Open-access A representação dos Potiguara na Assembleia de Tapesserica (1645): estudo e tradução de um escrito indígena das Guerras do Açúcar

The Remonstrance of the Potiguara in the Tapesserica Assembly (1645): study and translation of an indigenous written document from the time of the Sugar Wars

Resumo

No final do mês de março de 1645, um grande grupo de indígenas Potiguara, ou brasilianos – como os neerlandeses se referiam aos indígenas aldeados da costa do Brasil e falantes do tupi –, se reuniu em assembleia no aldeamento de Tapesserica, Itamaracá. O objetivo dessa assembleia era múltiplo, incluindo o estabelecimento de câmaras indígenas e o debate sobre a lei de liberdade dos índios. A assembleia deliberativa resultou em um documento, uma representação, que foi entregue pessoalmente pelos Potiguara ao governo neerlandês, no Recife. O presente artigo tem por objetivo apresentar uma nova tradução da representação dos Potiguara, bem como analisar a reunião que resultou em um dos primeiros registros de assembleia indígena realizada no Brasil. Adicionalmente, serão exploradas as razões para sua organização e contextualizadas as relações indígenas-neerlandesas nas chamadas Guerras do Açúcar (1624-1654).

Palavras-chave
Assembleia indígena; Potiguara; Agência indígena; Escrita indígena; Brasil-holandês; Guerras do Açúcar

Abstract

In late March 1645, an impressive number of Potiguara, or Brazilians – as the Dutch called the Tupi-speaking natives of coastal Brazil –, gathered in the mission village of Tapesserica on Itamaracá. The assembly served multiple purposes, including the establishment of indigenous chambers (câmaras) and discussions regarding the law of native freedom. The deliberations culminated in a document known as the remonstrance, which the Potiguara personally delivered to the Dutch government in Recife. This article presents a new translation of the Brazilians’ remonstrance and offers an analysis of the Potiguara Assembly, recognized as one of the earliest recorded indigenous assemblies in Brazil. It explores the motivations behind its convening and examines its role in shaping indigenous-Dutch relations during the Sugar Wars (1624-1654).

Keywords
Indigenous assembly; Potiguara ; Native agency; Indigenous writing; Dutch-Brazil; Sugar Wars

INTRODUÇÃO

Em fins de março de 1645, em torno de 140 indígenas Potiguara provenientes de aldeias e aldeamentos de Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco reuniram-se em uma grande assembleia na aldeia Tapesserica. Localizada na Capitania de Itamaracá, alguns quilômetros costa adentro, Tapesserica ficava próxima de um afluente do rio Tracunhaém, denominado Guacaĩ, hoje designado de Acaú. O motivo de tal encontro dava-se pela necessidade de escolher representantes Potiguara para lidar com a administração da Companhia das Índias Ocidentais. Forjada no princípio da década de 1630, a aliança entre esses indígenas e os neerlandeses estava ameaçada por problemas que precisavam ser resolvidos de maneira a se evitar a dissolução dos acordos entre as partes e refrear a debandada e rebelião dos aliados nativos, que, insatisfeitos com a Companhia e atentos às movimentações dos portugueses – os quais preparavam uma insurreição –, partiam para os sertões e se levantavam contra os neerlandeses, como será visto adiante.

A assembleia e os debates nela ocorridos resultaram em um texto coletivo transcrito por um escrivão indígena de nome Clemente da Silva1. Essa representação continha resoluções formuladas e tomadas pelos indígenas presentes em Tapesserica e entregue aos membros do governo da Companhia no Recife, que posteriormente examinaram e deliberaram sobre as decisões dos Potiguara (Figura 1). O documento original com a representação não foi encontrado e não se sabe em qual idioma foi redigido. Restou, todavia, uma transcrição neerlandesa dessa representação que foi reproduzida em uma ata do governo neerlandês do Brasil. O escrito contém uma extensa lista de participantes do grande encontro, suas representações, na margem direita do manuscrito, e as respostas da Companhia das Índias Ocidentais, na margem esquerda, para os pedidos feitos pelos indígenas que tomaram parte na assembleia2.

Figura 1
A representação dos brasilianos.

Além de apresentar uma nova tradução da representação dos Potiguara, este artigo tem por objetivo analisar e contextualizar a assembleia que resultou nesse conjunto de representações, que, além de constituir um raro registro escrito dos indígenas da costa do Brasil, trouxe deliberações tomadas pelas lideranças de várias aldeias e aldeamentos vinculados ao governo neerlandês no Brasil. O texto é uma peça importante para o entendimento das Guerras do Açúcar (1624-1654). Constitui um dos capítulos mais instigantes das relações entre indígenas, portugueses, espanhóis e neerlandeses no século XVII, bem como a busca dos primeiros por autonomia e sobrevivência em tempos de conflito. Não é um documento de todo desconhecido. Foi referenciado várias vezes por quem se dedicou a estudar o período e as relações de indígenas com os neerlandeses (Elias, 2002, pp. 243-251, 2005, pp. 99-100; J. Mello, 2001, p. 220; Meuwese, 2003, pp. 180-182, 2012, pp. 170-171; L. Navarro, 2019, pp. 183-187; Schalkwijk, 2004, pp. 248-249; van den Tol, 2020, pp. 168-170)3. Contudo, nenhuma análise mais detida foi feita sobre o manuscrito, que sequer foi visto como um escrito efetivamente produzido pelos indígenas, numa negação explícita de sua agência4.

OS NEERLANDESES NO BRASIL (1624-1654)

Entre os anos de 1624 e 1654, os neerlandeses, por intermédio da Companhia das Índias Ocidentais, ocuparam largas porções territoriais no nordeste do Brasil. Essa companhia de comércio foi criada em 1621, durante as lutas de independência dos neerlandeses contra os espanhóis no que ficou conhecido por Guerra dos Oitenta Anos ou Revolta Neerlandesa (1568-1648). Como efeito colateral desse conflito, os neerlandeses estenderam essa contenda para fora da Europa e direcionaram esforços para enfraquecer a economia ultramarina que sustentava o império espanhol. Com esse propósito, neerlandeses buscaram abrir os portos coloniais espanhóis e portugueses para seu comércio, o que não podia ser feito de maneira pacífica. A princípio, eles estavam interessados em mercadorias como açúcar, pau-brasil e tabaco. Eram produtos que eles acessaram em período anterior ao levante contra os espanhóis por intermédio de redes de comércio que conectavam o Brasil aos Países Baixos, via Portugal (Boxer, 1965, pp. 21-25; Ebert, 2008, pp. 23-38; E. Mello, 2010, pp. 11-14; Miranda, 2020, pp. 192-193; Santos Pérez, 2016, pp. 149-154).

Integrado ao império espanhol em decorrência da crise de sucessão dinástica portuguesa (1580-1583), o Brasil tornou-se o alvo prioritário da ofensiva militar neerlandesa. Os embargos espanhóis ao comércio entre Brasil, Portugal e Países Baixos justificariam, para os neerlandeses, as operações de guerra organizadas a partir da criação da Companhia das Índias Ocidentais, seu principal instrumento de avanço em territórios luso-espanhóis na América e costa ocidental africana. O primeiro ataque dessa Companhia foi direcionado para a capital colonial do Brasil, Salvador, em 1624. Todavia, foi uma experiência efêmera. Expulsos em 1625, os neerlandeses passaram a se dedicar a atividades corsárias no Atlântico e no Caribe (Boxer, 1965, p. 21, 2004, pp. 32-38; Israel, 2002, pp. 58-60; Santos Pérez, 2016, pp. 149-154).

Ainda em 1625 e antes da rendição da Companhia em Salvador, uma frota sob o comando de Boudewijn Hendrikszoon deixou os Países Baixos com a intenção de levar reforços para o Brasil. Chegaram tarde demais para executar seu desígnio prioritário, o que os levou a dividir a frota e encaminhar objetivos atlânticos distintos. Uma parte foi para a costa ocidental africana, enquanto outra singrou para o Caribe com a intenção de capturar Porto Rico e criar uma posição permanente de ataque às frotas da prata que deixavam regularmente os territórios coloniais espanhóis. Antes de chegar ao Caribe, contudo, as embarcações neerlandesas precisaram aportar para cuidar de seus feridos e fazer aguada. Tinham feito uma longa e infrutífera jornada para Salvador. A parada foi feita ao norte da Capitania da Paraíba. Foi na Paraíba que a trajetória dos neerlandeses se cruzou com os Potiguara (Boxer, 2004, pp. 37-44; Hulsman, 2005, p. 53; E. Mello, 2010, pp. 39-41).

ANTES DA CHEGADA DOS NEERLANDESES

Cabe fazer uma pequena digressão sobre a história dos povos indígenas dessa porção costeira do Brasil nas décadas anteriores às investidas neerlandesas. É de comum acordo na historiografia que os Potiguara receberam bem os primeiros portugueses que chegaram na região, estabeleceram boas relações com eles e logo forjaram alianças que ruíram posteriormente em decorrência da exploração e da escravização de indígenas, direcionados intensivamente para as lavouras de cana-de-açúcar e extração de pau-brasil. A reação às investidas de portugueses resultou em guerras na costa do Brasil que estorvaram a fixação europeia e estenderam-se até o princípio do século XVII, quando foram feitas robustas ações militares para submeter indígenas das áreas setentrionais à Capitania de Pernambuco. Na segunda metade do século XVI, os conflitos alastraram-se de Itamaracá a Paraíba, tamanha era a amplitude e dificuldade luso-espanhola para dobrar a resistência de indígenas desses territórios e expulsar também os últimos bolsões de franceses que continuamente mantinham relações com os nativos dessas áreas. Uma vez resolvida a querela, ou ao menos enfraquecida a posição desses indígenas e dos franceses, os Potiguara acabaram firmando acordos com os portugueses (Brito, 2020, pp. 54-112, 173-239; Gonçalves, 2004; Hemming, 2007, pp. 245-272; Meuwese, 2011, pp. 197-198, 2012, pp. 95-96).

O aldeamento colonial virou o destino de muitos dos Potiguara que aceitaram a rendição nas guerras de conquista. Beneditinos, franciscanos e jesuítas estabeleceram aldeamentos com o intuito de educar, converter e preparar as populações indígenas da costa para o trabalho nas lavouras (Brito, 2020, pp. 226-237; Ferreira, 2022, pp. 86-94; Meuwese, 2012, p. 97). Nos aldeamentos, esses povos aprenderam sobre o funcionamento de instituições de europeus e suas vias de comunicação. A despeito da mediação dos religiosos nos aldeamentos coloniais, indígenas, principalmente as lideranças, encontraram formas de interagir com os poderes coloniais. Usaram sobremaneira uma importante ferramenta aprendida nos aldeamentos: a escrita. Escrever tornou-se parte da rotina de certos grupos e muitos dos principais tornaram-se mediadores de seus povos entre os não indígenas (Almeida, 2013, pp. 158-159; Almeida & Seijas, 2020, pp. 365-367; Barcelos & Neumann, 2022, pp. 49-62; Meuwese, 2003, p. 84, 2012, p. 135; Neumann, 2015, pp. 67-70). Esse é um importante aspecto que deverá ser retomado mais adiante, quando do debate sobre a Assembleia dos Potiguara em Tapesserica.

Contudo, nem todos os Potiguara restauraram ou mantiveram sua aliança com os portugueses. Muitos grupos encontraram refúgio no interior de terras da Paraíba e do Ceará (Brandão, 2010, p. 69; Brito, 2020, pp. 199-208; Ibáñez Bonillo, 2016, p. 157; Meuwese, 2012, p. 132). Outros povos indígenas firmaram aliança com franceses no Maranhão, no princípio do século XVII. De Pernambuco e do Rio Grande partiram forças para atacar a posição francesa ao norte do Brasil. Dessa tropa, deve-se destacar a participação de um grande contingente de Potiguara aliados dos portugueses, o que mostra como eles ficaram divididos entre si e forjaram alianças com portugueses e franceses. As guerras coloniais e as disputas de europeus misturavam-se com os conflitos internos dos povos indígenas da região que preexistiam à colonização (Cardoso, 2012, pp. 127-170; Brito, 2020, pp. 54-112; Ibáñez Bonillo, 2016, pp. 182-187; Hemming, 2007, pp. 245-272; Moreno, 2011).

Esse vai e vem nas alianças foi documentado pelos europeus e preexistiu em relação à chegada deles. Grupos da costa, como os Potiguara, fragmentavam-se com certa constância e faziam guerra entre si. Organizados em torno de aldeias autônomas, os Potiguara podiam manter relações pacíficas ou belicosas com outros Potiguara (Fausto, 1992, pp. 383-385; Hemming, 2007, pp. 245-272, 731; Monteiro, 2008, p. 978; Moonen, 2008, p. 3; Prous, 1991, p. 415)5. Residentes de aldeias distintas poderiam forjar alianças contra inimigos comuns para a defesa de um território ou simplesmente romper relações quando discordassem. Às vezes, esses rompimentos resultavam em confrontos e sectarismos. As aldeias da costa do Brasil não constituíam centro político para povos de um mesmo grupo. O poder era fragmentado e uma mesma aldeia poderia ter mais de uma liderança, que também podia levar a divisões em caso de desavença. Esse era um padrão sociopolítico de vários povos da costa falantes do Tupi. Eles podiam, contudo, colocar suas diferenças de lado para atuar em conjunto quando partilhavam de objetivos comuns (Fausto, 1992, pp. 383-384, 2010, pp. 75-78; F. Fernandes, 1963, pp. 320-327; Melatti, 2014, p. 155; Monteiro, 2008, pp. 982-986; Prous, 1991, pp. 415-416).

Uma liderança ou os líderes de uma aldeia podiam ter mais prestígio do que outros, mas nenhum deles detinha poder irrestrito. Decisões continuavam a ser tomadas pelo coletivo. As lideranças nas aldeias eram tipicamente concentradas nos mais velhos, experientes guerreiros e oradores habilidosos. Em tempos de guerra, as lideranças das aldeias podiam organizar conselhos de guerra na aldeia que incluíam membros de aldeias aliadas, de maneira a coordenar estratégias e ações futuras. Algumas lideranças poderiam se sobressair em tempos de guerra, assumindo posições de poder que não eram usuais em tempos de paz. Era um poder transitório e que se fosse mantido poderia resultar em divisões e no surgimento de novas aldeias. Lideranças tupi – e por extensão, potiguara – costumavam levar aldeias a novas divisões quando havia discordância (Clastres, 2013, pp. 212-231; Fausto, 1992, pp. 389-390; F. Fernandes, 1963, pp. 320-327; Monteiro, 2008, pp. 982-986; Perrone-Moisés, 2011, pp. 857-883; Perrone-Moisés & Sztutman, 2010, pp. 406-409)6.

Povos como os Caeté e Tabajara, conhecidos por suas interações com os Potiguara, e que viviam na costa de Pernambuco a Sergipe, também poderiam forjar alianças amplas e organizar assembleias e conselhos de guerra. Sabe-se muito pouco sobre esses eventos pela falta de fontes. Por outro lado, muito do que se sabe é uma informação com certa tendência a enfatizar guerra e fragmentação entre os povos indígenas, sem levar em consideração que a chegada dos europeus foi um importante fator de interferência nas relações entre indígenas7.

Alguns pesquisadores propõem que essas guerras e alianças constituíam elementos centrais da reprodução dessas sociedades. Contudo, as relações entre povos indígenas antes da chegada dos europeus não devem ser reduzidas somente ao prisma do conflito. No decorrer dos séculos XVI e XVII, e posteriormente, as relações poderiam manter-se tensas sobretudo quando exacerbadas pela colonização. É necessário sempre analisar cada contexto e a capacidade de cada povo em negociar, bem como averiguar o equilíbrio de poder existente e como isso iria interferir em cada região e grupos nela residentes (Fausto, 1992, pp. 383-384, 2010, pp. 75-78; F. Fernandes, 1963, pp. 320-327; Melatti, 2014, p. 155; Monteiro, 2008, pp. 982-986; Prous, 1991, pp. 415-416)8.

A presença europeia teve impacto suficiente para alterar as organizações políticas das populações indígenas e, depois de algumas décadas de interação, algumas lideranças passaram a adquirir ou tentaram obter mais poder do que o usual mediante acordos que os beneficiavam diretamente (Almeida, 2013, pp. 181-191; Monteiro, 2008, pp. 973-1023)9. Todavia, a manutenção das fraturas e divisões comuns a períodos antecedentes à chegada de colonos europeus mostra o peso da cultura política desses povos.

A ALIANÇA INDÍGENA-NEERLANDESA

Os Potiguara viram a chegada dos neerlandeses na costa da Paraíba em 1625 como uma oportunidade de desafiar a hegemonia luso-espanhola na costa, com quem travavam longa guerra desde o século anterior. Eles auxiliaram os neerlandeses que desembarcaram e os conduziram a ataques e pilhagem de colonos da região. Mas, ao contrário das expectativas dos Potiguara de algo mais duradouro, a gente da Companhia das Índias Ocidentais não estava ali para ficar e tinha ordens para cumprir outros objetivos. Os neerlandeses levantaram âncoras e singraram para o Caribe. Um planejamento de alianças futuras ou o receio de represálias fez com que alguns Potiguara se juntassem a eles. Um grupo de aproximadamente quinze indígenas embarcou na frota neerlandesa rumo ao Caribe, possivelmente atuando nas operações militares da Companhia em Porto Rico e de lá seguiu para os Países Baixos. Alguns deles foram referidos em fontes neerlandesas: André Francisco, Antônio Francisco, Antônio Paraupaba, Gaspar Paraupaba, Luís Gaspar e Pieter Poty (Gerritsz, 1628, p. 68; Hulsman, 2005, pp. 53-54; Laet, 1912, pp. 95-97; J. Mello, 2001, pp. 207-209; Meuwese, 2003, pp. 83-84, 2012, pp. 133-136; Teensma, 2009, p. 68).

Parte desses Potiguara retornou ao Brasil em 1631, um ano depois dos neerlandeses terem conquistado a capital da Capitania de Pernambuco, Olinda, e seu porto, o Recife, na segunda, e mais duradoura, tentativa da Companhia das Índias Ocidentais de ocupar espaços luso-espanhóis. Esses indígenas atuaram como guias, intérpretes e mediadores, negociando e atraindo indígenas para alianças com a Companhia (Boogaart, 1979, p. 523; J. Mello, 2001, p. 209; Meuwese, 2012, pp. 142-143).

Para expandir sua incipiente colônia e ganhar acesso ao interior, os neerlandeses tentaram dominar posições ao norte da Capitania de Pernambuco. Construíram inicialmente uma fortificação em Itamaracá para servir de ponta de lança para investidas na zona açucareira de Goiana e para o apoio de operações direcionadas para as capitanias da Paraíba e do Rio Grande. Contaram, já em 1631, com a ação de figuras como Antônio Paraupaba, que mediou negociações da Companhia com outros povos indígenas dessas capitanias do norte, a exemplo dos Tarairiú.

Inicialmente, houve relutância dos grupos indígenas não alinhados – ou frouxamente coligados – aos portugueses em forjar uma aliança com os neerlandeses. Estavam muito frescas na memória dos Potiguara a dura repressão dos portugueses pelo auxílio prestado à frota de Boudewijn Hendrikszoon e os ataques aos colonos da Paraíba, em 1625 (Meuwese, 2003, pp. 83-84, 2012, pp. 140-141). É dedutível que outros grupos souberam dos acontecimentos e mantiveram certa distância. Também era necessário averiguar a capacidade dos neerlandeses em se expandir e, principalmente, se manter no território. Esses indígenas faziam, portanto, uma leitura política da luta entre europeus para poder fazer alianças. A hesitação também se devia à atuação de lideranças indígenas aliadas aos portugueses, bem como à ação missionária. O avanço neerlandês, sem contar com essas forças locais, era lento.

A despeito da insegurança inicial dos indígenas em se aliar com os neerlandeses, foi com a ajuda dos aliados Potiguara e dos Tarairiú que a Companhia conseguiu, depois de algum tempo, mover-se com mais segurança pelo território das Capitanias do Norte. Povos da Paraíba, Itamaracá e Pernambuco fizeram acordos com os neerlandeses e atuaram junto com as tropas da Companhia, exercendo importante papel militar contra as forças luso-espanholas e seus aliados indígenas. A importância de Antônio Paraupaba cresceu junto com o avanço neerlandês na colônia. De intérprete e mediador, ele ascendeu a uma posição de maior proeminência e se tornou um dos principais agentes indígenas da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, junto com outro Potiguara, Pieter Poty (Bel & Françozo, 2023, pp. 10-12; J. Mello, 2001, pp. 212-214; Meuwese, 2003, pp. 13, 69, 2012, pp. 141-156).

O envolvimento dos indígenas nos projetos de portugueses, espanhóis e neerlandeses mostrou-se essencial para o sucesso da empresa colonial. Os indígenas buscavam fazer acordos que enxergavam como mais vantajosos para seus povos. Quando possível, eles escolhiam e negociavam de acordo com suas agendas. Isso levou a muitos confrontos entre indígenas e as autoridades coloniais. No caso específico das alianças forjadas entre os Potiguara e os neerlandeses, Paraupaba, Poty e outras lideranças indicaram, através de suas ações, que tinham planos distintos que não se alinhavam com os anseios dos neerlandeses. Conflitos emergiram e os acordos entre indígenas e neerlandeses precisaram ser reforçados e reiterados (Bel & Françozo, 2023, p. 14; Guzmán & Hulsman, 2016, p. 14; Krommen, 1997, pp. 61-65; J. Mello, 2001, pp. 216-220; Meuwese, 2012, pp. 163-172; Pompa, 2003, pp. 209-210; Raminelli, 2015, pp. 145-149).

A ASSEMBLEIA DE TAPESSERICA

A assembleia organizada pelos Potiguara em Tapesserica no ano de 1645 teve por origem as demandas por autonomia governativa, por melhoria de suas condições e pelo desejo dos neerlandeses em pacificar seus aliados nativos. A aliança entre os Potiguara e os neerlandeses não ficou livre de problemas e teve vários momentos de tensão e conflito ao longo dos anos. Uma vez solidificados os primeiros acordos com as populações indígenas, os neerlandeses não tardaram em promover a catequese, reunindo parte dos Potiguara e outros povos em aldeamentos controlados por predicantes calvinistas e comandantes europeus. Contaram, é claro, com a participação ativa de lideranças indígenas, sem os quais nada seria possível. Entre os aliados indígenas da Companhia, alguns gozavam de ampla autonomia e não tinham em suas aldeias predicantes e comandantes, a exemplo dos Tarairiú. Parte dos Potiguara manteve alguma autonomia e pôde contar com lideranças para mediar com a Companhia. Esses líderes, ou principais, precisavam, como de costume entre os povos da costa, conciliar desejos e fazer negociações internas para manter sua aliança com os neerlandeses. Indígenas de aldeias e aldeamentos foram continuamente mobilizados para as guerras da Companhia contra portugueses e espanhóis, com algumas exceções (J. Mello, 2001, pp. 216-236; Meuwese, 2003, pp. 227-231; Schalkwijk, 2004, pp. 207-227; Vainfas, 2009, pp. 150-161).

Muitos casos de maus-tratos surgiram no decorrer da relação entre comandantes europeus designados pela Companhia e os indígenas que viviam em aldeamentos. Transformados em mão de obra disponível para a gente da Companhia, muitos foram explorados e abusados. Escravização também entra na lista de queixas de indígenas contra os europeus, incidindo particularmente em áreas remotas do Brasil sob jurisdição da Companhia, mas longe dos olhos da administração colonial. As guerras contínuas no Brasil, e mesmo na África Ocidental, e a participação dos indígenas nelas se tornaram um grande fardo para os indígenas. Alguns começaram a fugir para os sertões. Mortes decorrentes de epidemias contribuíram igualmente para o estremecimento das relações entre indígenas e neerlandeses, causando queda populacional em aldeias e aldeamentos. Alguns povos tomaram ações de ruptura, revoltando-se e matando soldados das guarnições da Companhia no Ceará e no Maranhão (Guzmán & Hulsman, 2016, pp. 14; Krommen, 1997, pp. 61-65; J. Mello, 2001, pp. 216-220; Meuwese, 2012, pp. 163-166).

Ciente da escalada de tensões com o governo neerlandês local, lideranças indígenas, a exemplo de Paraupaba, passaram a planejar uma intermediação e negociação direta com a Companhia das Índias Ocidentais nos Países Baixos. Os neerlandeses no Brasil, por sua vez, autorizaram que esses indígenas viajassem para os Países Baixos. Em novembro de 1644, eles reuniram-se com os diretores da Companhia – os Senhores XIX – e receberam garantias de seu direito à liberdade e autogoverno, ainda que sob tutela neerlandesa. Não era a primeira vez, todavia, que as lideranças indígenas de vários grupos discutiam suas alianças com os neerlandeses. Há pelo menos dois registros prévios de ações semelhantes. O reforço das alianças e dos compromissos eram usualmente o principal desígnio de tais encontros. Havia também uma nítida movimentação política dos Potiguara, sobretudo de lideranças como Antônio Paraupaba, Pieter Poty e Domingos Fernandes Carapeba, para angariar mais autonomia política em relação ao governo neerlandês. Esse foi o contexto precedente da assembleia organizada em Tapesserica (J. Mello, 2001, pp. 218-220; Meuwese, 2003, pp. 171-183, 199, 203, 214-216, 2012, pp. 166-172).

Depois da realização da assembleia, os Potiguara entregaram aos membros do governo neerlandês no Recife, no dia 11 de abril de 1645, uma representação escrita com as demandas debatidas em Tapesserica. Em termos gerais, parte substancial das declarações girou em torno da necessidade de os neerlandeses respeitarem a lei de liberdade dos indígenas, emancipando, portanto, indígenas mantidos como escravos. Note-se que posteriormente Antônio Paraupaba pediu uma intervenção do governo neerlandês não apenas para os Potiguara, mas também em benefício de outros povos da costa – brasilianos, diga-se falantes do tupi e aldeados – e do sertão – povos Tapuia (J. Mello, 2001, pp. 211, 216-217; Meuwese, 2003, pp. 193; Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil, 3 jul. 1645). Tal pedido indicia a existência de uma articulação entre os indígenas do Brasil na elaboração de políticas para o bem comum. Os Potiguara também pediram autorização para realizar a fusão de aldeias e aldeamentos de Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Demandaram mais predicantes e mestres-escolas para os aldeamentos. A princípio, buscavam impulsionar a causa protestante entre os indígenas. Por fim, eles votaram e estabeleceram um sistema de autogoverno composto por três câmaras nativas em Itamaracá/Goiana, tendo a aldeia Tapesserica como sede, na Paraíba, com a aldeia Mauritia enquanto sede, e no Rio Grande, designando a aldeia Orange como sede. Cada sede teria jurisdição sobre outras aldeias e aldeamentos de suas respectivas capitanias (Figura 2; Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil, 11 abr. 1645b).

Figura 2
A representação dos brasilianos: representações 1, 2, 3 e 4.

Adicionalmente, os indígenas solicitaram a aprovação e o endosso dos principais – ou regedores – escolhidos por eles durante a assembleia. Foram apontados os nomes de Domingos Fernandes Carapeba, como regedor da câmara de Goiana, Pieter Poty, enquanto regedor da câmara da Paraíba, e Antônio Paraupaba, como regedor da câmara do Rio Grande (Figura 3). Os indígenas também selecionaram escabinos – vereadores – para atuarem nessas câmaras. Assim como no caso dos regedores, especificaram o nome de cada escabino selecionado para as câmaras indígenas e pediram ao governo neerlandês a confirmação de sua decisão (Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil, 11 abr. 1645c).

Figura 3
A representação dos brasilianos: regedores escolhidos.

Faz-se necessário tecer algumas ponderações adicionais sobre essas representações. Sobre a necessidade de respeitar a liberdade dos índios, cabe dizer que os neerlandeses regulamentaram uma lei para a liberdade dos indígenas em 1624 (“Concept van Regieringe...”, 1624; Meuwese, 2012, p. 130)10. Contudo, como os Potiguara destacaram em seu texto de 1645, os colonos a desrespeitavam, o que trouxe descontentamento e rebelião entre os indígenas. Podem ser encontradas nos registros do governo neerlandês no Brasil diversas referências a escravização de indígenas, bem como queixas contra administradores europeus dos aldeamentos coloniais pela exploração do trabalho e tratamento brutal dispensado aos aldeados. Em áreas distantes da sede da administração colonial, como o Ceará e o Maranhão, a escravização dos indígenas foi praticada amplamente, sendo inclusive liberada momentaneamente, haja vista a dificuldade de acessar escravizados de África. A própria Companhia comercializou indígenas entre os anos de 1641 e 1643, até que os desgastes com os aliados indígenas e as rebeliões de escravizados levaram a uma proibição formal do cativeiro e da comercialização de indígenas em abril de 1643 (“Concept van Regieringe...”, 1624; J. Mello, 2001, pp. 216-220; Meuwese, 2003, pp. 192-194). A despeito da formalização da proibição, a prática foi mantida, haja vista a representação produzida pelos Potiguara em Tapesserica e as queixas feitas por Antônio Paraupaba pouco tempo depois da assembleia, em julho de 1645. Já a fusão de aldeias e aldeamentos possivelmente estava atrelada ao severo despovoamento em decorrência de guerras e doenças que assolaram os indígenas na década de 1640.

Quanto às demandas por pastores e mestres-escola nas aldeias e aldeamentos, pode ter sido um pedido para facilitar o atendimento das outras demandas, cedendo mais espaço para os neerlandeses e lhes dando a percepção de que estavam controlando os indígenas. Pode ainda ser interpretado como um caminho encontrado pelas lideranças para conseguir mais comprometimento dos neerlandeses. Embora especulativa, essa interpretação tem por esteio a contínua movimentação política dos principais indígenas documentada ao longo dos anos em que se relacionaram com os neerlandeses.

Sobre o sistema de governança estabelecido pelos Potiguara, não parecia diferir daqueles dos Países Baixos e do Reino de Portugal, onde existiam sistemas de representação provincial e de câmaras com conselhos e magistrados. A própria Companhia implantaria nos territórios conquistados uma estrutura com câmaras de escabinos/vereadores que acomodava portugueses e neerlandeses (Luciani, 2012; Neme, 1971). Os Potiguara demandavam, portanto, um sistema de governo similar, com magistrados e juízes indígenas. Queriam eleger também regedores entre suas principais lideranças11. Ao contrário do sistema usado pela Companhia nas capitanias que ocupavam, apenas indígenas tinham assento nessas câmaras, o que demonstra o poder de negociação que os Potiguara possuíam. Uma razão para isso pode estar atrelada à dependência cada vez maior da Companhia às tropas indígenas, que atuavam sobretudo na defesa do interior do território e como parte central do exército flutuante, auxiliar da infantaria branca. Logo após a saída do antigo governador Johan Maurits van Nassau-Siegen, em meados de 1644, foram reduzidas as guarnições da Companhia no Brasil, decisão motivada por sérios problemas financeiros. Por outro lado, não devem ser postos de lado as referidas dificuldades que a administração neerlandesa no Brasil enfrentava com seus aliados indígenas (J. Mello, 2001, p. 220; Meuwese, 2012, pp. 170-172; Miranda, 2014, pp. 29, 50; Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil, 11 abr. 1645c). Nesse sentido, no dia da entrega da representação, 11 de abril de 1645, os membros do governo do Brasil confirmaram todos os pedidos e resoluções dos Potiguara, e o fizeram aparentemente sem nenhum questionamento amplo.

No dia seguinte à entrega da representação dos Potiguara, 12 de abril de 1645, Carapeba, Paraupaba e Poty foram confirmados como regedores das câmaras indígenas e fizeram juramento de fidelidade à Companhia. Carapeba recebeu ainda do Alto e Secreto Conselho uma carta de privilégio, tornando-se portador do compromisso dos diretores da Companhia para com os indígenas do Brasil. Os regedores foram aprovisionados para a viagem de volta para suas aldeias. Foram presenteados também com linho. Cada um dos capitães indígenas que acompanhava os regedores em viagem ao Recife, num total de 20 homens, recebeu “duas peças de oito” pelo custeio da jornada. O secretário da Companhia que fez o registro do episódio anotou ainda que todos partiram satisfeitos12.

Algumas reflexões adicionais sobre a representação e a assembleia de Tapesserica devem ser feitas. Embora o manuscrito contendo as representações dos Potiguara seja muito detalhado em relação às demandas dos indígenas e contenha também listas com os nomes dos participantes da assembleia, suas patentes, aldeias e aldeamentos de origem, não há qualquer informação sobre a coordenação do encontro. Não se sabe quem conduziu a assembleia e quem teve voz nos dias de duração do evento. Possivelmente, como visto em registros de não indígenas do século XVI, os principais indígenas, líderes, guerreiros e anciões respeitados devem ter conduzido as atividades em Tapesserica, conforme o costume dos Tupi (Brandão, 2010, pp. 286-287; Monteiro, 1994, p. 24). Adicionalmente, Johannes Listry, diretor dos brasilianos, pode ter tido um papel importante na assembleia, uma vez que, no manuscrito de 1645, ele aparece como o único neerlandês presente. O capitão de Tapesserica, Domingos Fernandes Carapeba, pode ter sido responsável pelo início das atividades e pela recepção daqueles que viajaram longas distâncias até Itamaracá. É seguro ainda afirmar que Antônio Paraupaba e Pieter Poty, que eram os principais mediadores entre os Potiguara e neerlandeses, também tiveram papéis centrais na assembleia, junto com Carapeba e Listry. A língua tupi deve ter sido dominante na assembleia de Tapesserica, mas não seria estranho que o neerlandês, o português e o espanhol também possam ter sido usados para a comunicação, assumindo que outros não indígenas estivessem ali presentes.

Além dos indígenas presentes que foram listados no texto da representação, os habitantes de Tapesserica, bem como de aldeias e aldeamentos vizinhos, podem ter participado da assembleia. Mulheres indígenas também podem ter atuado no evento, uma vez que era impossível receber tanta gente sem preparativos e organização das provisões, atividade feminina entre os povos da costa do Brasil. Deve ter levado semanas ou meses para organizar Tapesserica para a assembleia e seus habitantes certamente iriam querer receber bem os convidados, outra característica dos nativos do litoral (Farias, 2014, pp. 47-49, 57-63; F. Fernandes, 1963, pp. 78-80, 95-96; J. Fernandes, 2003, pp. 64-66, 2004, pp. 75-77; Melatti, 2014, pp. 107-109, 163-164).

Outro ponto importante de debate sobre a transcrição da representação é a autoria do texto produzido e entregue ao governo neerlandês no Recife. Infelizmente, o manuscrito original com a representação dos Potiguara levado aos conselheiros não foi localizado no arquivo da Companhia das Índias Ocidentais. Parte do texto reproduzido traz uma breve descrição do evento em terceira pessoa. Por outro lado, ao reportar as resoluções tomadas pelos Potiguara em sua assembleia, o secretário do Alto e Secreto Conselho, baseado no escrito que lhe foi entregue pelos indígenas, usou várias vezes a expressão “nossa nação” (onse natie), no lugar de “a nação deles” (Ata Diária do Alto e Secreto Conselho no Brasil, 11 abr. 1645e).

Podem ser encontrados no manuscrito diversos outros exemplos de que o material entregue era uma cópia do texto produzido pelos indígenas, vide “nós pedimos” (wij versoecken), “conforme nos foi prometido” (gelijck onsbeloft), “nós escolhemos essas pessoas” (wij hebben dese persoonengekos) e “assim feito e resolvido em nossa assembleia” (Aldus gedaen ende beslooten in onse vergaederinge) (Ata Diária do Alto e Secreto Conselho no Brasil, 11 abr. 1645f). Além dos pronomes pessoais e possessivos usados, o texto entregue contém as assinaturas de alguns capitães indígenas das aldeias, um endosso das decisões tomadas em Tapesserica. Como referido no começo desse artigo, um escrivão indígena, Clemente da Silva, também teve seu nome transcrito entre as assinaturas da representação (Figura 4). Silva deve ter sido o responsável por escrever as decisões e discussões da assembleia (Ata Diária do Alto e Secreto Conselho no Brasil, 11 abr. 1645d). Essas são informações que permitem afirmar que a representação transcrita na ata do governo neerlandês no Brasil compõe um raro escrito indígena.

Figura 4
A representação dos brasilianos: assinaturas de capitães de aldeia e do escrivão.

O idioma utilizado na peça original também pode ser tema de debate. É plausível que o texto da representação tenha sido produzido em neerlandês, já que seria o governo do Recife a receber o documento. Ademais, Paraupaba e Poty, presentes na assembleia, eram conhecidos por sua capacidade de ler e escrever neerlandês. Inclusive, pode-se especular que ambos foram autores da peça, mas não os únicos. O texto deve ser tomado como um escrito coletivo, discutido por todos os indígenas presentes na assembleia. Não por acaso, várias lideranças assinaram o manuscrito. Vale lembrar também que decisões políticas entre os Potiguara eram tomadas pelos grupos e suas lideranças.

Convém ainda enfatizar que a história das relações entre os Potiguara e os neerlandeses é rica em exemplos de escritos produzidos pelos indígenas. Alguns textos podem ser pensados como escritos indiretos, fruto de depoimentos colhidos de indígenas, a partir do filtro de quem perguntava e coletava informações específicas para a elaboração de mapas, planos e relatórios. A toponímia empregada e os detalhes da região e da vida dos povos encontrados nesses documentos são indicativos de um saber compartilhado pelos indígenas e materializado na escrita. Os europeus, assim, acabavam por registrar aquilo que os indígenas queriam fornecer, mesmo quando eles eram os que questionavam13. Outros textos são escritos pelos próprios indígenas, a exemplo de uma carta feita por Pieter Poty, em 1631. Nela, Poty informava ao governo neerlandês no Recife que recebera informações sobre as movimentações dos Tapuia no Rio Grande e seu desejo de lutar contra os portugueses. Um indígena de nome Maraca Patira teria viajado do Rio Grande a Pernambuco e feito a declaração para Poty, que então atuava como tradutor a serviço dos neerlandeses. Fazendo uma leitura política dos eventos no Rio Grande, Poty instou a Companhia a aproveitar o momento e a apoiar aquele povo de maneira a expulsar os portugueses daquela região14.

Os escritos indígenas das Guerras do Açúcar mais famosos são, sem dúvida, as cartas escritas em tupi trocadas entre os Potiguara Antônio Felipe Camarão, Diego da Costa, Diogo Pinheiro Camarão, Pieter Poty e Simão da Costa. São textos importantíssimos para o entendimento das relações entre os indígenas, seus conflitos internos, as transformações no decurso de quase um século e meio de interações com não indígenas, o seu envolvimento nas guerras luso-hispano-neerlandesas e a apropriação da escrita, uma ferramenta importante para se posicionar politicamente15.

Os últimos exemplos conhecidos de escritos indígenas vinculados às lutas entre portugueses e neerlandeses foram produzidos por Antônio Paraupaba. No começo de 1654, após a capitulação da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, Paraupaba deixou o Rio Grande rumo aos Países Baixos acompanhado de sua esposa, Paulina Paraupaba, e filhos. Domingos Fernandes Carapeba, igualmente ladeado por sua família, se juntou aos Paraupaba. Na Europa, as duas lideranças Potiguara tentaram empreender uma articulação política com a intenção de conseguir apoio para eles e seu povo no Brasil. Paraupaba escreveu duas representações aos Estados Gerais das Províncias Unidas nos anos de 1654 e 1656. Elas foram publicadas em formato impresso por Henricus Hondius em 1657, quando Paraupaba já tinha falecido (van den Tol, 2020, pp. 168-170; Hulsman, 2005, pp. 56-72; Souto Maior, 1913, pp. 174-178)16. Em outubro de 1654, Antônio Paraupaba escreveu uma carta para o Grande Pensionário da Holanda, Johan de Witt. Na missiva, redigida em neerlandês, Paraupaba demonstrava preocupação com sua família, que então residia numa ilha das Caraíbas sob controle neerlandês. Pedia, por fim, autorização para trazê-los aos Países Baixos. Trata-se do único manuscrito conhecido que foi assinado por Antônio Paraupaba17.

Antes de morrer, Paraubapa atuou militarmente numa unidade de cavalaria de uma guarnição da cidade de ’s-Hertogenbosch. Assim como Antônio, Carapeba também esteve a serviço dos neerlandeses na Europa. Ambos foram apontados para posições de oficiais, o que demonstra que mantiveram seu prestígio político e que suas habilidades militares ainda eram apreciadas. Com o tempo, as informações sobre ambos vão escasseando nas fontes. Paulina, viúva de Antônio Paraupaba, peticionou aos Estados Gerais pedindo ajuda para ela e os filhos após a morte de Antônio. Pode ser encontrada ainda, em uma lista de julho de 1668, uma informação da passagem de certo Mouris Peropaua (Maurício Paraupaba) por Nova Walcheren, colônia neerlandesa no Tobago. Além do nome, estropiado pelo escrivão, consta na lista o informe de que Mouris estava acompanhado da esposa, uma filha, sua mãe e uma irmã, com uma criança. Todos foram registrados como brasilianos. Possivelmente, trata-se de Paulina Paraupaba, do filho de Paraupaba e do restante da família tentando retornar para o Brasil ou simplesmente se reajustando a uma nova vida, muitos anos depois de deixarem o Rio Grande. Carapeba também seguiu para o Caribe. Em fins de 1656, Carapeba esteve por Guadalupe, colônia francesa. No começo de 1657, Carapeba peticionaria aos Estados Gerais para ir para Tobago, o que foi concedido (Meuwese, 2003, pp. 205-214; “Lista das pessoas que se encontravam na Nova Walcheren”, 5 jul. 1668).

A aliança entre os Potiguara e os neerlandeses há muito já havia sido desfeita. Nenhuma ajuda fora fornecida aos que ficaram no Brasil. Em 1654, muitos buscaram refúgio nos sertões, alguns deles foram perseguidos, mortos ou escravizados. Outros foram reincorporados em aldeamentos geridos por portugueses, mas isso é tema de outro debate18.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora os Potiguara tenham sido parcialmente bem-sucedidos em seus pleitos junto ao governo neerlandês, o período posterior à assembleia de Tapesserica seria problemático para os indígenas aliados à Companhia. Apenas dois meses depois da entrega da representação, eclodiu a rebelião dos colonos luso-brasileiros. A revolta traria a desorganização e a destruição de aldeamentos e impediria a planejada fusão de aldeias. Temendo as repercussões da guerra, muitos indígenas fugiram para o interior da colônia. Outros foram concentrados em espaços delimitados e remanejados no correr do conflito19.

A despeito da guerra e do esvaziamento das aldeias, Paraupaba permaneceu como regedor do Rio Grande até 1649, quando ele assumiu a posição de regedor dos indígenas do Brasil. Isso ocorreu por conta da vacância dos outros regedores. Pieter Poty foi capturado na segunda Batalha dos Guararapes, em fevereiro de 1649. Morreria como prisioneiro posteriormente. Já Carapeba perdera o posto ao ser banido temporariamente em decorrência de um assassinato que cometeu (Hulsman, 2005, pp. 54-55; Meuwese, 2012, pp. 172-180; Souto Maior, 1913, pp. 173-174). São desfechos que mostram os muitos percalços nas relações entre os Potiguara e os neerlandeses, com lideranças indígenas representando e negociando por seus grupos, embora mantendo aspirações pessoais, ao mesmo tempo que tentavam manter mobilizados os povos das aldeias e aldeamentos para uma guerra que afetava diretamente seus destinos.

Episódio praticamente obscuro na história das Guerras do Açúcar, a Assembleia de Tapesserica é fonte essencial para o entendimento das relações entre indígenas e europeus. Mesmo que as deliberações tomadas na assembleia precisassem da chancela do governo neerlandês no Brasil, é possível perceber que o texto entregue carregava as decisões políticas e desígnios dos Potiguara e de suas lideranças, bem como anseios por autogoverno e protestos contra a escravização de indígenas. Sobre as lideranças, cabe dizer que elas ascenderam no decurso da guerra e foram delegadas por seus pares por sua capacidade de articulação e prestígio, o que guarda similaridade com estruturas sociopolíticas de tempos anteriores. Outro elemento que serve para o estudo da história desses povos advindo desse documento é o próprio escrito. Registro raro, constitui prova do aprendizado de indígenas nos aldeamentos coloniais e da sua capacidade de negociação – em termos nem sempre equilibrados – em momentos de guerra e destruição.

A análise da representação permite que os historiadores avancem sobre diversos temas da história dos povos indígenas do Brasil, em específico os Potiguara e outros grupos que interagiram entre si e com portugueses e neerlandeses nas zonas onde incidiram as Guerras do Açúcar. Trata-se de um período rico em fontes, no qual foram produzidos os primeiros textos de autoria indígena conhecidos. Ademais, vislumbram-se, a partir de tal fonte, dados que permitem avançar a compreensão do funcionamento dos aldeamentos coloniais, as jornadas de trabalho e os conflitos decorrentes da exploração dos indígenas enquanto mão de obra. Detalhes como localização, lideranças, mediadores, estrutura governativa, capacidade de mobilização e deslocamentos são apenas alguns dos tópicos possíveis de desdobramento. Por fim, a representação dos Potiguara serve de fonte para o estudo da escravidão indígena, tema cujo debate ainda é insipiente para esse espaço e período da história.

A TRADUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DOS BRASILIANOS

Como referido, o registro da assembleia de Tapesserica é um documento conhecido dos pesquisadores, embora pouco explorado. As informações contidas foram pinçadas, mas nunca analisadas em sua integralidade. A tradução do documento, feita por Souto Maior, e publicada algumas vezes ao longo dos anos, tem problemas e por isso justifica-se uma nova tradução. Gonsalves de Mello já tinha percebido e apontado a necessidade de ajustes na tradução feita por Souto Maior, em “Tempo dos Flamengos” (J. Mello, 2001, p. 220). Das discrepâncias encontradas em relação ao manuscrito, deve-se apontar a transcrição inexata de várias letras de nomes de indígenas e de aldeias, a ausência pontual de nomes e sobrenomes dos participantes da assembleia e algumas liberdades na tradução sem a devida explanação, ou mesmo equívocos de interpretação. Souto Maior deixou ainda de traduzir parte de uma ata do governo neerlandês no Brasil, datada de 12 de abril de 1645, muito conectada aos eventos de Tapesserica. Deve-se reforçar que o manuscrito é uma transcrição feita pelo secretário do Alto e Secreto Conselho da representação entregue pelos brasilianos ao governo no dia 11, cujo texto original não foi encontrado até o momento.

O texto transita entre uma descrição na terceira pessoa do plural, empregando, por exemplo, ‘os brasilianos’ (de brasilianen) – nas resoluções que o governo neerlandês tomou em resposta aos pedidos dos indígenas e na descrição da entrega da representação –, e a transcrição das demandas dos indígenas, na qual se faz uso de pronomes da primeira pessoa do plural do caso reto e oblíquo, ‘nós’ e ‘nos’ (wij e ons), e o pronome possessivo na primeira pessoa do plural, ‘nossa’ (onse).

Optou-se por uma tradução com menos intervenções ou pelo menos indicando as modificações com colchetes e desenvolvendo as abreviaturas, embora sem indicar a parte omitida das últimas. Também foi feita pontuação, usualmente ausente em textos do período. O objetivo dessas mudanças foi melhorar a fluidez do texto. Trata-se de uma tradução semidiplomática que eliminou dificuldades paleográficas, desenvolvendo-se abreviaturas, inserindo palavras, letras, pontuação e acentuação parcial do manuscrito, conduzindo, dessa forma, para uma melhor interpretação do documento em estudo. Em alguns casos, optou-se por inserir notas de rodapé que adicionem informações de relevância que não constam no artigo introdutório ou que explicam a tradução feita e a distinção com a versão de Souto Maior. Os nomes citados foram mantidos conforme o original. No caso dos nomes repetidos ao longo do manuscrito, manteve-se a variação de grafias. Também foi mantida, dentro do possível, a estrutura e a organização do manuscrito, que divide o texto em duas colunas.

Tradução integral anotada da transcrição da Representação dos Brasilianos de 1645 que consta na Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil20

[Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil]

Terça-feira, 11 de abril de 1645

Presentes [na reunião] os Senhores [Hendrik] Hamel21 e [Adriaen van] Bullestrate22. Apresentaram-se na reunião do Conselho um grande número de brasilianos de todas as aldeias desta conquista e [nos] entregaram essa representação escrita, pedindo que [nós] pudéssemos deliberar e tomar resolução favorável [a seus pleitos], razão [pela qual] foi [decidido] hoje sobre o mesmo, conforme apostilado na margem. Representação23 dos brasilianos24.   Nome das pessoas que se reuniram em assembleia na aldeia Tapisserica:   [fólios 34 e 35] 1. Domingos Fernandes [Carapeba], capitão na Aldeia Tapesserica; 3. Vincento Rodrigus, capitão na Aldeia Tabucurama;   Manoel Goarajuba, adjunto. Joannis Goacaranio Cunha, adjunto. 4. Antonio Paraupaba, capitão na Aldeia Miagoaij; 2. Mattheus Monteiro, capitão na Aldeia Tapezerica; Antonio Itacuruba, adjunto 25 . Jorge Taguacutibi, adjunto. 5. Francisco Vieira, capitão na Aldeia São Miguel;
Martim Vaz, adjunto, e o antigo Capitão Francisco Barbosa.6. Thome Camelo, capitão na Aldeia Nassau;Domingos da Costa, adjunto.7. Andre de Sousa, capitão na Aldeia Carace;Andre Dias, adjunto.8. Henrique Fernandes, capitão na Aldeia Vrutaguaij;Bastião Lopes, adjunto.9. Jorge Camelo, capitão na Aldeia Mauritia;Baltasar Guearibi, adjunto.10. Diogo Botelho, capitão na Aldeia Marituba26;Henricque Petapiras, adjunto.11. Michiel Nicolao, capitão na Aldeia Mauritia;Fernando Apicaba, adjunto. 12. Pedro Potim, capitão na Aldeia Miÿajereba;Gaspar Cararu, adjunto.13. Bastião de Andrado, capitão da Aldeia Mupebu;Rodrigus Jaguapucu, adjunto.14. Diogo Pais Buto, capitão na Aldeia Araunum;Manoel Itarema, adjunto.15. Jeronimo Coelho, capitão na Aldeia Araunum;Jeronimo Caragoatogoara, adjunto.16. Francisco Peipij, capitão na Aldeia Jaragoa;Antonio Tuearobij, adjunto.17. Antonio Pacheco, capitão na Aldeia Jaragoa;Antonio Agapehoba, adjunto.18. Symão Garapepotinga, capitão na Aldeia Pontado.19. Jorge Caldeiro, capitão na Aldeia Tapua.[fólio 36]
20. Joao de Alburquerque, tenente na Aldeia Igoaragau. 6. Gaspar Soler, tenente na Aldeia Sint Michiel;Martinho Rodrigus, alferes. Esses acima são os capitães das aldeias no Brasil. 7. Joannes Micacoara, tenente na Aldeia Nassau; Feito em 30 de março do ano de 1645. Fernando Mamaluco, alferes. Seguem seus tenentes e alferes: 8. João Tigi, tenente na Aldeia Carace; Jorge Facam, alferes.   9. Belchior Pereira, tenente na Aldeia Mauritia; 1. Paulo Bernardo, tenente na Aldeia Tapezerica; Fernando Panama, alferes. Diogo Taxama, alferes. 10. João Tagoatajuba28, tenente na Aldeia Mauritia; 2. Alvaro Correa, tenente na Aldeia Tapezerica; Pantalião Parapuama, alferes. Gaspar Francisco, alferes. 11. Marcal Setimapirange, tenente na Aldeia Nutaguij; 3. Domingos Rodrigus, tenente na Aldeia Taperica; Andre Dias, alferes. Andre Gonsalves, alferes; Lourenço da Silva, alferes. 12. Baltasar Lopes, tenente na Aldeia Miagereba; 4. Domingos Fereira, tenente na Aldeia Tabucurama; Cosmo da Silva, alferes; Antonio da Costa, alferes. Pedro Caracanha, alferes. 5. Joseph de Britto, tenente; 13. Alexander Jacybobij, tenente na Aldeia Monbebu; Vincento da Silva, alferes 27 . Domingos Guiratioba, alferes. 14. Francisco Monteiro, tenente na Aldeia Araunum; Feito em 30 de março de 1645. Francisco Migaogoara, alferes.   15. Antonio Cunhatam, tenente na Aldeia Jagoa; Seguem os nomes dos conselheiros e adjuntos: Josep Jaragoa, alferes.     Andre da Rocha, conselheiro na Aldeia Tapezerica;   [fólio 37]
1. Joannes Goacaramacanha, adjunto [na Aldeia Francisco Agoape, idem; Tapezerica]; Symao Tajatiba, idem; Luis Mojijacij, idem; Francisco Meira, idem. Joannes Tibiuma, idem;   Vincente Abatique, idem; 5. Martinho Vaz, adjunto na Aldeia São Miguel; Santiago Gagoacupotina, idem; Marial do Barco, idem; Diogo Garagetuba, idem; Paulo Tinga, idem. Vincento Paranaobij, idem.     6. Domingos da Costa, adjunto na Aldeia Nassau; 2. Jorge Itagoacutiba, na Aldeia Tapezerica, adjunto; Cosmo Supuca Pacuya, idem; Miguel Maragapa, idem; Marcal Manica, idem. Paulo Coacaparema, idem;   Francisco Vrusa, idem; 7. Andre Dias, adjunto na Aldeia Carace; Damiao Jagues, idem; João Dias, idem; Manoel Ibauma, idem; Xfolão Goragocugaija, idem; Francisco Guraparaigma, idem. Vincento de Araujo, idem;   Francisco Comandaroba, idem; 3. Manoel Goarajuba, adjunto na Aldeia Tapicurama; Paulo Bejuapara, idem; João Gregoria, idem; Jorge Sacambij, idem; Pedro Teixeira, idem; João Icuparana, idem; Martin Tapiÿruça, idem; Francisco Sacoatara, idem; Francisco Acaraguira, idem; Alvaro Juranuna, idem; João Murucuyaoba, idem; Baltasar Gueraiba, idem. Symão Paragoaijara, idem;   Mattheus Taberaboa, idem; 8. Bastião Lopes, adjunto na Aldeia Mauritia; Gaspar Sariba, idem; Tilipe Teixera, idem; Domingos Yegoacaba, idem. Henricque Pitapiranga, idem;   Fernando Apicaba, idem; 4. Antonio Ytacuruba, adjunto na Aldeia Miogoas; Miguel Nucunaoba, idem. Pedro Parana, idem;     [fólio 38] 9. Bastião Lopes, adjunto na Aldeia Vrutaguij;   Symaõ Amanarepe, idem.       10. Gaspar Cararu, adjunto na Aldeia Miageriba;   Domingos Piritagoarij, idem;   Simão Gurapepotinga, idem;   Paulo Misape, idem;   João Babtista, idem;   Pedro Vaterino, idem;   Marial Hunbanhaobij, idem;   Thome Abatiguira, idem;   Francisco Canhanima, idem; Segue a representação apresentada pelos brasilianos aos Luis Acajuaiuba, idem; Nobres Senhores Alto Conselheiros e apostilado que se João de Albuquerque, idem. segue à margem:     11. Rodrigus Jaguapacu, adjunto na Aldeia Monpebu;   Symão Piraroba, idem;   Domingos Goarure, idem.       12. Manoel Ibarema, adjunto na Aldeia Aranum;   Mercus Peris, idem.       13. Jeronimo Caragoatagora, adjunto na Aldeia Araum;   Felipe Myquijtijra, idem.       14. Antonio Agoapehoba, adjunto na Aldeia Jaragoa;   Francisco Ijegoacaba, idem.       Feito em 30 de março de 1645. [fólio 39]

Primeiramente nós29 apresentamos as cartas que nos foram dadas pelos Nobres Senhores XIX na Holanda, datadas de 24 de novembro de 1644, em Amsterdã, referente a liberdade que nos foi concedida, assim como a outros moradores do Brasil.

[Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     Todos os brasilianos sob nossa jurisdição devem receber liberdade irrestrita. E alguém que tenha algum [brasiliano] sob sua posse, deve libertá-lo imediatamente. E se alguém não cumprir isso, eles deverão ter seu nome submetido ao [Alto e Secreto] Conselho, que se encarregará de providenciar [a libertação]. 1. Vossas Nobrezas concedam a liberdade acima referida e a coloque em execução para que alguns de nossa nação, que ainda são mantidos escravos, possam ser libertados.     [Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     O [Alto e Secreto] Conselho aprova essa fusão das aldeias. 2. Os capitães e adjuntos das aldeias no Rio Grande aprovaram que o Capitão Antonio Pacheco e Francisco Peijpij, capitão na Aldeia Jaragoa, se reúnam com todos os seus subordinados na Aldeia Mompebu e [que] lá sigam o capitão Sebastião de Andrado e [que] cada um governe o seu povo30.     [Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     O mesmo a respeito da fusão das aldeias Pontado e Goaragoaij 3. Na Paraíba, as aldeias Pontado e Goaragoaij devem se juntar e cada [capitão] governar seu povo.     [Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     O mesmo também para essa proposta. 4. Martinho Vaz, Francisco Barbosa e outros adjuntos da Aldeia São Miguel concordaram em se unir na Aldeia Nassau   [fólio 40]   e ficar [lá] com os outros por seis meses, para, nesse interim, poderem beneficiar suas roças.
[Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     Nós não deixaremos de implementar a proposta de fusão das aldeias, fornecendo-lhes, tanto quanto possível, pregadores ou mestres-escolas faltantes, confiando que estes últimos se comportarão com o devido respeito em seus cargos. 5. Nós 31 pedimos humildemente que Vossas Nobrezas nos forneça os predicantes e mestres-escolas necessários, conforme nos foi prometido pelo Nobre Conselho dos XIX em sua carta. No que nos diz respeito, não deixaremos de cumprir nosso devido dever em tudo, sem qualquer falha.     [Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     [Nós] consentimos que as três Câmaras solicitadas sejam erguidas nas aldeias Tapiserica, Mauritia e Araum, e que as respectivas aldeias nomeadas nesta relação lhes fiquem subordinadas. 6. Para melhor comodidade de nossa nação e povo, nós pedimos humildemente a Vossas Nobrezas que possam ser fundadas três câmaras, a saber:       Que nesta capitania possa ser mantida [como] câmara a aldeia Tapezerica, sob as quais estarão sujeitas as aldeias Itapeserica, Tapucurama, Carace, Miagoaij, Vrutagua, Sam Miguel e Nassau.       A segunda câmara será mantida na Capitania da Paraíba, na Aldeia Mauritia, e as seguintes aldeias [lhes] deverão estar sujeitas, Mauritia, Miarijeriba, Pontado, Goaragoaou e Tapua.       [fólio 41]       [margem direita do manuscrito; representação dos brasilianos]       A terceira câmara, na Capitania do Rio Grande, será mantida na Aldeia Araum, em Goiana [sic]32. Sob essa Câmara estarão subordinadas as aldeias Pirari, Jaragoa e Bopeba.
[Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     Da mesma forma, [nós] aprovamos a eleição feita das três pessoas propostas como regentes de suas nações nas três respectivas capitanias 7. Em relação as câmaras da nossa nação, é muito necessário e vantajoso que para cada capitania seja apontado um principal de nossa nação para governá-las, a saber:       1. Na Capitania de Goiana e no seu distrito, Domingos Fernandes Carapoha.   2. Na Capitania da Paraíba, Pedro Potim.   3. Na Capitania do Rio Grande, Antonho Paraupaba.       Nós33 escolhemos essas pessoas dentre as mais honestas e sabias de todas as aldeias, e pedimos, por favor, que Vossas Nobrezas confirmem os mesmos.       Os seguintes nomes de pessoas foram nomeados como escabinos na assembleia34:       [fólio 42]       Para a primeira câmara, em Goiana:     Eleitos [na Aldeia Tapeserica] Aldeia Tapeserica     Andre da Rocha, Andre da Rocha, Paulo Bernardo, Palo Bernardo, Laurenco da Silva e Joannes Juiaira, Baltasar Morin. Andre Cahapara,   Santiago Jagoamcu,   Lourenco da Silva,   Jeronimo Lui,   Andre Gonsalvo,   Damião Jaco,   Damião Rodrigus,   Baltasar Morin. [Eleitos na Aldeia Tapucurama] [Aldeia] Tapucurama     Domingos Fereira, Domingos Fereira, João Gregorio. João Gregorio,   Manuel Guarajuba,   Martinho Tapurucu,   Francisco Acaraquira,   Pedro Texeira.         [Eleitos na Aldeia Carace] [Aldeia] Carace     Francisco Sacataca, Alvaro Fragosa, Alvaro Jacob. Francisco Sacataca,   Alvaro Jacob,   Vincento d’Aranje,   Francisco Comandaroba,   Manoel Guaijumij.     [Eleitos na Aldeia São Miguel] [Aldeia] São Miguel     Marcos do Barco, Marcos do Barco, Domingos da Costa. Paulo Timga,   Damião da Costa,   Pedro Parama,   Francisco Agoape,   Domingos da Costa.       [fólio 43]     [Eleitos na Aldeia Vrutaguij] Aldeia Vrutaguij     Antonio Abotioba, Bastião Lopes, Antonio Morirebira. Sijmão Amanariapa,   Marcal Setimapiranga,   Andre Dias,   Antonio Abotioba,   Antonio Moxirebira. [Eleitos na Aldeia Miagoaij] [Aldeia] Miagoaij     Jorge da Silva, Antonio Soaris, Antonio Barbosa. Jorge da Silva,   Manoel Metarapua,   Antonio Barbosa,   Sijmão Taijatiba   Francisco Ararobij.       Para a segunda câmara, na Paraíba:     [Eleitos na Aldeia Mauritia] [Aldeia] Mauritia     Henrique Pirapinange, Henrique Pitapirange, Fernandos Gonsalvos. Miguel Mucunaboa,   Pantalião Pirapuama,   Fernandos Gonsalvos,   Vincento Rodrigus,   Antonio Repeta.     [Eleitos na Aldeia Mauricia] [Aldeia] Mauricia [sic]     Baltasar Queraiba, Baltasar Gueraiba, Andre Dias. Pantalião Pindova,   Andre Dias,   Bento Tomanomori,   Lourenco Mosso,   Gaspar Suasuba.   [fólio 44]     [Eleitos na Aldeia Miagereba] Aldeia Miagereba     Baltasar Lopes, Baltasar Lopes, Cosmo da Silva. Pedro Yeday,   João Tavares,   Pedro Valerino,   Domingos Piritugaij,   Cosma da Silva. [Eleitos na Aldeia Goaragoau] [Aldeia] Goaragoau     Antonio Samiragoane, Antonio Gurabacigia, Miguel Mandioca. Antonio Guiraparabij,   Antonio Samigraoare,   Miguel Yacuma,   João Mibortinga,   Miguel Mandioca.     [Eleitos na Aldeia Pontado] [Aldeia] Pontado     Francisco Comahima, Francisco Canhanima, Francisco Potim. Antonio Jacaregicaru,   Matheus Papacura,   Francisco Tapecoaba,   Mathias Comandoroba,   Francisco Potim.     [Eleitos na Aldeia Tapua] [Aldeia] Tapua     Fernando Gonsalvos, Fernando Gonsalvos, Gabriel Taraguaij. Pedro Soaris,   Vincento Pindobuca,   Cristofao Isipotiba,   Gabriel Taraguaij.       [fólio 45]       Para a terceira câmara, no Rio Grande:     [Eleitos na Aldeia Araunum] Aldeia Araunum     Gaspar Acacui, Gaspar Ajacui, Francisco Urupema, Francisco Mulato, Francisco Vaz, Francisco Urupema, Diogo Vhaetinga Antonio Oguedaba,   João Apijn,   João Guiratigoanga,   Miguel Jaguaracanga,   Miguel Jaguaracanga,   João Semboupira,   Paulo Ijbirajoba,   Antonio Guijceynba,   Francisco Vaez,   Diogo Nhaetinga.     [Eleitos na Aldeia Monpebu] [Aldeia] Monpebu     João Inabu, João Inabu, Domingo Urutijba. Pedro Maixa,   Antonio Guiratinga,   Domingos Urutijba,   João Vinagre,   Pedro Itahae.     [Eleitos na Aldeia Itaijpe] [Aldeia] Itaijpe     Baltazar Coibatinga, Francisco Aguacai, Mathias Sabijju. Antonio Maracapu,   Antonio Amarogucia 35 ,   Pedro Ferobebo,   Baltasar Coijbatinga,   Matthias Sabijna.   [fólio 46]     [Eleitos na Aldeia Ihapua] Aldeia Ihapua     Symon Pacamo, Symao Pacamo, Baltasar Tapicura. Baltasar Tapicura,   Manuel Sagrapuba,   Andre Duruca,   Symon Tiuera,   Antonio d’Aldmeida.     [Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     Faça-se. [8.] Thome Camelo e os outros cabeças da Aldeia Nassau expuseram que ela estava sem capitão, uma vez que seu capitão Luijs Pereira a abandonou e que, portanto, Francisco Vieira, morador na Aldeia São Miguel, possa ser nomeado capitão na referida Aldeia Nassau, o que nos parece muito bom 36 . [Nós] pedimos, portanto, que o mesmo possa ser aceito para esse fim.     [Apostilado da decisão do Alto e Secreto Conselho] [Representação dos brasilianos]     Faça-se. Uma vez que os habitantes das aldeias, sem a permissão de seus capitães, andem de uma aldeia para outra e se assentem em outros lugares, abandonando suas famílias e roças, o que causa grande ruína para as roças, diga-se, aldeias, nós 37 aprovamos, portanto, que todas as pessoas que abandonarem [as aldeias] sem licença sejam postas no tronco e, para este fim, enviadas presas para suas aldeias para que sejam punidas a critério dos Juízes das Câmaras.       [fólio 47]       [Representação dos brasilianos]       Para que possam ser confirmadas [e] para expor a Vossas Nobrezas [as deliberações] dessa nossa reunião e conselho, nós pedimos ao Senhor Comandante Johannes Lijstrij38.       Assim feito e resolvido em nossa assembleia, das pessoas subscritas na presença do Senhor Comandante Listrij em 3 de abril de 1645, foi assinado:     Domingos Fernandes, Francisco Viera, Vincento Rodrigus, Jorge Caldeiro, Antonio Parapugaba, João d’Alburquerque, Pedro Potim, Francisco Peijpij, Diogo Botelho, Thome Camelo. Mattheus Monteiro, Antonio Pacheco, Jorge Camelo, Henrique Fernandes, Simao Guirapepotinga, Jeronimo Coelho, Bastião d’Andrada, Andre da Sousa, Diogo Vaz, Miguel Nicolão.       Abaixo,       O escrivão Clement da Sijlva.       [fólio 48]

Tradução de trecho da Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil de 12 de abril de 164539

[Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil]

Quarta-feira, 12 de abril de 1645.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece aos pareceristas anônimos pela leitura atenta e pelas sugestões que permitiram aperfeiçoar os debates trazidos no texto. Agradeço também a B. N. Teensma e a J. Thielen por sanarem dúvidas que surgiram no processo de tradução do manuscrito. Por fim, agradeço aos pesquisadores P. Kewes, J. van der Meulen e P. Seward pelo convite para participar do workshop ‘Parliamentary Culture in Colonial Contexts, c. 1500 – c. 1700’, ocorrido no Jesus College, Oxford University, em setembro de 2023. Parte das discussões feitas no evento foram fundamentais para a produção desse artigo.

  • 1
    No original, Clement da Sijlva. Vários nomes registrados nesse documento são nomes portugueses ou híbridos de português e tupi. Podem ser encontrados ainda alguns poucos primeiros nomes híbridos de neerlandês e tupi. Esses são indicativos da passagem desses nativos por aldeamentos administrados por religiosos católicos e calvinistas, seu batismo e do próprio processo de metamorfose pelo qual passavam esses indígenas que viviam entre os mundos cristão e indígena.
  • 2
    O manuscrito contendo os registros da Assembleia de Tapesserica pode ser encontrado em uma Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil, depositada no Arquivo da Velha Companhia das Índias Ocidentais: Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil (11 abr. 1645a).
  • 3
    A primeira tradução dos registros da Assembleia de Tapesserica foi feita por Souto Maior (1910, pp. 61-77). Três anos depois, ele a republicou na obra intitulada “Fastos pernambucanos” (Souto Maior, 1913, pp. 160-172). Uma tradução parcial desse documento está disponível em Pereira da Costa (1952, pp. 195-200).
  • 4
    Ainda que não tenham detidamente analisado o manuscrito, alguns poucos pesquisadores reconheceram a participação direta dos indígenas na elaboração da representação – e não necessariamente a autoria do texto (Cf. Meuwese, 2003, pp. 180-182, 2012, pp. 170-171; L. Navarro, 2019, pp. 183-187; van den Tol, 2020, pp. 168-170). O uso do termo ‘agente’ ou ‘agência’, conforme sintetizou Monteiro (1995, pp. 226-227), é referência direta a uma “... ação consciente – agency, em inglês – dos povos nativos enquanto sujeitos da história, desenvolvendo estratégias políticas e moldando o próprio futuro diante dos desafios e das condições do contato e da dominação”.
  • 5
    Para fontes europeias sobre os Potiguara, que basearam as análises de parte dos pesquisadores, cf. Brandão (2010, pp. 69, 75), Knivet (1906, pp. 246-248), Anônimo (2010), Salvador (2010) e Sousa (2000, pp. 16-19).
  • 6
    Para uma visão crítica dos Tupi enquanto sociedades fraturadas, cf. Agnolin (2022) e Fujimoto (2016).
  • 7
    A interpretação sobre as causas e funções da guerra entre os povos Tupi (Tupinambá) mais conhecida foi feita por F. Fernandes (2006), que se baseou sobremaneira em relatos europeus do século XVI. Para uma nova perspectiva da guerra entre os povos Tupi, cf. Fujimoto (2016) e Monteiro (2008, pp. 986-989).
  • 8
    Para o conceito de equilíbrio de poder entre indígenas e não indígenas e sobre como isso afetava as relações entre eles, cf. Zandt (2008).
  • 9
    Para a transformação sociopolítica dos Potiguara e dos Tabajara ao longo dos séculos XVII e XVIII, cf. Raminelli (2011, pp. 47-67) e Vieira (2011, pp. 69-90).
  • 10
    Uma tradução desse regulamento pode ser encontrada em “Regimento do governo das praças...” (1886).
  • 11
    Na representação, os Potiguara usam o termo ‘principal/cabeça’ (hooft), enquanto o escrivão da Companhia escreve ‘regedor/regente’ (regent) no apostilamento que fica na margem. De acordo com Hulsman (2006, p. 51), regedor correspondia a “. . . uma posição municipal na administração colonial Portuguesa, instituída pelo governo Espanhol. Os regedores originalmente representaram a população local, como os ‘escabinos’, vereadores neerlandeses. . .”. O autor diz ainda que em fins do século XVI o cargo tornou-se vitalício.
  • 12
  • 13
    Nesse sentido, confira as declarações de Gaspar Paraupaba e outros Potiguara que viajaram para as Províncias Unidas em 1625 (Bel & Françozo, 2023, pp. 20-53).
  • 14
    Ver Poty (ca. 1631). Uma tradução dessa carta para o inglês pode ser encontrada em Bel e Françozo (2023, pp. 71-73).
  • 15
    Ver os documentos: D. Camarão (21 out. 1645a, 1645b); A. Camarão (19 ago. 1645; 4 out. 1645a, 1645b); Costa (17 out. 1646). Pieter Poty respondeu a Antônio Felipe Camarão e a Diego da Costa (Poty, 31 out. 1645). O conteúdo de sua resposta é conhecido de uma tradução do tupi para o neerlandês. A original em tupi não foi encontrada. Para as traduções dessas cartas em tupi e em neerlandês, cf. E. Navarro (2022), Cerno e Obermeier (2013), Montserrat et al. (2020) e Souto Maior (1913, pp. 149-156).
  • 16
    A informação sobre a partida de Paraupaba do Rio Grande rumo aos Países Baixos é proveniente do diário de um soldado dinamarquês que estava no Rio Grande, em 1654 (Teensma et al., 2016, p. 104).
  • 17
    Ver Paraupaba (30 out. 1654). Os debates concernentes à carta escrita por Antônio Paraupaba e sua tradução foram tema de um artigo produzido por Miranda et al. (2024).
  • 18
    Um assunto emerge a partir do debate sobre a assembleia dos Potiguara: a dependência que os neerlandeses tinham de aliados indígenas em seus espaços coloniais e a consequente coexistência e interferências em governos nativos. Não seria apenas no Brasil que os neerlandeses interagiram e interferiram na vida de populações indígenas. Um caso emblemático é verificado nas relações entre os neerlandeses e os Siraya, um dos vários povos indígenas da ilha de Formosa. Na década de 1620, a Companhia das Índias Orientais se estabeleceu em Formosa com o objetivo de erigir uma base que facilitasse o acesso ao comércio de seda, porcelana e chá. Era um espaço de disputa entre indígenas, chineses, japoneses, espanhóis e portugueses, encravado no caminho de importantes rotas comerciais (Gaastra, 2003, pp. 53, 57; Hauptman & Knapp, 1977, pp. 175-181). As relações dos neerlandeses com os Siraya foram inicialmente centradas no comércio de peles de veado. A intensificação da caça, a disputa com colonos chineses, além de guerras internas trouxeram muitos problemas para os Siraya. Até a década de 1650, os neerlandeses estenderam seus domínios sobre uma ampla quantidade de aldeias Siraya, administrando-as indiretamente com capitães indígenas cooptados e apontados pela Companhia. Adiante, passaram a contar com a participação de predicantes calvinistas em aldeias Siraya. Esforços para a catequese resultaram na alfabetização de crianças Siraya e até mesmo no envio de indígenas para os Países Baixos com o intuito de educá-los e transformá-los em mediadores entre os povos indígenas da ilha (Chiu, 2007, pp. 205-206, 214-235; Hauptman & Knapp, 1977, pp. 177-179). Antes da chegada dos neerlandeses, parte dos Siraya se organizava em aldeias independentes governadas por anciões e guerreiros que não tinham poder centralizador sobre aquelas comunidades. Os Siraya se reuniam em assembleias para deliberar sobre políticas comuns ao seu povo e podiam forjar alianças entre si para derrotar inimigos comuns, incluindo os provenientes de outras aldeias Siraya (Andrade, 2008, pp. 36-39; Meulen, 2023). Com a ampliação da influência neerlandesa na ilha, aldeias Siraya foram incorporadas na jurisdição da Companhia e passaram a ter suas assembleias organizadas em fortificações neerlandesas. Eram encontros supervisionados e arbitrados por representantes da Companhia (Andrade, 2008, p. 38; Meulen, 2023; Hauptman & Knapp, 1977, pp. 177-178). Nas décadas de 1650 e 1660, os Siraya e outras populações indígenas da ilha estiveram divididos entre o auxílio militar a chineses e neerlandeses, bem como envolvidos em confrontos internos pré-existentes à colonização. A experiência neerlandesa em Formosa foi findada com o avanço do Império chinês na ínsula. A luta pelo controle de Formosa levou, após vários confrontos, à rendição das guarnições da Companhia em 1662 (Andrade, 2011, pp. 284-302; Hauptman & Knapp, 1977, p. 178). Trata-se de um caso entre vários outros que merecem um detalhado estudo comparativo.
  • 19
    Temendo fugas, a Companhia agrupou e isolou indígenas dos aldeamentos de Goiana na ilha de Itamaracá e posteriormente os desterrou para o Rio Grande. Os indígenas de aldeamentos da Paraíba e do Rio Grande foram concentrados e levados para próximo de fortificações da Companhia nessas capitanias (Hamel et al., 2004 [1646], pp. 219-220; Baro, 1979 [1647], p. 95).
  • 20
  • 21
    Hendrik Hamel foi comerciante e depois membro do Alto Conselho do Brasil entre os anos de 1640 e 1644. Foi apontado para atuar no Brasil em abril de 1640 pela Câmara de Amsterdã, da qual era membro. Chegou ao Brasil em agosto de 1640. Com o retorno de Johan Maurits van Nassau-Siegen para os Países Baixos, em meados de 1644, ele passou a compor a junta que governaria o Brasil até 1654. Sua atuação no Alto Governo, contudo, deu-se até agosto de 1646. Deixou o Brasil em 1647 (J. Mello, 2004, pp. 51, 198, 495).
  • 22
    Membro do Alto e Secreto Conselho do Brasil e do Alto Governo entre os anos de 1640 e 1646. De origem modesta, foi comissionado pela Câmara da Zelândia para atuar no Brasil em abril de 1640, chegando ao Recife em dezembro daquele ano. Deixa o Alto Governo em agosto de 1646, residindo no Brasil até maio de 1647 (J. Mello, 2004, p. 493).
  • 23
    No original, remonstrantie. De acordo com Lodewijk Hulsman, remonstrantie é uma palavra de origem francesa – remonstrance. Seria indicativo de uma ‘cultura parlamentar’. Em textos neerlandeses da época, uma remonstrantie era “. . . uma exposição crítica e . . . requerimento solicitando uma resolução favorável”. Por isso, ele traduz como ‘representação’. Adotou-se a mesma tradução de Hulsman (2006, p. 49), não apenas pela mesma nomenclatura, mas sobretudo pelo caráter consultivo e de requisição do manuscrito entregue à Companhia das Índias Ocidentais.
  • 24
    No original, Remonstrantie van de brasilianen. Brasilianen era o termo empregado pelos neerlandeses aos indígenas da costa do Brasil de língua Tupi (Hulsman, 2006, p. 51). Especificamente, tomamos como Potiguara esses brasilianen, por serem o povo que mais interagiu com os neerlandeses durante as chamadas Guerras do Açúcar. Ademais, historicamente é conhecida a intricada relação que os Potiguara da costa da Capitania da Paraíba estabeleceram com os neerlandeses pelo menos desde 1625. Vale referir que os Potiguara não estavam circunscritos apenas nos territórios da supracitada capitania. Para Silva (2023, pp. 15, 44-52), os brasilianen eram os indígenas Tupi aldeados, inclusive os Potiguara. O termo, todavia, pode ser observado em fontes como uma referência genérica aos indígenas do Brasil, sem especificação do povo.
  • 25
    Sobrenome Itacuruba e a posição foram omitidos na tradução de Souto Maior.
  • 26
    Registro possivelmente referente à Aldeia Mauritia.
  • 27
    Sem indicação de aldeia no manuscrito.
  • 28
    Souto Maior registra como João Tagoata Faguatajuba.
  • 29
    Na tradução feita por Souto Maior, ele omitiu o sujeito da frase, tornando-o oculto, talvez com o intuito de simplificar a tradução. Parece algo sutil, mas incluir o sujeito não apenas serve ao propósito de fazer uma tradução mais ajustada ao escrito, como serve ainda para reforçar a interpretação de que a representação apresentada ao governo neerlandês é uma escrita coletiva e indígena.
  • 30
    Souto Maior traduz como “obedecendo ambos ali ao capitão Sebastião d’Andrade”, quando no original é utilizada a palavra vervolgen, isto é, “seguir”. Não há subordinação explícita desses capitães a Sebastião de Andrade. O próprio texto é claro ao apontar que cada um governará seu povo.
  • 31
    Souto Maior omitiu, em sua tradução, o sujeito da frase.
  • 32
    No original, foi escrito Trauam, uma forma corrompida de Araunu, uma das denominações da Aldeia Orange. Souto Maior percebeu e corrigiu diretamente na tradução. Ele também percebeu o equívoco de quem transcreveu a representação de localizar essa aldeia em Goiana. Manteve-se com intuito de preservar a escrita original.
  • 33
    Souto Maior omitiu, em sua tradução, o sujeito da frase.
  • 34
    A tradução da frase difere amplamente daquela feita por Souto Maior (1913, p. 167), que diz: “Seguem-se os nomes dos eleitos pelo Supremo Conselho para Escabinos, da lista apresentada”. No manuscrito, não é feita qualquer menção ao Alto e Secreto Conselho. Os escabinos/vereadores foram eleitos pelos presentes na assembleia e só então foram ratificados pelo governo. Souto Maior tomou “a assembleia” (de vergaderinge) como “o conselho”. Para comparação, segue a transcrição do trecho: “Volgende namen der persoonen bij de vergaderinge uijt de gedane nominatie tot schepenen geeligeert”.
  • 35
    Nome ausente na tradução de Pedro Souto Maior.
  • 36
    Entre outras pequenas discrepâncias com o original, Souto Maior omitiu a primeira pessoa do plural do caso oblíquo, ons (nos).
  • 37
    Souto Maior omitiu, em sua tradução, o sujeito da frase.
  • 38
    Souto Maior omitiu, em sua tradução, o sujeito da frase.
  • 39
  • Miranda, B. R. F. (2025). A representação dos Potiguara na Assembleia de Tapesserica (1645): estudo e tradução de um escrito indígena das Guerras do Açúcar. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 20(1), e20240024. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2024-0024.
  • DADOS DA PESQUISA
    Os dados foram depositados no repositório SciELO Data e podem ser acessados em Miranda (2025).
  • PREPRINT
    Não foi publicado em repositório.
  • AVALIAÇÃO POR PARES
    Avaliação duplo-cega, fechada.

REFERÊNCIAS

  • Agnolin, A. (2022). Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII) FFLCH/USP.
  • Almeida, M. R. C. (2013). Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro Editora FGV.
  • Almeida, M. R. C., & Seijas, T. (2020). Amerindians in the Iberian World. In F. Bouza, P. Cardim, & A. Feros (Eds.), The Iberian World 1450-1820 (pp. 357-374). Routledge.
  • Andrade, T. (2008). How Taiwan became Chinese: Dutch, Spanish, and Han Colonization in the Seventeenth century Columbia University Press.
  • Andrade, T. (2011). Lost colony: The untold story of China’s first great victory over the West Princeton University Press.
  • Anônimo. (2010). História da conquista da Paraíba (Edições do Senado Federal, Vol. 73). Senado Federal.
  • Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil. (1645a, abr. 11). [NL-HaNA_1.05.01.01, inventário 70, fólios 34 a 48, imagens 1208-1222]. Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais. Arquivo Nacional, Haia, Países Baixos.
  • Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil. (1645b, abr. 11). [NL-HANA_1.05.01.01, inventário 70, fólios 40 a 42, imagens 1214-1216]. Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais. Arquivo Nacional, Haia, Países Baixos.
  • Ata Diária do Alto e Secreto Conselho do Brasil. (1645c, abr. 11). [NL-HANA_1.05.01.01, inventário 70, fólios 40 a 47, imagens 1214-1221]. Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais. Arquivo Nacional, Haia, Países Baixos.
  • Ata Diária do Alto e Secreto Conselho no Brasil. (1645d, abr. 11). [NL-HANA_1.05.01.01, inventário 70, fólio 48, imagem 1222]. Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais. Arquivo Nacional, Haia, Países Baixos.
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Editado por

  • Responsabilidade editorial
    Hein van der Voort

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2024
  • Aceito
    07 Nov 2024
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