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Os processos da paisagem pastoril: caracterizando lugar e movimento

A pastoral landscape process: characterizing place and movement

Resumo

O movimento cotidiano dos pastores faz com que entrem em contato com o meio à volta e produzam inscrições culturais nessa paisagem apreendida. Assim, lugares e caminhos passam a ser marcos de prerrogativas espaciais e de memórias. Este artigo tem como objetivo levantar aspectos relacionados às estratégias de mobilidade e relacioná-las à paisagem de um grupo de pastores do vale de Santa María, na porção noroeste da Argentina. A partir de uma abordagem etnoarqueológica, pretende-se compreender como a persistência de vida pastoril contextualiza uma paisagem viva, carregada de significado e de elementos identitários. Busca-se também, a partir da noção de paisagem, trabalhar os conceitos de lugar e de movimento, a fim de demonstrar como o processo de apreensão das paisagens é fluído e constantemente internalizado a partir das classificações particulares dos grupos.

Palavras-chave
Pastoreio; Paisagem; Mobilidade; Noroeste argentino; Etnoarqueologia

Abstract

Pastoralists recognize the environment through their everyday movements, a process which produces cultural inscriptions in the landscape and transforms places and paths into landmarks of spatial prerogatives and memories. The objective of this article is to consider some aspects related to the mobility strategies of a pastoralist group in the Santa María Valley of northwest Argentina. Using an ethnoarchaeological approach, we investigate how the persistence of pastoral life constructed a living landscape full of meaning and identity. We have also worked with the concepts of place and movement in order to demonstrate how this process is fluid and constantly internalized by the classification of the people.

Keywords
Pastoralism; Landscape; Mobility; Northwest Argentina; Ethnoarchaeology

INTRODUÇÃO

Os grupos pastoris da porção andina do noroeste argentino, especializados no tráfego de longas distâncias e em animais resistentes ao frio e à altitude, mantiveram-se nas serras desde o período pré-colonial, convivendo com as mudanças que se estabeleceram a partir do avanço incaico, hispânico e capitalista, e persistindo, preservando a sua autonomia e memória espacial, dentro do possível. Nas regiões de maior altitude, e mais distantes dos centros urbanos, pode-se destacar a persistência de muitos hábitos e tradições dos tempos pré-hispânicos (Rodriguez, 2008RODRIGUEZ, Lorena. Después de las desnaturalizaciones: reconfiguraciones socio-económicas y étnicas al sur del valle Calchaquí: Santa María, fines del siglo XVII-fines del XVIII. Buenos Aires: Antropofagia, 2008.; Nastri et al., 2002NASTRI, Javier H.; PRATOLONGO, Gerónimo; CARUSO, Gabriel; HOPKZAC, Mariela; MANIASIEWICZ, Mariano. Los puestos prehispánicos de la sierra del Cajón (Provincia deCatamarca). In: CONGRESO NACIONAL DE ARQUEOLOGÍA ARGENTINA, 13., 2002, Córdoba. Actas… Córdoba: Editorial Brujas, 2002. p. 421-430, Tomo 2.; Browman, 2008BROWMAN, David L. Pastoral nomadism in the Central Andes: a historic retrospective example. In: BARNARD, Hans; WENDRICH, Willeke Z. (Ed.). The Archaeology of mobility: old world and new world nomadism. Los Angeles: Cotsen Institute of Archaeology, 2008. p. 160-173.; Alizadeh, 2008ALIZADEH, Abbas. Archaeology and the question of mobile pastoralism in the Late Prehistory. In: BARNARD, Hans; WENDRICH, Willeke Z. (Ed.). Archaeology of mobility: old world and new world nomadism. Los Angeles: Cotsen Institute of Archaeology, 2008. p. 78-114.; Yacobaccio et al., 2011YACOBACCIO, Hugo D.; CATÁ, María P.; MORALES, Marcelo R.;SOLÁ, Patricia; ALONSO, María Susana; ROSENBUSCH, Mariana; VÁZQUEZ, Cristina; SAMEC, Celeste T.; OXMAN, Brenda I.; CÁCERES, Melisa. El uso de cuevas por pastores andinos: elcaso de Cueva Quispe (Susques, Puna de Jujuy). In: HERNÁN, Gabriel E. J.; MUSCIO, J. (Ed.). Arqueología de la Puna Argentina: perspectivas actuales en el estudio de la diversidad y el cambio cultural. Oxford: Archaeopress, 2011. p. 33-47.). Este aspecto, já ressaltado por alguns autores, tem evidenciando a importância de registrar estas persistências, a fim de serem expandidas as interpretações sobre o registro arqueológico e sobre as formas de adaptação do homem ao meio, ao longo do tempo.

Tomando como ponto de partida os aspectos mais gerais da atividade pastoril, considera-se que, ao entender as organizações interna e externa do pastoreio em termos de dinâmica social e de adaptação ecológica, é possível compreender as condições a partir das quais se dão a ocupação, a reocupação e a permanência – ou, inclusive, o abandono – dos locais e das áreas de atividades deste grupo, sendo que este processo de territorialidade permite acessar as informações sobre a paisagem local (Zedeño, 1997ZEDEÑO, María Nieves. Landscape, land use, and the history of territory formation: an example from the Puebloan Southwest. Journal of Archaeological Method and Theory, New York, v. 4, n. 1, p. 67-103, Mar. 1997.; Zedeño; Bowser, 2008ZEDEÑO, María Nieves; BOWSER, Brenda J. (Ed.). The archaeology of meaningful places. Salt Lake City: University of Utah Press, 2008.). Dessa forma, buscaremos demonstrar, neste artigo, que são criados ambientes significativos no contexto das práticas do cotidiano pastoril, capazes de definir o meio a partir das concepções dos próprios pastores sobre a paisagem.

Diante de tal afirmação, este artigo apresenta uma análise de dados sobre a mobilidade pastoril e as interpretações da paisagem por esses pastores. Para tanto, serão definidas: as especificidades das práticas de movimento dos pastores em Santa María e, logo em seguida, a importância da mobilidade para compreender como essa paisagem pastoril é apreendida e compreendida. A partir de tais informações, pretende-se demonstrar que os processos cotidianos responsáveis pelo deslocamento destes grupos de pastores ao longo das serras do vale de Santa María também estão produzindo e reproduzindo caracterizações sobre a paisagem.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

A pesquisa concentrou-se no vale de Santa María, especificamente nos eixos de captação da cidade de Santa María. A maior concentração de informações coincide com a zona referente à serra do Cajón, onde habitam os interlocutores com quem se trabalhou. A área está representada no mapa da Figura 1.

Figura 1
Mapa ilustrando a área de estudo, localizada na província de Catamarca, na fronteira com a província de Tucumán, Argentina.

O vale de Santa María é um dos vários que são áridos e constituem os vales Calchaquíes. Localizado na porção andina, referente às províncias de Catamarca e Tucumán, na região conhecida como noroeste argentino, recebe o nome pelo rio Santa María, que o percorre em sentido Norte-Sul. Em particular, esta zona caracteriza-se pelo relevo montanhoso que ocupa grande parte da sua superfície, formando vários vales alongados. A vegetação compreende uma variedade de pastagens (anuais e perenes), arbustos e árvores de pequeno porte (Tineo, 2005TINEO, Alfredo. Estudios hidrogeológicos del río del valle de Santa María: Provincia de Catamarca. San Miguel de Tucumán: INSUGEO, 2005. (Serie Correlación Geológica, 20).).

Este trabalho centra-se nos pastores da região da serra do Cajón, os quais são um grupo de pessoas que se dedica ao pastoreio tradicional, ou seja, não fazem uso de pastagens preparadas para a sobrevivência do rebanho. Eles habitam a área que compõe a zona rural de Santa María, desde as regiões no interior das serras até as proximidades do centro urbano. A organização do espaço é pautada pela presença de propriedades no estilo rural. Cada família habita a sua própria casa, podendo ou não apresentar estruturas integradas de assentamento, como área residencial fixa, casas de campo e postos temporários. Apesar de privadas, as propriedades podem ser acessadas por todos os pastores, sendo cortadas por caminhos que levam às áreas de pastagens e de recursos hídricos.

Os pastores podem ser definidos como uma comunidade de atividade tradicional, que se reconhece a partir de vínculos parentais, espaciais e, principalmente, pela atividade pastoril, integrando, assim, uma rede de reciprocidade. Apesar de não se distinguirem como grupo étnico, compartilham uma identidade por meio do habitus. Estas pessoas vivem em uma lógica de produção agropastoril com traços de transumância; produzem e consomem produtos primários e secundários do pastoreio, fazendo parte de trocas em mercados regionais. São populações católicas, em sua maioria, apresentando conjuntamente elementos de tradição indígena (como a marcação pelos caminhos com huancas1 1 Huancas significa ‘pedra sobre pedra’ em um idioma pretérito local (em locais dos Andes Centrais e Norte, estas formações antrópicas também podem ser chamadas de apachetas). O próprio nome remete à estrutura que consiste em rochas empilhadas, de tamanhos variados, e reproduzem uma pluralidade simbólica, como representações das serras e local de pertencimento à terra. São encontradas, ao longo dos caminhos, nos limites das áreas de pastagens e nas passagens da área de serras. e oferendas à Pachamama).

As unidades de análise deste estudo foram os pastores e os seus núcleos domésticos. Ao todo, trabalhou-se com seis grupos de famílias e redes de relações de pastores, os quais permitiram observar os comportamentos de seus componentes nos dias de hoje e também acessar o banco de memória de cada núcleo familiar em relação a outras gerações. Quanto à escolha dos interlocutores, não houve um critério estrito, sendo utilizada a rede de relações deles próprios, considerando as famílias e os locais que eles julgaram mais interessantes para a obtenção do maior número de dados sobre o pastoreio. Esta proposta se consolidou como válida para a coleta de dados, uma vez que o trabalho se centra na ideia de uma arqueologia mais colaborativa e nos intentos pós-coloniais de horizontalizar a própria ciência (Silliman; Dring, 2008SILLIMAN, Stephen W.; DRING, Katherine H. Sebastian. Working on pasts for futures: Eastern Pequot field school archaeology in Connecticut. In: SILLIMAN, Stephen W. (Ed.). Collaborating at the Trowel’s Edge: teaching and learning in indigenous Archaeology. Tucson: University of Arizona Press, 2008. p. 67-87. (Amerind Studies in Archaeology).; Skeates, 2012SKEATES, Robin. Making sense of the history of archaeological representation. In: SKEATES, Robin; MCDAVID, Carol; CARMAN, John (Ed.). The Oxford handbook of public archaeology. Oxford: Oxford University Press, 2012. Ch. 4.).

Dessa forma, estabelecer diálogo entre as duas partes é fundamental, uma vez que a produção científica reside em um presente que é sempre político. Incluir outras formas de interpretar e simbolizar o mundo é aceitar uma arqueologia multicultural, considerando que, muitas vezes – como acontece neste caso de estudo específico –, a identidade e o sentido não estão associados à continuidade histórica, porém isso não lhe tira legitimidade (Gnecco; Ayala, 2011GNECCO, Cristóbal; AYALA, Patricia. Introduction. What is to be done? Elements for a discussion. In: GNECCO, Cristóbal; AYALA, Patricia (Ed.). Indigenous people and archaeology in Latin America. California: Left Coast Press, 2011. p. 11-28.). Assim, considerando as representações de mundo e as posições sociais dos envolvidos, acredito que seja possível chegar às conclusões de maneira responsável em relação ao grupo e às comunidades envolvidas, principalmente tomando-se questões hermenêuticas e sensitivas, como é o caso da paisagem.

Para a obtenção dos dados, deste modo, foi utilizada uma abordagem etnoarqueológica, visando identificar as relações entre comportamentos, visão de mundo e atividades em relação aos resultados materiais dos pastores deste vale. Além disso, a etnoarqueologia também possibilita uma compreensão mais profunda das relações que se estabelecem entre prática e simbolismo, seguindo uma perspectiva mais hermenêutica, considerando as condições sócio-históricas específicas (Hodder, 1986HODDER, Ian. The present past: an introduction to anthropology for archaeologists. Londres: B.T. Batsford, 1986., 2012HODDER, Ian. Archaeology and Anthropology: the state of the relationship. In: SHANKLAND, David (Ed.). Archaeology and Anthropology: past, present and future. Nova York: BERG, 2012. p. 65-76. (ASA Monographs, 48).; Silva, 2002SILVA, Fabíola Andréa. Mito e Arqueologia: a interpretação dos Asurini do Xingu sobre os vestígios arqueológicos encontrados no parque indígena Kuatinemu-Pará. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 8, n. 18, p. 175-87, dez. 2002. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832002000200008.
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, 2009a; González Ruibal, 2003GONZÁLEZ RUIBAL, Alfredo. La experiencia del otro: una introducción a la etnoarqueologia. Madrid: Akal Ediciones, 2003.; Politis, 2002POLITIS, Gustavo G. Acerca de la etnoarqueología en América Del Sur. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 8, n. 18, p. 61-91, dez. 2002. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S010471832002000200003.
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, 2015). Como método de análise, neste artigo, buscou-se trabalhar com os dados materiais, junto com a informação oral e a interpretação das pessoas sobre a paisagem, os lugares e os registros materiais.

A etnografia, hoje, é fundamental para priorizar as diferentes perspectivas de tempo e de espaço, que implicam um diálogo mais efetivo entre arqueólogos e os interlocutores, além de um rearranjo dos conceitos históricos sobre os conceitos locais (Ferguson; Colwell-Chanthaphonh, 2006FERGUSON, T. J.; COLWELL-CHANTHAPHONH, Chip. History is in the land: multivocal tradition in Arizona’s San Pedro Valley. Tucson: University of Arizona Press, 2006.). Fazer uma etnoarqueologia nos termos metodológicos propostos permite abertura para novas propostas sobre a materialidade e a temporalidade para os diversos grupos, a partir das quais é possível relativizar as categorias buscadas e acessar as informações contextuais para alcançar o conhecimento integrado (González Ruibal, 2003GONZÁLEZ RUIBAL, Alfredo. La experiencia del otro: una introducción a la etnoarqueologia. Madrid: Akal Ediciones, 2003., 2012GONZÁLEZ RUIBAL, Alfredo. Hacia otra arqueología: diez propuestas. Complutum, Madrid, v. 23, n. 2, p. 103-116, jul.-dic. 2012.; Hamilakis, 2011HAMILAKIS, Yannis. Archaeological ethnography: a multitemporal meeting ground for Archaeology and Anthropology. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, v. 40, p. 399-414, Oct. 2011. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-081309-145732.
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, 2016HAMILAKIS, Yannis. Decolonial Archaeologies: from ethnoarchaeology to archaeological ethnography. World Archaeology, Abingdon-on-Thames, v. 48, n. 5, p. 678-682, Aug. 2016. DOI: http://doi.org/10.1080/00438243.2016.1209783.
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; Politis, 2015POLITIS, Gustavo G. Reflections on contemporary ethnoarchaeology. Pyrenae, Montalegre, v. 46, n. 1, p. 41-83, sem. 2015.). Inclusive, também permite considerar a agência dos sujeitos como seres ativos inseridos em um sistema e um contexto, bem como os significados sobre adaptabilidade, sobre as práticas cotidianas e sobre a relação com a afirmação da identidade (Silva, 2009aSILVA, Fabíola Andréa. A etnoarqueologia na Amazônia: contribuições e perspectivas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 4, n. 1, p. 27-37, jan.-abr. 2009a. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222009000100004.
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).

A pesquisa etnográfica, então, foi feita por meio da observação participante e das entrevistas orientadas arqueologicamente, que foram as ferramentas de análise. Esta forma de etnografia orientada arqueologicamente, também conhecida como ‘living archaeology’, é fundamental para entender os processos ligados à cultura material e permite ao arqueólogo vivenciar o sistema cultural na sua totalidade, assim como apreender os significados e as práticas culturais (Silva, 2009bSILVA, Fabíola Andréa. Etnoarqueologia: uma perspectiva arqueológica para o estudo da cultura material. Métis: História e Cultura, Caxias do Sul, v. 8, n. 16, p. 121-139, jul.-dez. 2009b.). Portanto, a partir desta abordagem, pretende-se alcançar o valor prático que os locais utilizados apresentam, além do valor significativo (marco de memória e de identidade).

Os resultados obtidos são referentes a trabalhos de campo, efetuados entre os anos de 2004 e 2015, variando em etapas realizadas nas diferentes estações no ano, para abarcar o comportamento ao longo de um ciclo anual completo. Desta forma, esteve-se presente nos períodos de outono, de inverno e de verão. As atividades que foram levadas a cabo nessas etapas responderam a duas lógicas: a) às atividades cotidianas dos interlocutores; b) às atividades orientadas etnoarqueologicamente2 2 Os dados brutos do trabalho completo podem ser disponibilizados mediante requerimento via e-mail. .

A observação participante orientada arqueologicamente buscou evidenciar as relações que constituem um sistema pastoril, de acordo com a mobilidade, a identidade, o registro arqueológico e a constituição da paisagem. As entrevistas foram feitas a partir de perguntas direcionadas (não houve entrevistas estruturadas) durante as atividades e também em visitas regulares. As pessoas foram acompanhadas em suas atividades cotidianas, o que permitiu compreender a lógica das ações e dos lugares no dia a dia dos pastores.

As atividades orientadas buscaram complementar a informação obtida nas tarefas rotineiras dos interlocutores. Assim, os mesmos lugares foram visitados em várias horas diferentes do dia, a fim de se compreender a dinâmica dos pastores, e os caminhos foram percorridos (prévia ou novamente) sem a presença dos interlocutores, para atestar tanto a possibilidade de seguir as designações de rotas e de trajetos, como a identificação dos elementos distintivos.

Considerando isso, buscou-se demonstrar que é possível estabelecer uma relação entre as zonas pelas quais os pastores se movimentam e os lugares significativos, que são marcos de paisagem e de identidade. Como já foi colocado anteriormente, delimitou-se a serra do Cajón como área de atuação, nas zonas do interior das serras, onde estão os caminhos de pastoreio, os quais são marcados por uma paisagem que a todo momento traz o passado e o contextualiza no presente.

DEFININDO MOBILIDADE E PAISAGEM

O tema da mobilidade vem sendo estudado de forma renovada nas últimas décadas, pois se tem dado ênfase à fluidez e à agência dos povos nômades durante todo o ciclo de seus deslocamentos. Considera-se que, apesar do foco da análise ser o movimento das pessoas através do território, a mobilidade é determinada pelas escolhas e pela organização sociocultural. Assim, mobilidade é definida como o tempo combinado com o tipo de movimento e a motivação que incita esse comportamento (Wendrich; Barnard, 2008WENDRICH, Willeke; BARNARD, Hans. The Archaeology of mobility: definitions and research approaches. In: BARNARD, Hans; WENDRICH, Willeke Z. (Ed.). Archaeology of mobility: old world and new world nomadism. Los Angeles: Cotsen Institute of Archaeology, 2008. p. 1-24.; Sellet et al., 2006SELLET, Frédéric; GRAVES, Russel Dean; YU, Pei-Lin. Archaeology and Ethnoarchaeology of mobility. Gainesville: University Press of Florida, 2006.).

Especificamente sobre os grupos pastoris, a literatura evidencia que apresentam uma memória espacial, sendo que as rotas de deslocamento não mudam e os caminhos são identificados a partir de marcos significativos (Holl, 1998HOLL, Augustin F. C. Livestock husbandry, pastoralisms, and territoriality: the West African record. Journal of Anthropological Archaeology, Amsterdam, v. 17, n. 2, p. 143-165, June 1998. DOI: https://doi.org/10.1006/jaar.1998.0321.
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), os quais não se tratam apenas às prerrogativas de localização espacial, sendo referentes e índices de identidades que contextualizam a paisagem a partir da memória. Registros etnográficos mostram que os pastores apresentam grande diversidade nas estratégias de adaptação e de especialização em suas várias atividades econômicas, e que estas são parte de uma estrutura sociocultural (Frachetti, 2008FRACHETTI, Michael D. Variability and dynamic landscape of mobile pastoralism in ethnography and prehistory. In: BARNARD, Hans; WENDRICH, Willeke Z. (Ed.). Archaeology of mobility: old world and new world nomadism. Los Angeles: Cotsen Institute of Archaeology, 2008. p. 366-396.; David; Kramer, 2001DAVID, Nicholas; KRAMER, Carol. Ethnoarchaeology in action. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.). Assim, o pastoreio pode ser considerado um fenômeno multifacetário com várias definições possíveis, que envolve tanto questões ambientais como padrões variáveis culturais (Holl, 1998HOLL, Augustin F. C. Livestock husbandry, pastoralisms, and territoriality: the West African record. Journal of Anthropological Archaeology, Amsterdam, v. 17, n. 2, p. 143-165, June 1998. DOI: https://doi.org/10.1006/jaar.1998.0321.
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; Odell, 1994ODELL, George H. Prehistoric hafting and mobility in the North American midcontinent: examples from Illinois. Journal of Anthropological Archaeology, Amsterdam, v. 13, n. 1, p. 51-73, Mar. 1994. DOI: https://doi.org/10.1006/jaar.1994.1004.
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).

Parte-se do pressuposto de que a atividade pastoril é uma motivação dentro de uma série de possibilidades ambientais e culturais, considerando principalmente que este modo de vida é uma escolha que implica constante atualização da percepção de mundo e da identidade dos seus praticantes (McCabe, 2004MCCABE, J. Terrence. Cattle brings us to our enemies: Turkana ecology, politics, and raiding in a disequilibrium system. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2004.). Neste sentido, o uso do espaço implica escolhas específicas, influenciadas por diferentes aspectos socioeconômicos, gerando constantemente referentes de identidade. A mobilidade destes grupos produz uma transformação da paisagem, tendo a percepção e o uso do território como uma junção entre a ordem sociocultural e o meio, conciliando fatores psicológicos, sociais, históricos e ideológicos (Smith, 2008SMITH, Stuart T. Crossing boundaries: nomadic groups and ethnic identities. In: BARNARD, Hans; WENDRICH, Willeke Z. (Ed.). Archaeology of mobility: old world and new world nomadism. Los Angeles: Cotsen Institute of Archaeology, 2008. p. 343-365.).

Desta forma, entender a mobilidade destes grupos é aprender sobre a interação humana com a paisagem, seus recursos e significados. Analisar esta paisagem vivida permite perceber a integração entre homem e meio, no contexto das relações cotidianas, em seus aspectos ambiental, social e simbólico (Ingold, 2000INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, 2000.).

A paisagem, aqui, é analisada como uma assinatura da significação e da identificação do espaço, que integra o social e o natural; e o homem é visto como produtor de estratégias no acesso aos recursos, transformando ou ‘colonizando’ a natureza da paisagem (Layton; Ucko, 1999LAYTON, Robert; UCKO, Peter J. Introduction: gazing on the landscape and encountering the environment. In: UCKO, Peter J.; LAYTON, Robert (Ed.). The Archaeology and Anthropology of landscape: shaping your landscape. London: Routledge, 1999. p. 1-20. (One World Archaeology, 30).; Ingold, 2000INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, 2000.). Assim, quando pensamos em grupos móveis, é fundamental refletir sobre a maneira como cada grupo se articula com o entorno por meio das atividades cotidianas e dos significados sociais que representam o mundo; o movimento, neste contexto, é um fator determinante para a percepção de entorno (Ingold, 2000INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, 2000.).

Deste modo, o uso recorrente de certas áreas passa a ter importância fundamental para a elaboração da memória e da noção de pertencimento a determinados lugares e territórios. As paisagens tornam-se culturais e os seus marcos e as suas características, índices de identidade. Portanto, compreender os diferentes aspectos da mobilidade também é uma forma de entender como os grupos ordenam-se dentro do espaço, dando significado a ele a partir de suas próprias percepções a respeito do mundo que os cerca e sobre si mesmos.

Assim, pensar na mobilidade pastoril obrigatoriamente exige refletir sobre as questões da paisagem e dos traços desse movimento. Isso implica a relação das pessoas com o meio ao redor, considerando-se aspectos de significação e dos significados que são impressos na integração homem/ terra. Faz-se necessária a compreensão de ambos (significado e significação) para entender em que consiste mover-se pelos caminhos e lugares, pois, no movimento, as pessoas viajam através da paisagem. O processo de mover-se é também o de habitar essa paisagem, assim como ‘caminhar’ por um percurso o torna familiar, pois, conforme é utilizado, o próprio caminho torna-se parte do caminhante (Botin, 2013BOTIN, Lars. Landscape and dwelling. In: BOTIN, Lars; CARTER, Adrian; TYRRELL, Roger (Ed.). Utzon: dwelling, landscape, place and making. Portland: Aalborg University Press, 2013. p. 193-224.).

Os lugares, por sua vez, são a forma como as pessoas incorporam, na paisagem, sensações, sentimentos, conhecimento e cultura, tornando-a algo experienciável e parte do habitus. As pessoas, no fluxo cotidiano, acessam os lugares, promovendo uma relação vivida com o espaço geográfico, o qual é internalizado, significado e integrado às próprias pessoas. Assim, a paisagem é uma simbolização do meio, permitindo que este seja apreendido e reconhecido como próprio do indivíduo. Este processo de simbolização implica, primeiramente, uma aproximação da pessoa à paisagem e, segundo, uma relação de identidade do grupo em relação ao meio, pois as ideologias e as formas culturais de ver o mundo têm um papel fundamental na simbolização da paisagem (Gow, 1995GOW, Peter. Land, people and paper in Western Amazonia. In: HIRSCH, Eric; O’HANLON, Michael (Ed.). The Anthropology of landscape: perspectives on place and space. Oxford: Oxford University Press, 1995. p. 43-62.). A experiência dos lugares é recíproca e dinâmica, e cria um processo de internalização da paisagem, relacionando diretamente espaço à familiaridade, às experiências e aos significados atribuídos pelas pessoas. Este fenômeno indica a maneira como elas interagem, representando a constante performática que reproduz e expressa o senso de lugar próprio (Basso, 1996BASSO, Keith H. Wisdom sites in places: notes of a Western Apache Landscape. In: FELD, Steven; BASSO, Keith H. (Ed.). Sense of place. New Mexico: School of American Research Press, 1996. p. 85-106.).

Mover-se e habitar os lugares permite apreender a paisagem, pois a vida é vivida no movimento entre todos os lugares. Os lugares, assim, são delineados pelo movimento das próprias pessoas e é nesse processo que se circundam os limites, através de trilhas e vias criadas pelo fluxo contínuo de seres vivos (Ingold, 2000INGOLD, Tim. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, 2000., 2012INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos em um mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 18, n. 37, p. 25-44, jan.-jun. 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002.
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). Deste modo, na conceptualização do que é lugar, são incorporadas – e consideradas – as definições que englobam os instrumentos de navegação, os quais são marcas da identidade de cada sociedade, uma vez que a percepção espacial não é única, universal ou objetiva, sendo, ao contrário, particular, histórica e culturalmente inteligível (Whitridge, 2004WHITRIDGE, Peter. Landscapes, houses, bodies, things: “place” and the archaeology of Inuit imaginaries. Journal of Archaeological Method and Theory, New York, v. 11, n. 2, p. 213-250, June 2004.).

Habitar um lugar é movimentar-se por um ambiente e reconhecê-lo. Percebe-se o ambiente por esse processo de habitar, que, além da locomoção, também implica ver, ouvir e construir. O conhecimento que existe nas informações acumuladas permite criar uma imagem mental dos lugares, dos trajetos e dos elementos apreendidos, que condicionam a região conhecida. Isso porque percebe-se a paisagem por meio de uma série de pontos pelos quais se habita um lugar (se caminha e se vive). Portanto, a paisagem nada mais é do que a cristalização de uma atividade em um campo relacional. Na vida cotidiana, marcam-se os passos dos caminhos, elementos e feições que são incorporados à própria capacidade do movimento. É através do caminhar que a paisagem se transforma em paisagem habitada (dwelling), pois a vida está se movimentando através dela em um processo contínuo e que nunca acaba (Ingold, 2011INGOLD, Tim. Being alive: essays on movement knowledge and description. Nova York: Routledge, 2011.).

MOBILIDADE PASTORIL: ESCOLHAS E HABITUS

Uma vez definidos os conceitos de mobilidade e de paisagem com os quais se estão trabalhando, apresentamos as informações sobre a mobilidade pastoril desta zona. A organização do espaço pelo pastoreio é a ação que transforma elementos físicos em significados simbólicos, valores e símbolos, que definem a paisagem como marco identitário.

A mobilidade destes indivíduos corresponde principalmente a situações nas quais o pastor se desloca com o rebanho para acessar os recursos, apresentando movimentos mais longos durante a estação de estiagem em comparação à chuvosa, visando melhor aproveitamento deste ambiente árido. O sistema de produção pastoril desta zona do vale de Santa María pode ser incluído na categoria agropastoril, combinado com o sistema de mobilidade transumante, uma vez que o sistema pastoril se caracteriza pela integração entre as estratégias adaptativas tradicionais, juntamente com as especificidades da geografia e das condições climáticas.

Esta região do vale de Santa María tradicionalmente indica um histórico de uso da terra e de seus recursos a partir da combinação entre cultivos de cereais, vegetais adaptados, frutas e nozes e de pastoreios transumantes. A aridez e a dificuldade de irrigação fizeram com que estes vales não fossem favoráveis à agricultura em larga escala e as condições geográficas e climáticas, por sua vez, também fazem com que os vales sejam aptos para o pastoreio apenas por um período do ano (correspondendo ao final da primavera e ao verão), obrigando os pastores a apresentarem movimentos distintos, de acordo com as épocas do ano. Esta estrutura de movimentos condizentes com as mudanças climáticas e a oferta de água e de outros recursos naturais também foi destacada para outras zonas andinas, enfatizando a importância da mobilidade pastoril, aliada à economia vertical tipicamente andina, diante da qual se definiu um padrão compreendido como transumância vertical (Browman, 1983BROWMAN, David L. Andean arid land pastoralism and development. Mountain Research and Development, New York, v. 3, n. 3, p. 241-252, Aug. 1983. DOI: http://dx.doi.org/10.2307/3673018.
http://dx.doi.org/10.2307/3673018...
).

Como estes pastores tradicionais alimentam os seus rebanhos com pastagens naturais não preparadas, diante das adversidades climáticas das diferentes estações do ciclo anual, eles são obrigados a movimentarem-se no interior das serras para alcançar pastos que não secam nem perecem nos períodos mais frios do ano. Portanto, por definição, lida-se com um ‘sistema agropastoril transumante vertical’, aliado às características que levam à definição de um sistema combinado de atividade agrícola moderada e de pastoreio tradicional.

Sobre o termo transumância, existe uma série de definições destacadas na literatura pastoril. Há diferenças quanto à mobilidade de cada grupo, de acordo com as distâncias totais que percorrem ao final de um ciclo anual e as características do movimento. Este termo é utilizado para definir: a) ‘movimentos limitados em escala’: geralmente têm lugar em um único sistema de vale, ocorrendo de maneira vertical em relação aos vales e às partes mais elevadas; b) ‘movimentos distintos entre os integrantes de um grupo’: uma parte do grupo permanece assentada durante o total do ciclo anual, enquanto uma parcela pequena movimenta-se com o rebanho; c) ‘existência de acampamentos diferenciados’: há manutenção de um local permanentemente ocupado, integrado a uma rede de acampamentos temporários (Sidky, 2015SIDKY, Homayun. Agropastoralism and transhumance in Hunza. In: KARDULIAS, Nick (Ed.). The ecology of pastoralism. Boulder: University Press of Colorado, 2015. Ch. 4.).

Assim, o pastoreio transumante pode ser definido pelo movimento vertical, o qual compreende grupos que se deslocam através de distintas altitudes, como é o caso dos pastores na serra do Cajón, do vale de Santa María. Também apresenta uma distinção entre movimentos sazonais – de inverno e de verão –, que são fundamentalmente característicos de todos os tipos de pastores nômades, pois fazem uma distinção entre os locais mais vantajosos para manter os seus rebanhos, de acordo com a sazonalidade, as condições climáticas e a geografia.

As cabras são o foco do ciclo de transumância entre os interlocutores deste vale. É característico desta atividade os animais pastarem durante um tempo determinado sem a presença do pastor para organizar o rebanho. Estas estratégias integradas permitem ao pastor uma dupla atividade, podendo estar no comando de um rebanho e também exercer outras tarefas para a sua própria família ou para outros, na forma de trabalho assalariado.

Os rebanhos são de propriedade de cada pastor. O território também é demarcado por propriedades privadas, que representam os pastores. Porém, os locais de pastagens e os de água não são restritos, sendo de livre acesso ou constituindo áreas comuns.

As espécies mais nutritivas de plantas e de gramíneas crescem no período do verão, com o aumento das chuvas na região. Esta vegetação é característica das altitudes mais baixas dos vales ou de suas proximidades. As chuvas ocorrem em um período que compreende, aproximadamente, os meses de novembro a março. Neste intervalo, com os vales férteis e com abundância de água, os animais podem pastar soltos dentro do perímetro referente à casa, sem necessidade de cuidados. Os pastores ficam mais tempo na casa principal, junto às mulheres e às crianças.

As pastagens são produtivas unicamente nesses momentos de maior umidade, portanto, conforme cessam as chuvas, os vales vão secando e a vegetação vai diminuindo. Nesta ocasião, o pastor já tem necessidade de se movimentar com o rebanho, buscando por áreas que ainda estejam férteis, porém, na maioria das vezes, faz trajetos curtos. Esta é uma fase intermediária entre o outono e o inverno, no entanto, apesar da diminuição, ainda existem pastagens relativamente próximas. Os animais, muitas vezes, retornam aos currais principais.

Com o avanço do inverno, as pastagens ficam mais escassas e os pastores fazem uso de locais para este fim e também utilizam água no interior da serra, aproveitando o tipo de vegetação mais resistente ao frio, que cresce nas zonas mais altas. Durante estes períodos, os rios dos vales em menor altitude secam em razão do término do degelo; a incidência de chuvas é escassa; e neva em grandes quantidades, cobrindo os campos e congelando as áreas de água.

Por causa destas limitações climáticas, os pastores são obrigados a se movimentar em busca de lugares com água e com pastagens para os animais. Com isso, eles percorrem longas distâncias e utilizam vários locais de paragem, os postos temporários (na maioria das vezes, por apenas uma noite), durante a rota de pastoreio, até a volta das chuvas e do clima mais ameno, quando retornarão à casa de campo. No geral, os animais permanecem no interior das serras, porém os pastores deslocam-se da casa até os animais. Atualmente, poucos pastores ainda permanecem no interior das serras, mantendo-se próximos aos animais.

O ciclo de transumância anual começa ao final de abril e começo de maio, e termina entre os meses de outubro e novembro, com a volta das chuvas. É baseado na observação da maturação das pastagens, na queda da incidência das chuvas, na diminuição das temperaturas e nos períodos de glaciação. Este calendário tem a função de gerenciamento dos recursos que resguardam as pastagens mais resistentes para os períodos de necessidade delas.

Neste ambiente do vale de Santa María, o rebanho não conseguiria se sustentar sem a mobilidade, porém usar as diferentes áreas desse ecossistema frágil não necessariamente significa degradar o ambiente. Alguns autores defendem a ideia de mecanismos de preservação e de regeneração do ambiente, uma vez que o pastoreio é flexível e seletivo, e os rebanhos não pastam sem controle, mas em locais selecionados e avaliados. Os pastores tendem a dispersar-se e fazer uso mais extensivo de locais de água e de pastagens nas épocas chuvosas, buscando preservar certas pastagens nas épocas mais secas do ano (Sidky, 2015SIDKY, Homayun. Agropastoralism and transhumance in Hunza. In: KARDULIAS, Nick (Ed.). The ecology of pastoralism. Boulder: University Press of Colorado, 2015. Ch. 4.; Abusuwar; Yahia, 2010ABUSUWAR, Awad Osman; YAHIA, El Hadi O. Pastoralist and seasonality: their effects on range productivity and carrying capacity in a semi-arid rangeland of Sudan (Southeast Darfur State). Agriculture and Biology Journal of North America, Milford, v. 1, n. 2, p. 80-88, Mar. 2010.; Moritz et al., 2014MORITZ, Mark; HAMILTON, Ian M.; SCHOTTE, Paul; CHEN, Yu-Jen. Ideal free distribution of mobile pastoralist in multiple seasonal grazing areas. Rangeland Ecol Manage, Amsterdam, v. 67, n. 6, p. 641-649, Nov. 2014. DOI: https://doi.org/10.2111/REM-D-14-00051.1.
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).

As decisões tomadas por cada pastor individualmente considerariam coordenar os movimentos de acordo com o ambiente (as mudanças na distribuição dos recursos), juntamente à distribuição dos vários pastores, considerando-se que há um senso comum na regulamentação do acesso aos recursos. Este comportamento permite concluir que existe certo equilíbrio entre a tomada de decisão para o movimento e a capacidade das pastagens em relação ao número de animais (carrying capacity), confirmando uma escolha de padrão de movimento pastoril acertada (Moritz et al., 2014MORITZ, Mark; HAMILTON, Ian M.; SCHOTTE, Paul; CHEN, Yu-Jen. Ideal free distribution of mobile pastoralist in multiple seasonal grazing areas. Rangeland Ecol Manage, Amsterdam, v. 67, n. 6, p. 641-649, Nov. 2014. DOI: https://doi.org/10.2111/REM-D-14-00051.1.
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).

Assim, como vários outros grupos de pastores em áreas montanhosas (Sidky, 2015SIDKY, Homayun. Agropastoralism and transhumance in Hunza. In: KARDULIAS, Nick (Ed.). The ecology of pastoralism. Boulder: University Press of Colorado, 2015. Ch. 4.), os do vale de Santa María movem os seus rebanhos por rotas claramente definidas através das sucessivas altitudes, para obter o máximo de aproveitamento dos diferentes nichos que sustentam o rebanho e, consequentemente, dos humanos, sem interferir no ecossistema das zonas andinas.

O ESPAÇO DAS SERRAS COMO LOCAL DE PASTOREIO

A existência de pastores nestas serras do vale de Santa María não se resume aos dias atuais. Diante dos registros materiais de ocupações ancestrais, os pastores da atualidade perpetuam uma paisagem voltada às atividades pastor/rebanho. Assim, o espaço existe por sua fluidez, tanto do tempo como da repetição de caminhos e de lugares, e passa a integrar a tradição das pessoas.

Especificamente na região que corresponde ao vale de Santa María, justamente sobre a serra do Cajón, a contínua presença de pastoreio na área do interior das serras é evidente. Destacam-se estruturas arquitetônicas que correspondem à infraestrutura produtiva de gado em contraste a sítios que são designados como categoria funcional de habitação. Ainda, a presença de animais domésticos para o pastoreio pode ser constatada a partir de estudos feitos com restos faunísticos (Izeta; Scattolin, 2006IZETA, Andrés Darío; SCATTOLIN, María Cristina. Zooarqueología de una unidad doméstica formativa: el caso de Loma Alta (Catamarca, Argentina). Intersecciones en Antropología, Olavarría, v. 7, p. 193-205, ene.-dic. 2006.).

Os sítios arqueológicos apresentados por Cantarelli e Torcoletti (2009)CANTARELLI, Violeta; TORCOLETTI, Alina. Ocupaciones serranas del Noroeste Argentino: arquitectura comparada de la Sierra delCajón, Provincia de Catamarca. In: JORNADAS DE JÓVENESINVESTIGADORES EN CIENCIAS ANTROPOLÓGICAS, 8., 2009, Buenos Aires. Anales… Buenos Aires: INAPL, 2009. 1 CD-ROM. indicam a presença de áreas habitacionais, associadas a currais, em uma altitude intermediária de 2.700 m, provavelmente ocupados no período Tardio (entre aproximadamente 1000 a 1430 DC). Já sobre o cordão montanhoso, Nastri et al. (2002)NASTRI, Javier H.; PRATOLONGO, Gerónimo; CARUSO, Gabriel; HOPKZAC, Mariela; MANIASIEWICZ, Mariano. Los puestos prehispánicos de la sierra del Cajón (Provincia deCatamarca). In: CONGRESO NACIONAL DE ARQUEOLOGÍA ARGENTINA, 13., 2002, Córdoba. Actas… Córdoba: Editorial Brujas, 2002. p. 421-430, Tomo 2. identificaram um padrão de sítios que reconhecem como postos pastoris, os quais constituem grandes recintos (identificados como currais), associados a recintos pequenos (identificados como o refúgio do pastor). Ao adentrar a porção central da serra do Cajón, principalmente nas quebradas, alguns sítios arqueológicos identificados indicam a existência de pequenas instalações pré-hispânicas semelhantes aos postos de pastores da atualidade (Cantarelli et al., 2014CANTARELLI, Violeta; RAMPA, Daniel; GRATTONE, Mariel. Dos sitios de altura en la Sierra del Cajón: el estado actual de las investigaciones en la localidad arqueológica de Pichanal, provincia de Catamarca. La Zaranda de ideas: Revista de Jóvenes Investigadores en Arqueología, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 10, p. 9-28, jul. 2014.), juntamente a outras estruturas dispersas pela serra, que datam do período Intermediário Tardio, em um momento indicado entre o século XIV e a primeira metade do século XV (Moritan et al., 2015MORITAN, Victoria Coll; CANTARELLI, Violeta; NASTRI, Javier. El Carmen 1, un poblado intermedio tardío en el valle de Santa María (Prov. de Tucumán). Revista del Museo de Antropología, Córdoba, v. 8, n. 1, p. 105-114, 2015.; Cantarelli et al., 2014CANTARELLI, Violeta; RAMPA, Daniel; GRATTONE, Mariel. Dos sitios de altura en la Sierra del Cajón: el estado actual de las investigaciones en la localidad arqueológica de Pichanal, provincia de Catamarca. La Zaranda de ideas: Revista de Jóvenes Investigadores en Arqueología, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v. 10, p. 9-28, jul. 2014.)3 3 Estes trabalhos – vinculados ao Proyecto Arqueológico sierra del Cajón, sob a direção do Dr. Javier H. Nastri – continuam em andamento, levantando dados referentes a estas ocupações pretéritas no interior da serra do Cajón. Cada vez mais, é possível assumir uma postura que indique a presença do pastoreio desde tempos pretéritos até os dias atuais. Diante de tal afirmação, é indispensável deixar claro que não se está afirmando uma continuidade étnica direta, mas a de um modo de produção e de aproximação da paisagem. .

Sobre os hábitos de mobilidade pastoril, o trabalho etnográfico de Sanz de Arechaga (1948)SANZ DE ARECHAGA, L. Raquel. La vida pastoril en la Sierra del Cajón. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS, 28., 1947. Actas… Paris: [s.n.], 1948. p. 87-90. permite observar que os pastores passavam a maior parte do ano – de outubro a abril – entre os 2.000 e os 3.000 m. Este trecho é uma zona de maior presença de água e de pastagens, que cessam no período de inverno e, juntamente aos ventos frios que sopram da região da Puna, obrigariam os pastores a alcançar maiores altitudes, em regiões onde as pastagens ainda permanecem. Por isso, de maio a julho, os pastores seriam obrigados a buscar pastagens em maiores altitudes – entre os 3.000 e os 3.500 m – nas ‘grandes ciénagas’ (locais com maior quantidade de nascentes), onde a água aflora no verão e cresce uma vegetação resistente, chamada ‘pasto de raiz’. Porém, quando as propriedades são pequenas, a autora indica que seria possível apenas uma única investida, subindo acima dos 3.500 m em busca do pasto, resistente ao frio da região de Puna, para garantir a sobrevivência do gado até a primavera, quando os vales se tornam férteis novamente.

Diante do apresentando, é possível afirmar que os dados mostram uma intensa e reiterada ocupação de pastores nas mesmas áreas mais altas das serras, a qual é indicada pela presença de áreas habitacionais em zonas mais baixas, de currais e de postos temporários sobre o cordão montanhoso no interior das serras.

O espaço, há muito, parece estar dividido por esta atividade, que se ordena pela divisão de gênero. O sistema de pastoreio no vale de Santa María é definido por essas zonas em que os pastores e os seus rebanhos se movimentam. Os pastores passam os períodos mais férteis – de outubro a abril – próximos às áreas dos vales e o período do inverno no alto das montanhas. Assim, a área do interior das serras é um espaço masculino, de movimento de rebanhos de animais adultos e de seus pastores, assim como a das casas é onde as mulheres trabalham, estão as crianças e os pequenos animais e são feitas as hortas, os pomares e os produtos para serem vendidos.

Nas serras, caminhos e locais de parada que os pastores fazem uso muitas vezes são reconstruções de antigos postos. Como o conhecimento do espaço aqui é passado de geração a geração, existe uma constante retomada dele. Dentro dos percursos, reconhecem alguns locais como perigosos e não os acessam, mantendo-se no caminho sobre o qual se sabe que é um trajeto seguro, no qual podem transitar sempre que necessário em busca de fontes hídricas.

É possível afirmar, então, a existência de uma recorrência: o pastoreio ocorre no interior das serras e este é o espaço dos animais adultos juntos aos pastores. Por conta disso, observa-se maior quantidade de caminhos e de rotas de pastoreio que levam ao alto das serras, sendo que grande parte dos currais e das áreas de pastagem está nas partes altas destas serras.

No que se refere ao imaginário do pastor, ao perguntar sobre as características do pastoreio, a serra é o principal indicador que eles expõem. Ao perguntar a um interlocutor onde estão os pastores, o retorno é rápido, “ahhh, estão por lá, na serra... por lá... tá vendo?”. A resposta parece óbvia para este senhor de mais de oitenta anos. Para ele, está claro que os pastores estão – e devem estar – nas serras, pois é lá que estão os animais e o seu alimento. Desta forma, ainda quando é verão, este local é o marcador espacial dessa atividade. Isso acontece pelo vai e vem dos pastores e de seus rebanhos pelos caminhos e lugares dessas regiões mais elevadas, os quais também são marcadores da domesticação da paisagem serrana, assim como dos animais e das plantas. Por isso, o tipo de animal que integra o rebanho é adaptável à variabilidade do ambiente em questão.

A mobilidade pastoril, portanto, implica determinadas características que ditam o ritmo da vida. O ambiente tem importante influência na definição dos ritmos e das escalas, que, juntamente com o movimento, condicionam as formas de assentamento e de aproximação ao espaço. Este espaço habitado representa uma série de características comportamentais que são plausíveis de identificação e de análise.

AS PAISAGENS PASTORIS: CONTEXTUALIZANDO O MOVIMENTO

Definido o pastoreio na serra do Cajón, é possível ampliar a compreensão sobre os elementos que constituem essa paisagem. Tomando como ponto de partida os dados apresentados sobre a atividade pastoril, a seguir, faz-se a descrição de uma atividade de campo, na qual se evidencia como um pastor significa e identifica o meio físico à sua volta, transformando-o em uma paisagem apreendida.

Assim, durante uma temporada de campo, no ano de 2013, surgiu a oportunidade de acompanhar uma expedição até um afloramento de argila. Os locais onde há argila considerada boa para se produzir cerâmica estavam localizados no alto das serras. O lugar que seria visitado estava, especificamente, localizado ao longo de um caminho de pastoreio muito utilizado há várias gerações, o qual consistia em uma rota bastante comum para alcançar os caminhos de altura, segundo me informou o senhor que conhecia bem o local. Este caminho era acessado por meio de vários outros, que provinham das diferentes direções, porém, no nosso caso, o acesso seria feito por intermédio de uma propriedade de um vizinho, atravessando o rio.

Ao longo do caminho, encontravam-se locais de pastagens de verão (mais próximas ao rio), além de outras mais altas, aonde eram levados os animais quando a água do rio cessava em quantidade, conforme me informaram. O afloramento de argila estava localizado em uma ‘pampa de altura’. Nas proximidades (em uma altitude mais elevada), também havia um curral, utilizado pelos animais que não eram das proximidades. Logo na sequência do curral, estava o acesso aos caminhos mais elevados que levavam a Puna.

Assim, um caminho não é apenas uma ligação entre pontos de destino e de chegada. Como se observa na Figura 2, cada caminho é o entrelaçado de vários outros, que conectam diversos pontos, ligando também outros percursos a mais pontos e a mais caminhos. Portanto, o ponto de destino tem a ver com aquilo que se almeja no caminho, e não com o fim específico. Sendo assim, um longo caminho de pastoreio conecta casas, locais de cultivo, currais, diferentes áreas de pastoreio (de inverno ou verão), recursos específicos (por exemplo, o afloramento de argila para cerâmica), locais de parada e outros caminhos. Esse emaranhado de lugares, destinos e trajetos parte do princípio da atividade pastoril e delineia a paisagem dentro dos marcadores que são reconhecidos pessoalmente.

Figura 2
Imagem feita por meio do site Google Earth, ilustrando o mapa de El Carmen, Tucumán, Argentina, com alguns caminhos destacados, que são aproximações. Mapa elaborado por Milena Acha (2017).

O caminho destacado na Figura 3 teve início na casa onde mora o senhor que nos levaria ao afloramento de argila. Desse ponto, seguiu-se pelo ‘caminho do rio’, pois era época de estiagem. Seguimos pelo leito do rio por alguns metros, sendo este um percurso que parecia aberto e possível de transitar em linha reta, porém o senhor nos indicou a necessidade de desviarmos para a esquerda e começarmos a subir o barranco, a fim de seguirmos por um trajeto que parecia paralelo ao que estávamos caminhando. Como referência, indicou-nos a presença de uma ‘grande árvore’, a qual delimitava o quintal que fora da casa de sua mãe, e disse que fazia esse caminho desde pequeno, a pedido da mãe (partindo, portanto, dessa casa, e não de sua residência atual). Este primeiro trecho era referente a uma área de menor altitude, onde estão localizadas as casas residenciais dos pastores. É uma zona com presença de árvores, de arbustos e de pastagens verdes no período de verão, como evidencia a Figura 4.

Figura 3
Imagem feita por meio do site Google Earth, ilustrando o mapa de El Carmen, Tucumán, Argentina, com os pontos do caminho destacados: o ponto vermelho indica a casa do pastor (‘saída’) e o de cor amarela, o afloramento de argila (‘destino’). Mapa elaborado por Milena Acha (2017).
Figura 4
Vista da zona na qual o trajeto foi iniciado, local onde há as residências dos pastores.

Logo, seguiu-se por entre algumas ‘casas’, para acessar um ‘caminho aberto e limpo’, simples de transitar. Por ele, estivemos durante alguns minutos, enquanto o senhor nos guiava, mostrando os indicadores, que, neste ponto, era avistar ao longe a ‘casa’ de um vizinho. Outros indicadores foram uma série de extensos muros de pedras, formando grande círculos – definidos por ele como ‘currais antigos’, feitos para manter uma quantidade grande de animais (Figura 5) – e alguns currais atuais, à esquerda, em tamanho menor. Ambos eram feitos de pirca (pedra sobre pedra), sendo que os currais atuais apresentavam uma porteira feita em madeira de cardón (Figura 6). Conforme se seguia a rota, enquanto eram apontados os marcadores do caminho, este senhor também indicava, à direita, a altura do local onde deveríamos chegar.

Figura 5
Extensos muros constituindo uma forma elíptica, localizados em uma área próxima às residências dos pastores.
Figura 6
Porteira de um curral atual, localizado próximo aos grandes currais.

Seguimos pelo ‘caminho aberto e limpo’ até alcançar novamente o rio, em um ponto mais à frente em relação ao que o havíamos deixado. Nas margens do rio, viam-se ‘pequenos diques’ em vários lugares4 4 Eram diques utilizados para reter a água nos momentos em que o rio não está caudaloso. Esta água é utilizada para regar plantios, para uso dos animais e para limpar os chiqueiros. . Nesse momento, o senhor aconselhou a descer ao ‘rio’ novamente, pois à frente havia uma formação mais alta, que dificultava a passagem. Esta vista está indicada na Figura 7.

Figura 7
Vista da descida ao rio. É possível visualizar a formação alta e a casa de um pastor à distância.

Caminhamos poucos metros pelo rio, ‘atravessando-o’, e chegamos a uma ‘porteira de madeira’, apenas amarrada com uma corda, o que permitiu a sua abertura. Ao atravessar esta porteira, acessamos um campo com vários arbustos, indicados pelo senhor como plantas de que os animais podem se alimentar, pois ficariam ali perto do rio nos períodos mais férteis. Passada a porteira, seguimos por outro ‘caminho limpo e bem demarcado’ (Figura 8).

Figura 8
Imagem que demostra o que é considerado um ‘caminho limpo e bem demarcado’, com espaço para o trânsito e solo assentado com rochas.

Durante este percurso, era possível notar a presença de estrume de animais no solo. Conforme avançamos, o ‘caminho tornou-se um pouco mais íngreme’, indicando que estávamos subindo a serra. Depois de certa altura, o ‘solo começou a ficar rochoso e a vegetação diferente’. Após alguns minutos por esse caminho mais pedregoso, paramos em um lugar de descanso, indicado por uma ‘formação de pedras’ em um espaço pequeno sem vegetação, só com terra. Esta parada, representada pela Figura 9, segundo o senhor, é possível apenas para os humanos – é um espaço reduzido, cabendo poucas pessoas, e nele os animais não param. A formação de pedra apresenta vários desgastes. Para este pastor, essas marcas indicam que outras pessoas sentaram e sentam-se ali constantemente.

Figura 9
Vista da parada descrita, indicada pela área sem vegetação, e o caminho seguindo na subida da serra.

A partir dessa formação rochosa, a subida torna-se ainda mais íngreme, uma vez que o ‘terreno começa a ficar mais pedregoso e com rochas soltas’. Em alguns momentos, as rochas do solo foram posicionadas de forma a constituir ‘degraus’ para facilitar a subida, como é possível observar na Figura 10. Depois de alguns minutos de subida, fica perceptível que a vegetação muda abruptamente; as gramíneas com espinhos dão lugar a uma ‘formação de arbusto’; logo, abre-se um espaço plano na encosta da montanha, formando uma espécie de ‘clareira’, na qual é possível observar uma espécie de construção de andaime de contenção nas bordas, no chão. O estrume e a areia solta e sem pedras expõem as marcas de animais, que passaram com constância. Em uma das partes, crescem plantas comestíveis para os animais (que não são comuns a essa altura nas montanhas). Também afloram grandes pedras que servem como parede, parapeito e resguardo. É um local seguro para se sentar, de onde se avista o caminho do rio e as subidas das serras, logo à frente. Do outro lado do rio, vê-se uma pequena casa de campo e um curral.

Figura 10
Rochas posicionadas intencionalmente para facilitar a locomoção pela área de serras, formando espécies de degraus.

A partir deste segundo ‘local de parada’ (Figura 11), para humanos e animais desta vez, segue-se um trajeto curto que leva até grandes rochas brancas, destacadas na vegetação. Esse local é o indicado pelo senhor que nos guiava como sendo o afloramento onde há argila.

Figura 11
Local de parada já em uma zona alta das serras. As rochas são posicionadas formando ‘andaimes’, permitindo uma área aberta.

Na subida, existem várias rochas brancas e grandes, parecidas com as que nos informaram ser o local onde havia argila, porém não são as indicadas. A diferença na formação e na composição de rochas, de solo e de vegetação é percebida por estas pessoas, pois, ao se realizar tantas vezes um mesmo trajeto, os elementos nele contido começam a ser percebidos nas suas várias características, criando familiaridade e, consequentemente, distinção. O local para a retirada da argila não está claramente evidente para olhos não treinados, pois está em uma encosta íngreme da serra, em uma zona bem alta, como é possível observar na Figura 12.

Figura 12
Local da retirada de argila no alto da serra.

Por sua vez, os caminhos também passam a ser reconhecidos na sua totalidade, sendo perceptível ao caminhante assíduo o que o constitui verdadeiramente e o que está fora do perímetro dele.

Apesar de o trajeto não parecer linear – pois, enquanto se caminhava, a impressão era a de se estar dando mais voltas do que o necessário –, na Figura 13 é possível observar o mapa com os pontos plotados e o trajeto segundo outra perspectiva, na qual se percebe que o caminho é relativamente direto. Foram feitos somente marcadores de paisagem importantes para se seguir uma linha em direção ao destino, porém não se fez desvios ou trajetos mais longos, como é possível observar na Figura 4, onde o trajeto está destacado entre os pontos de saída e de chegada.

Figura 13
Imagem feita por meio do site Google Earth, ilustrando o mapa de El Carmen, Tucumán, Argentina, evidenciando o caminho feito até o afloramento de argila.

Aos olhos de quem desconhecia aquela dinâmica, parecia um passeio por vários lugares; aos olhos daquele que definitivamente conhece a paisagem, os indicadores são claros. Inclusive, estes indicadores do caminho e do trajeto eram acionados pela própria história pessoal daquele pastor. Ao se chegar à primeira casa, o interlocutor contou sobre o tempo que habitou ali, quando criança; contou sobre como a mãe lhe pedia para ir buscar argila, para produzir panelas. Desta forma, todo o trajeto tinha início naquela casa e também naquela lembrança. Ir buscar argila para a mãe e seguir os caminhos de pastoreio com os outros pastores mais velhos eram os eventos que ensinaram este pastor a se movimentar e a identificar os caminhos. Da mesma forma afetiva e funcional que ele havia aprendido, agora passava o conhecimento.

Assim, as paisagens representam um valor prático, com caminhos e locais, e um valor simbólico, a partir de histórias, sensações e lembranças. Os caminhos não são simples trajetos marcados nas serras, mas sim repositórios de eventos e percepções, sendo que as duas representações são complementares e somente existem juntas. A paisagem aqui incorpora a mobilidade pastoril às histórias de vida desses pastores, que vão se repetindo, se transformando e persistindo, criando uma paisagem de um emaranhado de caminhos vivos. Portanto, as paisagens que este pastor descreve são, indiscutivelmente, paisagens do movimento pastoril.

Quanto aos caminhos, eles são de extrema importância na vida pastoril, sendo um acumulado de ações, de histórias e de símbolos que os fazem possíveis. Apenas quem realmente identifica os símbolos que demarcam a paisagem consegue perceber a maioria dos trajetos. Desta forma, é possível afirmar que o movimento implica lugares e trajetos, permitindo perceber e reconhecer a paisagem, pois a lembrança de jornadas aciona uma série de informações psíquicas e materiais. Cada elemento da paisagem – seja uma pedra, o pico de uma montanha, a cerca de um vizinho, entre outros – não é classificado isoladamente, funcionando como gatilhos para histórias narradas. Assim, aqueles que as ouvem e as vivem desenvolvem um conhecimento ao longo dos caminhos andados e das jornadas contadas. O movimento, por si só, é uma forma de conhecimento.

Digo isto, pois pouco antes de ter feito esse trajeto junto ao senhor que nos guiava, fiz uma tentativa de alcançar o afloramento de argila apenas com as indicações que me foram passadas verbalmente. Esta tentativa foi frustrada, pois, apesar de parecerem muito claros os lugares e os caminhos, aos meus olhos eram quase imperceptíveis. O conhecimento das pessoas sobre a paisagem vem das histórias que se contam sobre ela, juntamente ao movimento através dela. Conhece-se a paisagem por experiências objetivas, pois ela depende do movimento ativo. Este movimento deixa traços na paisagem, é um processo de apreensão e de manipulação (limpeza de terreno, construções, o ato de caminhar e de descansar etc.). A paisagem é definida e categorizada: há lugares que são acessíveis e outros que não são.

Sendo assim, o percurso foi seguindo uma série de informações paisagísticas que faziam sentido para o nosso guia. Durante o trajeto, foram utilizadas informações como: cruzar ou avistar casas conhecidas (casa da mãe do pastor, da filha, de vizinhos); seguir e/ou atravessar o curso do rio (mesmo quando está seco); ir por caminhos abertos e/ou limpos de vegetação ou fechados; ver caminhos reconhecidos pela dificuldade ou não do trânsito; passar por porteiras, currais (em uso ou desuso); reconhecer tipos de vegetação; reconhecer tipos de terrenos e de afloramentos rochosos etc. Durante todo o percurso, ia-se contando e indicando casas, os caminhos e os currais, fazendo referência a quem pertenciam e a como chegar a cada um. O caminho para este senhor fazia parte da sua história de vida. Cada elemento presente na paisagem era um marco que integrava a sua história à história de vida do pastor.

Desta forma, a paisagem constitui-se na relação entre as duas capacidades do habitus, a de produzir e a de diferenciar práticas que implicam a apreensão e a naturalização do espaço. Por isso que as diversas percepções de mundo levam à criação de componentes diferentes na paisagem, fazendo com que o trajeto fosse simples quando feito com quem o conhecia e difícil de ser seguido sem o conhecimento dos símbolos. Portanto, existe uma identidade envolvendo a construção de lugares, que, neste caso, está associada à atividade pastoril. O trajeto e o lugar são plausíveis de definição porque a sua representação existe na memória das pessoas, a qual pode ser acionada a qualquer momento, tanto quando se está fazendo o percurso como quando se está lembrando de como fazê-lo. Esta noção está relacionada à construção significativa de um local, que implica um pensamento e a ação que acessam diversas escalas: paisagem, territórios, comunicação, construções individuais, corpos etc.

Assim, no processo de movimento, reconhece-se e retoma-se na memória o conhecimento; observa-se e apreende-se o entorno; e os trajetos e o conhecimento são descritos aos outros. Para isso, descreve-se a aparência de certos indicadores e os dados de proximidade e de distância que se conhecem (tipos de rochas, tipos de caminhos, tempo de caminhada, vegetação etc.). Descrever as rotas implica a internalização da paisagem à volta, pois, no cotidiano, mapas cognitivos começam a ser formados por intermédio da repetição, codificando o meio de forma inteligível. A partir dos sistemas cognitivos, percebe-se o que se deve ver, expondo-se o conhecimento espacial, através de códigos inteligíveis culturalmente. Assim, é através do caminhar e da repetição que caminhos e lugares passam a integrar a tradição das pessoas, principalmente porque estes pastores do vale de Santa María perpetuam a sua paisagem pautada no movimento de vida pastoril.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão que permeia a paisagem vem se desenvolvendo intensamente nas últimas décadas, considerando cada vez mais a fluidez e a dinâmica com que as populações apreendem e significam o meio à volta. No caso dos pastores, a paisagem parte de classificações do seu cotidiano, onde integram testemunhos de um sistema pastoril a memórias de vida do pastor.

Como vimos no trajeto descrito, o objetivo de se fazer o caminho era o de alcançar o afloramento de argila, porém todo caminho era marcado e reconhecido a partir de paisagem pastoril. Os caminhos andados e os locais de parada representavam o ritmo do pastor junto ao seu rebanho, e os marcadores da paisagem eram registros materiais da atividade pastoril nesses caminhos e lugares, visíveis nos currais que aparecem ao longo do trajeto, na vegetação e nos indícios da passagem dos animais. Neste caso descrito, todo o processo de apreensão da paisagem está ligado à mobilidade pastoril, sendo que os caminhos e os lugares são utilizados para levar os animais aos locais onde há os recursos necessários nas diferentes temporadas de um ciclo anual e, assim, criam familiaridade das pessoas com o meio. Deste modo, transformam uma área de recursos em lugares com significados, a partir de histórias de vida e dos registros materiais da mobilidade pastoril, estabelecendo uma relação de identidade do pastor com aquela paisagem.

  • 1
    Huancas significa ‘pedra sobre pedra’ em um idioma pretérito local (em locais dos Andes Centrais e Norte, estas formações antrópicas também podem ser chamadas de apachetas). O próprio nome remete à estrutura que consiste em rochas empilhadas, de tamanhos variados, e reproduzem uma pluralidade simbólica, como representações das serras e local de pertencimento à terra. São encontradas, ao longo dos caminhos, nos limites das áreas de pastagens e nas passagens da área de serras.
  • 2
    Os dados brutos do trabalho completo podem ser disponibilizados mediante requerimento via e-mail.
  • 3
    Estes trabalhos – vinculados ao Proyecto Arqueológico sierra del Cajón, sob a direção do Dr. Javier H. Nastri – continuam em andamento, levantando dados referentes a estas ocupações pretéritas no interior da serra do Cajón. Cada vez mais, é possível assumir uma postura que indique a presença do pastoreio desde tempos pretéritos até os dias atuais. Diante de tal afirmação, é indispensável deixar claro que não se está afirmando uma continuidade étnica direta, mas a de um modo de produção e de aproximação da paisagem.
  • 4
    Eram diques utilizados para reter a água nos momentos em que o rio não está caudaloso. Esta água é utilizada para regar plantios, para uso dos animais e para limpar os chiqueiros.

AGRADECIMENTOS

Agradeço às pessoas de Santa María e de El Carmen, pelos ensinamentos e pela ajuda; a Nestor Wachsman, pela parceria em muitos destes caminhos e pesquisa de campo; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro, que fomentou este trabalho; e aos pesquisadores do Proyecto Arqueológico Sierra del Cajón.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2017
  • Aceito
    08 Jan 2018
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