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Observações sobre os correlatos acústicos do acento em Apurinã (Aruák): estudo de um caso

Observations about acoustic correlates of stress in Apurinã (Arawak): a case study

Resumos

O presente artigo investiga a duração como possível correlato acústico do acento em Apurinã, levando-se em consideração as hipóteses levantadas por outros autores. Neste trabalho, investiga-se a duração de vogais em sílabas acentuadas, com acento secundário e sem acento, posto ser um possível correlato acústico que marca o acento em Apurinã, como sugerem outros trabalhos e estudos que afirmam ser esse um correlato recorrente nas línguas do mundo. O objetivo é verificar essas hipóteses, revendo os trabalhos anteriores sobre a língua e analisando novos dados, de modo a produzir resultados com base em informações independentes daquelas investigadas até então. Os resultados sugerem uma correlação apenas entre duração e acento primário e levantam questões sobre a sua natureza fonética, assim como uma questão relevante para a fonologia teórica sobre sílabas com vogais nasais que se comportam como sílabas pesadas ou bimoraicas.

Acento; Duração; Apurinã


This article investigates the hypothesis of duration being an acoustic correlate of stress in Apurinã, taking into account the results given by other authors. Cross-linguistic studies have suggested such a correlation. In this study duration is investigated in unstressed syllables, and in ones bearing primary and secondary stress. The article reviews previous work on Apurinã stress and then presents and analyzes new data. These results suggest a correlation between duration and primary stress only, and raise questions about the phonetic nature of such a correlation. The results also raise a theoretical question in phonology, namely the status of syllables with nasal vowels, which seem to behave like heavy or bimoraic syllables.

Stress; Duration; Apurinã


INTRODUÇÃO

O Apurinã é uma língua da família linguística Aruák, sendo falada em várias comunidades situadas ao longo do rio Purus, no sudeste do estado do Amazonas, com população entre quatro e sete mil pessoas, das quais menos de um quarto fala essa língua, e com diferentes graus de proficiência1 1 A menos que seja indicado o contrário, as informações apresentadas aqui sobre o povo provêm de inúmeras visitas às comunidades Apurinã por um dos autores. Nos aspectos nos quais tais informações diferem do que é apresentado por Facundes (2000), aquelas aqui evidenciadas foram atualizadas. . Apesar de haver descrições disponíveis sobre a gramática, fonética articulatória e a fonologia dessa língua (Facundes, 2000FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak). 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000.), quase nada se sabe sobre as suas propriedades acústicas. Este trabalho pretende ser um início no preenchimento dessa lacuna, apresentando os primeiros resultados de uma pesquisa em andamento sobre as propriedades acústicas da proeminência (doravante referida como ‘acento’) em Apurinã.

Nos demais parágrafos desta seção, resumimos as informações fonológicas e fonéticas que servem de fundo para a análise da duração como um possível correlato acústico de proeminência em Apurinã. Algumas das informações tratadas a seguir inevitavelmente evocam en passant questões sobre a fonologia da língua, que, por não serem o foco deste trabalho, não serão discutidas aqui, sendo, porém, notadas pela sua relevância. Na seção seguinte, descrevemos os métodos e dados utilizados em nossa pesquisa, antes de analisar os resultados. Na conclusão, resumimos os resultados, questões sobre a fonética e a fonologia da língua que tais resultados levantam, a relevância deles para a linguística teórica e tipológica, apontando direções a serem seguidas na continuação da pesquisa.

A língua Apurinã apresenta um padrão acentual predizível, logo, não marca distinção lexical. Ela é acentual, no sentido em que, em palavras polissilábicas, uma (ou mais) sílaba é mais proeminente do que as demais na mesma palavra (Kager, 2007KAGER, René. Feet and metrical stress. In: DE LACY, Paul (Org.). The Cambridge handbook of phonology. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 195-227., p. 195). Além disso, as cinco vogais presentes na língua apresentam contraste de quantidade e de nasalidade; e sua estrutura silábica é (C)V(V)2 2 Exemplos e informações detalhadas sobre a fonologia segmental Apurinã encontram-se em Facundes (2000). .

O acento primário recai sempre na penúltima sílaba, exceto quando a última sílaba tiver duas moras ou, em outros termos, for uma sílaba pesada (ver exemplos 1 e 2). As noções de ‘mora’ e ‘sílaba pesada’ merecem certas qualificações quando aplicadas à análise de Apurinã. Mora é uma unidade temporal que distingue, por exemplo, uma sílaba do tipo V, CV, de outra do tipo VV, CVV ou CVC, em que a primeira teria uma mora, enquanto a segunda teria duas moras. Além disso, a posição acentual seria sensível a essa diferença (Hayes, 1995HAYES, Bruce. Metrical stress theory: principles and case studies. Chicago: The University of Chicago Press, 1995., p. 52; Kenstowicz, 1994KENSTOWICZ, Michael. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell Publications, 1994., p. 293). Sílaba pesada expressa um comportamento análogo para distinguir sílabas do tipo V e CV, chamadas leves, de sílabas do tipo VV, CVV, VC e CVC, por exemplo, chamadas pesadas, e a posição acentual também seria sensível a essa diferença. O uso desses termos, mora ou sílaba pesada, é útil em línguas que apresentam padrões prosódicos, cuja distribuição é sensível ao peso ou número de moras, isto é, se a sílaba é do tipo V ou CV, ou do tipo VV, CVV, VC ou CVC, por exemplo. O caso do Apurinã é intrigante porque, sendo uma língua com os tipos silábicos V, VV, CV e CVV, sílabas do tipo VV e CVV em posição final são elegíveis para receber o acento primário, as quais estariam entre as típicas sílabas com duas moras ou sílabas pesadas. No entanto, qualquer sílaba com uma vogal nasal (V, VV, CV ou CVV) também receberá acento nessa posição. O fato de a vogal nasal comportar-se como consistindo de duas moras, ou sílaba pesada, quando em posição elegível ao acento, pode ser interpretado como indicando a existência de uma coda nasal, talvez semelhante ao japonês (Kenstowicz, 1994KENSTOWICZ, Michael. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell Publications, 1994., p. 454), mas que, em Apurinã, realiza-se sempre como a nasalização da vogal precedente, pois é comum que a posição de coda se restrinja a apenas uma consoante ou outra em uma dada língua (por exemplo, o /s/ e /h/ em português). Essa questão, contudo, é de ordem fonológica e não será tratada neste trabalho, já que nosso objetivo aqui é examinar a relação (acústica) entre proeminência e duração, independentemente da representação fonológica dada à nasalidade vocálica. Na análise que segue, acompanharemos Facundes (2000)FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak). 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000. tratando fonologicamente de sílabas com vogais nasais, como do tipo (C)(V)V, ou seja, baseada na forma superficial e sem postular uma coda nasal3 3 Essa análise encontra suporte em medições preliminares das vogais nasais em Apurinã, cujos resultados foram apresentados em Santos (2013). .

Como descreve Facundes (2000)FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak). 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000., além do acento primário, a língua Apurinã ainda possui acentos secundários, que ocorrem sempre nas sílabas pares e “deslocam-se” para a esquerda da sílaba com acento primário. Os exemplos em (1) ilustram o padrão paroxítono (penúltima sílaba) do acento primário, enquanto (2) ilustra o padrão oxítono (última sílaba):

Em geral, palavras monossilábicas seguem uma restrição de ‘tamanho mínimo’, não podendo ter menos que duas moras. Isso significa que elas tendem a ter uma vogal prolongada, um ditongo ou uma vogal nasal como núcleo silábico. O exemplo (3) ilustra monossílabos na língua:

A generalização para esse padrão pode ser representada da seguinte forma:

(4) O acento primário ocorrerá sempre na penúltima sílaba da palavra (a), exceto se (b) a última sílaba contiver duas moras (isto é, duas vogais ou uma vogal nasal4 4 Note que a única diferença entre representar os segmentos como C e V ou como moras é que, no segundo caso, a representação seria mais econômica, pois vogais prolongadas, ditongos e vogal nasal constituiriam uma unidade bimoraica. (# indica fronteira de palavra)

O exemplo (5) representa a distribuição do acento secundário, que ocorre em palavras com mais de três sílabas, e ‘desloca-se’ sempre para a esquerda, a partir do acento primário, em sílabas de número par da palavra. Note que o padrão resultante é left-headed: C’VCVC’VCV, CVC’VCVC’VCV, nos termos apresentados na literatura sobre estruturas iâmbicas versus trocaicas, tais como em Kenstowicz (1994KENSTOWICZ, Michael. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell Publications, 1994., p. 587). Os detalhes de tais aspectos da representação fonológica do acento em Apurinã estão além do escopo deste trabalho.

Na próxima sessão, descrevemos a metodologia usada na investigação das sugestões e das hipóteses apresentadas em Facundes (2000)FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak). 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000. e Brandão5 5 BRANDÃO, Ana Paula. Acoustic characteristics of stressed syllables in Apurinã. University of Texas at Austin, 2010 (texto não publicado). com relação aos correlatos acústicos responsáveis pela realização do acento, a partir de um novo conjunto de dados. Desse modo, buscamos uma descrição coerente do que acontece na fonética da língua. A escolha de uma abordagem acústica para se investigar o acento ocorre devido à sua natureza prosódica. O acento é um elemento suprassegmental, ou seja, não há qualquer manifestação concreta nos segmentos da língua; dessa forma, uma abordagem acústica pode ser satisfatória para revelar nuances de sua realização e, por conseguinte, gerar informações fonológicas, mesmo que ele não possua relevância fonêmica na língua. Além disso, nenhuma descrição fonética de uma língua estará completa até que as propriedades acústicas de seus segmentos e elementos prosódicos tenham sido descritas.

MÉTODO

Os elementos segmentais a serem considerados na análise são os fonemas da língua, presumindo-se que a correlação acústica seria feita com a noção abstrata de fonema, e não com os seus alomorfes. A língua Apurinã possui um inventário de cinco vogais orais, listadas na Tabela 1, com contraste de nasalidade e prolongamento.

Tabela 1
Quadro dos fonemas vocálicos do Apurinã.

Neste trabalho, não serão utilizados os alofones, mas apenas as cinco vogais supracitadas que possuem status fonêmico. Essas vogais deverão estar em sílabas CV, uma vez que não existe coda em Apurinã (seguindo a análise de Facundes, 2000FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak). 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000.). Desse modo, o correlato a ser medido é a duração dessas vogais, haja vista esse aspecto ser um importante correlato acústico para a caracterização do acento nas línguas do mundo e apontado no trabalho preliminar de Ana Paula Brandão, já citado, como possivelmente o mais relevante elemento acústico do acento. Embora haja outros padrões silábicos em Apurinã, como CVV, CV e V, tais sílabas têm distribuição e fonotática interna restritas, o que dificulta a obtenção de dados suficientes para comparar os padrões específicos entre si. Em função disso, optou-se por não considerá-los na análise.

Os dados utilizados foram coletados por um dos autores (SSF), em pesquisa de campo, com o apoio parcial de um projeto coordenado pela Dra. Gessiane Picanço, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Os dados foram gravados com três falantes da língua. As palavras em foco foram gravadas na carrier sentence “Nhitxary... watxa” ‘Eu digo... agora’, com o intuito de preservar o ambiente natural de realização. Entretanto, para este trabalho, dados de apenas um dos informantes foram analisados.

A medição da duração dessas vogais foi feita em três posições nas sílabas: com acento primário, com acento secundário e sem acento. O programa utilizado para essa tarefa foi o Praat (Boersma e Weenink, s. d.). Nele, cada vogal foi medida obedecendo ao mesmo critério: a partir do início do primeiro ciclo completo até o final do último ciclo completo.

Os resultados fornecidos pelo programa são gerados na unidade de tempo segundos, sendo transformados em milissegundos. A partir dos resultados, verificar-se-á a relevância dessa duração com base no teste de significância T-test. Na Tabela 2, há exemplo de palavras utilizadas na investigação.

Tabela 2
Amostra de palavras usadas na medição do acento. Legenda: gen. = termo genérico.

Sluijter e van Heuven (1996a, 1996b) abordam o acento do holandês e do inglês sob essa perspectiva acústica e elencam vários correlatos que agem sozinhos e em conjunto para caracterizar as sílabas proeminentes nessas duas línguas. Esses autores utilizam experimentos que observam o comportamento de todos os possíveis correlatos acústicos do acento: (1) F0, (2) duração, (3) intensidade geral, (4) componentes do balanço espectral e (5) filtros – F1 e F2. Eles também usaram frases nas quais a palavra investigada está ocupando posição de foco e sem foco. Em ambos os artigos, a duração e a intensidade geral são correlatos acústicos confiáveis para o acento no inglês americano, mas, no holandês, a intensidade geral está mais relacionada a algum tipo de variante (sotaque) do que a algo inerente ao acento propriamente.

Nas duas línguas, a duração da vogal foi maior em sílabas proeminentes em comparação com as não proeminentes de palavras em posição de foco e, mesmo em posição de palavra fora de foco, esse padrão se manteve; ou seja, a duração da sílaba proeminente foi maior do que a não proeminente, indicando, portanto, que a duração é um correlato acústico confiável nessas línguas para marcar o acento.

De posse dessas informações, observamos apenas a duração neste trabalho preliminar com a língua Apurinã. Medimos a duração das vogais nas posições com acento primário, secundário e sem acento, a fim de verificar se há alguma diferença e se a duração é um correlato confiável para caracterizar tanto o acento primário quanto o acento secundário.

RESULTADOS

Na Tabela 3, temos a média de duração das três vogais nas três posições: em sílaba marcada com acento primário, em sílaba marcada com acento secundário e em sílaba sem acento.

Tabela 3
Medição da quantidade vocálica. Legendas: ms = milissegundos; s.d. = standard deviation (desvios do padrão).

Como se pode observar na Tabela 3, a hipótese levantada sobre a duração vocálica ser um possível correlato do acento primário é compatível com os nossos resultados, pois, nas cinco qualidades de vogais, há uma diferença considerável nas suas respectivas durações.

Nota-se que o acento primário recai na sílaba com maior duração, reforçando os resultados da análise preliminar feita por Brandão com outro conjunto de dados, e consoante ao comportamento prototípico de outras línguas que marcam o acento, seja lexical ou não, com base na duração da vogal. Entretanto, há uma diferença bem mais significativa da duração na vogal anterior alta, na qual a sílaba com o acento primário tem uma duração bem mais elevada em relação à sílaba que apresenta o acento secundário, muito embora nos cinco casos não haja diferença muito grande de duração entre a sílaba com acento secundário e a sem acento, o que sugere que o acento pode não ser marcado apenas por um correlato, mas, talvez, pela combinação de outros possíveis correlatos, como F0 e intensidade.

Dessa forma, para verificar o nível de significância entre esses valores muito próximos de duração, utilizou-se o T-test. Quando o ponto de corte para o valor-p é de 5%, o nível de confiança é de 95%, nesse caso a probabilidade tem de ser menor do que 5%, p < 0,05, para que a hipótese nula seja rejeitada, ou, do contrário, a hipótese nula não é rejeitada. A hipótese nula seria a de que não existe qualquer correlação entre acento e duração. Na Tabela 4, tem-se essa probabilidade gerada a partir do T-test.

Tabela 4
Probabilidade gerada a partir do T-test.

É possível notar que há uma diferença significativa entre a duração da vogal da sílaba com acento primário e a vogal da sílaba com acento secundário, o que não ocorre entre a sílaba com acento secundário e a sílaba sem acento, com exceção apenas da vogal [a], na qual a duração foi significativa tanto para o acento primário quanto para o secundário.

Para a vogal [u], segundo o teste de significância do acento primário, para cada 10.000 amostras, apenas 31 delas coincidiriam, nesse caso com p < 0,05. Já para a duração do acento secundário e a duração da vogal em sílaba sem acento, tem-se p = 0,22, um valor bem acima de 5%. Para a vogal [a], a possibilidade de a duração entre uma vogal em sílaba acentuada e com acento secundário ser a mesma é praticamente nula, pois p < 0,0001. Pode-se dizer que a hipótese nula é rejeitada para a duração da vogal [i] em sílaba acentuada e em sílaba com acento secundário, uma vez que p < 0,0002; porém, em relação à duração de sílaba com acento secundário e sílaba sem acento, para cada 100 amostras, 11 podem coincidir, tendo a mesma duração; logo, esse é um valor significante e essa hipótese não pode ser rejeitada. Para a vogal [ɨ], de cada 10.000 amostras, 11 coincidiriam em termos de duração para as sílabas com acento primário e secundário, um valor que não é significante, portanto uma hipótese rejeitada; entretanto, para a sílaba com acento secundário e a sílaba sem acento, esse valor passa a ser significante, pois, para cada 100 amostras, 18 coincidiriam, havendo um valor acima de 5%. Para a vogal [e], a exemplo das demais, a duração para as sílabas com acento primário e secundário é significante, mas para as sílabas com acento secundário e a sílaba sem acento a possibilidade de ser a mesma duração é muito alta, já que, a cada 100 amostras, 67 podem coincidir, uma hipótese que não pode ser rejeitada.

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, fica patente que o papel da duração/quantidade vocálica como um correlato acústico do acento em Apurinã reforça a hipótese levantada por Ana Paula Brandão. Entretanto, para o acento secundário, a duração não parece ser um correlato que o distingue de uma sílaba não acentuada. Nossa hipótese inicial sobre a correlação entre proeminência e duração é, portanto, compatível com os resultados para o acento primário, mas não para o acento secundário. Esse fato aponta para a necessidade da verificação de como se comportam os outros correlatos potenciais, como F0, intensidade, F1, F2, bem como se há algum tipo de influência consonantal na sua realização. Nossos resultados levantam também outra questão: qual a explicação fonética para a diferença entre correlatos acústicos de acento primário versus acento secundário? Tais questões carecem de mais investigação e estão além do escopo deste trabalho.

Nossos resultados sugerem uma correlação entre a duração e o acento primário, e isso oferece uma motivação fonética para sílabas contendo vogal nasal atraírem o acento primário (ou seja, comportarem-se como bimoraicas ou sílabas pesadas): acusticamente, tais sílabas teriam maior duração. Se tal duração é representada fonologicamente postulando uma coda nasal ou vogal subjacentemente prolongada, essa é uma questão fonológica que não resolveremos aqui. A nosso ver, o mais importante é poder identificar duração como possível correlato acústico da proeminência acentual, assim como notar que o acento secundário parece ter uma natureza acústica diferenciada daquela do acento primário.

É importante lembrar, contudo, que seria necessário tentar replicar nossos resultados em um volume maior de dados, a fim de determinar o grau de generalidade dos mesmos para a língua Apurinã. Os dados analisados restringem-se à fala de um único indivíduo Apurinã e, portanto, não podem ser generalizados para a língua como um todo. Os dados estatísticos, contudo, são bastante robustos e é plenamente possível que possam ser estendidos ao menos à variedade da língua aqui representada.

REFERÊNCIAS

  • BOERSMA, Paul; WEENINK, David. Praat: doing phonetics by computer. [s. d.]. Disponível em: <http://www.fon.hum.uva.nl/praat/>. Acesso em: 26 mar. 2010.
    » http://www.fon.hum.uva.nl/praat/>
  • FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak) 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000.
  • HAYES, Bruce. Metrical stress theory: principles and case studies. Chicago: The University of Chicago Press, 1995.
  • KAGER, René. Feet and metrical stress. In: DE LACY, Paul (Org.). The Cambridge handbook of phonology Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 195-227.
  • KENSTOWICZ, Michael. Phonology in generative grammar Oxford: Blackwell Publications, 1994.
  • SANTOS, Benedito de Sales. Análise acústica do acento na língua Apurinã 2013. Dissertação (Mestrado em Letras - Linguística e Teoria Literária) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.
  • SLUIJTER, Agaath M. C.; VAN HEUVEN, Vincent J. Acoustic correlates of linguistic stress and accent in Dutch and American English. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON SPOKEN LANGUAGE, 4., Filadélfia, 1996. Proceedings… Filadélfia: Institute of Electrical and Electronics Engineers, 1996a. v. 2, p. 630-633.
  • SLUIJTER, Agaath M. C.; VAN HEUVEN, Vincent J. Spectral balance as an acoustic correlate of linguistics stress. Journal of the Acoustical Society of America, v. 100, n. 4, p. 2471-2485, 1996b.
  • 1
    A menos que seja indicado o contrário, as informações apresentadas aqui sobre o povo provêm de inúmeras visitas às comunidades Apurinã por um dos autores. Nos aspectos nos quais tais informações diferem do que é apresentado por Facundes (2000)FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak). 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000., aquelas aqui evidenciadas foram atualizadas.
  • 2
    Exemplos e informações detalhadas sobre a fonologia segmental Apurinã encontram-se em Facundes (2000)FACUNDES, Sidi. The language of the Apurinã people of Brazil (Maipure/Arawak). 2000. Tese (Doutorado em Linguística) – The State University of New York, Buffalo, 2000..
  • 3
    Essa análise encontra suporte em medições preliminares das vogais nasais em Apurinã, cujos resultados foram apresentados em Santos (2013)SANTOS, Benedito de Sales. Análise acústica do acento na língua Apurinã. 2013. Dissertação (Mestrado em Letras - Linguística e Teoria Literária) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2013..
  • 4
    Note que a única diferença entre representar os segmentos como C e V ou como moras é que, no segundo caso, a representação seria mais econômica, pois vogais prolongadas, ditongos e vogal nasal constituiriam uma unidade bimoraica.
  • 5
    BRANDÃO, Ana Paula. Acoustic characteristics of stressed syllables in Apurinã. University of Texas at Austin, 2010 (texto não publicado).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2012
  • Aceito
    01 Maio 2014
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