2001. e de Galef sobre o tema (Boesch; Tomasello, 1998BOESCH, Christophe; TOMASELLO, Michael. Chimpanzee and human cultures. Current Anthropology, v. 39, n. 5, p. 591-614, Dec. 1998.; Galef, 1992GALEF, Bennett G. The question of animal culture. Human Nature, v. 3, n. 2, p. 157-178, June 1992.).

Nota-se que, diante de tamanha extensão e variedade comportamental, a ponto de o conjunto de padrões reproduzidos por cada grupo expressar arranjos únicos, e do surpreendente número de ferramentas, que varia em torno de 20 tipos em cada grupo (McGrew, 2010MCGREW, William C. Chimpanzee technology. Science, v. 328, n. 5978, p. 579-580, 30 Apr. 2010.), os primatólogos dedicados às pesquisas sobre chimpanzés seguem registrando a estabilidade dos padrões comportamentais registrados, a variabilidade intergrupal desses padrões, a pluralidade e a recorrência dos padrões costumeiros, mas também têm ousado em direção à realização de experimentos com chimpanzés selvagens (Gruber et al., 2012GRUBER, Thibaud; KRUPENYE, C.; REYNOLDS, V.; POTTS, K. B.; BYRNE, M. R.; MACKWORTH-YOUNG, C.; MCGREW, W. C.; ZUBERBÜHLER, Klaus. The influence of ecology on chimpanzee (Pan troglodytes) cultural behavior: a case study of five Ugandan chimpanzee communities. Journal of Comparative Psychology, v. 126, n. 4, p. 446-457, Nov. 2012.; Sakura; Matsuzawa, 1991SAKURA, Osamu; MATSUZAWA, Tetsuro. Flexibility of wild chimpanzee nut-cracking behavior using stone hammers and anvils: an experimental analysis. Ethology, v. 87, n. 3-4, p. 237-248, 12 Jan. 1991.) e ao estabelecimento de comparações com outros primatas humanos e não humanos, recorrentemente os macacosprego (Boesch, 2012BOESCH, Christophe. Wild Cultures: a comparison between chimpanzee and human cultures. Cambridge: Cambridge University, 2012.; Falótico et al., 2016FALÓTICO, Tiago; INABA, Akemi; MCGREW, William C.; OTONI, Eduardo. Vertical bipedal locomotion in wild bearded capuchin monkeys (Sapajus libidinosus). Primates, p. 1-8, May 2016.).

Para alguns primatólogos, o alto número de padrões de comportamento variável aproximaria mais os chimpanzés da condição de seres culturais frente a outros não humanos (Boesch, 2001BOESCH, Christophe. Sacrileges are welcome in science! Opening a discussion about culture in animals. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 327-328, Apr. 2001., 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.). Além disso, a ideia da existência de ‘culturas de chimpanzés’ também adquire importância como parâmetro comparativo fundamental para compreender a evolução humana tomando os primeiros como modelos vivos do comportamento de nossos ancestrais. (Lycett et al., 2007LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Phylogenetic analyses of behavior support existence of culture among wild chimpanzees. PNAS, v. 104, n. 45, p. 17588-17592, 2007.; Whiten; Erdal 2012WHITEN, Andrew; ERDAL, David. The human socio-cognitive niche and its evolutionary origins. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 367, n. 1599, p. 2119-2129, Aug. 2012.; Lycett et al., 2009LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Cladistic analyses of behavioural variation in wild Pan Troglodytes: exploring the chimpanzee culture hypothesis. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 337-349, 2009.; Whiten et al., 2009WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009.; McGrew, 2010MCGREW, William C. Chimpanzee technology. Science, v. 328, n. 5978, p. 579-580, 30 Apr. 2010.; Langergraber et al., 2010LANGERGRABER, Kevin E.; BOESCH, Christophe; INOUE, Eiji; INOUE-MURAYAMA, Miho; MITANI, John C.; NISHIDA,Toshisada; PUSEY, Anne; REYNOLDS, Vernon; SCHUBERT, Grit; WRANGHAM, Richard W.; WROBLEWSKI, Emily; VIGILANT, Linda. Genetic and ‘cultural’ similarity in wild chimpanzees. Proceedings of Royal Society of Biology, v. 278, p. 408-416, 18 Aug. 2010.; Whiten et al., 2001WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH, C. Charting Cultural Variation in Chimpanzees. Behaviour, v. 138, n. 11-12, p. 1481-1501, Jan. 2001.; Whiten, 2011WHITEN, Andrew. The scope of culture in chimpanzees, humans and ancestral apes. Philosophical Transactions of Royal Society B., v. 366, p. 997-1007, 28 Feb. 2011.).

Entretanto, nem a primeira nem a segunda premissa são consensuais. Os paleoantropólogos, por exemplo, consideram a validade das pesquisas sobre comportamento de grandes símios selvagens como modelos vivos dos nossos antepassados, o que remete às iniciativas consistentes de Louis Leakey (Goodall, 1991GOODALL, Jane. Uma janela para a vida. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 280p.) e Sherwood Washburn (De Vore, 1965DE VORE, Irwing. Primate behavior: field studies of monkeys and apes. New York: Holt, Rinehartand Winston, 1965.) na década de 1960. Por outro lado, há debates sobre o alcance desses modelos em relação à chamada Revolução Criativa, Humana (Diamond, 1992DIAMOND, Jared M. The Third Chimpanzee: the evolution and future of the human animal. New York: Harper Collins, 1992.) ou Cultural (Harari, 2015HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015. 464 p.; Klein, 2009KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.; Mithen, 1996MITHEN, Steven. The prehistory of the mind: a search for the origins of art, religion and science. London: Thames and Hudson, 1996.; Rapchan; Neves, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 649-698, jul.-dez. 2005.). Ou seja, ou a cultura é um fenômeno que surgiu apenas no Paleolítico Superior (Ingold, 1996INGOLD, Tim (Ed.). Key debates in Anthropology. London; New York: Routledge, 1996. 263p.; Klein, 2009KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.; Mithen, 1996MITHEN, Steven. The prehistory of the mind: a search for the origins of art, religion and science. London: Thames and Hudson, 1996.) ou ela é um fenômeno verificável entre os hominídeos pré Sapiens e, provavelmente, entre outras espécies e, daí, o alcance dos modelos pode ser maior ou menor.

Além disso, há, atualmente, pelo menos, duas maneiras de se pensar as ‘culturas de chimpanzés’, considerando dois aspectos centrais do comportamento, que são ‘variação’ e ‘transmissão’. Às vezes, elas aparecem juntas e relacionadas; em outras, são tidas como fenômenos distintos ou diferenciados em termos de impacto e importância. À medida que as ‘culturas de chimpanzés’ foram identificadas como fenômenos “não genéticos”, considerados parcialmente independentes (Laland, 2008bLALAND, Kevin N. Exploring gene–culture interactions: insights from handedness, sexual selection and niche-construction case studies. Phylosophical Transactions of the Royal Society B, v. 363, n. 1509, p. 3577-3589, 12 Nov. 2008b.) ou complementares aos fatores ambientais (Gruber et al., 2012GRUBER, Thibaud; KRUPENYE, C.; REYNOLDS, V.; POTTS, K. B.; BYRNE, M. R.; MACKWORTH-YOUNG, C.; MCGREW, W. C.; ZUBERBÜHLER, Klaus. The influence of ecology on chimpanzee (Pan troglodytes) cultural behavior: a case study of five Ugandan chimpanzee communities. Journal of Comparative Psychology, v. 126, n. 4, p. 446-457, Nov. 2012.), mais pesquisadores têm enfocado seus mecanismos de transmissão e suas dinâmicas sociais.

Para tratar a transmissão de comportamentos, sua variabilidade e a produção de inovações, como pontos críticos do tema ‘culturas de chimpanzés’, pesquisadores têm desenvolvido estratégias, infelizmente, quase sempre isoladas da antropologia sociocultural e da sociologia, para explorar e refletir sobre o ‘social’ (Boesch, 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.; Van Schaik; Pradhan, 2003VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003.), o “aprendizado social”, o “aprendizado individual” (Boesch, 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.; Call; Tennie, 2009CALL, Josep; TENNIE, Claudio. Animal Culture: chimpanzee table manners? Current Biology, v. 19, n. 21, p. R981-R983, Nov. 2009.) e mecanismos de aprendizado (Ripoll; Vauclair, 2001RIPOLL, T.; VAUCLAIR, J. Can culture be inferred only from the absence of genetic and environmental actors? Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 355-356, Mar. 2001.; Whiten, 2001WHITEN, Andrew. Imitation and cultural transmission in apes and cetaceans. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 359-360, 2001.) como, por exemplo, a facilitação do aprendizado (Boesch, 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.; De Waal, 1999DE WAAL, Frans B. M. Cultural primatology comes of age. Nature, v. 399, p. 635-636, 17 June 1999.; Premack; Hauser, 2001PREMACK, David; HAUSER, Marc D. A whale of a tale: calling it culture doesn’t help. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 350-351, Apr. 2001.), a imitação (Castro; Toro, 2004CASTRO, Laureano; TORO, Miguel A. The evolution of culture: from primate social learning to human culture. PNAS, v. 101, n. 27, p.10235-10240, 2004.; Janson; Smith, 2003JANSON, Charles H.; SMITH, Eric A. The evolution of culture: new perspectives and evidences. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 57-60, 7 Apr. 2003.; Slater, 2001SLATER, P. J. B. There’s CULTURE and “culture”. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 356-357, Oct. 2001.; Whiten et al., 2001WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH, C. Charting Cultural Variation in Chimpanzees. Behaviour, v. 138, n. 11-12, p. 1481-1501, Jan. 2001.; Whiten, 2005aWHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a.), os mecanismos de tentativa e erro (Boesch, 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.; Castro; Toro, 2004CASTRO, Laureano; TORO, Miguel A. The evolution of culture: from primate social learning to human culture. PNAS, v. 101, n. 27, p.10235-10240, 2004.; Gruber et al., 2009GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009.; Schöning et al., 2008SCHÖNING, Caspar; HUMLE, Tatyana; MÖBIUS, Yasmin; MCGREW, W. C. The nature of culture: technological variation in chimpanzee predation on army ants revisited. Journal of Human Evolution, v. 55, n. 1, p. 48-59, July 2008.) e o efeito engrenagem “ratcheteffect” (Lycett et al., 2007LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Phylogenetic analyses of behavior support existence of culture among wild chimpanzees. PNAS, v. 104, n. 45, p. 17588-17592, 2007.) abordando chimpanzés, humanos e outros, como os cetáceos (Rendell; Whitehead, 2001RENDELL, L.; WHITEHEAD, H. Culture in whales and dolphins. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 309-382, Apr. 2001.; Whiten, 2001WHITEN, Andrew. Imitation and cultural transmission in apes and cetaceans. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 359-360, 2001.).

O aprendizado é, por sua vez, um capítulo à parte. Há algumas décadas, Ingold (2001)INGOLD, Tim. The use and abuse of ethnography. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 337, 2001. sinalizou que chimpanzés aprendem, mas não ensinam porque não elaboram e não transmitem conceitos abstratos. Nos anos seguintes, primatólogos buscaram oferecer respostas a essa assertiva (Boesch, 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.; De Waal, 1999DE WAAL, Frans B. M. Cultural primatology comes of age. Nature, v. 399, p. 635-636, 17 June 1999.; Janson; Smith, 2003JANSON, Charles H.; SMITH, Eric A. The evolution of culture: new perspectives and evidences. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 57-60, 7 Apr. 2003.; Lycett et al., 2009LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Cladistic analyses of behavioural variation in wild Pan Troglodytes: exploring the chimpanzee culture hypothesis. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 337-349, 2009.; Mitchell, 2001MITCHELL, Robert W. On not drawing the line about culture: inconsistencies in interpretation of human cultures. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 348-349, Apr. 2001.; Premack; Hauser, 2001PREMACK, David; HAUSER, Marc D. A whale of a tale: calling it culture doesn’t help. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 350-351, Apr. 2001.; Slater, 2001SLATER, P. J. B. There’s CULTURE and “culture”. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 356-357, Oct. 2001.) Mais recentemente, Whiten e Erdal (2012, p. 2126)WHITEN, Andrew; ERDAL, David. The human socio-cognitive niche and its evolutionary origins. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 367, n. 1599, p. 2119-2129, Aug. 2012. sinalizaram, “Despite the yawning gulf in the cultural achievements of chimpanzees and humans, the rich core of cultural cognition is shared and this likely reflects ancestor”. Entre eles, estão o aprendizado imitativo e emulativo, a seletividade para modelos de ação, a conformidade às normas, o controle intencional da repetição entre outros. Contudo, entre os chimpanzés, cada um desses aspectos parece evoluir devido aos benefícios que eles oferecem aos indivíduos. Essas observações merecem grande destaque, pois, do ponto de vista da antropologia sociocultural, qualquer fenômeno só é efetivamente cultural se for, também, realizado coletivamente (Ingold, 1996INGOLD, Tim (Ed.). Key debates in Anthropology. London; New York: Routledge, 1996. 263p.). A mesma observação já foi feita por Walter Neves em relação a outros representantes da espécie humana na apresentação de “O colar do Neanderthal”, de Arsuaga (2005)ARSUAGA, J. L. O colar do Neanderthal: em busca dos primeiros pensadores. Apresentação Walter Neves. Rio de Janeiro: Globo, 2005. 352 p..

Dean et al. (2012)DEAN, L. G.; KENDAL, R. L.; SCHAPIRO, S. J.; THIERRY, B.; LALAND, K. N. Identification of the Social and Cognition Processes Underlying Human Cumulative Culture, Science, v. 335, n. 6072, p. 1114-1118, Mar. 2012. chegaram a conclusões semelhantes. Ao comparar os conjuntos de habilidades sociocognitivas de crianças humanas, chimpanzés e macacos-prego, verificaram que há uma distinção fundamental entre as primeiras e os outros dois no que tange ao domínio de habilidades pedagógicas (ensinar predominantemente por instrução verbal), imitação e pró-sociabilidade (altruísmo). Ou seja, enquanto para chimpanzés e macacos-prego interagir com os aparatos usados nos testes de laboratório significa procurar recursos favoráveis a eles mesmos, para os humanos esses dois fatores foram fundamentais para promover uma performance de alto nível que os pesquisadores associam diretamente à capacidade cumulativa da cultura humana que, para autores como Tomasello (1999a)TOMASELLO, Michael. The human adaptation for culture. Annual Review of Anthropology, v. 28, p. 509-529, 1999a., seria o maior diferencial entre as culturas humanas e as culturas de outros animais. Na evolução humana, as interações positivas entre cada um desses aspectos sociocognitivos refletem sobre vantagens que também são sociais.

Os registros sobre comportamento de chimpanzés em campo não são fáceis de obter, particularmente em relação à transmissão na relação entre adultos e filhotes. Eles implicam, por exemplo, em aproximar-se de mães e seus filhotes (para verificar a transmissão vertical), por períodos de tempo compatíveis, o que não é tarefa das mais fáceis, dado que elas costumam manter-se relativamente isoladas para se protegerem por um bom tempo depois do nascimento.

Há mais dados sobre transmissão obtidos em laboratórios e sobre variabilidade de comportamentos sobre chimpanzés selvagens, mas isso está se modificando nos últimos anos (Gruber et al., 2012GRUBER, Thibaud; KRUPENYE, C.; REYNOLDS, V.; POTTS, K. B.; BYRNE, M. R.; MACKWORTH-YOUNG, C.; MCGREW, W. C.; ZUBERBÜHLER, Klaus. The influence of ecology on chimpanzee (Pan troglodytes) cultural behavior: a case study of five Ugandan chimpanzee communities. Journal of Comparative Psychology, v. 126, n. 4, p. 446-457, Nov. 2012.; Whiten; Erdal, 2012WHITEN, Andrew; ERDAL, David. The human socio-cognitive niche and its evolutionary origins. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 367, n. 1599, p. 2119-2129, Aug. 2012.). Trabalhos como os de Luncz et al. (2015)LUNCZ, Lydia V.; WITTIG, Roman M.; BOESCH, C. Primate archaeology reveals cultural transmission in wild chimpanzees (Pan troglodytes verus). Philosophical Transactions of Royal Society B., v. 370, n. 1682, p. 1-9, Nov. 2015. registram evidências arqueológicas de conformidade comportamental de indivíduos migrantes encontrados na floresta de Taï. Em que pesem os problemas relacionados a atribuir comportamentos em contextos arqueológicos, os dados identificados apontam indícios de processos relevantes na incorporação de usos de ferramentas por fêmeas migrantes.

É importante lembrar aqui que há profundas diferenças entre as pesquisas dedicadas a chimpanzés selvagens e aos nascidos em cativeiro. Elas são distintas sob a perspectiva metodológica, epistemológica e teórica. Devido à enorme importância do meio e da experiência nos estímulos cognitivos e das interações sociais nos processos de aprendizado dos chimpanzés, discute-se que chimpanzés selvagens e chimpanzés nascidos em cativeiros são seres profundamente distintos. Pode-se cogitar que talvez seja possível prever melhor o comportamento e os humores e reconhecer as individualidades dos animais em cativeiro do que dos animais selvagens (Asquith, 2011ASQUITH, Pamela J. Commentary of bonds and boundaries: what is the modern role of anthropomorphism in primatological studies? American Journal of Primatology, v. 73, p. 238–244, Mar. 2011.). Segundo alguns pesquisadores (Carpenter et al., 1995CARPENTER, M.; TOMASELLO, Michael; SAVAGE-RUMBAUG, Sue. Join attention and imitative learning in children, chimpanzees, and enculturated chimpanzees. Social Development, Cambridge, v. 4, n. 3, p. 217-237, Nov. 1995.), se é possível afirmar que chimpanzés selvagens possuem ‘cultura’, então chimpanzés de laboratório são “enculturados” por humanos. Apesar disso, há mais de duas décadas, alguns pesquisadores de laboratório e de campo têm buscado comparar seus resultados e manter diálogo (Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.; Wrangham et al., 2001WRANGHAM, Richard W. A.; MCGREW, William C.; DE WAAL, Frans B.M.; HELTNE, Paul. (Ed.). Chimpanzee cultures. Cambridge: Harvard University Press, Chicago Academy of Sciences, 2001.).

O comportamento animal, do ponto de vista da transmissão intergeracional, oferece a fascinante perspectiva de violação da premissa da seleção natural. Em tese, a transmissão pode gerar variações fenotípicas no espaço e, sob determinadas circunstâncias, estes comportamentos podem tanto permitir a reprodução de comportamentos adaptativos ou comportamentos arbitrários e mal adaptativos (Laland, 2008aLALAND, Kevin N. Animal cultures. Current Biology, n. 18, v. 9, p. 366-370, 6 May 2008a., 2008bLALAND, Kevin N. Exploring gene–culture interactions: insights from handedness, sexual selection and niche-construction case studies. Phylosophical Transactions of the Royal Society B, v. 363, n. 1509, p. 3577-3589, 12 Nov. 2008b.; Slater, 2001SLATER, P. J. B. There’s CULTURE and “culture”. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 356-357, Oct. 2001.; Wrangham, 2006WRANGHAM, Richard W. Chimpanzees: the culture-zone concept becomes untidy. Current Biology, v. 16, n. 16, p. 634-635, 22 Aug. 2006.). Podem, ainda, abrir brechas para se pensar sobre a ‘autonomia do social’ entre animais não humanos, ou seja, a possibilidade de que a dinâmica comportamental reproduza a si mesma e siga suas próprias regras, independentemente dos mecanismos evolutivos, como ocorre com os coletivos humanos.

Mas que problema há em usar o termo ‘cultura’ para definir e orientar análises sobre comportamentos de primatas não humanos? Como Ingold (2001)INGOLD, Tim. The use and abuse of ethnography. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 337, 2001. já mencionou, as concepções culturalistas que resultaram no compêndio de Kroeber e Kluckhohn (1952)KROEBER, Alfred L.; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: a critical review of concepts and definitions. Cambridge: Peabody Museum of Archeology and Ethnology, 1952. e foram adotadas pelos primatólogos na década de 1970 são consideradas ultrapassadas pela antropologia há décadas (Ingold, 2008INGOLD, Tim. Anthropology is Not Ethnography. Proceedings of British Academy, v. 154, p. 69-92, 2008.; Kuper, 2005KUPER, Adam. Histórias alternativas da antropologia social britânica. Etnográfica, v. 19, n. 2, p. 209-230, 2005.). A maioria dos antropólogos as criticou e as abandonou. Antropólogos descartaram tais concepções de cultura não apenas devido a um problema conceitual, mas também por suas limitações empíricas. Ou seja, o conceito culturalista de cultura foi sendo considerado pobremente funcionalista (ao estabelecer relações causais entre as expressões culturais e seus praticantes) e incapaz de representar a dimensão coletiva do fenômeno por ser muito pautada na simples somatória de ações individuais e não na força coletiva que a cultura representa.

Há uma diferença qualitativa, e não quantitativa, entre diferença entre o que a maioria dos primatólogos chama ‘cultura’ e entre o que os antropólogos socioculturais entendem por cultura. Aliás, alguns antropólogos têm sinalizado a necessidade de redimensionar os sentidos e avaliar a potência de ideias como cultura e sociedade para a antropologia (Ingold, 1990INGOLD, Tim. An anthropologist looks at biology. Man, v. 25, n. 2, p. 208-229, June 1990., 2015INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015. 392 p. (Antropologia).; Kuper, 2002KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru: Edusc, 2002.; Latour, 2012LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012. 400p.; Strathern, 2004STRATHERN, Marilyn. Partial Connections. [S.l.]: Altamira, Walnut Creek, 2004.) e, ainda assim, culturas humanas e culturas animais não se diferenciam porque umas têm quatro, outras têm quarenta e outras, ainda, têm quatrocentos padrões variantes. Os comportamentos já observados e registrados entre chimpanzés selvagens e entre outros primatas não humanos são certamente a expressão de sua grande complexidade social e de suas amplas capacidades cognitivas e devem receber seu merecido reconhecimento. Entretanto, identificar e lidar com a dimensão simbólica dos fenômenos é um grande desafio, tanto empírico quanto teórico-metodológico, como sabem os antropólogos, arqueólogos, linguistas, semiólogos e, agora, os primatólogos.

DEFINIÇÕES PRIMATOLÓGICAS DE ‘CULTURAS DE CHIMPANZÉS’: REFLEXÕES SOBRE CONCEPÇÕES IMPLÍCITAS E EXPLÍCITAS

Os chimpanzés, seja por suas características genéticas (Dennis, 2005DENNIS, Carina. Chimp genome: branching out. Nature, v. 437, p. 17-19, Sept. 2005.), seja por seu comportamento individual e social (Boesch, 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.; Davidson; McGrew, 2005DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005.; De Waal, 2007DE WAAL, Frans B. M. Eu, primata: por que somos como somos. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 344p.) considerados isolada ou mutuamente (Lycett et al., 2007LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Phylogenetic analyses of behavior support existence of culture among wild chimpanzees. PNAS, v. 104, n. 45, p. 17588-17592, 2007., 2009LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Cladistic analyses of behavioural variation in wild Pan Troglodytes: exploring the chimpanzee culture hypothesis. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 337-349, 2009.), têm tido sua complexidade reconhecida por pesquisadores das mais distintas áreas do conhecimento. Eles são a espécie de primata não humano mais estudada até o presente (McGrew, 1998MCGREW, William C. Culture in nonhuman primates? Annual Review of Anthropology, v. 27, p. 301-328, 1998.; Stanford, 1998STANFORD, Craig B. The social behavior of Chimpanzees and Bonobos. Current Anthropology, v. 39, n. 4, p. 399-420, Aug.-Oct. 1998.). Há algumas décadas, as comparações entre chimpanzés e humanos foram alçadas a novos patamares. Esse é o caso do fenômeno das ‘culturas de chimpanzés’.

O tema ‘culturas de chimpanzés’ é muito importante porque chimpanzés são os animais mais próximos dos humanos em termos genéticos e comportamentais. Uma avaliação crítica disso certamente irá redefinir as fronteiras entre humanos e não humanos num futuro não muito distante. Contudo, ao mesmo tempo e infelizmente, há pouca reflexão conjunta sobre o profundo impacto disso sobre nossos paradigmas e nossos sistemas de classificação do mundo.

De um lado, conforme já foi mencionado, há um crescente consenso entre os antropólogos socioculturais, construído a partir de um genuíno compromisso com o problema, de que cultura envolve, necessariamente, a produção e a manipulação coletiva de símbolos em contextos históricos e naturais que envolvem humanos e não humanos. Entretanto, a maioria desses antropólogos está muito pouco preocupada em saber quando e como surgiu nossa capacidade simbólica, do ponto de vista evolutivo, por uma perspectiva paleoantropológica. Além disso, eles estão afastados dos debates que analisam aspectos cognitivos e sociais, sob perspectivas evolutivas, entre humanos ou em espécies não humanas, seja dos pontos de vista teórico, experimental ou observacional.

De outro lado, o que os primatólogos frequentemente oferecem está longe de se aproximar das concepções contemporâneas dos antropólogos socioculturais. São raríssimas as iniciativas em favor do diálogo com as ciências humanas em geral que, há mais de um século, dedicam-se a pensar a vida humana em termos individuais e coletivos. É lamentável que isso ocorra, dado que o cerne dos próprios fenômenos mais estudados pela primatologia, do ponto de vista comportamental, referese ao que os primatas não humanos aprendem em suas relações com os membros de seu grupo, quando são selvagens, ou com os humanos com os quais convivem e interagem, quando vivem em laboratórios.

Decidimos, então, analisar os artigos que apresentavam as ‘culturas de chimpanzés’ como ideia central, publicados em 26 periódicos internacionais representativos na área no período de 1999 a 2011. Tal período foi definido em função da forte influência exercida pelo artigo ‘Chimpanzee Cultures’ (Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.) sobre a primatologia ocidental (Perry, 2006PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006.) e se estende até 2011, como resultado de projeto de pesquisa pósdoutoral desenvolvido naquele ano, com o intuito de oferecer um quadro reflexivo sobre o debate. Apresentar as ‘culturas de chimpanzés’ como ‘ideia central’ significa a referência dos autores ao termo cultura como um aspecto relevante no tratamento de dados ou na abordagem teórica propostos no artigo. Foi feito um exame sistemático sobre as definições correntes de ‘culturas de chimpanzés’, com o intuito de identificar e analisar as concepções de cultura utilizadas pelos primatólogos (Figura 1). As revistas escolhidas são internacionais, plurais em sua ênfase e de alto impacto na comunidade científica.

Figura 1
Definições de ‘Culturas de Chimpanzés’.

Encontramos, no referido período, um total de 102 artigos. Observando esse conjunto, separamos inicialmente os que apresentavam alguma definição de cultura: 84 (82,4%) dos que não apresentavam qualquer definição: 18 artigos (17,6%). Contudo, verificamos que, dentre os 84 artigos selecionados, apenas 40 artigos (39,2%) oferecem uma definição explícita de cultura, enquanto 44 artigos (43,1%) apresentam apenas sugestões ou definições implícitas de ‘culturas de chimpanzés’. Assim, se reunirmos os artigos que não apresentam definições aos que só apresentam definições implícitas temos um conjunto significativo formado por 62 artigos (60,8%) que não apresentam claramente um conceito operacional para ‘cultura’.

Tais resultados sugerem, ao menos, dois caminhos para reflexão. Ou indicam o consenso entre os pesquisadores da ausência de necessidade de indicar uma definição e, nesse caso, pode-se supor que os primatólogos já tenham chegado a um acordo sobre o que seria ‘cultura’, ou mesmo considerar que cultura seja tida pelos pesquisadores como um fenômeno empiricamente conhecido por humanos, por serem os últimos portadores e reprodutores culturais e, portanto, a vivência ofereceria os elementos necessários para a definição. Ou, em contrapartida, pode-se considerar que a ausência de definições aponte para a incerteza, sugerindo a dificuldade de elaboração conceitual dos elementos que dão suporte a uma concepção de ‘cultura’ aplicável ao comportamento dos chimpanzés selvagens, apesar do uso do termo parecer adequado aos pesquisadores.

Numa perspectiva inversa, o conjunto de 62 artigos que reúne o material que não oferece definições ou apenas apresenta definições implícitas pode indicar um forte consenso em torno de uma dada definição e a não necessidade de replicá-la. Contudo, nesse último caso, provavelmente encontraríamos constantes referências a uma definição largamente aceita e corrente do termo ‘cultura’ para os primatólogos, mas isso não foi verificado. As causas precisas para essa ausência ou falta de explicitação ainda não estão completamente claras para nós e ainda demandam expansão e continuação da pesquisa. De qualquer modo, esses resultados indicam que é importante refletir por que uma abordagem tão impactante, como a que sugere que não humanos possuem ‘cultura’, é tão limitada na apresentação de definições por parte dos pesquisadores.

Em termos gerais, pode-se afirmar que todos os artigos que oferecem uma definição implícita para ‘culturas de chimpanzés’ associam, predominantemente, cultura à variabilidade de comportamentos, fenômeno que costuma estar associado à transmissão ou ao aprendizado social frequentemente avaliados em relação às influências genéticas ou ecológicas sobre sua expressão. Essas ideias também fundamentam concepções gerais sobre ‘culturas animais’ e sinalizam a partilha de um núcleo conceitual evolutivo comum.

Nos 40 artigos (39,2%) que oferecem uma definição explícita para ‘culturas de chimpanzés’, a ênfase recai sobre as várias formas de transmissão de padrões de comportamento: aprendizado, transmissão, dinâmica social e comunicação. Isso pode estar relacionado a um esforço em explicar o grande número e a significativa variabilidade de comportamentos já registrados. Nos artigos que oferecem definições explícitas para as ‘culturas de chimpanzés’, a ênfase recai sobre as mais variadas formas de transmissão de padrões de comportamento: aprendizado social, transmissão social, dinâmica social e comunicação social. A análise do conjunto sugere que a iniciativa visa a atender dois tipos de demanda: o debate com os críticos ou o refinamento do instrumental teórico.

Considerando nossa crítica à validade do uso da expressão ‘cultura’ para definir e explicar o comportamento de chimpanzés selvagens, é importante destacar que, desde sua origem, a proposição desta pesquisa nunca se baseou em ‘biofobia’ e nem numa intransigente e metafísica defesa da singularidade humana. Ao contrário da maioria das investidas da antropologia social ou cultural produzida entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX para explicar a diversidade cultural humana, não apostamos na hipótese da “tábula rasa” (Ingold, 1990INGOLD, Tim. An anthropologist looks at biology. Man, v. 25, n. 2, p. 208-229, June 1990.). Reconhecemos que humanos são seres vivos e, portanto, submetidos constantemente a processos evolutivos, inclusive em suas capacidades cognitivas (Pinker, 2011PINKER, Steven. Os anjos bons da nossa natureza. Por que a violência diminuiu?. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.) e de produzir cultura (Klein, 2009KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.). Não temos hostilidade prévia à ideia de ‘culturas de animais’, mas defendemos que ela merece uma análise crítica e multidisciplinar. Ou seja, não recusamos, a priori, a possibilidade de existência de ‘culturas’ em outras espécies, mas entendemos a necessidade indispensável de diálogo entre os usos e proposições acerca das possibilidades de existência de culturas não humanas e as concepções antropológicas de cultura, que têm sido construídas ao longo de mais de 150 anos da história da disciplina.

O QUE DIZ UM NOME? REFLEXÕES SOBRE OS SENTIDOS DOS USOS DO TERMO ‘CULTURAS DE CHIMPANZÉS’

Para definir cultura no sentido humano, os antropólogos já escreveram centenas de milhares de páginas. A pluralidade, a complexidade, a plasticidade e seus aspectos aparentemente intangíveis (subjetividade, partilha de significados) parecem ser os responsáveis por tais dificuldades. Para os especialistas em comportamento animal, a denominação cultura tem uma função mais precisa. Eles afirmam que cultura é um meio objetivo de descrever o comportamento animal não herdado geneticamente (Whiten, 2005bWHITEN, Andrew. Animal culture is real but needs to be clearly defined. Nature, n. 438, p. 1078, 21 Dec. 2005b.), através de uma “definição operacional” (Schöning et al., 2008SCHÖNING, Caspar; HUMLE, Tatyana; MÖBIUS, Yasmin; MCGREW, W. C. The nature of culture: technological variation in chimpanzee predation on army ants revisited. Journal of Human Evolution, v. 55, n. 1, p. 48-59, July 2008., p. 48). Nossa pesquisa demonstra que isso não é plenamente verdade. Há muitas variantes, debates, discordâncias e imprecisões sob a proposição de uma definição precisa e objetiva, que serão analisados a seguir.

CULTURA COMO UM COMPORTAMENTO VARIANTE

O primeiro aspecto, mais recorrente e mais relevante, na concepção de ‘culturas de chimpanzés’ é a variação de comportamentos. Etólogos descrevem variações em um ou mais comportamentos animais de uma mesma espécie como “tradição” (Fragaszy, 2003FRAGASZY, Dorothy. Making Space for Traditions. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 61-70, Apr. 2003.; Nishida, 1987NISHIDA, T. Local traditions and cultural transmission. In: SMUTS, B. B.; CHENEY, D. L.; SEYFARTH, R. M.; WRANGHAM, R.W.; STRUNSAKER, T. T. (Ed.). Primate societies. Chicago: University of Chicago Press, 1987. p. 165-177.). Muitos primatólogos, biólogos e antropólogos biólogos também definem os fenômenos associados às ‘culturas’ de animais como “tradição” (Van Schaik; Pradhan, 2003VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003., p. 660). Como mencionado, alguns sugerem que, devido ao mais alto número de comportamentos variantes, humanos e chimpanzés produziriam “culturas”, enquanto outras espécies de animais produziriam “tradições” (Whiten et al., 2001WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH, C. Charting Cultural Variation in Chimpanzees. Behaviour, v. 138, n. 11-12, p. 1481-1501, Jan. 2001.).

Há primatólogos que rejeitam as concepções antropológicas de cultura por considerá-las demasiado antropocêntricas (Boesch, 2001BOESCH, Christophe. Sacrileges are welcome in science! Opening a discussion about culture in animals. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 327-328, Apr. 2001., 2012BOESCH, Christophe. Wild Cultures: a comparison between chimpanzee and human cultures. Cambridge: Cambridge University, 2012.; De Waal, 1999DE WAAL, Frans B. M. Cultural primatology comes of age. Nature, v. 399, p. 635-636, 17 June 1999.; Whiten et al., 2009WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009.) e propõem definições que ultrapassem os limites da espécie e sejam mais gerais e mais generalizantes. Isso se justifica, em parte, por certas vertentes dominantes da biologia, mas não por todas. Perspectivas mais processuais e relacionais podem estabelecer diálogos mais fluidos e fecundos com a antropologia (Ingold, 1990INGOLD, Tim. An anthropologist looks at biology. Man, v. 25, n. 2, p. 208-229, June 1990.). Nesse sentido, o melhor caminho talvez seja explorar pontos reconhecidamente comuns, como a centralidade da vida social para humanos, chimpanzés e vários outros (Rapchan, 2010RAPCHAN, Eliane Sabeika. Sobre o comportamento de chimpanzés: o que antropólogos e primatólogos podem ensinar sobre o assunto? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, n. 33, p. 227-266, jan.-jun. 2010., 2012RAPCHAN, Eliane Sabeika. Cultura e inteligência: reflexões antropológicas sobre aspectos não físicos da evolução em chimpanzés e humanos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 793-813, jul.-set. 2012.), ao invés de tentar vencer as “guerras culturais” (McGrew, 2009MCGREW, William C. Ten dispatches from the chimpanzee culture wars: plus postcript (revisiting the battle fronts). In: LALAND, Kevin N.; GALEF, Bennett G. (Ed.). The question of animal culture. Cambridge: Harvard University Press, 2009. p. 41-69.).

Entre outras coisas, o repertório de comportamentos de chimpanzés já registrado que se assemelha às variações culturais humanas é instigante. Esta é a razão de falar-se não em “cultura de chimpanzés”, mas em “culturas de chimpanzés”, no plural (Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.; Whiten et al., 2001WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH, C. Charting Cultural Variation in Chimpanzees. Behaviour, v. 138, n. 11-12, p. 1481-1501, Jan. 2001.; Wrangham et al., 2001WRANGHAM, Richard W. A.; MCGREW, William C.; DE WAAL, Frans B.M.; HELTNE, Paul. (Ed.). Chimpanzee cultures. Cambridge: Harvard University Press, Chicago Academy of Sciences, 2001.). Segundo alguns primatólogos, a significância desses padrões de variantes comportamentais é tão representativo que uma comunidade pode facilmente ser distinguida de outra por seu conjunto singular de características comportamentais por um(a) primatólogo(a) bem treinado(a) (De Waal, 1999DE WAAL, Frans B. M. Cultural primatology comes of age. Nature, v. 399, p. 635-636, 17 June 1999.), como ocorre em relação aos humanos. Podemos facilmente reconhecer um inuíte, um guarani, um catalão, um zulu ou um brasileiro por seus hábitos, língua e comportamento. Segundo os primatólogos, um pesquisador de campo experiente consegue saber a qual população um chimpanzé pertence a partir de seu repertório de comportamentos.

Contudo, rejeitar o termo ‘tradição’ para os chimpanzés porque seu comportamento é mais variado que o das outras espécies não humanas é apenas puxar a escala classificatória para incluir humanos e chimpanzés (talvez bonobos) e excluir as outras espécies. Poderíamos até chamar isso de antropomonocentrismo.

INFLUÊNCIAS GENÉTICAS OU ECOLÓGICAS

Quais as causas dessas variações no comportamento de chimpanzés? Há um debate. Mas, mais importantes que as respostas, são as reflexões decorrentes da análise das correlações entre contextos e fenômenos. Os primeiros trabalhos sobre ‘culturas de chimpanzés’ enfatizavam uma independência quase exacerbada das causas genéticas (Whiten et al., 1999WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.; Wrangham et al., 2001WRANGHAM, Richard W. A.; MCGREW, William C.; DE WAAL, Frans B.M.; HELTNE, Paul. (Ed.). Chimpanzee cultures. Cambridge: Harvard University Press, Chicago Academy of Sciences, 2001.) e a relativa autonomia frente ao modo pelo qual ambientes distintos moldam o “desenvolvimento comportamental” (Laland, 2008aLALAND, Kevin N. Animal cultures. Current Biology, n. 18, v. 9, p. 366-370, 6 May 2008a., p. 368). Trabalhos mais recentes enfatizam o papel decisivo da cultura ou da tradição sobre o comportamento de chimpanzés (Mesoudi et al., 2006MESOUDI, A.; WHITEN, A.; LALAND, K. N. Towards a unified science of cultural evolution. Behavioral and Brain Sciences, v. 29, n. 4, p. 329-383, Aug. 2006.; Whiten et al., 2009WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009.) e reconhecem o meio ambiente como uma força integrada à diversidade cultural (Gruber et al., 2012GRUBER, Thibaud; KRUPENYE, C.; REYNOLDS, V.; POTTS, K. B.; BYRNE, M. R.; MACKWORTH-YOUNG, C.; MCGREW, W. C.; ZUBERBÜHLER, Klaus. The influence of ecology on chimpanzee (Pan troglodytes) cultural behavior: a case study of five Ugandan chimpanzee communities. Journal of Comparative Psychology, v. 126, n. 4, p. 446-457, Nov. 2012.).

Posições críticas têm apontado que a natureza do trabalho de campo observacional que enfoca o comportamento de chimpanzés torna impossível a oferta de conclusões sobre a validade de explicações genéticas ou ecológicas. Entre os limites, há, por exemplo, problemas éticos em relação a experimentos invasivos que poderiam indicar mais claramente influências ecológicas deslocando populações no espaço e verificando suas respostas comportamentais (Laland, 2008aLALAND, Kevin N. Animal cultures. Current Biology, n. 18, v. 9, p. 366-370, 6 May 2008a.). Em contrapartida, alguns dos artigos consultados apresentam argumentos de que chimpanzés em cativeiro aprendem comportamentos de seus pares e indicam que explicações exclusivamente genéticas ou ecológicas são “[...] insufficient to explain the behavioral differences seen between communities [...]” (Gruber et al., 2009GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009., p. 1806).

Outros autores analisados tentam encontrar as causas das variações em outro lugar. Eles recusam tanto o determinismo ecológico quanto o cultural (King, 2000KING, Barbara J. Another frame shift: from cultural transmissions to cultural co-construction. Behavioral and Brain Sciences, v. 23, n. 1, p. 154-155, Feb. 2000.; McGrew, 2007MCGREW, William C. New wine in new bottles: prospects and pitfalls of cultural primatology. Journal of Anthropological Research, v. 63, n. 2, p. 167-183, 2007.) e tentam encontrar um caminho para discutir tal relação, partindo da abordagem proposta pela coevolução gene-cultura (Laland et al., 2000LALAND, Kevin N.; ODLING-SMEE, J.; FELDMAN, M. W. Niche construction, biological evolution, and cultural change. Behavioral and Brain Sciences, v. 23, n. 1, p. 131-175, Feb. 2000.; Whiten et al., 2001WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH, C. Charting Cultural Variation in Chimpanzees. Behaviour, v. 138, n. 11-12, p. 1481-1501, Jan. 2001.) ou mesmo da controversa ideia de “memes” (Dawkins, 2007DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Tradução Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 544p.; Whiten, 2007WHITEN, Andrew. Pan African culture: memes and genes in wild chimpanzees. PNAS, n. 104, v. 45, p. 17559-17560, 2007.).

Há muitas posições e não há consenso quanto ao papel de fatores genéticos, ecológicos e sociais sobre os padrões de variabilidade comportamental dos chimpanzés e sua transmissão, considerando, inclusive, que a própria transmissão é potencialmente um fator gerador da variabilidade. Tal configuração coloca-nos algo bom para pensar: por muitas décadas, para as ciências sociais, os comportamentos eram concebidos a partir de um determinismo social ou cultural. Tomar a cultura (ou a sociedade) como a única e exclusiva causa da variedade comportamental humana era uma premissa. A luta contra o determinismo geográfico e contra o Evolucionismo Cultural levou a um determinismo cultural. Somente no final da década de 1940 a Antropologia Ecológica retomou essa abordagem e, a rigor, a Antropologia Social só se aproximou teoricamente dessa discussão a partir de autores como Tim Ingold, Marilyn Strathern, Donna Haraway, Pamela Asquith, Bruno Latour e outros.

Os questionamentos da primatologia sobre as relações entre o meio e os seres vivos sugerem reflexões sobre as continuidades e descontinuidades entre comportamentos e habilidades identificados em espécies distintas, bem como a revisão do papel de fatores ecológicos ou genéticos sobre tais características. Quão profundas são tais influências? A cultura dá a seus possuidores absoluta autonomia? Podemos afirmar que, excluídos os determinantes genéticos, a dinâmica social, por si só, define os comportamentos adquiridos? Essa não é apenas mais uma escolha determinística?

Um dos fatores limitantes das análises que enfocam as culturas em animais, segundo Ingold, é que eles se esquecem que o comportamento é só a superfície aparente de seres complexos e plenos que são produtos de seus genes, de seu meio e de sua cultura (Ingold, 1990INGOLD, Tim. An anthropologist looks at biology. Man, v. 25, n. 2, p. 208-229, June 1990., 1994INGOLD, Tim. Humanity and Animality. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology. Londres; New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 1994. p. 14-32., 1996INGOLD, Tim (Ed.). Key debates in Anthropology. London; New York: Routledge, 1996. 263p., 2001INGOLD, Tim. The use and abuse of ethnography. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 337, 2001.; Ingold; Gibson, 1995INGOLD, Tim (Ed.). Key debates in Anthropology. London; New York: Routledge, 1996. 263p.).

COMPORTAMENTOS SIGNIFICATIVOS: SOCIABILIDADE E USO DE FERRAMENTAS

Há dois tipos de fenômeno predominantemente enfatizados na análise das variantes dos comportamentos de chimpanzés: a produção e o uso de ferramentas e os comportamentos sociais. O’Malley (2001)O’MALLEY, Robert C. Parallels and contrasts with primate cultural research. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 349-349, Apr. 2001. sugeriu a classificação de comportamentos relativos à subsistência e não relativos à subsistência. Outros preferem a expressão “cultura material” (Assersohn et al., 2004ASSERSOHN, C.; WHITEN, Andrew; KIWEDE, Zephyr T.; TINKA, John; KARAMAG, Joseph. Use of leaves to inspect ectoparasites in wild chimpanzees: a third cultural variant? Primates, v. 45, n. 4, p. 255–258, June 2004.; Davidson; McGrew, 2005DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005.; Gruber et al., 2009GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009.; McGrew, 2010MCGREW, William C. Chimpanzee technology. Science, v. 328, n. 5978, p. 579-580, 30 Apr. 2010.; Morgan; Abwe, 2006MORGAN, B. J.; ABWE, E. E. Chimpanzees use stone hammers in Cameroon. Current Biology, v. 16, n. 16, p. 632-633, 22 Aug. 2006.; O’Hara; Lee, 2006O’HARA, S. J.; LEE, P. C. High frequency of postcoital penis cleaning in Budongo Chimpanzees. Folia Primatologica, v. 77, n. 5, p. 353-358, 2006.; Van Schaik et al., 1999VAN SCHAIK, C. P.; DEANER, R. O.; MERRILL, M. Y. The conditions for tool use in primates: implications for the evolution of material culture. Journal of Human Evolution, v. 36, n. 6, p. 719-741, June 1999.; Van Schaik; Pradhan, 2003VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003.; Whiten et al., 2005WHITEN, Andrew; HORNER, Victoria; DE WAAL, Frans B. M. Conformity to cultural norms of tool use in chimpanzees. Nature, v. 437, p. 737-740, 29 Sept. 2005.) ou, ainda, comportamento ou transmissão ‘cultural’ (Möbius et al., 2008MÖBIUS, Yasmim; BOESCH, Christophe; KOOPS, Kathelijne; MATSUZAWA, Tetsuro; HUMLE, Tatyana. Cultural differences in army ant predation by West African chimpanzees? A comparative study of microecological variables. Animal Behaviour, v. 76, n. 1, p. 37-45, 2008.; Mitchell, 2001MITCHELL, Robert W. On not drawing the line about culture: inconsistencies in interpretation of human cultures. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 348-349, Apr. 2001.; Whiten, 2001WHITEN, Andrew. Imitation and cultural transmission in apes and cetaceans. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 359-360, 2001.; Poirier; Fitton, 2001POIRIER, Frank E.; FITTON, Lori J. Primate cultural worlds: monkeys, apes and humans. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 349-350, Apr. 2001.; King, 2000KING, Barbara J. Another frame shift: from cultural transmissions to cultural co-construction. Behavioral and Brain Sciences, v. 23, n. 1, p. 154-155, Feb. 2000.; Laland et al., 2000LALAND, Kevin N.; ODLING-SMEE, J.; FELDMAN, M. W. Niche construction, biological evolution, and cultural change. Behavioral and Brain Sciences, v. 23, n. 1, p. 131-175, Feb. 2000.; Boesch; Tomasello, 1998BOESCH, Christophe; TOMASELLO, Michael. Chimpanzee and human cultures. Current Anthropology, v. 39, n. 5, p. 591-614, Dec. 1998.; Wrangham, 2006WRANGHAM, Richard W. Chimpanzees: the culture-zone concept becomes untidy. Current Biology, v. 16, n. 16, p. 634-635, 22 Aug. 2006.; Call; Tennie, 2009CALL, Josep; TENNIE, Claudio. Animal Culture: chimpanzee table manners? Current Biology, v. 19, n. 21, p. R981-R983, Nov. 2009., Gruber et al., 2009GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009.; McGrew, 2007MCGREW, William C. New wine in new bottles: prospects and pitfalls of cultural primatology. Journal of Anthropological Research, v. 63, n. 2, p. 167-183, 2007.; Whiten et al., 2009WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009.) ou ‘social’ (Hirata, 2009HIRATA, S. Chimpanzee social intelligence selfishness, altruism, and the mother-infant bond. Primates, v. 50, n. 1, p. 3-11, 2009.; Bonnie et al., 2006BONNIE, Kristin E.; DE WAAL, Frans B. M. Affiliation promotes the transmission of a social custom: handclasp grooming among captive chimpanzees. Primates, v. 47, n.1, p. 27-34, Jan. 2006.).

USO E PRODUÇÃO DE FERRAMENTAS: ‘CULTURA MATERIAL’

A descoberta da fabricação e do uso de ferramentas por chimpanzés foi uma das coisas mais incríveis do século XX, o que a tornou uma das mais importantes áreas de pesquisa. Ela recebe influências da paleoantropologia para produzir modelos com o intuito de delinear e compreender comportamentos (McGrew, 2010MCGREW, William C. Chimpanzee technology. Science, v. 328, n. 5978, p. 579-580, 30 Apr. 2010.; Davidson; McGrew, 2005DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005.; Mercader et al., 2007MERCADER, Julio; BARTON, Huw; GILLESPIE, Jason; HARRIS, Jack; KUHN, Steven; TYLER, Robert; BOESCH, Christophe. 4, 300-Year-old chimpanzee sites and the origins of percussive stone technology. PNAS, v. 104, n. 9, p. 3043-3048, 20 Feb. 2007.). Portanto, entre outros objetivos, visa a oferecer parâmetros sustentáveis de comparação entre homininios e chimpanzés a partir de uma perspectiva evolutiva. Ela também oferece fortes evidências acerca da variabilidade de comportamentos, num formato materializado.

Nos artigos analisados, muitos primatólogos chamam de ‘cultura material’ a produção e o uso de ferramentas por chimpanzés, bem como as variações intergrupais desses padrões (Boesch, 2003BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.; Davidson; McGrew, 2005DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005.; Gruber et al., 2009GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009.; Morgan; Abwe, 2006MORGAN, B. J.; ABWE, E. E. Chimpanzees use stone hammers in Cameroon. Current Biology, v. 16, n. 16, p. 632-633, 22 Aug. 2006.; O’Malley, 2001O’MALLEY, Robert C. Parallels and contrasts with primate cultural research. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 349-349, Apr. 2001.; Van Schaik et al., 1999VAN SCHAIK, C. P.; DEANER, R. O.; MERRILL, M. Y. The conditions for tool use in primates: implications for the evolution of material culture. Journal of Human Evolution, v. 36, n. 6, p. 719-741, June 1999.; Van Schaik; Pradhan, 2003VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003.; Schöning et al., 2008SCHÖNING, Caspar; HUMLE, Tatyana; MÖBIUS, Yasmin; MCGREW, W. C. The nature of culture: technological variation in chimpanzee predation on army ants revisited. Journal of Human Evolution, v. 55, n. 1, p. 48-59, July 2008.; Whiten et al., 2009WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009.). É importante sinalizar que a denominação ‘cultura material’ contempla os agregados funcionais de objetos que tornam possíveis ações que se estendem da edibilidade dos recursos disponíveis à higiene (O’Hara; Lee, 2006O’HARA, S. J.; LEE, P. C. High frequency of postcoital penis cleaning in Budongo Chimpanzees. Folia Primatologica, v. 77, n. 5, p. 353-358, 2006.), mas também servem para objetos que operam como ferramentas comunicativas, como indica o artigo de Kühl et al. (2016)KÜHL, Hjalmar S.; KALAN, Ammie K.; ARANDJELOVIC, Mimi; AUBERT, Floris; D’AUVERGNE, Lucy; GOEDMAKERS, Annemarie; JONES, Sorrel; KEHOE, Laura; REGNAUT, Sebastien; TICKLE, Alexander; TON, Els; VAN SCHIJNDEL, Joost; ABWE, Ekwoge E.; ANGEDAKIN, Samuel; AGBOR, Anthony; AYIMISIN, Emmanuel Ayuk; BAILEY, Emma; BESSONE, Mattia; BONNET, Matthieu; BRAZOLLA, Gregory; BUH, Valentine Ebua; CHANCELLOR, Rebecca; CIPOLETTA, Chloe; COHEN, Heather; COROGENES, Katherine; COUPLAND, Charlotte; CURRAN, Bryan; DESCHNER, Tobias; DIERKS, Karsten; DIEGUEZ, Paula; DILAMBAKA, Emmanuel; DIOTOH, Orume; DOWD, Dervla; DUNN, Andrew; ESHUIS, Henk; FERNANDEZ, Rumen; GINATH, Yisa; HART, John; HEDWIG, Daniela; TER HEEGDE, Martijn; HICKS, Thurston Cleveland; IMONG, Inaoyom; JEFFERY, Kathryn J.; JUNKER, Jessica; KADAM, Parag; KAMBI, Mohamed; KIENAST, Ivonne; KUJIRAKWINJA, Deo; LANGERGRABER, Kevin; LAPEYRE, Vincent; LAPUENTE, Juan; LEE, Kevin; LEINERT, Vera; MEIER, Amelia; MARETTI, Giovanna; MARROCOLI, Sergio; MBI, Tanyi Julius; MIHINDOU, Vianet; MOEBIUS, Yasmin; MORGAN, David; MORGAN, Bethan; MULINDAHABI, Felix; MURAI, Mizuki; NIYIGABAE, Protais; NORMAND, Emma; NTARE, Nicolas; ORMSBY, Lucy Jayne; PIEL, Alex; PRUETZ, Jill; RUNDUS, Aaron; SANZ, Crickette; SOMMER, Volker; STEWART, Fiona; TAGG, Nikki; VANLEEUWE, Hilde; VERGNES, Virginie; WILLIE, Jacob; WITTIG, Roman Martin; ZUBERBUEHLER, Klaus; BOESCH, Christophe. Chimpanzee accumulative stone throwing. Scientific Reports, v. 6, n. 29, p. 22219, Feb. 2016. publicado recentemente.

Van Schaik et al. (1999)VAN SCHAIK, C. P.; DEANER, R. O.; MERRILL, M. Y. The conditions for tool use in primates: implications for the evolution of material culture. Journal of Human Evolution, v. 36, n. 6, p. 719-741, June 1999. observaram que a dispersão no uso de ferramentas depende das condições de forrageamento, de inteligência e de tolerância social. Eles classificam pelo menos seis formas distintas de uso de ferramentas por primatas. Elas são: “intimidação de predadores ou rivais”, “ferramentas de uso defensivo”, “caça” (só por hominídeos), “display social”, “limpeza de partes do corpo”, “extração de insetos, de produtos de insetos” ou “quebra de castanhas”. Whiten et al. (2009, p. 422-3)WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009. apresentam uma lista de ferramentas de tecnologia percussiva (ferramentas de força, power tools). Elas são usadas principalmente como arma (clava), para triturar, para martelar e para cortar. Gruber et al. (2009, p. 1806)GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009. observam que:

Some of the strongest evidence for animal culture comes from studies on wild chimpanzees comparing the behavioral patterns of different populations in Africa. Population specific behavioral differences are particularly evident in tool use. However, the observational nature of most field studies makes it difficult to draw definitive conclusions, because it is impossible to rule out all potential ecological or genetic explanations for behavioral variation attributed to culture.

Boesch (2003)BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003. sugere que a variabilidade encontrada no uso de ferramentas por chimpanzés é um sinal da existência de uma cultura material de chimpanzés. Van Schaik e Pradhan (2003)VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003. defendem que o uso de ferramentas por chimpanzés selvagens é uma expressão de cultura, no sentido de tradição, porque ela está associada à rotina e que ela é, geralmente, amplamente difundida na população. Indo além, Whiten et al. (2009)WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009. afirmam que o gênero Pan, como os primeiros hominídeos, produzem uma tecnologia lítica caracterizada por intencionalidade, transmissão e continuidade. O’Hara e Lee (2006)O’HARA, S. J.; LEE, P. C. High frequency of postcoital penis cleaning in Budongo Chimpanzees. Folia Primatologica, v. 77, n. 5, p. 353-358, 2006., em acordo com Davidson e McGrew (2005)DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005., oferecem o argumento de que seleção e elaboração de ferramentas são sinais de criatividade e inovação.

Gruber et al. (2009)GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009. assumem que as ‘culturas de chimpanzés’ são um modo específico de expressão de um comportamento individual num grupo que é sustentado por parâmetros comuns. Estes parâmetros definem a matéria-prima mais usada, se folhas ou galhos, por exemplo, para suporte material da produção de ferramentas. Os autores apresentam evidências disso a partir de resultados obtidos em experimentos com chimpanzés selvagens, que indicam uma distribuição de preferências por matérias-primas padronizadas por grupo.

Considerando os resultados apresentados nesses artigos, as variações no uso de ferramentas por chimpanzés são fortemente relacionadas à conformidade dos indivíduos ao comportamento dominante. Mesmo considerando a produção e o uso de ferramentas como ‘display social’, eles são todos comportamentos sociais e fortemente orientados para a sobrevivência. Por isso mesmo elas não podem ser ‘cultura material’, mas meios e comportamentos usados direta e exclusivamente para manter a vida individual e coletiva. Mesmo as culturas chamadas por alguns de ‘culturas de subsistência’ não são uma expressão isolada de técnicas e práticas. Cada uma de suas expressões é fortemente relacionada à estética, ao status, ao parentesco, às crenças e à mitologia, entre outros aspectos.

No caso das culturas humanas, sejam caçadorescoletores ou qualquer outro grupo, tanto as técnicas quanto a arte, a mitologia ou os sistemas de classificação estão fortemente articulados entre si e integram os indivíduos às suas coletividades de forma única, produzindo o que Mauss (2007)MAUSS, Marcel. The manual of ethnography. Translated by Dominique Lussier; Edited and Introduced by N. J. Allen. New York: Berghahn Books, 2007. chamou de “totalidade”. Ao mesmo tempo, as ferramentas, por exemplo, correspondem a conjuntos mais amplos em número e em função. Além disso, sua forma e decoração sinalizam que há concepções e ideias associadas à caça, à agricultura, à coleta, à pesca, à criação de animais, que integram funções técnicas a funções estéticas, de parentesco, de status, de crenças etc. Essa integração entre funções mentais distintas (Mithen, 1996MITHEN, Steven. The prehistory of the mind: a search for the origins of art, religion and science. London: Thames and Hudson, 1996.) ou o registro passível de transmissão de ideias abstratas (Tomasello, 1999bTOMASELLO, Michael. The cultural origins of human cognition. Cambridge: Harvard University Press, 1999b.) não foi verificado entre chimpanzés, ao menos até o momento.

Além disso, as características relativas à transmissão, continuidade e inovação observadas na produção e transmissão do uso de ferramentas são também comuns aos fenômenos definidos como tradição, observados em outros primatas, por exemplo, a macaca fuscata e o macaco-prego. Intencionalidade e criatividade são sugeridas nos artigos sobre uso de ferramentas (Gruber et al., 2012GRUBER, Thibaud; KRUPENYE, C.; REYNOLDS, V.; POTTS, K. B.; BYRNE, M. R.; MACKWORTH-YOUNG, C.; MCGREW, W. C.; ZUBERBÜHLER, Klaus. The influence of ecology on chimpanzee (Pan troglodytes) cultural behavior: a case study of five Ugandan chimpanzee communities. Journal of Comparative Psychology, v. 126, n. 4, p. 446-457, Nov. 2012.).

Hauser (2009)HAUSER, Marc D. The possibility of impossible cultures. Nature, v. 460, p. 190-196, 8 July 2009. oferece ainda mais elementos que permitem um questionamento da existência de uma ‘cultura material de chimpanzés’ quando observa que eles usam apenas um tipo de matéria-prima para produzir cada ferramenta. Humanos, por sua vez, usam dois ou mais tipos de matéria-prima até para fazer objetos tão simples quanto um lápis. Isso está relacionado à capacidade de combinar diferentes módulos de inteligência (o naturalístico e o técnico) que, segundo Mithen (1996)MITHEN, Steven. The prehistory of the mind: a search for the origins of art, religion and science. London: Thames and Hudson, 1996., estariam isolados entre os chimpanzés. Aliás, a integração entre esses módulos mentais, por meio do pensamento abstrato, estaria no próprio princípio da capacidade para produzir cultura.

TRANSMISSÃO E VARIABILIDADE: DEBATES SOBRE COMPORTAMENTOS ADAPTATIVOS E MALDAPTATIVOS EM PRIMATAS HUMANOS E NÃO HUMANOS

Se a causa central da variabilidade do comportamento de chimpanzés estiver relacionada aos mecanismos de transmissão, então os dados sobre isso são extremamente relevantes para o debate sobre ‘culturas de chimpanzés’. A transmissão de comportamentos através do aprendizado social coloca, simultaneamente, a possibilidade de continuidade e o potencial de mudança. Muitos autores (Janson; Smith, 2003JANSON, Charles H.; SMITH, Eric A. The evolution of culture: new perspectives and evidences. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 57-60, 7 Apr. 2003.; Richerson; Boyd, 2005RICHERSON, Peter J.; BOYD, Robert. Not by Genes Alone: how culture transformed human evolution. Chicago: University of Chicago Press, 2005.; Tomasello, 1999aTOMASELLO, Michael. The human adaptation for culture. Annual Review of Anthropology, v. 28, p. 509-529, 1999a.) propõem que todos os padrões de comportamento que são socialmente transmitidos podem ser chamados de ‘culturais’. Eles distinguem as culturas humanas das culturas não humanas pelo efeito ‘cumulativo’ ou pelo efeito ‘catraca’ (ratcheteffect), que é a capacidade de reter comportamentos por gerações e, no caso humano, constitui-se em patrimônio cultural. Poirier e Fitton (2001)POIRIER, Frank E.; FITTON, Lori J. Primate cultural worlds: monkeys, apes and humans. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 349-350, Apr. 2001. defendem:

que o comportamento cultural de primatas não humanos não é apenas aprendizado mas também “transmissão cultural”, ou seja, trata-se de comportamento partilhado e transmitido intra e inter-gerações, um fator essencial para a sobrevivência de certas espécies. Segundo eles, espécies que possuem altos índices de encefalização, vidas longas, grupos sociais estáveis, sistemas de comunicações estáveis ou funcionais a longa distância e precisam lidar com ambientes que mudam, frequentemente, ou mesmo inesperadamente, são espécies potencialmente culturais. (Poirier; Fitton, 2001POIRIER, Frank E.; FITTON, Lori J. Primate cultural worlds: monkeys, apes and humans. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 349-350, Apr. 2001., p. 349-350, tradução nossa).

Whiten et al. (2001)WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH, C. Charting Cultural Variation in Chimpanzees. Behaviour, v. 138, n. 11-12, p. 1481-1501, Jan. 2001. enfatizam que as pesquisas devem enfocar o papel do aprendizado social, dada sua importância na transmissão de tradições comportamentais, e apresentam modelos bastante limitados para analisar o que denominam de “processos culturais”. Restringemse a determinar origens e difusão de comportamentos. Segundo os autores, comportamentos variam quando são “difundidos” (spread) e a variação pode ocorrer na forma, na função ou no objetivo do comportamento.

Ainda no esforço de oferecer parâmetros para análise da variação comportamental, Van Schaik e Pradhan (2003)VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003. sugerem que há três tipos de oportunidades para o aprendizado social: a horizontal, a vertical e a oblíqua. Na transmissão vertical, o aprendizado vem exclusivamente da relação com a mãe (Cavalli-Sforza; Feldman, 1981 apud Van Schaik; Pradhan, 2003VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003.). Já em organizações sociais nas quais predomina a tolerância, o aprendizado provém igualmente de todos os membros da unidade social para o filhote.

Ainda na direção do problema da transmissão de comportamentos, mas adotando posição oposta em relação à adoção das ‘culturas de chimpanzés’ como parâmetro, Knight (2001)KNIGHT, Chis. Does cultural evolution need matriliny? Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 339-340, Apr. 2001. oferece uma explicação interessante (e feminista) para justificar sua defesa acerca da ausência de ‘culturas de chimpanzés’: o que falta aos chimpanzés para produzir cultura não são habilidades cognitivas, mas estabilidade política. Eles compõem sociedades filopátricas instáveis (modelo de sociabilidade fusãofissão), o que não facilita a retenção de patrimônio cultural.

Outros críticos da ideia de ‘culturas de chimpanzés’ postulam que as tradições entre esses animais são fenômenos restritamente funcionais e adaptativos e que as culturas humanas, por sua vez, frequentemente geram comportamentos mal adaptativos como o celibato, a excisão do clitóris, a ingestão descontrolada de açúcares e gorduras ou a bulimia e a anorexia (Rapchan; Neves, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 649-698, jul.-dez. 2005.).

Em resposta, alguns primatólogos têm trazido dados que apontam que, em tese, a transmissão de comportamentos pode também produzir comportamentos adaptativos ou mal adaptativos (Laland, 2008aLALAND, Kevin N. Animal cultures. Current Biology, n. 18, v. 9, p. 366-370, 6 May 2008a.; Perry, 2011PERRY, Susan E. Social traditions and social learning in capuchin monkeys (Cebus). Philosophical transactions of the Royal Society B, v. 366, n. 1567, p. 988-996, 28 Feb. 2011.; Slater 2001SLATER, P. J. B. There’s CULTURE and “culture”. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 356-357, Oct. 2001.; Wrangham, 2006WRANGHAM, Richard W. Chimpanzees: the culture-zone concept becomes untidy. Current Biology, v. 16, n. 16, p. 634-635, 22 Aug. 2006.). Sem dúvida, essa perspectiva é impactante e, se comprovada, sinaliza a importância das críticas da antropologia no direcionamento da pesquisa primatológica.

Entretanto, definir cultura exclusivamente como aprendizado social continua a ser um grande problema. Aprendizado social não corresponde apenas às ações de facilitação, ensino ou imitação como sugere o trabalho de Luncz et al. (2015)LUNCZ, Lydia V.; WITTIG, Roman M.; BOESCH, C. Primate archaeology reveals cultural transmission in wild chimpanzees (Pan troglodytes verus). Philosophical Transactions of Royal Society B., v. 370, n. 1682, p. 1-9, Nov. 2015.. Os dois últimos, aliás, são temas de intensa polêmica em relação aos chimpanzés selvagens não apenas devido às dificuldades para se conseguir fazer observações do fenômeno em campo, mas também porque há um único caso citado na bibliografia (Boesch, 1991BOESCH, Christophe. Teaching among wild chimpanzees. Animal Behavior, v. 41, p. 530-532, 1991.).

Em sociedades humanas, o aprendizado social inclui mecanismos de partilha coletiva de valores, ideias, regras, sentimentos e medos, através da circulação de ideias abstratas sobre aspectos materiais e imateriais da vida. Isso depende do uso de capacidades simbólicas. A transmissão cultural não se restringe a ações individuais de aprendizado social. Assim, é preciso aprofundar a coleta e a análise de dados sobre os processos de aprendizado entre não humanos.

SOCIABILIDADE, DINÂMICA SOCIAL E TRANSMISSÃO DE COMPORTAMENTOS

Perry (2006)PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006. concebe ‘culturas de chimpanzés’ como um fenômeno relacionado à complexidade social que não se restringe a variações ecológicas ou exclusivamente à experiência individual. Davidson e McGrew (2005)DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005. defendem que ‘cultura’ para um grupo de chimpanzés corresponde a padrões comportamentais partilhados por seus membros, baseados em informação aprendida e transmitida, mesmo considerando que informação, nesse caso, é algo bem difícil de definir.

Van Schaik e Pradhan (2003)VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003. enfatizam a dinâmica social, abordagem incomum entre os primatólogos ocidentais. Os autores chamam a atenção para o fato de que as espécies mais inteligentes de primatas vivem em grupos sociais caracterizados por comportamentos complexos. Nesses casos, verifica-se uma combinação de ‘habilidades cognitivas sofisticadas’ e ‘tolerância social e gregarismo’ (sociabilidade) para que exista aprendizado social.

Na mesma direção, Fragaszy (2003)FRAGASZY, Dorothy. Making Space for Traditions. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 61-70, Apr. 2003. oferece uma avaliação mais densa do que seja aprendizado social, distinguindo-se de muitos primatólogos para os quais aprender é apenas trocar informações. De acordo com Fragaszy (2003)FRAGASZY, Dorothy. Making Space for Traditions. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 61-70, Apr. 2003., em termos de aprendizado social, a expressão ‘influência’ é melhor do que ‘informação’. Ela não menciona Clifford Geertz, mas é inevitável lembrar do antropólogo interpretativista ao tomar contato com essas ideias de Fragaszy (2003)FRAGASZY, Dorothy. Making Space for Traditions. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 61-70, Apr. 2003..

Perry (2006)PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006. enfatiza o comportamento individual sob um ponto de vista inovador: as relações interindividuais, segundo ela, criam ou modificam os comportamentos coletivos. Isso remete fortemente à ‘teoria da ação social’ de Weber, que defende uma abordagem do social a partir das interações interindividuais, o que, por sua vez, influenciou King (2000)KING, Barbara J. Another frame shift: from cultural transmissions to cultural co-construction. Behavioral and Brain Sciences, v. 23, n. 1, p. 154-155, Feb. 2000., e Shanker e King (2002)SHANKER, Stuart G.; KING, Barbara J. The emergence of a new paradigm in ape language research: beyond interactionism. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 25, n. 5, p. 646-651, Oct. 2002. também sugerem que o comportamento cultural dos chimpanzés é uma interação que produz uma “dinâmica social”.

Estes autores sinalizam um ponto de ruptura nas adesões teóricas dominantes na primatologia contemporânea. Eles são uma minoria que, ao invés de fixar suas concepções de cultura num uso pobre e funcional de concepções da antropologia cultural do início do século XX, como fazem os primatólogos que acentuam a influência da herança mesmo quando consideram a importância do aprendizado e da vida social (Whiten, 2005aWHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a.), buscam respostas mais completas e sofisticadas. King (2004)KING, Barbara J. The dynamic dance: nonvocal communication in African great apes. Cambridge: Harvard University Press, 2004., por exemplo, critica as definições correntes de ‘culturas de chimpanzés’ porque elas são simplesmente listas de comportamentos ou apenas dados quantitativos. Esse grupo reduzido, mas interessante, é formado por primatólogos que estão tentando encontrar respostas nas teorias de ação social. Para fazer isso, é necessário também considerar que os chimpanzés e outros primatas não humanos são seres ativos dentro e fora das relações de pesquisa.

A DINÂMICA DO SIMBÓLICO

Boesch (2003)BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003. apresentou uma concepção simbólica simplória das ‘culturas de chimpanzés’ enfatizando o que ele chama de diversidade de significados. De acordo com o autor, o mesmo comportamento, como, o que os primatólogos chamam de ‘leaf-clip’, está relacionado a diferentes intenções dos agentes e a reações distintas correlatas do grupo. Mas não há evidências substantivas de que o ‘leaf-clip’ seja um símbolo só porque aparece em diferentes contextos. Ele pode muito bem ser apenas um signo num processo básico de comunicação em que há troca de informações. Signo e símbolo são coisas diferentes. Ambos são arbitrários, como observado por Boesch (2003)BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003., mas símbolos afetam os membros de uma coletividade a ponto de configurarem o real. No caso dos humanos, isso vale para a ciência, a tecnologia, a arte, a moral, a ética, as ideologias políticas e econômicas, a religião etc. Um signo, por sua vez, serve essencialmente para a comunicação estrita de uma mensagem precisa como: pare! E pode, evidentemente, ser usado nos contextos mais diversos e manter seu significado preciso.

Whiten (2005a)WHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a., por sua vez, defende que uma concepção simbólica de cultura é essencialmente antropocêntrica e exclui uma perspectiva evolutiva. Daí, talvez, por isso, entenda que o diálogo da primatologia com a antropologia sociocultural esteja inviabilizado. O’Malley (2001)O’MALLEY, Robert C. Parallels and contrasts with primate cultural research. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 349-349, Apr. 2001. pontua que variações nas vocalizações dos chimpanzés são “dialéticas” (O’Malley, 2001O’MALLEY, Robert C. Parallels and contrasts with primate cultural research. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 349-349, Apr. 2001. apud Mitani et al., 2002MITANI, John C.; WATTS, David P.; MULLER, Martin. Recent developments in the study of wild chimpanzee behavior. Evolutionary Anthropology, v. 11, n. 1, p. 9-25, 2002.) reforçando a defesa de que o ‘leaf clipping’ é um tipo de comunicação simbólica (O’Malley, 2001O’MALLEY, Robert C. Parallels and contrasts with primate cultural research. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 349-349, Apr. 2001.). Em ambos os casos, os autores não oferecem definições minimamente explícitas do que seja um fenômeno ‘dialético’ nem do que entendem por ‘comunicação simbólica’. Vale lembrar, ainda, que na filosofia, na antropologia e na linguística, por exemplo, essas expressões possuem muito mais do que uma única definição.

Lycett et al. (2009)LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Cladistic analyses of behavioural variation in wild Pan Troglodytes: exploring the chimpanzee culture hypothesis. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 337-349, 2009. argumentam contra a definição antropológica fundada na ideia de que a cultura é fenômeno essencialmente simbólico, afirmando que ela não é um consenso entre os antropólogos. De acordo com eles, tratar a cultura como algo partilhado por um grupo de indivíduos traz resultados muito melhores em termos de pesquisa. Mas é preciso salientar que a soma de indivíduos não constitui uma sociedade. É preciso mais do que isso para que um coletivo se estabeleça.

Como foi visto, a maioria dos primatólogos que recusa concepções simbólicas de cultura não o faz a partir de comparações que considerem os referenciais teóricos de ambas as disciplinas. A já mencionada primatóloga King (2004)KING, Barbara J. The dynamic dance: nonvocal communication in African great apes. Cambridge: Harvard University Press, 2004. é uma exceção. Ela propõe uma definição de cultura aplicável aos chimpanzés selvagens como uma forma de comunicação social via gestos e vocalizações que ela chamou “dynamic dance” (King, 2004KING, Barbara J. The dynamic dance: nonvocal communication in African great apes. Cambridge: Harvard University Press, 2004.).

King (2004)KING, Barbara J. The dynamic dance: nonvocal communication in African great apes. Cambridge: Harvard University Press, 2004., Parker e Gibson (1994)PARKER, Sue T.; GIBSON, Kathleen R. (Ed.). ‘Language’ and intelligence in monkeys and apes: comparative developmental perspectives. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., Savage-Rumbaugh e Rumbaugh (1995)SAVAGE-RUMBAUGH, E. Sue; RUMBAUGH, Duane M. The emergence of language. In: INGOLD, Tim; GIBSON, Kathleen R. (Ed.). Tools, Language and Cognition in Human Evolution. New York: Cambridge University Press, 1995. p. 86-108. e Segerdahl et al.(2006)SEGERDAHL, P.; FIELDS, W.; SAVAGE-RUMBAUGH, S. Kanzi’s Primal Language: the cultural initiation of primates into language. New York: Palgrave Macmillan, 2006. defendem que habilidades críticas, como a linguagem e a capacidade de produção de sentidos e de símbolos, evoluíram gradualmente. Em contrapartida, uma das tendências da paleoantropologia está disposta a discutir a possibilidade de que, entre as culturas humanas, as habilidades simbólicas, quando surgiram, apareceram, invadiram e integraram aspectos cruciais da vida coletiva e produziram expressões únicas do que universalmente denomina-se comportamento cultural, arte, rituais ou mitos. Estes fenômenos não surgiram como unidades isoladas de fenômenos especializados mas como uma capacidade totalizante e integrada (Harari, 2015HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015. 464 p.; Klein, 2009KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.; Mithen, 1996MITHEN, Steven. The prehistory of the mind: a search for the origins of art, religion and science. London: Thames and Hudson, 1996.; Rapchan; Neves, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 649-698, jul.-dez. 2005., 2014RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Etnografias sobre humanos e não humanos: limites e possibilidades. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 33-84, 2014.).

Só para dar um exemplo, os termos de parentesco demandam linguagem, concepções sobre a vida humana, linhagem e descendência, mitologia e regras de organização social (Brown, 2004BROWN, Donald E. Human universals, human nature and human culture. Daedalus, v.133, n. 4, p. 47-54, 2004.). Isto é o que Mauss (2007)MAUSS, Marcel. The manual of ethnography. Translated by Dominique Lussier; Edited and Introduced by N. J. Allen. New York: Berghahn Books, 2007. e muitos outros antropólogos sociais chamaram totalidade. Este sentido de totalidade implica na percepção de que todos os aspectos da vida social e cultural estão profundamente, e simbolicamente, ligados. De acordo com Mauss (2007, p. 82)MAUSS, Marcel. The manual of ethnography. Translated by Dominique Lussier; Edited and Introduced by N. J. Allen. New York: Berghahn Books, 2007., isso é um “[...] fato social total”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: REFLEXÕES SOBRE DEFINIÇÕES ANTROPOLÓGICAS, IDEIAS PRIMATOLÓGICAS E COMPORTAMENTO DE CHIMPANZÉS SELVAGENS

A proposição deste artigo não está baseada numa intransigente e metafísica defesa da singularidade humana. Nós somos evolucionistas. Não refutamos o fato de que humanos são seres vivos e, portanto, estão submetidos a processos evolutivos, inclusive em sua capacidade de produzir cultura. Não temos hostilidade prévia à ideia de ‘culturas de animais’, mas defendemos que a validade de sua aplicação e uso demanda uma análise crítica e multidisciplinar justamente porque, se definições de cultura transespecíficas alcançarem legitimidade, elas facilmente serão transpostas aos humanos e o debate antropológico sobre as culturas humanas, que já dura mais de 150 anos, não deve ser descartado, mas agregado.

Além disso, como pretendemos demonstrar, é fundamental lembrar que, mesmo sob perspectivas evolutivas, a cultura pode ser tratada por mais de uma perspectiva e cada uma delas deve ser analisada e considerada ou descartada quando se trata de pensar semelhanças e diferenças entre humanos e chimpanzés a partir da chave da cultura. Em seguida, é essencial discutir corajosamente o que é cultura, enquanto fenômeno. Daí, observar se a capacidade de produzir cultura é resultado de um processo predominantemente evolutivo, então é necessário analisar quando e como isso ocorreu. Ou, então, se as dinâmicas sociais tiveram um papel mais importante nesse processo. Ou, ainda, se as teorias sobre coevolução gene-cultura (Flinn, 1997FLINN, Mark V. Culture and the evolution of social learning. Evolution and Human Behavior, v. 18, n. 1, p. 23-67, Jan. 1997.; Gintis, 2011GINTIS, Herbert. Gene–culture coevolution and the nature of human sociality. Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 366, p. 878-888, 2011.; Laland, 2008aLALAND, Kevin N. Animal cultures. Current Biology, n. 18, v. 9, p. 366-370, 6 May 2008a., 2008bLALAND, Kevin N. Exploring gene–culture interactions: insights from handedness, sexual selection and niche-construction case studies. Phylosophical Transactions of the Royal Society B, v. 363, n. 1509, p. 3577-3589, 12 Nov. 2008b.; Richerson; Boyd, 2005RICHERSON, Peter J.; BOYD, Robert. Not by Genes Alone: how culture transformed human evolution. Chicago: University of Chicago Press, 2005.) oferecem os melhores caminhos explicativos. É também importante descobrir se a cultura, uma vez surgida, continua sob influência de pressões evolutivas ou passa a operar sob algum tipo independente de dinâmica própria.

Infelizmente, a maioria dos primatólogos tem adotado uma recusa ortodoxa de todos os argumentos que questionam a existência de ‘culturas de chimpanzés’.

Ingold (1990INGOLD, Tim. An anthropologist looks at biology. Man, v. 25, n. 2, p. 208-229, June 1990., 1994INGOLD, Tim. Humanity and Animality. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology. Londres; New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 1994. p. 14-32., 1996INGOLD, Tim (Ed.). Key debates in Anthropology. London; New York: Routledge, 1996. 263p., 2015)INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015. 392 p. (Antropologia). constantemente nos lembra que somos todos produtos de genes, ambiente e cultura. Comportamento é apenas a aparência de cada ser social complexo. Ingold (1990INGOLD, Tim. An anthropologist looks at biology. Man, v. 25, n. 2, p. 208-229, June 1990., 1994)INGOLD, Tim. Humanity and Animality. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology. Londres; New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 1994. p. 14-32. também nos lembra que definições de cultura com ênfase biológica e que enfocam exclusivamente a soma de comportamentos individuais e suas repetições e variabilidade é excessivamente simples e elementar.

Abler (2005)ABLER, W. L. Evidence of group learning does not add up to culture. Nature, v. 438, p. 422, 24 Nov. 2005. nos lembra que tentar demonstrar a continuidade evolucionária entre humanos e outros seres clamando apenas pela conformidade de dados com certas proposições pode ser uma falácia. Discutir cultura implica discutir a continuidade entre mentes de chimpanzés e mentes humanas. Os primatólogos têm, de fato, apresentado dados empíricos e experimentais rigorosos, assim como análises minuciosas. Entretanto, isso não torna óbvia a continuidade entre comportamentos humanos e de chimpanzés. É preciso considerar contribuições como as de Galef (1992)GALEF, Bennett G. The question of animal culture. Human Nature, v. 3, n. 2, p. 157-178, June 1992., que sinaliza a importância em distinguir o que é análogo e o que é homólogo em relação às semelhanças de comportamentos verificadas entre as espécies ou considerar de que modo a capacidade de produzir cultura cumulativa distingue humanos de não humanos (Tennie et al., 2009TENNIE, Claudio; CALL, Josep; TOMASELLO, Michael. Ratcheting up the ratchet: on the evolution of cumulative culture. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 364, n. 1528, p. 2405-2415, July 2009.) e quanto isso é relevante.

Observando os artigos analisados em nossa pesquisa, percebemos que, a despeito de os primatólogos frequentemente buscarem uma definição universal e sintética de cultura, o que eles apresentam, em termos de definição, é quase fortemente relacionado aos seus dados específicos de pesquisa e a universalização da explicação baseia-se no pressuposto consensual da aplicabilidade das teorias evolutivas. Mas, e se tal universalidade tiver de ser relativizada quando se trata de seres sociais?

O COMPORTAMENTO DE CHIMPANZÉS SELVAGENS SERIA CULTURAL, NO SENTIDO ANTROPOLÓGICO?

Observando os artigos analisados em nossa pesquisa, percebemos que, a despeito de os primatólogos frequentemente buscarem uma definição universal e sintética de cultura, o que eles apresentam, em termos de definição é, ainda, insuficiente. Ou seja, se os antropólogos socioculturais ainda não elaboraram um conceito forte nem operacional para cultura (Ingold, 2015INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015. 392 p. (Antropologia).), os primatólogos, apesar de operarem sob matrizes universalistas e comparativistas, também não atingiram esse intento.

As diferenças entre as concepções antropológicas e primatológicas de cultura esbarram nos debates sobre os critérios quantitativos e qualitativos aplicáveis às mesmas. Não pretendemos aqui resolver esse problema, apenas apontá-lo como relevante (Rapchan; Neves, 2014RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Etnografias sobre humanos e não humanos: limites e possibilidades. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 33-84, 2014.). Há diferenças significativas entre o fenômeno que a maioria dos primatólogos e dos antropólogos chama de ‘cultura’. Os comportamentos complexos já registrados sobre chimpanzés e outros primatas não humanos são certamente expressões de sua grande complexidade social e extensas capacidades cognitivas (Rapchan, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika. Chimpanzés possuem cultura? Questões para a antropologia sobre um tema “bom para pensar”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 227-280, jan.-jun. 2005., 2010RAPCHAN, Eliane Sabeika. Sobre o comportamento de chimpanzés: o que antropólogos e primatólogos podem ensinar sobre o assunto? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, n. 33, p. 227-266, jan.-jun. 2010., 2012RAPCHAN, Eliane Sabeika. Cultura e inteligência: reflexões antropológicas sobre aspectos não físicos da evolução em chimpanzés e humanos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 793-813, jul.-set. 2012.; Rapchan; Neves, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 649-698, jul.-dez. 2005.).

Entretanto, se o objeto eleito são as ‘culturas de chimpanzés’, além do próprio conceito, do ponto de vista da antropologia, é importante discutir o método. Num sentido amplo, o que é correntemente usado pela primatologia (de cunho objetivo, fortemente marcado por abordagens quantitativas e, predominantemente, influenciado pela sociobiologia) deixa de lado aspectos subjetivos relevantes para o tratamento da cultura no sentido antropológico e em relação aos quais a antropologia tem muita experiência acumulada. As críticas e reflexões promovidas por primatólogas como King (2004)KING, Barbara J. The dynamic dance: nonvocal communication in African great apes. Cambridge: Harvard University Press, 2004. e pelos debates estimulados por Strum, em parceria com Fedigan (2000)STRUM, Shirley C.; FEDIGAN, Linda Marie (Ed.). Primate Encounters: models of science, gender and society. Chicago: University of Chicago Press, 2000. 652 p., são indícios de caminhos possíveis para diálogos futuros nessa direção.

Em relação ao alinhamento teórico, a maioria dos primatólogos defende a existência de um continuum na capacidade de produzir cultura na linhagem primata; um processo de evolução cultural longo e gradual (Castro; Toro, 2004CASTRO, Laureano; TORO, Miguel A. The evolution of culture: from primate social learning to human culture. PNAS, v. 101, n. 27, p.10235-10240, 2004.; Janson; Smith, 2003JANSON, Charles H.; SMITH, Eric A. The evolution of culture: new perspectives and evidences. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 57-60, 7 Apr. 2003.; Mesoudi et al., 2006MESOUDI, A.; WHITEN, A.; LALAND, K. N. Towards a unified science of cultural evolution. Behavioral and Brain Sciences, v. 29, n. 4, p. 329-383, Aug. 2006.; Perry, 2006PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006.; Whiten et al., 2009WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009.), que teria se manifestado na linhagem primata antes do processo de especiação, que resultou na distinção entre humanos e chimpanzés.

De um ponto de vista estritamente evolucionista, o debate sobre a existência, ou não, de ‘culturas de chimpanzés’ propõe reflexões agudas sobre o processo que nos tornou humanos. Se foi gradual e se ocorreu antes da separação entre as espécies, então haverá manifestações culturais análogas em Hominídeos Pliso-pleistocênicos (McBearthy; Brooks, 2000MCBEARTHY, Sally; BROOKS, Alison S. The revolution that wasn’t: a new interpretation of the origin of modern human behavior. Journal of Human Evolution, v. 39, n. 5, p. 453-563, 2000.) e mesmo em outros grupos animais (monos, cetáceos e aves, como os corvos da Nova Caledônia) (Holzhaider et al., 2010HOLZHAIDER, Jennifer C.; HUNT, Gavin R.; GRAY, Russell D. Social learning in New Caledonian crows. Learning and Behaviour, New York, v. 38, n. 3, p. 206-219. 2010.; Holzhaider et al., 2011HOLZHAIDER, Jennifer C.; SIBLEY, M. D.; TAYLOR, A. H.; SINGH, P. J.; Gray, R. D.; HUNT, G. R. The social structure of New Caledonian crows. Animal Behaviour, London, v. 81, n.1, p. 83-92, 2011.; Laland, 2008aLALAND, Kevin N. Animal cultures. Current Biology, n. 18, v. 9, p. 366-370, 6 May 2008a., 2008bLALAND, Kevin N. Exploring gene–culture interactions: insights from handedness, sexual selection and niche-construction case studies. Phylosophical Transactions of the Royal Society B, v. 363, n. 1509, p. 3577-3589, 12 Nov. 2008b.; Laland; Hoppitt, 2003LALAND, Kevin N.; HOPPITT, William. Do animals have culture? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 3, p. 150-159, 19 May 2003.).

Se houve um salto evolutivo (Eldredge; Gould, 1972ELDREDGE, N.; GOULD, S. J. Punctuated equilibria: an alternative to phyletic gradualism. In: SCHOPF, T. J. M. (Ed.). Models in paleobiology. San Francisco: Freeman, 1972. p. 82-115.; Klein, 2009KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.; Mithen, 1996MITHEN, Steven. The prehistory of the mind: a search for the origins of art, religion and science. London: Thames and Hudson, 1996.; Rapchan; Neves, 2005RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 649-698, jul.-dez. 2005.), uma ‘revolução humana’, então a cultura humana é um fenômeno resultante de um processo recente, que ocorreu em nossa espécie e remonta a, no máximo, 100 mil anos antes do presente (Mellars, 1989MELLARS, Paul (Ed.).The Human Revolution: behavioural and biological perspectives on the origins of modern humans. Translator Chris Stringer. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1989.; Diamond 1992DIAMOND, Jared M. The Third Chimpanzee: the evolution and future of the human animal. New York: Harper Collins, 1992.; Janson; Smith, 2003JANSON, Charles H.; SMITH, Eric A. The evolution of culture: new perspectives and evidences. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 57-60, 7 Apr. 2003.; Klein, 2009KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.). A hipótese do salto evolutivo, vale destacar, não se baseia numa perspectiva redutoramente antropocêntrica, mas em indícios que, até o momento, parecem exclusivos dos humanos comportamentalmente modernos. Em termos evolutivos, podemos afirmar a nosso favor que há inúmeras características que são únicas para uma dada espécie (Foley, 1993FOLEY, Robert. Apenas mais uma espécie única. São Paulo: Edusp, 1993.). O canto das baleias (Rendell; Whitehead, 2001RENDELL, L.; WHITEHEAD, H. Culture in whales and dolphins. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 309-382, Apr. 2001.) é um ótimo (e não exclusivo) exemplo disso.

Asquith (2010)ASQUITH, Pamela J. Natural homes: primate fieldwork and the anthropological method. In: MACCLANCY, J.; FUENTES, A. (Ed.). Centralizing fieldwork: critical perspectives from primatology, biological anthropology and social anthropology. Oxford: Berghahn, 2010. p. 242-255. sinaliza alguns aspectos do trabalho de campo em primatologia que são frequentemente subtraídos dos registros científicos (a subjetividade, as emoções, as interações com os animais e os contextos humanos e não humanos em que a pesquisa é desenvolvida) e que são frequentemente alijados dos textos publicados pelos primatólogos. Segundo a autora (Asquith, 2010ASQUITH, Pamela J. Natural homes: primate fieldwork and the anthropological method. In: MACCLANCY, J.; FUENTES, A. (Ed.). Centralizing fieldwork: critical perspectives from primatology, biological anthropology and social anthropology. Oxford: Berghahn, 2010. p. 242-255.), um dos indícios da riqueza das relações estabelecidas em campo e que expressa toda a potência do compromisso dos primatólogos com aqueles por eles estudados é a própria proposição e defesa do termo ‘cultura’ para representar os chimpanzés e outros animais não humanos.

Não se pode alcançar satisfatoriamente o domínio do simbólico das ‘culturas de chimpanzés’, caso ele exista, abandonando as possibilidades postas por abordagens mais qualitativas e mesmo subjetivas, inclusive a aplicação do método etnográfico para registrar e analisar as relações entre humanos e primatas não humanos em diferentes contextos (Rapchan; Neves, 2014RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Etnografias sobre humanos e não humanos: limites e possibilidades. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 33-84, 2014.). Assim, caso não cheguemos a um consenso transdisciplinar em relação às de concepções de cultura, podemos encontrar outros aspectos considerados consensualmente compartilhados, como a centralidade da vida social para todos os primatas, e mesmo para outras espécies, que possam garantir e expandir os diálogos. Além disso, é fundamental garantir pesquisas em direção às relações entre humanos e não humanos.

Os debates sobre a existência, ou não, de ‘culturas de chimpanzés’ não devem inviabilizar a exploração das semelhanças e diferenças entre essa espécie e seres humanos, nem impossibilitar o tratamento etnográfico das relações entre ambas. Estudos sobre comunidades de humanos e não humanos no âmbito das relações de pesquisa, no convívio em espaços partilhados rurais e urbanos, na configuração híbrida das paisagens e nas representações da natureza e da cultura, por exemplo, poderão oferecer resultados relevantes e impactantes sobre as concepções vigentes acerca da definição do humano e dos novos parâmetros necessários para se considerar as relações entre humanos e não humanos.

AGRADECIMENTOS

Essa pesquisa contou com o suporte da Fundação Araucária/ Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), através de bolsa de pós-doutorado concedida a ESR de setembro/2010 a setembro/2011, através do Convênio 346/2010 – UEM/Fundação Araucária – Chamada de Projetos 18/2009 e do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, da Universidade de São Paulo (LEEH - USP). Agradecemos pelas contribuições e comentários dos dois pareceristas anônimos que analisaram minuciosamente este manuscrito.

REFERÊNCIAS

  • ABLER, W. L. Evidence of group learning does not add up to culture. Nature, v. 438, p. 422, 24 Nov. 2005.
  • ARMSTRONG, Susan; BOTZLER, Richard G. (Ed.). The animal ethics reader London: Routledge, 2008.
  • ARSUAGA, J. L. O colar do Neanderthal: em busca dos primeiros pensadores. Apresentação Walter Neves. Rio de Janeiro: Globo, 2005. 352 p.
  • ASQUITH, Pamela J. Commentary of bonds and boundaries: what is the modern role of anthropomorphism in primatological studies? American Journal of Primatology, v. 73, p. 238–244, Mar. 2011.
  • ASQUITH, Pamela J. Natural homes: primate fieldwork and the anthropological method. In: MACCLANCY, J.; FUENTES, A. (Ed.). Centralizing fieldwork: critical perspectives from primatology, biological anthropology and social anthropology. Oxford: Berghahn, 2010. p. 242-255.
  • ASQUITH, Pamela J. Negotiating science: internationalization and japanese primatology. In: STRUM, Shirley C.; FEDIGAN, Linda Marie (Ed.). Primate Encounters: models of science, gender, and society. Chicago: University of Chicago, 2000. p. 165-183.
  • ASSERSOHN, C.; WHITEN, Andrew; KIWEDE, Zephyr T.; TINKA, John; KARAMAG, Joseph. Use of leaves to inspect ectoparasites in wild chimpanzees: a third cultural variant? Primates, v. 45, n. 4, p. 255–258, June 2004.
  • BEAUCHAMP, Tom L.; FREY, R. G. The Oxford handbook of animal ethics New York: Oxford University Press, 2011.
  • BIRO, D.; MATSUZAWA, T. Use of numerical symbols by the chimpanzee (Pan troglodytes): Cardinals, ordinals, and the introduction of zero. Animal Cognition, v. 4, n. 3-4, p. 193-199, Nov. 2001.
  • BOESCH-ACHERMANN, Hedwige; BOESCH, Christophe. Hominization in the rainforest: the chimpanzee’s piece of the puzzle. Evolutionary Anthropology, v. 3, n.1, p. 9-16, 1994.
  • BOESCH, Christophe. Wild Cultures: a comparison between chimpanzee and human cultures. Cambridge: Cambridge University, 2012.
  • BOESCH, Christophe. Is culture a golden barrier between human and chimpanzee? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 82-91, Apr. 2003.
  • BOESCH, Christophe. Sacrileges are welcome in science! Opening a discussion about culture in animals. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 327-328, Apr. 2001.
  • BOESCH, Christophe. Teaching among wild chimpanzees. Animal Behavior, v. 41, p. 530-532, 1991.
  • BOESCH, Christophe; TOMASELLO, Michael. Chimpanzee and human cultures. Current Anthropology, v. 39, n. 5, p. 591-614, Dec. 1998.
  • BOESCH, Christophe; BOESCH, Hedwige. Hunting behavior of wild chimpanzees in the Taï National Park. American Journal of Physical Anthropology, v. 78, n. 4, p. 547-573, 1989.
  • BONNIE, Kristin E.; DE WAAL, Frans B. M. Affiliation promotes the transmission of a social custom: handclasp grooming among captive chimpanzees. Primates, v. 47, n.1, p. 27-34, Jan. 2006.
  • BROWN, Donald E. Human universals, human nature and human culture. Daedalus, v.133, n. 4, p. 47-54, 2004.
  • BYRNE, R. W.; WHITEN, Andrew D. Machiavellian intelligence: social complexity and the evolution of intellect in monkeys, apes and humans. Oxford: Oxford University, 1988.
  • CALL, Josep; TENNIE, Claudio. Animal Culture: chimpanzee table manners? Current Biology, v. 19, n. 21, p. R981-R983, Nov. 2009.
  • CALL, Josep ; TOMASELLO, Michael. Does the chimpanzee have a theory of mind? 30 years later. Trends in Cognition Sciences, v. 12, n. 5, p. 187-192, 2008.
  • CARPENTER, M.; TOMASELLO, Michael; SAVAGE-RUMBAUG, Sue. Join attention and imitative learning in children, chimpanzees, and enculturated chimpanzees. Social Development, Cambridge, v. 4, n. 3, p. 217-237, Nov. 1995.
  • CASTRO, Laureano; TORO, Miguel A. The evolution of culture: from primate social learning to human culture. PNAS, v. 101, n. 27, p.10235-10240, 2004.
  • CAVALIERI, Paola; SINGER, Paul. The great ape project. In: CORBEY, R.; THEUNISSEN, B. (Ed.). Ape, Man, Apeman: Changing views since 1600. Leiden: Leiden University, 1995. p. 367-376.
  • CROCKFORD, Catherine; HERBINGER, Ilka; VIGILANT, Linda; BOESCH, Christophe. Wild chimpanzees produce group specific calls: a case for vocal learning? Ethology, v. 110, n. 3, p. 221-243, 2004.
  • DAVIDSON, Iain; MCGREW, William C. Stone tools and the uniqueness of human culture. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 11, n. 4, p. 793-817, Dec. 2005.
  • DAWKINS, Richard. O gene egoísta Tradução Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 544p.
  • DE VORE, Irwing. Primate behavior: field studies of monkeys and apes. New York: Holt, Rinehartand Winston, 1965.
  • DE WAAL, Frans B. M. Eu, primata: por que somos como somos. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 344p.
  • DE WAAL, Frans B. M. Primates: a natural heritage of conflict resolution. Science, v. 289, p. 586-590, 28 July 2000.
  • DE WAAL, Frans B. M. Cultural primatology comes of age. Nature, v. 399, p. 635-636, 17 June 1999.
  • DEAN, L. G.; KENDAL, R. L.; SCHAPIRO, S. J.; THIERRY, B.; LALAND, K. N. Identification of the Social and Cognition Processes Underlying Human Cumulative Culture, Science, v. 335, n. 6072, p. 1114-1118, Mar. 2012.
  • DENNIS, Carina. Chimp genome: branching out. Nature, v. 437, p. 17-19, Sept. 2005.
  • DIAMOND, Jared M. The Third Chimpanzee: the evolution and future of the human animal. New York: Harper Collins, 1992.
  • ELDREDGE, N.; GOULD, S. J. Punctuated equilibria: an alternative to phyletic gradualism. In: SCHOPF, T. J. M. (Ed.). Models in paleobiology San Francisco: Freeman, 1972. p. 82-115.
  • FALÓTICO, Tiago; INABA, Akemi; MCGREW, William C.; OTONI, Eduardo. Vertical bipedal locomotion in wild bearded capuchin monkeys (Sapajus libidinosus). Primates, p. 1-8, May 2016.
  • FEDUREK, P.; SLOCOMBE, K. E. Primate vocal communication: a useful tool for understanding human speech and language evolution? Human Biology, v. 83, n. 2, p. 153-173, 2011.
  • FLINN, Mark V. Culture and the evolution of social learning. Evolution and Human Behavior, v. 18, n. 1, p. 23-67, Jan. 1997.
  • FOLEY, Robert. Apenas mais uma espécie única São Paulo: Edusp, 1993.
  • FOUTS, Roger; MILLS, Stephen T. Next of kin: what chimpanzees have thought me about who we are. Introduction by Jane Goodall. New York: Avon Books, 1997. 420 p.
  • FRAGASZY, Dorothy. Making Space for Traditions. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 61-70, Apr. 2003.
  • GALEF, Bennett G. The question of animal culture. Human Nature, v. 3, n. 2, p. 157-178, June 1992.
  • GIBSON, Kathleen R.; INGOLD, Tim (Ed.). Tools, language and cognition in human evolution New YorMarshack: Cambridge University Press, 1995.
  • GINTIS, Herbert. Gene–culture coevolution and the nature of human sociality. Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 366, p. 878-888, 2011.
  • GOODALL, Jane. Uma janela para a vida Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 280p.
  • GRUBER, Thibaud; MULLER, Martin N.; STRIMLING, Pontus; WRANGHAM, Richard; ZUBERBÜHLER, Klaus. Wild chimpanzees rely on cultural knowledge to solve an experimental honey acquisition task. Current Biology, v. 19, n. 21, p. 1806-1810, 17 Nov. 2009.
  • GRUBER, Thibaud; KRUPENYE, C.; REYNOLDS, V.; POTTS, K. B.; BYRNE, M. R.; MACKWORTH-YOUNG, C.; MCGREW, W. C.; ZUBERBÜHLER, Klaus. The influence of ecology on chimpanzee (Pan troglodytes) cultural behavior: a case study of five Ugandan chimpanzee communities. Journal of Comparative Psychology, v. 126, n. 4, p. 446-457, Nov. 2012.
  • GRUEN, Lori. Ethics and animals: an introduction. London: Cambridge University Press, 2011.
  • HARAWAY, Donna J. When species meet Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008. (Post Humanities, 3).
  • HARAWAY, Donna J. A cyborg manifesto: science, technology and socialist-feminism in the late twentieth-century. In: BELL, David; KENNEDY, Barbara M. (Ed.) The Cyber Cultures London: Routledge, 1990. p. 291-327.
  • HARAWAY, Donna J. Primate visions Gender, race and nature in the world of modern science. New York; London: Routledge, 1989.
  • HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015. 464 p.
  • HAUSER, Marc D. The possibility of impossible cultures. Nature, v. 460, p. 190-196, 8 July 2009.
  • HIRATA, S. Chimpanzee social intelligence selfishness, altruism, and the mother-infant bond. Primates, v. 50, n. 1, p. 3-11, 2009.
  • HOBAITER, Catherine; BYRNE, R. W. The gestural repertoire of the wild chimpanzee. Animal Cognition, v. 14, n. 5, p. 745-767, 2011.
  • HOLZHAIDER, Jennifer C.; HUNT, Gavin R.; GRAY, Russell D. Social learning in New Caledonian crows. Learning and Behaviour, New York, v. 38, n. 3, p. 206-219. 2010.
  • HOLZHAIDER, Jennifer C.; SIBLEY, M. D.; TAYLOR, A. H.; SINGH, P. J.; Gray, R. D.; HUNT, G. R. The social structure of New Caledonian crows. Animal Behaviour, London, v. 81, n.1, p. 83-92, 2011.
  • INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015. 392 p. (Antropologia).
  • INGOLD, Tim. Anthropology is Not Ethnography. Proceedings of British Academy, v. 154, p. 69-92, 2008.
  • INGOLD, Tim. The use and abuse of ethnography. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 337, 2001.
  • INGOLD, Tim (Ed.). Key debates in Anthropology London; New York: Routledge, 1996. 263p.
  • INGOLD, Tim. Humanity and Animality. In: INGOLD, Tim (Ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology Londres; New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 1994. p. 14-32.
  • INGOLD, Tim. An anthropologist looks at biology. Man, v. 25, n. 2, p. 208-229, June 1990.
  • JAHME, Carole. Beauty and the Beasts: woman, ape and evolution. New York: Soho Press, 2001. 416p.
  • JANSON, Charles H.; SMITH, Eric A. The evolution of culture: new perspectives and evidences. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 57-60, 7 Apr. 2003.
  • KING, Barbara J. The dynamic dance: nonvocal communication in African great apes. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
  • KING, Barbara J. Another frame shift: from cultural transmissions to cultural co-construction. Behavioral and Brain Sciences, v. 23, n. 1, p. 154-155, Feb. 2000.
  • KLEIN, Richard G. The human carrer: human biological and cultural origins. 3th ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.
  • KLEIN, Richard G. Archaeology and the evolution of human behavior. Evolutionary Anthropology, v. 9, n. 1, p. 17-36, 2000.
  • KNIGHT, Chis. Does cultural evolution need matriliny? Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 339-340, Apr. 2001.
  • KROEBER, Alfred L.; KLUCKHOHN, Clyde. Culture: a critical review of concepts and definitions. Cambridge: Peabody Museum of Archeology and Ethnology, 1952.
  • KÜHL, Hjalmar S.; KALAN, Ammie K.; ARANDJELOVIC, Mimi; AUBERT, Floris; D’AUVERGNE, Lucy; GOEDMAKERS, Annemarie; JONES, Sorrel; KEHOE, Laura; REGNAUT, Sebastien; TICKLE, Alexander; TON, Els; VAN SCHIJNDEL, Joost; ABWE, Ekwoge E.; ANGEDAKIN, Samuel; AGBOR, Anthony; AYIMISIN, Emmanuel Ayuk; BAILEY, Emma; BESSONE, Mattia; BONNET, Matthieu; BRAZOLLA, Gregory; BUH, Valentine Ebua; CHANCELLOR, Rebecca; CIPOLETTA, Chloe; COHEN, Heather; COROGENES, Katherine; COUPLAND, Charlotte; CURRAN, Bryan; DESCHNER, Tobias; DIERKS, Karsten; DIEGUEZ, Paula; DILAMBAKA, Emmanuel; DIOTOH, Orume; DOWD, Dervla; DUNN, Andrew; ESHUIS, Henk; FERNANDEZ, Rumen; GINATH, Yisa; HART, John; HEDWIG, Daniela; TER HEEGDE, Martijn; HICKS, Thurston Cleveland; IMONG, Inaoyom; JEFFERY, Kathryn J.; JUNKER, Jessica; KADAM, Parag; KAMBI, Mohamed; KIENAST, Ivonne; KUJIRAKWINJA, Deo; LANGERGRABER, Kevin; LAPEYRE, Vincent; LAPUENTE, Juan; LEE, Kevin; LEINERT, Vera; MEIER, Amelia; MARETTI, Giovanna; MARROCOLI, Sergio; MBI, Tanyi Julius; MIHINDOU, Vianet; MOEBIUS, Yasmin; MORGAN, David; MORGAN, Bethan; MULINDAHABI, Felix; MURAI, Mizuki; NIYIGABAE, Protais; NORMAND, Emma; NTARE, Nicolas; ORMSBY, Lucy Jayne; PIEL, Alex; PRUETZ, Jill; RUNDUS, Aaron; SANZ, Crickette; SOMMER, Volker; STEWART, Fiona; TAGG, Nikki; VANLEEUWE, Hilde; VERGNES, Virginie; WILLIE, Jacob; WITTIG, Roman Martin; ZUBERBUEHLER, Klaus; BOESCH, Christophe. Chimpanzee accumulative stone throwing. Scientific Reports, v. 6, n. 29, p. 22219, Feb. 2016.
  • KUPER, Adam. Histórias alternativas da antropologia social britânica. Etnográfica, v. 19, n. 2, p. 209-230, 2005.
  • KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru: Edusc, 2002.
  • LALAND, Kevin N. Animal cultures. Current Biology, n. 18, v. 9, p. 366-370, 6 May 2008a.
  • LALAND, Kevin N. Exploring gene–culture interactions: insights from handedness, sexual selection and niche-construction case studies. Phylosophical Transactions of the Royal Society B, v. 363, n. 1509, p. 3577-3589, 12 Nov. 2008b.
  • LALAND, Kevin N.; HOPPITT, William. Do animals have culture? Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 3, p. 150-159, 19 May 2003.
  • LALAND, Kevin N.; ODLING-SMEE, J.; FELDMAN, M. W. Niche construction, biological evolution, and cultural change. Behavioral and Brain Sciences, v. 23, n. 1, p. 131-175, Feb. 2000.
  • LANGERGRABER, Kevin E.; BOESCH, Christophe; INOUE, Eiji; INOUE-MURAYAMA, Miho; MITANI, John C.; NISHIDA,Toshisada; PUSEY, Anne; REYNOLDS, Vernon; SCHUBERT, Grit; WRANGHAM, Richard W.; WROBLEWSKI, Emily; VIGILANT, Linda. Genetic and ‘cultural’ similarity in wild chimpanzees. Proceedings of Royal Society of Biology, v. 278, p. 408-416, 18 Aug. 2010.
  • LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012. 400p.
  • LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. Vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997.
  • LESTEL, Dominique. L’animal singulier Paris: Seuil, 2004.
  • LESTEL, Dominique. L’innovation cognitive dans descommunautés hybrides homme/animal de partage de sens, d’intérêts et d’affects. Intellectia, v. 102, n. 26-27, p. 203-226, 1998.
  • LIEBAL, Katja; CALL, Joseph; TOMASELLO, Michael. Use of gesture sequences in chimpanzees. American Journal of Primatology, v. 64, p. 377-396, 2004.
  • LORENZ, K. Os fundamentos da etologia São Paulo: Unesp, 1995.
  • LUNCZ, Lydia V.; WITTIG, Roman M.; BOESCH, C. Primate archaeology reveals cultural transmission in wild chimpanzees (Pan troglodytes verus). Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 370, n. 1682, p. 1-9, Nov. 2015.
  • LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Cladistic analyses of behavioural variation in wild Pan Troglodytes: exploring the chimpanzee culture hypothesis. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 337-349, 2009.
  • LYCETT, Stephen J.; COLLARD, Mark; MCGREW, William C. Phylogenetic analyses of behavior support existence of culture among wild chimpanzees. PNAS, v. 104, n. 45, p. 17588-17592, 2007.
  • MAUSS, Marcel. The manual of ethnography. Translated by Dominique Lussier; Edited and Introduced by N. J. Allen. New York: Berghahn Books, 2007.
  • MCBEARTHY, Sally; BROOKS, Alison S. The revolution that wasn’t: a new interpretation of the origin of modern human behavior. Journal of Human Evolution, v. 39, n. 5, p. 453-563, 2000.
  • MCGREW, William C. Chimpanzee technology. Science, v. 328, n. 5978, p. 579-580, 30 Apr. 2010.
  • MCGREW, William C. Ten dispatches from the chimpanzee culture wars: plus postcript (revisiting the battle fronts). In: LALAND, Kevin N.; GALEF, Bennett G. (Ed.). The question of animal culture Cambridge: Harvard University Press, 2009. p. 41-69.
  • MCGREW, William C. New wine in new bottles: prospects and pitfalls of cultural primatology. Journal of Anthropological Research, v. 63, n. 2, p. 167-183, 2007.
  • MCGREW, William C. Culture in nonhuman primates? Annual Review of Anthropology, v. 27, p. 301-328, 1998.
  • MCGREW, William C. Chimpanzee material culture: implications for human evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
  • MCGREW, William C.; TUTIN, C. E. G. Evidence for a social custom in wild chimpanzees? Man, v. 13, n. 2, p. 234-251, May 1978.
  • MELLARS, Paul (Ed.).The Human Revolution: behavioural and biological perspectives on the origins of modern humans. Translator Chris Stringer. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1989.
  • MERCADER, Julio; BARTON, Huw; GILLESPIE, Jason; HARRIS, Jack; KUHN, Steven; TYLER, Robert; BOESCH, Christophe. 4, 300-Year-old chimpanzee sites and the origins of percussive stone technology. PNAS, v. 104, n. 9, p. 3043-3048, 20 Feb. 2007.
  • MESOUDI, A.; WHITEN, A.; LALAND, K. N. Towards a unified science of cultural evolution. Behavioral and Brain Sciences, v. 29, n. 4, p. 329-383, Aug. 2006.
  • MITANI, John C.; WATTS, David P.; MULLER, Martin. Recent developments in the study of wild chimpanzee behavior. Evolutionary Anthropology, v. 11, n. 1, p. 9-25, 2002.
  • MITCHELL, Robert W. On not drawing the line about culture: inconsistencies in interpretation of human cultures. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 348-349, Apr. 2001.
  • MITHEN, Steven. The prehistory of the mind: a search for the origins of art, religion and science. London: Thames and Hudson, 1996.
  • MÖBIUS, Yasmim; BOESCH, Christophe; KOOPS, Kathelijne; MATSUZAWA, Tetsuro; HUMLE, Tatyana. Cultural differences in army ant predation by West African chimpanzees? A comparative study of microecological variables. Animal Behaviour, v. 76, n. 1, p. 37-45, 2008.
  • MORGAN, B. J.; ABWE, E. E. Chimpanzees use stone hammers in Cameroon. Current Biology, v. 16, n. 16, p. 632-633, 22 Aug. 2006.
  • NEVES, Walter A. Um esqueleto incomoda muita gente Campinas: Unicamp, 2013.
  • NISHIDA, T. Local traditions and cultural transmission. In: SMUTS, B. B.; CHENEY, D. L.; SEYFARTH, R. M.; WRANGHAM, R.W.; STRUNSAKER, T. T. (Ed.). Primate societies Chicago: University of Chicago Press, 1987. p. 165-177.
  • O’HARA, S. J.; LEE, P. C. High frequency of postcoital penis cleaning in Budongo Chimpanzees. Folia Primatologica, v. 77, n. 5, p. 353-358, 2006.
  • O’MALLEY, Robert C. Parallels and contrasts with primate cultural research. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 349-349, Apr. 2001.
  • PARKER, Sue T.; GIBSON, Kathleen R. (Ed.). ‘Language’ and intelligence in monkeys and apes: comparative developmental perspectives. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
  • PERRY, Susan E. Social traditions and social learning in capuchin monkeys (Cebus). Philosophical transactions of the Royal Society B, v. 366, n. 1567, p. 988-996, 28 Feb. 2011.
  • PERRY, Susan E. What cultural primatology can tell anthropologists about the evolution of culture? Annual Review of Anthropology, v. 35, p. 171-190, Oct. 2006.
  • PINKER, Steven. Os anjos bons da nossa natureza Por que a violência diminuiu?. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.
  • POIRIER, Frank E.; FITTON, Lori J. Primate cultural worlds: monkeys, apes and humans. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 349-350, Apr. 2001.
  • PREMACK, David; HAUSER, Marc D. A whale of a tale: calling it culture doesn’t help. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 24, n. 2, p. 350-351, Apr. 2001.
  • RAPCHAN, Eliane Sabeika. Cultura e inteligência: reflexões antropológicas sobre aspectos não físicos da evolução em chimpanzés e humanos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 793-813, jul.-set. 2012.
  • RAPCHAN, Eliane Sabeika. Sobre o comportamento de chimpanzés: o que antropólogos e primatólogos podem ensinar sobre o assunto? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, n. 33, p. 227-266, jan.-jun. 2010.
  • RAPCHAN, Eliane Sabeika. Chimpanzés possuem cultura? Questões para a antropologia sobre um tema “bom para pensar”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 227-280, jan.-jun. 2005.
  • RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Etnografias sobre humanos e não humanos: limites e possibilidades. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 33-84, 2014.
  • RAPCHAN, Eliane Sabeika; NEVES, Walter Alves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 649-698, jul.-dez. 2005.
  • RICHERSON, Peter J.; BOYD, Robert. Not by Genes Alone: how culture transformed human evolution. Chicago: University of Chicago Press, 2005.
  • RIPOLL, T.; VAUCLAIR, J. Can culture be inferred only from the absence of genetic and environmental actors? Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 355-356, Mar. 2001.
  • SAVAGE-RUMBAUGH, E. Sue; RUMBAUGH, Duane M. The emergence of language. In: INGOLD, Tim; GIBSON, Kathleen R. (Ed.). Tools, Language and Cognition in Human Evolution New York: Cambridge University Press, 1995. p. 86-108.
  • SAKURA, Osamu; MATSUZAWA, Tetsuro. Flexibility of wild chimpanzee nut-cracking behavior using stone hammers and anvils: an experimental analysis. Ethology, v. 87, n. 3-4, p. 237-248, 12 Jan. 1991.
  • SCHÖNING, Caspar; HUMLE, Tatyana; MÖBIUS, Yasmin; MCGREW, W. C. The nature of culture: technological variation in chimpanzee predation on army ants revisited. Journal of Human Evolution, v. 55, n. 1, p. 48-59, July 2008.
  • SEGERDAHL, P.; FIELDS, W.; SAVAGE-RUMBAUGH, S. Kanzi’s Primal Language: the cultural initiation of primates into language. New York: Palgrave Macmillan, 2006.
  • SHANKER, Stuart G.; KING, Barbara J. The emergence of a new paradigm in ape language research: beyond interactionism. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 25, n. 5, p. 646-651, Oct. 2002.
  • SLATER, P. J. B. There’s CULTURE and “culture”. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 356-357, Oct. 2001.
  • STANFORD, Craig B. The social behavior of Chimpanzees and Bonobos. Current Anthropology, v. 39, n. 4, p. 399-420, Aug.-Oct. 1998.
  • STRATHERN, Marilyn. Partial Connections [S.l.]: Altamira, Walnut Creek, 2004.
  • STRUM, Shirley C.; FEDIGAN, Linda Marie (Ed.). Primate Encounters: models of science, gender and society. Chicago: University of Chicago Press, 2000. 652 p.
  • TENNIE, Claudio; CALL, Josep; TOMASELLO, Michael. Ratcheting up the ratchet: on the evolution of cumulative culture. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 364, n. 1528, p. 2405-2415, July 2009.
  • TEUBNER, Gunther. Rights of non-humans? Electronic agents and animals as new actors in politics and law. Journal of Law and Society, v. 33, p. 497-521, 2006.
  • TOMASELLO, Michael. The human adaptation for culture. Annual Review of Anthropology, v. 28, p. 509-529, 1999a.
  • TOMASELLO, Michael. The cultural origins of human cognition Cambridge: Harvard University Press, 1999b.
  • VAN SCHAIK, C. P.; DEANER, R. O.; MERRILL, M. Y. The conditions for tool use in primates: implications for the evolution of material culture. Journal of Human Evolution, v. 36, n. 6, p. 719-741, June 1999.
  • VAN SCHAIK, C. P.; PRADHAN, G. R. A model for tool-use traditions in primates: implications for the coevolution of culture and cognition. Journal of Human Evolution, v. 44, n. 6, p. 645-664, June 2003.
  • RENDELL, L.; WHITEHEAD, H. Culture in whales and dolphins. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 309-382, Apr. 2001.
  • WHITEN, Andrew. The scope of culture in chimpanzees, humans and ancestral apes. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 366, p. 997-1007, 28 Feb. 2011.
  • WHITEN, Andrew. Pan African culture: memes and genes in wild chimpanzees. PNAS, n. 104, v. 45, p. 17559-17560, 2007.
  • WHITEN, Andrew. The second inheritance system of chimpanzees and humans. Nature, n. 437, p. 52-55, 1 Sept. 2005a.
  • WHITEN, Andrew. Animal culture is real but needs to be clearly defined. Nature, n. 438, p. 1078, 21 Dec. 2005b.
  • WHITEN, Andrew. Imitation and cultural transmission in apes and cetaceans. Behavioral and Brain Sciences, v. 24, n. 2, p. 359-360, 2001.
  • WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH, C. Charting Cultural Variation in Chimpanzees. Behaviour, v. 138, n. 11-12, p. 1481-1501, Jan. 2001.
  • WHITEN, Andrew; ERDAL, David. The human socio-cognitive niche and its evolutionary origins. Philosophical Transactions of Royal Society B, v. 367, n. 1599, p. 2119-2129, Aug. 2012.
  • WHITEN, Andrew; GOODALL, J.; MCGREW, W. C.; NISHIDA, T.; REYNOLDS, V.; SUGIYAMA, Y.; TUTIN, C. E. G.; WRANGHAM, R. W.; BOESCH,C. Cultures in chimpanzees. Nature, v. 399, n. 6737, p. 682-685, 17 June 1999.
  • WHITEN, Andrew; HORNER, Victoria; DE WAAL, Frans B. M. Conformity to cultural norms of tool use in chimpanzees. Nature, v. 437, p. 737-740, 29 Sept. 2005.
  • WHITEN, Andrew; HORNER, Victoria; MARSHALL-PESCINI, Sara. Cultural panthropology. Evolutionary Anthropology, v. 12, n. 2, p. 92-105, 7 Apr. 2003.
  • WHITEN, Andrew; SCHICK, K.; TOTH, N. The evolution and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence from palaeoanthropology and primatology. Journal of Human Evolution, v. 57, n. 4, p. 420-435, Oct. 2009.
  • WRANGHAM, Richard W. A.; MCGREW, William C.; DE WAAL, Frans B.M.; HELTNE, Paul. (Ed.). Chimpanzee cultures Cambridge: Harvard University Press, Chicago Academy of Sciences, 2001.
  • WRANGHAM, Richard W. Chimpanzees: the culture-zone concept becomes untidy. Current Biology, v. 16, n. 16, p. 634-635, 22 Aug. 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2014
  • Aceito
    18 Jul 2016
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br