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Ocupações humanas do Holoceno inicial e médio no sudoeste amazônico

Early and Middle Holocene human ocuppations in Southwest Amazon

Resumo

Durante muitas décadas, debateu-se sobre a existência ou não de sociedades antigas na floresta amazônica, relacionadas aos períodos do Holoceno inicial e médio. Há pelo menos 20 anos, evidências cada vez mais fortes vêm colocando o bioma amazônico no mapa das primeiras ocupações humanas no continente americano. Este artigo é parte deste esforço e discorre sobre os contextos arqueológicos mais antigos evidenciados na calha do alto rio Madeira, estado de Rondônia, Brasil. Foram analisados os dados até então produzidos, essencialmente as publicações de Eurico Miller, juntamente com as investigações que vêm sendo realizadas pela equipe do Projeto Alto Madeira nos últimos dez anos. Destaque especial será dado para as últimas intervenções realizadas no sítio arqueológico Teotônio, no qual foi possível identificar e comprovar a existência de camadas profundas de ocupação humana com datas do Holoceno inicial e médio.

Palavras-chave
Arqueologia amazônica; Alto rio Madeira; Holoceno inicial; Holoceno médio

Abstract

For many decades, there has bien a debate on whether earliest societies existed in the Amazon rainforest during the Early and Middle Holocene periods. At least for the past 20 years, increasingly strong evidence has placed the Amazon biome on the map of the first human occupations in the American continent. The present paper is part of this effort. It deals with the oldest human occupations evidenced in the upper Madeira River, Rondônia State, Brazil. Essentially, it analyzes the data produced in the publications of Eurico Miller combined with the investigations of the Upper Madeira Project team over the last ten years. Special emphasis is given to the latest interventions at the Teotonio archaeological site, where it was possible to identify and prove the existence of deep layers of human occupation dating from the Early and Middle Holocene.

Keywords
Amazon Archaeology; Upper Madeira river; Early Holocene; Middle Holocene

INTRODUÇÃO

A arqueologia está confirmando, gradualmente, que a presença humana na região amazônica é não só antiga como também, em alguns casos, duradoura e estável. Nos últimos dez anos, ocupações do Holoceno médio e inicial estão sendo reportadas cada vez mais no registro arqueológico, em sítios que se encontram dispersos por toda a região amazônica.

No sudoeste da Amazônia, as escavações empreendidas por Eurico Miller no sítio Abrigo do Sol e na calha do alto rio Madeira marcaram um ponto de inflexão na confirmação da existência antiga de grupos humanos na Amazônia pré-colombiana. A cronologia proposta pelo arqueólogo, que abarca todo o Holoceno, foi sistematizada em forma de fases e tradições.

Em um desses sítios do alto rio Madeira, o sítio Teotônio, dados recentes reafirmam a antiguidade do registro arqueológico, e mostram que tal lugar compõe um palimpsesto de ocupações humanas, que vai desde 9.500 AP até o presente, involucrando diferentes formas de relações sociais, impressas em registros de culturas materiais específicas. O início dessas ocupações ocorreu ainda durante o Holoceno inicial (Fase Girau), e durante o Holoceno médio essas populações começaram um processo de intensificação do manejo ambiental, o que resultou no aparecimento das primeiras terras pretas antropogênicas (Fase Massangana).

A existência dessas ocupações humanas no Holoceno inicial e médio se materializa pela presença de uma expedita indústria de lascas de quartzo, obtidas por meio de lascamento unipolar e por instrumentos de rocha polida, que variavam em sua função nas atividades de processamento de pesca e de bens de consumo botânicos.

OCUPAÇÕES HUMANAS ANTIGAS NA AMAZÔNIA

A existência de antigas ocupações humanas na bacia amazônica é um tema amplamente discutido na bibliografia específica (Bueno, 2010Bueno, L. (2010). Beyond typology: looking for processes and divesity in the study of lithic technology in the Brazilian Amazon. Journal of World Prehistory, 23(3), 121-143.; Moraes, 2019Moraes, C. P. (2019). O papel da arqueologia brasileira na discussão sobre os cenários e os processos das primeiras ocupações humanas das Américas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(2), 259-262. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222019000200002
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; Shock & Moraes, 2019Shock, M. P., & Moraes, C. P. (2019). A floresta é o domus: a importância das evidências arqueobotânicas e arqueológicas das ocupações humanas amazônicas na transição Pleistoceno/Holoceno. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(2), 263-289. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222019000200003
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), e a afirmação de que os trópicos americanos foram palco de sociedades duradouras e estáveis durante o Holoceno inicial e médio é fruto de um debate intenso, que perdurou até a década de 1990 (Meggers, 1954Meggers, B. J. (1954). Environmental limitation on the development of culture. American Anthropologist. New Series, 56(5), 801-824. doi: https://doi.org/10.1525/aa.1954.56.5.02a00060
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; Meggers & Miller, 2003Meggers, B. J., & Miller, E. (2003). Hunter-gatherers in Amazonia during the Pleistocene-Holocene transition. In J. Mercader (Org.), Under the canopy: the archaeology of tropical rain forests (pp. 291-316). New Brunswick: Rutgers University Press.). Durante muito tempo, enquanto a arqueologia se consolidava como campo do conhecimento nas terras baixas sul-americanas, a possibilidade de existirem ocupações antigas na floresta tropical amazônica era vista como muito pouco provável (Neves, 1999-2000Neves, E. G. (1999-2000). O velho e o novo na arqueologia amazônica. Revista USP, (44), 86-111. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i44p86-111
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).

Parte desse debate se dava em torno de alguns elementos concretos: até a década de 1990, não havia sítios e contextos com uma quantidade significativa de dados arqueológicos para confirmarem que a chegada do homem à bacia amazônica teria sido muito antiga. Brochado et al. (1969)Brochado, J. P., Calderón, V., Chmyz, I., Dias, O. F., Evans, C., Maranca, S., . . . Simões, M. F. (1969). Arqueologia brasileira em 1968: um relatório preliminar sobre o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, (12), 3-33. Recuperado de https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/480
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, em um relatório de compilação de dados do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), dizem:

Nenhum grupo pré-cerâmico foi ainda reconhecido na bacia amazônica e alguns fatores podem ser apontados para explicar tal situação: um é a densa vegetação que torna difícil a localização dos sítios; outro, a escassez de pedra, implicando em ser a maioria dos artefatos confeccionada de materiais perecíveis, não sobrevivendo arqueologicamente; outro, ainda, a falta de pesquisas intensivas

(Brochado et al., 1969Brochado, J. P., Calderón, V., Chmyz, I., Dias, O. F., Evans, C., Maranca, S., . . . Simões, M. F. (1969). Arqueologia brasileira em 1968: um relatório preliminar sobre o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, (12), 3-33. Recuperado de https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/480
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, p. 23).

Outra parte dessa incerteza estava calcada nas premissas teóricas de significativos trabalhos arqueológicos (Barreto, 2000Barreto, C. (2000). A construção de um passado pré-colonial: uma breve história da arqueologia no Brasil. Revista USP, 44, 32-51.), que possuíam uma perspectiva frente ao ambiente de floresta tropical, de características bastante deterministas. Meggers (1954)Meggers, B. J. (1954). Environmental limitation on the development of culture. American Anthropologist. New Series, 56(5), 801-824. doi: https://doi.org/10.1525/aa.1954.56.5.02a00060
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, provavelmente a arqueóloga que mais aflorou em seus escritos esse tipo de interpretação, acreditava que a ocupação humana da floresta amazônica tinha se dado em períodos bastante recentes, uma vez que a migração humana a esse bioma teria partido de populações andino-caribenhas, e que era muito pouco provável que elas poderiam ter se deslocado à bacia amazônica antes de 3.000 AP.

O plano de fundo das assertivas de Meggers (1971)Meggers, B. J. (1971). Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise. Washington D.C.: Smithsonian Institute Press. era uma visão bastante determinista em relação à dialética homem e natureza na floresta amazônica. Ela acreditava que as populações humanas nas terras baixas tropicais americanas possuíam fatores limitados de desenvolvimento socioeconômico, que teriam sido delineados pelas condições ecológicas. Assim, sociedades pré-ceramistas de caráter caçador-coletor, que não teriam tido a capacidade de controle da produção de alimentos por meio da agricultura, dificilmente se reproduziriam em um ambiente que, segundo ela, possuía pouca oferta de proteína (Gross, 1975Gross, D. R. (1975). Protein capture and cultural development in the Amazon basin. American Anthropologist, 77(3), 526-549.; Beckerman, 1979Beckerman, S. (1979). The abundance of protein in Amazonia: a reply to Gross. American Anthropologist, New Series, 81(3), 533-560. doi: https://doi.org/10.1525/aa.1979.81.3.02a00020
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).

Ainda que na década de 1980 investigações arqueológicas pontuais tenham começado a indicar a presença humana antiga em sítios ao longo da bacia amazônica (Boomert, 1980Boomert, A. (1980). The sipaliwini archaeological complex of Surinam: a summary. Nieuve West-Indische Gids, 54(1), 94-107. doi: https://doi.org/10.1163/22134360-90002131
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; Mentz-Ribeiro, 1997Mentz-Ribeiro, P. A. (1997). Arqueologia em Roraima: histórico e evidências de um passado distante. In R. I. Barbosa, E. J. G. Ferreira & E. G. Castellon (Eds.), Homem, ambiente e ecologia no estado de Roraima (pp. 3-24). Manaus: INPA.; Simões, 1983Simões, M. (1983). Pesquisa e cadastro de sítios arqueológicos na Amazônia Legal brasileira: 1978-1982. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, (38), 5-100. Recuperado de https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/277
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), o debate foi retomado no início dos anos 1990 por Bailey et al. (1989)Bailey, R. C., Head, G., Jenike, M., Owen, B., Rechtman, R., & Zechenter, E. (1989). Hunting and gathering in tropical rain forest: is it possible?. American Anthropologist, 91(1), 59-82. doi: https://doi.org/10.1525/aa.1989.91.1.02a00040
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, que escreveram um artigo chamado “Hunting and gathering in tropical rain forest: is it possible?”, onde argumentam a ideia, uma vez mais, de que não existiriam registros etnográficos ou arqueológicos para que seja possível defender a viabilidade de sociedades de tipo caçadoras-coletoras na Amazônia.

De acordo com Bailey et al. (1989)Bailey, R. C., Head, G., Jenike, M., Owen, B., Rechtman, R., & Zechenter, E. (1989). Hunting and gathering in tropical rain forest: is it possible?. American Anthropologist, 91(1), 59-82. doi: https://doi.org/10.1525/aa.1989.91.1.02a00040
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, o ambiente natural das florestas tropicais no mundo não forneceria a quantidade necessária de carboidratos para a que uma sociedade de tipo caçador-coletor pudesse sobreviver. Essa hipótese era amparada por estudos etnográficos de distintos contextos de grupos que vivem em áreas tropicais e que, apesar de terem aspectos de forma com o que tradicionalmente se define como um modelo caçador-coletor ‘puro’, possuem algum tipo de relação com grupos vizinhos horticultores. “Neither of us were able to find any unambiguous ethnographic account of people living in tropical rain forests without some reliance on domesticated plants and animals” (Bailey & Headland, 1991Bailey, R. C., & Headland, T. N. (1991). The Tropical Rain Forest: is it a productive environment for human foragers? Human Ecology, 19(2), 261-285. doi: https://doi.org/10.1007/BF00888748
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, p. 120), defendem os autores.

O cerne desta questão está relacionado a um tópico clássico da arqueologia amaricana, a ligação imediata entre os primeiros habitantes da floresta amazônica e uma economia que seria exclusivamente de caça e de coleta. Para Oliver (2008)Oliver, J. (2008). The archaeology of forest foraging and agricultural production in Amazonia. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon: culture in nature in ancient Brazil (pp. 51-85). Londres: British Museum Press., existiu durante boa parte do século XX uma ideia preponderante de que “the first South Americans exclusively favoured a narrow spectrum diet and specialized in big game hunting” (Oliver, 2008Oliver, J. (2008). The archaeology of forest foraging and agricultural production in Amazonia. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon: culture in nature in ancient Brazil (pp. 51-85). Londres: British Museum Press., p. 54), e acaba por definir uma categorização bastante idealizada para os primeiros grupos no continente americano.

Na Amazônia, especificamente, é pouco provável que esse modelo descrito por Oliver (2008)Oliver, J. (2008). The archaeology of forest foraging and agricultural production in Amazonia. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon: culture in nature in ancient Brazil (pp. 51-85). Londres: British Museum Press. tenha ocorrido como tal, o que poderia servir de argumento para os defensores da teoria de que não existiram sociedades caçadoras-coletoras na floresta amazônica. No entanto, o problema dessa hipótese é que ela implica a não existência de outros tipos de modelos de ocupação humana durante o Holoceno inicial, pois esta seria a única forma de organização social e econômica para o período (Meggers & Miller, 2003Meggers, B. J., & Miller, E. (2003). Hunter-gatherers in Amazonia during the Pleistocene-Holocene transition. In J. Mercader (Org.), Under the canopy: the archaeology of tropical rain forests (pp. 291-316). New Brunswick: Rutgers University Press.).

Essa perspectiva revela uma forte carga social-evolucionista em seus defensores, que acreditavam que as sociedades teriam percorrido um caminho único e linear de desenvolvimento, que terminava em um modelo estável, sedentário e horticultor. Além disso, desde os anos 1980 já haviam indícios fortes para a existência de antigas ocupações humanas na bacia amazônica, fato totalmente ignorado por uma parte dos acadêmicos.

Politis (2009)Politis, G. G. (2009). Nukak: ethnoarchaeology of an Amazonian people. Londres: Left Coast Press. faz uma importante reflexão sobre as primeiras ocupações humanas na Amazônia, ao indicar que há um problema estrutural no fato de que esse modelo tradicional tende a projetar, nas culturas arqueológicas do passado, as características das atuais sociedades caçadoras-coletoras, como se fossem testemunhos vivos daquelas. Para ele, a ideia de que os atuais grupos caçadores-coletores da Amazônia são descendentes diretos de populações do passado, que foram expulsos das margens dos grandes rios, ainda é muito difundida no meio acadêmico. Meggers (1971)Meggers, B. J. (1971). Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise. Washington D.C.: Smithsonian Institute Press. é um exemplo canônico dessa visão, segundo a qual as condições socioeconômicas das sociedades indígenas atuais são projetadas em modelos pré-coloniais, o que nega os séculos de colonização e extermínio europeu.

Hoje em dia, há um quadro de dados arqueológicos bastante amplo (Bueno, 2010Bueno, L. (2010). Beyond typology: looking for processes and divesity in the study of lithic technology in the Brazilian Amazon. Journal of World Prehistory, 23(3), 121-143.; Moraes, 2019Moraes, C. P. (2019). O papel da arqueologia brasileira na discussão sobre os cenários e os processos das primeiras ocupações humanas das Américas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(2), 259-262. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222019000200002
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; Mongeló, 2019Mongeló, G. Z. (2019). Outros pioneiros do sudoeste amazônico: ocupações holocênicas na bacia do Alto Rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.) quanto à ocupação humana da Amazônia durante o período do Holoceno inicial e médio, e acredita-se que o debate sobre a existência ou não de ocupações antigas na região não é mais uma questão aberta. Os dados produzidos na região do alto rio Madeira, por distintas equipes arqueológicas ao longo dos últimos 20 anos, contribuíram consideravelmente para a confirmação da antiguidade humana na floresta amazônica, o que revelou um intrigante contexto arqueológico, o qual se tentará resumir neste artigo.

OCUPAÇÕES HOLOCÊNICAS NO ALTO RIO MADEIRA: QUADRO GERAL

A antiguidade da ocupação humana na região começou a ser aventada pelos trabalhos iniciais de Eurico Miller, ainda nos anos 1980. Ao trabalhar com amostragem de campo com base em intervenções pequenas, o arqueólogo demonstrou a existência de camadas pré-ceramistas na calha dos rios Madeira, Mamoré e Jamari (Miller, 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum.), e este será o recorte geográfico do presente artigo.

Inicialmente, Miller trabalhou nos rios Mamoré e Madeira, que compõem a mesma calha, e que mudam de nome quando o primeiro encontra o rio Abunã. Todo o trecho encachoeirado destes rios, desde a cidade de Guajará-Mirim até Porto Velho, foi prospectado pelo arqueólogo. Posteriormente, nos anos 1990, quando da construção da Usina Hidrelétrica de Samuel, Miller realizou escavações de resgate arqueológico no rio Jamari, um importante afluente da margem direita do rio Madeira, ainda no estado de Rondônia (Figura 1).

Figura 1
Mapa de localização dos sítios arqueológicos do Holoceno inicial e médio nas calhas dos rios Madeira, Mamoré e Jamari. Sítios: (1) Teotônio; (2) Ribeirão; (3) Pederneira 2; (4) Girau; (5) Paredão; (6) Periquitos; (7) Cachoeirinha; (8) RO-PV-58; (9) RO-PV-27; (10) Lima; (11) Itapipoca; (12) Monte Cristo; (13) RO-PV-11; (14) Garbin. Fonte: Mongeló (2019, p. 71)

Existem poucas informações sobre os contextos antigos para a região, e antes da expansão de projetos arqueológicos na área, por volta dos anos 2010, apenas as investigações pontuais de Eurico Miller eram referências para o debate. Pelo fato de essas publicações apresentarem diversas lacunas quanto a datações, à descrição de contextos e à apresentação da cultura material, uma boa parte da comunidade acadêmica sempre tomou suas afirmações com relativo cuidado.

Para o período de transição Pleistoceno/Holoceno, Miller (1987a, 1999) identificou a existência de dois conjuntos culturais na região, o Complexo Dourados, no rio Guaporé, e o Complexo Cultural Periquitos, no rio Madeira. Aqui não se entrará nos pormenores desses contextos, que ainda carecem de muitos dados e nos quais não foram identificados novos vestígios com essa idade cronológica por outros pesquisadores. No que diz respeito ao período do Holoceno inicial, que começa por volta de 10.000 anos, o arqueólogo identificou, na bacia do rio Madeira, a presença de três contextos arqueológicos que ele classificou em relação ao material arqueológico e aos padrões de assentamento.

Em relação à nomenclatura desses ‘tipos’ culturais, Miller (1992aMiller, E. T. (1987a). Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil ocidental. Estudios Atacameños, (8), 39-64. doi: https://doi.org/10.22199/S07181043.1987.0008.00005
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, 1992bMiller, E. T. (1992b). Arqueologia nos empreendimentos hidrelétricos da Eletronorte. Brasília: Eletronorte., 1999)Miller, E. T. (1999). A limitação ambiental como barreira à transposição do período formativo no Brasil: tecnologia, produção de alimentos e formação de aldeias no sudoeste da Amazônia. In P. Ledergerber-Crespo (Ed.), Formativo Sudamericano, una revaluación (pp. 331-339). Quito-Equador: Ediciones Abya-Yala. não tece nenhum comentário aprofundado pelo tipo da escolha. Assim, não se sabe qual seria a diferença, para ele, entre complexo, fase ou tradição arqueológica. Na bacia do rio Jamari, foram identificados e denominados dois contextos arqueológicos pré-ceramistas: a Fase Itapipoca e a Fase Pacatuba, descritas após as atividades de licenciamento ambiental, no momento da construção da UHE Samuel. Este rio foi represado, nos 1980, a poucos quilômetros de sua desembocadura no rio Madeira, e os trabalhos ali efetuados foram foco de diversas publicações de Miller.

A Fase Itapipoca está presente em dois sítios lozalizados no médio rio Jamari, Monte Cristo (RO-PV-29) e Itapipoca (RO-PV-59), ambos em áreas adjacentes às cachoeiras. A indústria lítica dessa fase é catacterizada por “lascas de sílex, quartzo e rochas cristalinas de pequenas a grandes, finas a grossas, com e sem retoque” (Miller, 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., p. 221). Foram encontrados também núcleos esgotados, raspadores laterais e circulares e percutores de diversos tamanhos. De acordo com Miller (1987cMiller, E. T. (1987c). Inventário Arqueológico da Bacia e Sub-Bacias do Rio Madeira: 1974-1987. Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A., 1992a)Miller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., as camadas relacionadas à Fase Itapipoca encontram-se ‘estratigraficamente no Holoceno Antigo’, quase em contato com a rocha granítica basal, e possuem datas que vão de 8.230 ± 100 a 6.980 ± 60 AP (Miller, 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum.).

A Fase Pacatuba, por sua vez, foi encontrada junto a ‘sítios-habitação’ da Fase Jamari (fase cerâmica mais recente). Com base em dois sítos, Lima (RO-PV-32) e Cachoeirinha (RO-PV-52) do médio rio Jamari, Miller (1992a)Miller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum. a definiu como uma cultura arqueológica composta por pequena quantidade de lascas, em sua maioria quartzo e, em menor quantidade, sílex e outras rochas cristalinas. Segundo ele, foi encontrado, ainda, “percutores e calhaus de quartzito e sílex, pedras-bigorna, núcleos e polidores, toscas lâminas de machados lascadas bifacialmente” (Miller, 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., p. 223). Duas datas foram publicadas em 1992 para essa fase: 8.230 ± 100 (Beta-27015) e 4.780 ± 70 (Beta 27021). Em 2003, outras duas mais: 6.090 ± 130 e 5.210 ± 70 (Meggers & Miller, 2003Meggers, B. J., & Miller, E. (2003). Hunter-gatherers in Amazonia during the Pleistocene-Holocene transition. In J. Mercader (Org.), Under the canopy: the archaeology of tropical rain forests (pp. 291-316). New Brunswick: Rutgers University Press.).

Não há uma elaboração muito profunda ou detalhada sobre estes dois conjuntos. Miller (1987c, 1992a) os define como sendo a representação material de grupos caçadores-coletores que ocuparam distintos lugares, em diferentes momentos: Itapipoca, durante o Holoceno inicial, e Pacatuba, durante um período do Holoceno médio. Em relação ao material lítico, não há uma diferença muito clara entre os dois conjuntos, que se caracterizam principalmente pela tecnologia expedita de rochas locais, o que dá um caráter bastante diminuto às peças de quartzo.

No que diz respeito ao mesmo período, o Holoceno inicial, mas na calha do rio Madeira, Miller (1987c)Miller, E. T. (1987c). Inventário Arqueológico da Bacia e Sub-Bacias do Rio Madeira: 1974-1987. Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A. descreve outro conjunto cultural antigo, localizado em seis sítios às margens de cachoeiras, e o denomina como Complexo Girau. Este conjunto está relacionado a grupos que, para ele, são de sociedades caçadoras-coletoras nos sítios Teotônio, Pederneiras 2, Paredão, Girau, Periquitos e Ribeirão.

Sobre o Complexo Girau, ele categoricamente o define apenas como uma camada de ocupação do Holoceno médio, entre 6.000 e 9.000 anos. Os vestígios são encontrados na base de sedimentos não consolidados do Holoceno, ou seja, no contato dos horizontes sedimentares mais antigos com a rochas basais.

Segundo ele, o material lítico é caracterizado pela presença de lascas de quartzo, sílex e rochas graníticas, “obtidas por percussão dura direta, com poucas evidências de retoque por pressão” (Miller, 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., p. 222). É descrita também a existência de algumas lâminas e núcleos esgotados, que poderiam ser interpretados como raspadores.

Importante frisar que todos os seis sítios levantados por Miller (1987c)Miller, E. T. (1987c). Inventário Arqueológico da Bacia e Sub-Bacias do Rio Madeira: 1974-1987. Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A., que possuem camadas do complexo Girau, estão localizados na margem direita do rio Madeira, e adjacentes às cachoeiras, característica, inclusive, ressaltada por Simões (1983)Simões, M. (1983). Pesquisa e cadastro de sítios arqueológicos na Amazônia Legal brasileira: 1978-1982. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, (38), 5-100. Recuperado de https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/277
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. Também estão localizados em margens de cachoeiras os sítios das fases Itapipoca e Pacatuba. Pode ser que exista, nesse caso, um padrão por escolha de assentamento, seja ele perene ou não. As áreas de cachoeiras podem ter sido escolhidas pelas antigas populações como lugares prediletos, levando-se em conta elementos como a obtenção de recursos, alta visibilidade e segurança. No entanto, é possível também que se trate de um viés amostral, influência da metodologia de prospecção que priorizou essas áreas de cachoeiras.

No que diz respeito ao período do Holoceno médio, foram identificadas, por Miller (1992aMiller, E. T. (1987a). Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil ocidental. Estudios Atacameños, (8), 39-64. doi: https://doi.org/10.22199/S07181043.1987.0008.00005
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, 1992b)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987). e Zuse (2014)Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., camadas de ocupação em sete sítios arqueológicos (Teotônio, Garbin, Ribeirão, RO-PV-48, RO-PV-11A, RO-PV-35 e RO-PV-27) nos rios Madeira e Jamari. A localização desses sítios, sempre em margens de cachoeiras, mostra mais uma vez que pode haver um nicho específico sendo ocupado por essas populações, padrão replicado posteriormente por grupos ceramistas mais recentes (Almeida & Kater, 2017Almeida, F. O., & Kater, T. (2017). As cachoeiras como bolsões de história dos grupos indígenas das terras baixas sul-americanas. Revista Brasileira de História, 37(75), 39-67. doi: https://doi.org/10.1590/1806-93472017v37n75-02a
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).

Miller (1992aMiller, E. T. (1987a). Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil ocidental. Estudios Atacameños, (8), 39-64. doi: https://doi.org/10.22199/S07181043.1987.0008.00005
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, 1992b)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987). denominou esse conjunto de Fase Massangana, caracterizado pela presença de camadas de solo antropizado, típicas terras pretas amazônicas, associadas à grande presença de artefatos líticos, como lascas, raspadores, bigornas e pequenas mãos de pilão.

Os solos antrópicos de tipo terra preta aparecem no registro arqueológico normalmente relacionados a ocupações ceramistas não mais antigas do que 3.000 AP (Neves et al., 2014Neves, E. G., Guapindaia, V., Lima, H. P., Costa, B., & Gomes, J. (2014). A tradição Pocó-Açutuba e os primeiros sinais visíveis de modificações de paisagens na calha do Amazonas. In S. Rostain (Ed.), Amazonia memorias de las conferencias magistrales del 3er Encuentro Internacional de Arqueologia Amazónica (pp. 137-158). Quito: Ikiam.). Em tais contextos do alto rio Madeira, Miller (1992aMiller, E. T. (1987a). Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil ocidental. Estudios Atacameños, (8), 39-64. doi: https://doi.org/10.22199/S07181043.1987.0008.00005
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, 1992b)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987). obteve datações que vão de 4.780 AP até 2.640 AP no rio Jamari, em camadas que não possuem conjuntos cerâmicos. Para ele, seria o indício do processo de neolitização das populações de caçadores-coletores do alto rio Madeira, que, em um longo processo de mudanças tecnológicas e econômicas, estavam em vias de se tornar ceramistas-sedentárias. A presença de elementos típicos de grupos caçadores-coletores (presença de lítico lascado, ausência de cerâmica) com elementos clássicos de grupos ceramistas sedentários (a terra preta) fez que ele caracterizasse esses contextos como uma etapa de transição, em que, segundo Miller (1999)Miller, E. T. (1999). A limitação ambiental como barreira à transposição do período formativo no Brasil: tecnologia, produção de alimentos e formação de aldeias no sudoeste da Amazônia. In P. Ledergerber-Crespo (Ed.), Formativo Sudamericano, una revaluación (pp. 331-339). Quito-Equador: Ediciones Abya-Yala., já estariam presentes importantes marcadores, como a sedentarização (inferida pela presença de terra preta) e a agricultura (inferida pela presença de instrumentos polidos e machados).

O SÍTIO TEOTÔNIO: NOVOS DADOS

Desde 2008, o Projeto Alto Madeira vem se debruçando sobre alguns dos principais questionamentos arqueológicos acerca da região, e alguns deles já haviam sido levantados por Eurico Miller. A antiguidade da ocupação humana no local é um dos temas que ainda carecia de maior quantidade de dados, assim como uma discussão mais aprofundada sobre o surgimento de terras pretas em contextos aparentemente muito antigos.

Tendo esses temas como alguns dos objetivos principais, a equipe do PALMA (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A tradição polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Kater, 2018Kater, T. (2018). O sítio Teotônio e as reminiscências de uma longa história indígena no Alto Rio Madeira (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Sergipe, Laranjeiras, SE, Brasil.; Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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; Mongeló, 2019Mongeló, G. Z. (2019). Outros pioneiros do sudoeste amazônico: ocupações holocênicas na bacia do Alto Rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.) identificou, no sítio Teotônio, camadas profundas com a presença de vestígios arqueológicos, abaixo das camadas de conjuntos cerâmicos recentes. Durante as atividades de prospecção e de delimitação do sítio, foi realizada uma malha com 140 tradagens (test-pits), que guiou a escolha para a definição de áreas específicas para escavação, por apresentarem alta incidência de material lítico lascado junto a solos de terra preta, com pouco ou nenhum fragmento cerâmico.

Durante as atividades de escavação dessas áreas, foram identificadas duas camadas arqueológicas localizadas estratificamente abaixo dos níveis de ocupação ceramista. A primeira é composta por solo não antropizado, feita de material lítico lascado e fragmentos de carvão, em contato direto sobre a rocha basal e no latossolo amarelado; essa camada está relacionada com o processo inicial de colonização desse território pelas populações humanas. A presença dessas camadas é bastante pontual nesse caso, ocupando cerca de 1 dos 50 hectares do sítio. Esse contexto, para fins de discussão com os dados levantados por Miller (1987c)Miller, E. T. (1987c). Inventário Arqueológico da Bacia e Sub-Bacias do Rio Madeira: 1974-1987. Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A. anteriormente, foi denominado de Fase Girau e, de fato, como se argumentará na Conclusão, possui características que são comparáveis.

O material lítico evidenciado e analisado referente à Fase Girau é predominantemente lascado, com matéria-prima proveniente de rochas locais, notadamente o quartzo de veio. As lascas foram, provavelmente, os instrumentos fabricados e utilizados por excelência, caracterizando uma indústria lítica tecnologicamente simples (Stothert, 1974Stothert, K. (1974). The lithic technology of the Santa Elena Peninsula, Ecuador: a method for the analysis of technologically simple stonework (Tese de doutorado). Yale University, New Haven, Connecticut, USA., 2011; Tabarev & Kanomata, 2015Tabarev, A. V., & Kanomata, Y. (2015). “Tropical Package”: peculiarities of the lithic industries of the most ancient cultures, Coastal Ecuador, Pacifil Basin. Archaeology Ethnology & Antrhopology of Eurasia, 43(3), 64-76. doi: https://doi.org/10.1016/j.aeae.2015.11.007
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). Possuem um “ciclo de produção tecnologicamente curto e unitário: ação única ou poucas ações de motificação da rocha, que converteram a matéria-prima em instrumentos de utilização, com a característica de que o produto final não é tão diferente do original” (Mongeló, 2019Mongeló, G. Z. (2019). Outros pioneiros do sudoeste amazônico: ocupações holocênicas na bacia do Alto Rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., p. 164). Nesse tipo de indústria, a maior parte dos artefatos possui uma quantidade de córtex, uma vez que as matérias-primas possuem tamanhos pequeno e médio, e soma-se o fato de que compõe cadeias operatórias pouco elaboradas.

Existe uma relativa estabilidade do ponto de vista tecnológico nessa indústria que abarca todo o Holoceno inicial e médio (a ocupação posterior se denomina Fase Massangana), com poucas mudanças bem marcadas nessa cadeia operatória. Além da continuidade da utilização de matérias-primas locais, a predominância do uso de lascas unipolares obtidas por percussão direta dura é o elemento mais característico.

Em uma intervenção de 2 m², foram recuperados 414 fragmentos de lascas, núcleos, percutores e fragmentos de machados polidos. Estes instrumentos, de tecnologia simples, indicam um manejo bastante diversificado dos recursos naturais (Pugliese, 2007Pugliese, F. A. (2007). Os líticos de Lagoa Santa: um estudo sobre organização tecnológica de caçadores coletores do Brasil Central (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Stothert, 1974Stothert, K. (1974). The lithic technology of the Santa Elena Peninsula, Ecuador: a method for the analysis of technologically simple stonework (Tese de doutorado). Yale University, New Haven, Connecticut, USA.), de forma que a homogeneidade tecnológica expressa por uma indústria majoritariamente composta de lascas e de núcleos esgotados possui, na verdade, uma gama diversa de possibilidade de usos.

Nas camadas arqueológicas da Fase Girau, no sítio Teotônio, foram identificadas, além dos conjuntos líticos, lentes de carvões localizadas entre rochas lateritas. Muitas das rochas aparecem na estratigrafia como se estivessem ‘flutuando’, não estando sobrepostas a outras rochas. Isso parece indicar uma modificação antrópica dessas áreas específicas, principalmente na área de escavação 3 (Figura 2) do sítio, em que é possível ver rochas lateritas, de tamanho médio e grande, que foram acumuladas intencionalmente. Não é possível ainda aclarar sobre a disposição original dessas rochas, de maneira a reconstruir o que pode ter sido, no entanto, não há dúvidas sobre seu caráter de modificação antrópica.

Figura 2
Área de escavação 3, perfil sul, camada Girau.

Em relação à cronologia, foram realizadas três datações em camadas relacionadas à Fase Girau no sítio Teotônio. Acredita-se que apenas uma destas amostras seja realmente válida para o contexto. A amostra do PN 4613, coletada a 130 cm de profundidade, extrapolou os limites de datação por carbono 14, o que pode indicar algum grau de contaminação. Uma bioturbação identificada no perfil da área de escavação 3 parece justificar a data da amostra PN4611, que indicou 5.120 ± 30, mais recente do que as amostras obtidas na camada imediatamente superior. Provavelmente, houve uma inversão estratigráfica e a amostra veio a se percolar para uma camada mais profunda, em razão de processos naturais.

Na base desta mesma área de escavação, no entanto, foi possível coletar uma amostra de carvão onde se obteve uma datação de 9.400 ± 30. Este fragmento de carvão foi encontrado em uma camada fina de sedimento escuro, quase em contato direto com a rocha laterítica basal do sítio, e com uma quantidade levemente superior de indícios de cultura material relacionados, se comparados com os níveis anteriores. Ainda que seja necessário obter mais dados cronológicos para a Fase Girau, acredita-se que esta data seja, neste momento, o dado mais confiável para este conjunto cultural no alto rio Madeira.

Em relação aos dados etnobotânicos obtidos na camada da Fase Girau e discutidos por Watling et al. (2018)Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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, é possível ter algumas deduções no que concerne ao consumo de plantas e dieta, e sobre a funcionalidade do material lítico. Foi feita a análise de microvestígios botânicos de instrumentos líticos de quartzo e de seis lascas provenientes dessa camada. Watling et al. (2018)Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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identificaram seis grãos de amido da peça 1972-1 da família Arecaceae, grupo que envolve diferentes espécies de palmeiras. Também constataram uma variedade de fitólitos, na qual se destaca um tubérculo relacionado a Calathea sp., que possivelmente é um exemplar de C. allouia, popularmente conhecido no Brasil como ariá (Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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). Essa batata domesticada foi evidenciada em contextos semelhantes ao Holoceno inicial no sítio Peña Roja (Gnecco & Mora, 1997Gnecco, C., & Mora, S. (1997). Late Pleistocene/early Holocene tropical forest occupations at San Isidro and Peña Roja, Colombia. Antiquity, 71(273), 683-690. doi: https://doi.org/10.1017/S0003598X00085409
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) e em sítios da cultura Las Vegas, no Equador (Piperno & Pearsall, 1998Piperno, D. R., & Pearsall, D. M. (1998). The origins of agriculture in the lowland neotropics. San Diego: Academic Press.). Em relação aos macrovestígios botânicos obtidos na camada Girau, do sítio Teotônio, a pesquisadora Shock (Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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) identificou fragmentos carbonizados de pequiá (Caryocar sp.), goiaba (Psidium sp.) e distintos tipos de Asteraceas (palmeiras).

Diretamente acima das camadas de solo natural relacionados à Fase Girau, evidencia-se uma camada de solo antrópico do tipo terra preta, igualmente sem a presença de material cerâmico e com grande quantidade de lascas e de núcleos de quartzo. Nas Figuras 2 e 3, fica claro o contraste de coloração entre os dois tipos de solo.

Figura 3
Perfil oeste da área de escavação 3. Os valores e a localização das amostras de carvão datadas nessa área de escavação estão indicados em vermelho.

Esse contexto encontra-se relativamente bem preservado, e foi possível encontrar feições, fogueiras bem estruturadas, aglomeração de rochas e abundante material lítico e botânico (Figura 4). Na área de maior densidade dessa camada, que também é a região do sítio onde se escavou a ocupação Girau, a construção de uma estrada moderna contraditoriamente garantiu a boa preservação das estruturas arqueológicas aqui apresentadas, pois a presença da estrada inibiu intervenções modernas para retirada de terra preta ou construção de edificações.

Figura 4
Croqui da área de escavação 3. Base com 40 cm de profundidade, camada Massangana. Em cinza, rochas metamórficas; em laranja, fragmentos cerâmicos; em preto, fragmentos de carvão; em vermelho, blocos grandes de laterita. A coloração da base do nível está conforme a tabela Munsell (10YR 3/3). As duas concentrações de carvões, na região central da unidade e na porção inferior direita, foram as feições datadas e apresentadas na Tabela 1 (PN 3453 e 2007, respectivamente).

O conjunto arqueológico dessa camada foi denominado de Fase Massangana, também para fins de comparação com os dados de Miller (1992aMiller, E. T. (1987a). Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil ocidental. Estudios Atacameños, (8), 39-64. doi: https://doi.org/10.22199/S07181043.1987.0008.00005
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, 1992b)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987).. É preciso dizer, no entanto, que um contexto semelhante a esse foi descrito também por Zuse (2014)Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., no sítio Garbin, que também utilizou a mesma nomenclatura. Nesse sítio, Zuse (2014)Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. obteve uma datação de 7.770 AP (Romano, 2016Romano, V. (2016). Variabilidade cerâmica no sítio arqueológico Garbin, Porto Velho, Rondônia (Trabalho de conclusão de curso). Universidade de Rondônia, Porto Velho, RO, Brasil.). A localização desse sítio e dos outros em que Miller (1992a)Miller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum. identificou a Fase Massangana está presente na Figura 1.

Vestígios relacionados à Fase Massangana, no sítio Teotônio, foram encontrados na porção central do platô onde o sítio está implantado. Trata-se de uma área restrita, de tamanho aproximado de 10.000 m2. Os dados provenientes de tradagens (test-pits) de delimitação mostram que, além dessa concentração central, uma área isolada com presença de material Massangana foi evidenciada no limite noroeste do sítio (área de escavação 2). Dado o fato de que nessa parte do platô o declive em direção à margem do rio é mais suave, é possível que se trate de um antigo acesso à área central de ocupação do sítio, indicado na Figura 5 com uma flecha, em direção à cachoeira.

Figura 5
Mapa topográfico do sítio Teotônio. Em vermelho, disposição das áreas com mais incidência de material lítico lascado relacionado a camadas da Fase Massangana. Mapa produzido com os dados provenientes das tradagens realizadas, levando-se em conta apenas níveis sem a presença de material cerâmico.

Na camada Massangana da área de escavação 3 do sítio, acima da camada de ocupação Girau, foi evidenciada uma série de estruturas bem delimitadas com fragmentos de médio a grande porte de madeiras carbonizadas, junto a aglomerações de rochas exógenas e instrumentos de quartzo lascado (Figura 6). A escavação de níveis horizontais permitiu mapear as estruturas do ponto de vista sincrônico no registro, em uma camada que possui, em geral, 50 cm de espessura.

Figura 6
Exemplos de material lítico do sítio Teotônio: A) peça 2412/50 – lasca unipolar de quartzo, talão cortical, nível 50-60 cm, Fase Girau; B) peça 2412/X – núcleo de quartzo com dois planos de percussão e, pelo menos, seis retiradas, nível 50-60 cm, Fase Girau; C) peça 2208/21 – lasca unipolar de quartzo com marcas de uso em ambos os bordos – Fase Massangana; D) peça 2206/106 – lasca unipolar de quartzo leitoso com retoques em sua extremidade, nível 20-30 cm, Fase Massangana.

A presença das estruturas de combustão, organizadas e bem delimitadas, parece indicar um contexto de unidade habitacional da Fase Massangana nessa área do sítio Teotônio. Tal assertiva é corroborada pelos dados arqueobotânicos (Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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), que mostram uma alta incidência de fitólitos de palmeiras, em contrapartida à baixa quantidade de macrovestígios botânicos da mesma espécie. Acredita-se que esse descompasso se dê pelo fato de as amostras serem provenientes de folhas de palmas utilizadas para cobertura da unidade habitacional, que, quando queimadas, deixam poucos vestígios carbonizados macrobotânicos, mas muitos microvestígios de fitólitos.

Contribuem para a hipótese de que se trata de uma unidade habitacional os dados provenientes da análise da dispersão do material lítico na área total do sítio. O mapa de incidência de material lítico relacionado à Fase Massangana mostra uma área específica sendo ocupada por essas populações no Holoceno médio, disposta em formato semioval ao redor de uma área central com pouco ou nenhum vestígio de material lítico lascado. O ponto fora dessa concentração central, na porção noroeste do sítio, é denominado de área de escavação 2, local onde foi escavada a quadrícula N10041 E9824. Nessa área, não foram encontradas estruturas de combustão, e a indústria lítica apresenta grandes similitudes em comparação a outras áreas escavadas.

Em relação à indústria lítica da Fase Massangana, foi possível obter uma quantidade maior de dados em comparação à Fase Girau. No que se refere à cadeia operatória dos instrumentos lascados, ela é bastante semelhante à descrita anteriormente, com processo e etapas reduzidas, visando à obtenção de lascas unipolares em quartzo para uso. A porcentagem de lascas retocadas é um pouco menor, se comparada à Fase Girau, mas a quantidade de material, no total, é muito superior: foram recuperados 919 fragmentos líticos em 4 m2 de área escavada.

Outras informações são também importantes de pontuar. Instrumentos brutos, como percutores e quebra-coquinhos, aparecem em maior porcentagem nessa camada, ainda que preponderem instrumentos de lascas unipolares. Não há como afirmar, até o momento, que exista uma ruptura brusca, do ponto de vista tecnológico, entre as indústrias líticas das fases Massangana e Girau. A permanência dessas técnicas de lascamento entre as indústrias Girau e Massangana, provavelmente, está relacionada a estratégias semelhantes de resposta a demandas socioeconômicas parecidas, elemento amplamente discutido em contextos arqueológicos sul-americanos de conjuntos líticos que abarcam todo o Holoceno, como é o caso das culturas Vegas e Valdívia, na costa pacífica equatoriana (Stothert, 2011Stothert, K. (2011). Coastal resources and the early Holocene Las Vegas adaptation of Ecuador. In N. F. Bicho, J. A. Haws & L. G. Davis (Eds.), Trekking the Shore: changing coastlines and the antiquity of coastal settlement, interdisciplinary contributions to archaeology (pp. 335-382). New York: Springer Science.; Tabarev & Kanomata, 2015Tabarev, A. V., & Kanomata, Y. (2015). “Tropical Package”: peculiarities of the lithic industries of the most ancient cultures, Coastal Ecuador, Pacifil Basin. Archaeology Ethnology & Antrhopology of Eurasia, 43(3), 64-76. doi: https://doi.org/10.1016/j.aeae.2015.11.007
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).

O trabalho de Watling et al. (2018)Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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mostrou que algumas dessas lascas foram utilizadas como instrumentos de processamento de alimentos domesticados, como o feijão (Phaselous sp.) e distintos tipos de palmeiras, que também foram identificados em bordos utilizados de 12 lascas de quartzo da coleção. Dos 28 instrumentos líticos analisados por Watling et al. (2018)Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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, 16 não apresentaram microvestígios de fitólitos ou grãos de amido relacionados, o que pode indicar que parte desses instrumentos também era utilizada para a economia de pesca (processamento, retirada de escamas, limpeza e corte de peixes), atividades estas que não deixam assinatura botânica. Em decorrência de características específicas da terra preta, solo com alta quantidade de matéria orgânica e taxas relativamente altas de acidez, a preservação de vestígios ósseos é nula ou quase nula, o que impede que se corrobore tal hipótese.

Uma série de datações para a camada Massangana, no sítio Teotônio, foi realizada. As estruturas de combustão descritas anteriormente tiveram três amostras datadas (PN4611, PN 2007 e PN 3453), e possuem praticamente a mesma idade, aproximadamente 5.800 AP. Estas três esturutras, localizadas próximas entre si (perímetro de 2 metros de circunferência), corroboram a hipótese de que se trata de um piso de ocupação, argumento que se soma ao fato de se ter evidenciada grande quantidade de material lítico lascado e polido, bem como de fragmentos de madeira carbonizada. Vale lembrar que se está tratando de um contexto de terra preta, em que a longa permanência e a perenidade cumprem um papel importante na formação desse tipo de solo (Arroyo-Kalin, 2017Arroyo-Kalin, M. (2017). Las tierras antrópicas amazónicas: algo más que un puñado de tierra. In S. Rostain & C. J. Betancourt (Eds.), Las siete maravillas de la Amazonía precolombina (pp. 99-117). La Paz: 4EIAA.).

Estratigraficamente acima destas estruturas, uma datação (PN2005) foi obtida com valor de 5.708 ± 70, e acredita-se que represente um momento tardio de ocupação desta cultura. Duas outras datações foram anteriormente realizadas (Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A tradição polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Mongeló, 2015Mongeló, G. Z. (2015). O formativo e os modos de produção: ocupações pré-ceramistas no Alto Rio Madeira-RO (Dissertação de mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.) e completam o conjunto de dados cronológicos para a Fase Massangana no sítio. A data mais recente para a camada é de 3.170 ± 30, e está relacionada ao topo dessa ocupação, em uma área diferente do sítio, em contato com uma camada ceramista mais recente (Fase Jatuarana) (ver Kater et al., 2020Kater, T. (2020). A temporalidade das ocupações ceramistas no sítio Teotônio. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190078. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0078
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). A outra datação é a mais antiga do conjunto, obtida em uma estrutura de combustão localizada junto à área de escavação 3, na base do contato entre o solo antrópico e o latossolo da camada Girau: 6.440 ± 40. Na Tabela 1, consta a compilação das datas para o Holoceno médio e inicial do sítio Teotônio.

Tabela 1
Datas das camadas Girau e Massangana no sítio Teotônio. Em cinza-escuro, dados relacionados à Fase Massangana; em marrom-claro, datas da Fase Girau. Em negrito, estão marcadas as amostras que não possuem interferência pós-deposicional. Todas as amostras são provenientes da área de escavação 3, com exceção do PN 716, que é proveniente da área de escavação 1. Fonte: Mongeló (2019, p. 224).

DISCUSSÃO

Os dados disponíveis até então para a região do alto rio Madeira, no que diz respeito a suas ocupações iniciais, indicam um cenário bastante complexo de ocupações humanas, cuja antiguidade pode chegar até o período do Pleistoceno final, abarcando uma boa parte do Holoceno. As novas pesquisas, realizadas pela equipe do Projeto Alto Madeira, têm tentado averiguar a consistência dos primeiros informes levantados por Eurico Miller, e trazido à tona novos elementos, que possibilitam uma perspectiva mais aprofundada dos questionamentos acerca da ocupação inicial desse espaço.

Sobre o intervalo de tempo Pleistoceno final/Holoceno inicial, não foi possível constatar a existência de contextos arqueológicos mais antigos do que 9.400 AP, data obtida no sítio Teotônio. Mesmo com os trabalhos de arqueologia comercial desenvolvidos em boa parte da calha do rio Madeira nos últimos dez anos, a existência do conjunto que Miller (1987b)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987). denominou de Complexo Periquitos é uma incógnita, e a pouca quantidade de informação que ele nos apresenta, além da falta de datações absolutas, não permite creditar tal conjunto cultural. De qualquer maneira, como dito no início do texto, não é descartada a possibilidade da existência de assentamentos humanos mais antigos na região, dado o fato de a ocupação humana na Amazônia ter mais de 12.000 anos (Roosevelt et al., 1996Roosevelt, A. C., Lima da Costa, M., Lopes Machado, C., Michab, M., Mercier, N., Valladas, H., . . . Schick, K. (1996). Paleoindian cave dwellers in the Amazon: the peopling of America. Science, 272(5260), 373-384. doi: http://doi.org/10.1126/science.272.5260.373
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; Bueno et al., 2013Bueno, L., Dias, A. S., & Steele, J. (2013). The Late Pleistocene/Early Holocene archaeological record in Brazil: a geo-referenced database. Quaternary International, 301, 74-93. doi: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2013.03.042
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; Moraes, 2019Moraes, C. P. (2019). O papel da arqueologia brasileira na discussão sobre os cenários e os processos das primeiras ocupações humanas das Américas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(2), 259-262. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222019000200002
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).

Em relação às fases arqueológicas do período do Holoceno inicial (Pacatuba, Itapipoca e Girau), propõe-se uma reavaliação da divisão de tais conjuntos, pois é possível que possam ser integradas em apenas um grupo cultural. Na verdade, não há muitos dados sobre as duas primeiras fases, e o fato de elas estarem presentes em sítios que estão hoje submersos não permite uma reavaliação dos contextos. Dessa maneira, não há elementos fortes o suficiente para sustentar uma diferenciação entre essas três fases, que compartilham as mesmas características do material lítico lascado.

Miller (1992aMiller, E. T. (1987a). Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil ocidental. Estudios Atacameños, (8), 39-64. doi: https://doi.org/10.22199/S07181043.1987.0008.00005
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, 1999)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987). não apresenta muitas datas, tampouco descrições pormenorizadas, e a verdade é que, entre esse material publicado, não há grandes mudanças do ponto de vista da técnica de lascamento entre as fases Pacatuba e Itapipoca, as matérias-primas são também iguais, variando entre o quartzo e o sílex. Em relação à antiguidade, as datas indicam que as duas fases encontram-se no mesmo período cronológico, entre 8.230 e 5.530 AP. A única diferença entre as duas fases, de acordo com Miller (1992a)Miller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., é o fato de as camadas arqueológicas da Fase Pacatuba encontrarem-se enterradas em sítios de ocupações mais recentes da Fase Jamari, além de ter sido evidenciada a presença única de machados polidos.

Nos dados levantados sobre a Fase Girau, no sítio Teotônio, observou-se uma indústria lítica lascada, com predominância de lascas com bordos afilados para uso mediato, obtidas por meio de matéria-prima local. Obteve-se apenas uma datação, mas que coloca esse conjunto em consonância com o quadro regional de ocupações humanas do Holoceno inicial da calha dos rios Madeira e Jamari. A principal diferença desse conjunto para os outros dois é que os sítios de ocupação Girau se localizam nas margens do rio Madeira, e os das fases Pacatuba e Itapipoca estão em um de seus afluentes, o Jamari, aproximadamente a 60 km de distância do sítio Teotônio, por exemplo.

Ainda que se argumente que a quantidade de dados disponíveis é muito limitada para que se faça uma análise sintética da ocupação da região, os indícios disponíveis até aqui parecem evidenciar muito mais semelhanças do que diferenças entre as três fases. Ao considerar apenas as descrições de Miller (1992aMiller, E. T. (1987a). Pesquisas arqueológicas paleoindígenas no Brasil ocidental. Estudios Atacameños, (8), 39-64. doi: https://doi.org/10.22199/S07181043.1987.0008.00005
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, 1992b)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987)., é possível verificar que elas apresentam elementos bastante convergentes entre as três fases: principalmente em relação à indústria lítica lascada, com exclusividade de rochas de matérias-primas locais, a quase inexistência de instrumentos formais; lascas unipolares e núcleos esgotados com marcas de uso. Outro elemento importante é a implantação dos sítios na paisagem, todos localizados às margens de cachoeiras, em camadas de solo natural, não antropizado.

Dessa forma, os três conjuntos compartilham entre si características da indústria lítica, do padrão de assentamento, concomitância cronológica e localização na mesma bacia hidrográfica. Além disso, a ausência de terra preta, no contexto arqueológico amazônico, é um importante marcador de determinado tipo de padrão de mobilidade e assentamento não permanente, sendo comumente relacionado a grupos sociais com economias do tipo caçador-coletor (Mora, 2001Mora, S. (2001). Early inhabitants os the Amazonian tropical rain forest: a study of humans and enviromental dynamics (Tese de doutorado). Departament of Archaeology, University of Calgary, Alberta, Canadá.). É provável que os dados arqueológicos dos sítios sejam testemunhos de um sistema regional amplo, de assentamentos não totalmente perenes, de populações com características semelhantes às já descritas arqueologicamente como caçadores-coletores (Bate & Acosta, 2016Bate, L. F., & Acosta, G. (2016). Cazadores del trópico Americano en México. In J. C. J. Lópex, C. S. Sánchez, B. V. Canales, F. A. Arellano, A. G. González & C. E. López (Eds.), El poblamiento temprano en América (pp. 49-71). Ciudad de Mexico: Saltillo.). Essa hipótese, sem dúvida, necessita ser testada com mais dados, mais sítios escavados e mais contextos datados.

Acredita-se que, dada as concomitâncias e recorrências, os conjuntos Pacatuba-Itapipoca-Girau podem ser agrupados em um só conjunto cultural, denominado de Fase Girau, pelo fato de ser, entre os três, o que foi mais densamente estudado e o que possui maior quantidade de sítios relacionados. Pode-se afirmar, portanto, que a Fase Girau abarca os contextos mais antigos da bacia do alto rio Madeira, com uma cronologia que vai de 9.400 AP até 5.530 AP, na calha do rio Madeira (Miller, 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., 1992b)Miller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987)., e até 7.700 AP na calha do rio Jamari.

Em relação à Fase Massangana, ainda que se tenham sido identificadas diferenças marcadas na tecnologia lítica em relação à Fase Girau, mudanças concretas no registro arqueológico são aparentes: ocorre aumento do número de sítios arqueológicos ocupados, aumento da quantidade de material arqueológico, que, pelo menos no sítio Teotônio, é consideravelmente superior, e o surgimento da terra preta nas estratigrafias. As datas de 6.440 AP e 7.770 AP nos sítios Teotônio e Garbin (Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.) os colocam como tendo os contextos de terra preta mais antigos da Amazônia, o que corrobora alguns dos dados levantados por Miller (1992b)Miller, E. T. (1992b). Arqueologia nos empreendimentos hidrelétricos da Eletronorte. Brasília: Eletronorte. a respeito da antiguidade das terras pretas na região.

Para Miller (1999)Miller, E. T. (1999). A limitação ambiental como barreira à transposição do período formativo no Brasil: tecnologia, produção de alimentos e formação de aldeias no sudoeste da Amazônia. In P. Ledergerber-Crespo (Ed.), Formativo Sudamericano, una revaluación (pp. 331-339). Quito-Equador: Ediciones Abya-Yala., no entanto, esse antigo contexto de terra preta seria uma evidência que implicaria necessariamente a interpretação de sociedades que já possuíam características sedentárias com base em economias agrícolas. Grupos sociais intermédios, com modos de vida entre caçador-coletor e ceramista sedentário. Em suas palavras: “Esse evento cultural – primeira etapa do Formativo, com base na agricultura – está representado pela Tradição Massangana, com refugo cultural pré-cerâmico embutido em solos de terra preta antropogênica” (Miller, 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., p. 222).

Watling et al. (2018)Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., De Oliveira, P. E., Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLos ONE, 13(7), e0199868. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0199868
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analisaram amostras de solo de camadas da Fase Masangana e Girau, no sítio Teotônio, em busca de macro e microvestígios paleobotânicos. Na Camada Massangana, foi evidenciada a presença de fitólitos de Curcibita sp. (abóbora) e Manihot esculenta (mandioca), e também vestígios macrobotânicos de Bertholetia excelsa (castanha-do-pará) e Oenocarpus sp., que provavelmente está relacionada a bacaba, outra importante planta que, assim como a castanha, possui grande valor do ponto de vista econômico e alimentar para as populações amazônicas atualmente. A presença de plantas que possuem grande importância econômica, algumas, inclusive, domesticadas, na camada arqueológica Massangana, poderia favorecer o argumento de Miller (1999)Miller, E. T. (1999). A limitação ambiental como barreira à transposição do período formativo no Brasil: tecnologia, produção de alimentos e formação de aldeias no sudoeste da Amazônia. In P. Ledergerber-Crespo (Ed.), Formativo Sudamericano, una revaluación (pp. 331-339). Quito-Equador: Ediciones Abya-Yala., de que essa cultura é o correspondente local do período Formativo (Marcos, 2003Marcos, J. G. (2003). A reassessment of Ecuadorian formative. In J. S. Raymond & R. L. Burger (Eds.), Archaeology of formative Ecuador (pp. 7-32). Washington, D. C.: Dumbarton Oaks Research Library and Collection.). No entanto, as arqueólogas mostraram também que a camada da Fase Girau, no mesmo sítio arqueológico, possui evidências de tubérculos cultiváveis, como o ariá (C. allouia), e importantes plantas, como o pequiá (Croryocar sp.) e a goiaba (Psidium sp.).

O aparente descompasso entre a proposta teórica e os dados arqueológicos reflete não só a complexidade do contexto da região, mas indica necessidade de reavaliação das premissas epistemológicas e dos conceitos que tradicionalmente se aplicam à arqueologia amazônica (Fausto & Neves, 2018Fausto, C., & Neves, E. G. (2018). Was there ever a Neolithic in the Neotropics? Plant familiarisation and biodiversity in the Amazon. Antiquity, 92(366), 1604-1618. doi: https://doi.org/10.15184/aqy.2018.157
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). No sítio Teotônio, é possível ver que a domesticação de plantas é uma atividade que antecede em pelo menos quatro séculos o surgimento da primeira cultura ceramista, ao mesmo tempo em que o aparecimento dos primeiros solos antrópicos está distante 3.000 anos dos primeiros registros de domesticação de plantas.

Diante dessa contradição da antiguidade de elementos que comumente se relacionam a uma prática agrícola e à longa permanência das técnicas de lascamento, entende-se que o aparecimento da terra preta no registro arqueológico, um dos elementos definidores da Fase Massangana, não necessariamente implica o acontecimento de uma mudança brusca nos aspectos econômicos ou sociais destas populações, onde seus modelos de extração de recursos tenham sido necessariamente redefinidos para uma economia agrícola. É possível, e acredita-se cada vez mais, que o surgimento da terra preta esteja relacionado à intensificação do manejo de bens cultiváveis, e que não necessariamente esteja relacionado a transformações sociopolíticas, característica muito atribuída ao período Formativo, por exemplo (Marcos, 2003Marcos, J. G. (2003). A reassessment of Ecuadorian formative. In J. S. Raymond & R. L. Burger (Eds.), Archaeology of formative Ecuador (pp. 7-32). Washington, D. C.: Dumbarton Oaks Research Library and Collection.; Neves, 2007Neves, E. G. (2007). El Formativo que nunca terminó: la larga historia de estabilidad en las ocupaciones humans de la Amazonía central. Boletín de Arqueología PUCP, (11), 117-142.).

A Fase Massangana deve ser compreendida em suas particularidades, e não sob a perspectiva de uma etapa ‘transitória’ entre dois modos de vida teoricamente antagônicos. Pode-se entender a história a partir de sua característica enquanto uma ciência holística, que estuda os processos de longa duração, ao utilizar conceitos comuns a todas as formas de organização social (Lumbreras, 1981Lumbreras, L. G. (1981). La Arqueologia como Ciencia Social. Lima: PEISA.). Dessa maneira, ao se comparar os distintos modos de vida por meio de ferramentas recorrentes na história, acredita-se que a Fase Massangana, no alto rio Madeira, não representou uma mudança profunda nas formas de relações sociais.

Isso não retira o caráter excepcional desse contexto arqueológico para a arqueologia da bacia amazônica, que representa, muito possivelmente, os indícios mais antigos de sedentarização1 1 Para aclarar, é preciso dizer que, quando se utiliza aqui o termo ‘sedentarização’, rechaça-se a perspectiva evolucionista linear de que as sociedades caçadoras-coletoras tendem a sedentarizarem-se e tornarem-se ceramistas agricultoras. Isso provavelmente ocorreu, ao longo da história nas Américas, com alguns povos. Aqui, a referência, na realidade, é feita a um elemento que é essencial para a formação dos solos de tipo terra preta, que é o grau alto de estabilidade de assentamento e perenidade relativa, já que, para formar esse solo, é necessário acúmulo e constância de atividades cotidianas e de combustão de vegetais (Neves et al., 2003; Arroyo-Kalin, 2017). das populações humanas na floresta tropical sul-americana. Ao recuar a cronologia da história das terras pretas, a Fase Massangana se configura como um dos conjuntos arqueológicos mais importantes para a compreensão da história de longa duração da região.

NOTAS FINAIS

Os dados obtidos no sítio Teotônio acerca das primeiras ocupações humanas na região do alto rio Madeira contribuíram para consolidar a hipótese da antiguidade desses grupos na calha principal do rio e no seu principal afluente, o rio Jamari (Figura 7). Ainda que a região tenha sido alvo de extensas pesquisas nos últimos dez anos, sabe-se que o registro deixado por essas sociedades é, além de bastante peculiar, de difícil identificação nos sítios arqueológicos.

Figura 7
Datações radiocarbônicas publicadas (Miller, 1987bMiller, E. T. (1987b). Relatório das pesquisas arqueológicas efetuadas na área de abrangência da Usina Hidrelétrica de Ji-Paraná (1986/1987)., 1992a; Zuse, 2014Zuse, S. (2014). Variabilidade cerâmica e diversidade cultural no alto rio Madeira, Rondônia (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Almeida, 2013Almeida, F. O. (2013). A tradição polícroma no alto rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Mongeló, 2019Mongeló, G. Z. (2019). Outros pioneiros do sudoeste amazônico: ocupações holocênicas na bacia do Alto Rio Madeira (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.) dos sítios arqueológicos da calha principal dos rios Madeira e Jamari.

Com o aumento das investigações centradas no período do Holoceno médio e inicial na Amazônia, a arqueologia dá passos em direção à busca de respostas que expliquem a origem da diversidade cultural atestada, posteriormente, nos períodos ceramistas mais recentes (Barreto et al., 2016Barreto, C., Lima, H. P., & Betancourt, C. J. (2016). Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese. Belém: IPHAN.). No caso do alto rio Madeira, um cenário de ampla diversidade linguística e cultural (ver Kater et al., 2020Kater, T. (2020). A temporalidade das ocupações ceramistas no sítio Teotônio. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(2), e20190078. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0078
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) é contrastado por uma história mais antiga de cinco séculos de aparente estabilidade tecnológica, com marcadores de identidade muito pouco visíveis no registro arqueológico.

Ao mesmo tempo, ao se comparar o quadro mais global das ocupações humanas na Amazônia durante o Holoceno médio, vê-se uma diferenciação mais clara nas formas de assentamento, nos tipos de sítios e nas expressões culturais/tecnológicas. No baixo Amazonas (Oliveira & Silveira, 2016Oliveira, E., & Silveira, M. (2016). A cerâmica Mina no estado do Pará: oleiras das águas salobras da Amazônia. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Eds.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese (pp. 125-146). Belém: IPHAN.), populações ameríndias começaram a formar estruturas antrópicas de conchas, onde, inclusive, aparece a indústria cerâmica mais antiga das América (Roosevelt et al., 1991Roosevelt, A. C., Housley, R. A., Silveira, M. I., Maranca, S., & Johnson, R. (1991). Eighth millennium pottery from a prehistoric shell midden in the Brazilian Amazon. Science, 254(5038), 1621-1624. doi: http://doi.org/10.1126/science.254.5038.1621
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). Não longe do alto rio Madeira, no pantanal do Guaporé, também são encontrados sambaquis (Pugliese, 2018Pugliese, F. A. (2018). A história indígena profunda do sambaqui Monte Castelo: um ensaio sobre a longa duração da cerâmica e das paisagens no sudoeste amazônico (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.) com datas bastante recuadas para cerâmica. E, na Amazônia central, grupos de prováveis caçadores-coletores estavam ocupando áreas de areais próximos aos grandes rios, com uma indústria lítica bastante sofisticada (Costa, 2009Costa, F. (2009). Análise das indústrias líticas da área de confluência dos rios Negro e Solimões (Tese de doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Temas clássicos de pesquisa da arqueologia das terras baixas, como o surgimento da diversidade cultural, o início da domesticação de alimentos e o surgimento das terras pretas são campos que elevam a importância do estudo das ocupações mais antigas na região do alto Madeira. Ainda que se tenha avançado bastante nos últimos dez anos, discutindo as assertivas de Miller (1987cMiller, E. T. (1987c). Inventário Arqueológico da Bacia e Sub-Bacias do Rio Madeira: 1974-1987. Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A., 1992aMiller, E. T. (1992a). Adaptação agrícola Pré-Historica no Alto Rio Madeira. In B. J. Meggers (Ed.), Prehistoria Sudamericana: nuevas perspectivas (pp. 219-229). Washington: Taraxacum., 1999)Miller, E. T. (1999). A limitação ambiental como barreira à transposição do período formativo no Brasil: tecnologia, produção de alimentos e formação de aldeias no sudoeste da Amazônia. In P. Ledergerber-Crespo (Ed.), Formativo Sudamericano, una revaluación (pp. 331-339). Quito-Equador: Ediciones Abya-Yala. e gerando uma série de novos dados, os questionamentos principais elencados ainda precisam ser melhor estudados.

AGRADECIMENTOS

O autor teve sua bolsa de doutorado financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O Projeto Alto Madeira contou com auxílios do CNPq, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da FAPESP. Os desenhos da Figura 6 são de autoria de Nicolás Batalla.

  • 1
    Para aclarar, é preciso dizer que, quando se utiliza aqui o termo ‘sedentarização’, rechaça-se a perspectiva evolucionista linear de que as sociedades caçadoras-coletoras tendem a sedentarizarem-se e tornarem-se ceramistas agricultoras. Isso provavelmente ocorreu, ao longo da história nas Américas, com alguns povos. Aqui, a referência, na realidade, é feita a um elemento que é essencial para a formação dos solos de tipo terra preta, que é o grau alto de estabilidade de assentamento e perenidade relativa, já que, para formar esse solo, é necessário acúmulo e constância de atividades cotidianas e de combustão de vegetais (Neves et al., 2003Neves, E. G., Petersen, J., Bartone, R., & Silva, C. (2003). Historical and socio-cultural origins of Amazonian Dark Earths. In J. Lehmann, D. C. Kern, B. Glaser & W. I. Woods (Eds.), Amazonian dark earths: origin, properties, management (pp. 20-50). Netherlands: Kluwer Academic Publishers.; Arroyo-Kalin, 2017Arroyo-Kalin, M. (2017). Las tierras antrópicas amazónicas: algo más que un puñado de tierra. In S. Rostain & C. J. Betancourt (Eds.), Las siete maravillas de la Amazonía precolombina (pp. 99-117). La Paz: 4EIAA.).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2019
  • Aceito
    18 Mar 2020
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