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Semelhanças, diferenças e rede de relações na transição Pleistoceno-Holoceno e no Holoceno inicial, no Brasil Central

Similarities, differences, and the network of relations in the Pleistocene-Holocene transition and the Early Holocene in Central Brazil

Resumo

A proposta do presente artigo é explorar algumas das semelhanças e das dessemelhanças entre as ocupações centrobrasileiras da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial e discutir nossa compreensão acerca dessas similaridades e diferenças, perguntando sobre as bases teóricas que dão e que poderiam dar sustentação a essa compreensão. O período enfocado é a faixa cronológica entre 11.000 e 9.000 anos antes do presente. São consideradosaqui diversos aspectos apresentados pelas pesquisadoras e pelos pesquisadores para as regiões da Serra da Capivara (no sudeste do Piauí), de Serranópolis (sudoeste de Goiás), do extremo norte de Minas Gerais (Vale do Peruaçu e regiãode Montalvânia) e do médio Tocantins (região do Vale do Rio Lajeado, da serra homônima e de arredores), áreas entre as quais parece haver, nesse período, significativas semelhanças, combinadas a diferenças. Após reunir alguns elementossobre essas áreas, com base na bibliografia disponível, teço comparações entre elas, considerando, sobretudo, os modos de relação com as rochas lascadas, os papéis dos sítios e o modo de estruturação do território. Ao final, compartilhoreflexões sobre os recursos teóricos com que usualmente comparamos contextos na Arqueologia brasileira, tentando ser sugestivo sobre outras possibilidades de repertório para fazê-lo.

Palavras-chave
Transição Pleistoceno-Holoceno; Holoceno inicial; Território; Tecnologia lítica; Rede de relações; Caçadorescoletores

Abstract

The objective of this paper is to explore the similarities and differences between human occupations in Central Brazil during the Pleistocene-Holocene transition and the Early Holocene (11,000 to 9,000 years ago), and to discuss our understanding of these aspects, questioning its theoretical underpinnings. After bringing together a variety of elements presented by researchers working in four areas (the Serra da Capivara in southeastern Piauí, Serranópolis in southwestern Goiás, northern Minas Gerais in the Peruaçu Valley and Montalvânia region, and Middle Tocantins in the Lajeado River region and Lajeado Mountains), we attempt to compare these areas principally with regard to the use and managementof lithic material, the role of the sites, and organization of territory. The final section contains reflections on the theoretical resources usually utilized to compare archaeological contexts as well as suggested alternatives.

Keywords
Pleistocene-Holocene transition; Early Holocene; Territory; Lithic technology; Network of relations; Hunter-gatherers

PUXANDO O FIO DA PROSA

A proposta deste artigo é pôr em evidência algumas das semelhanças e das dessemelhanças entre as ocupações centro-brasileiras da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial e discutir nossa compreensão a respeito dessas similaridades e diferenças, perguntando sobre as bases teóricas que dão e que poderiam dar sustentação a essa compreensão.

A ênfase aqui recairá sobre o período de 11.000 a 9.000 anos antes do presente, embora se trate brevemente também do período anterior, para agregar elementos contextuais1 1 Os recortes cronológicos feitos aqui procuram guardar coerência com aqueles apresentados em Bueno e Dias (2015) e em Bueno e Isnardis (2018), por crer na adequação deles para a compreensão do povoamento e da constituição de territórios no Brasil Central. . Serão considerados diversos aspectos apresentados pelas pesquisadoras e pelos pesquisadores para as regiões da Serra da Capivara (no sudeste do Piauí), de Serranópolis (no sudoeste de Goiás), do extremo norte de Minas Gerais (no Vale do Peruaçu e na região de Montalvânia) e do médio Tocantins (região do vale do rio Lajeado, da serra homônima e de arredores). Outras áreas serão também referidas aqui, porém mais brevemente, em função das informações disponíveis e do escopo da discussão (Figura 1). Embora as indústrias líticas sejam, até o momento, a dimensão mais explorada desses contextos (o que acaba nos conduzindo a reiterar a ênfase nesse tema), intenciono dar destaque a aspectos mais diversos, como os vestígios florísticos e faunísticos, as estruturas identificadas (de combustão, funerárias e outras), buscando articulá-los às interpretações propostas pelas pesquisadoras e pesquisadores para o(s) papel(éis) que os sítios teriam desempenhado no(s) modo(s) de vida das comunidades humanas desse horizonte cronológico.

Figura 1
Mapa do Brasil com indicações das áreas mencionadas no texto. Mapa: Andrei Isnardis (2018)ISNARDIS, Andrei. Na sombra das pedras grandes: as indústrias líticas das ocupações pré-coloniais recentes da região de Diamantina, Minas Gerais, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 12, n. 3, p. 895-918, set./dez. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222017000300013.
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. Fonte: Bueno e Isnardis (2018)BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
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.

A partir da apresentação desses aspectos convergentes e divergentes, a intenção é perguntar quais são os entendimentos possíveis disso que parece ser um significativo ‘compartilhamento com diferenças’. Ao fazer isso, pretendo tecer comentários críticos sobre a base teórica que usualmente articulamos e propor outros repertórios que poderiam nos auxiliar a dar sentido ao contexto ou a algumas dessas semelhanças, combinadas a diferenças.

O ponto de partida crítico é que temos buscado dar sentido a combinações de semelhanças e dessemelhanças, em contextos arqueológicos diversos, por meio de uma noção de coletividade, mais propriamente de sociedade, que é bastante conservadora, além de não discutida na bibliografia arqueológica brasileira. Chamo-a de conservadora, na medida em que ela se funda em uma sociologia bastante clássica, de clara inspiração durkheimiana, que pensa as coletividades humanas como centrípetas, totalizantes e tendentes à autoconservação. Outros repertórios estão disponíveis para pensar a vida social de comunidades não urbanas, nem industriais, sem estado ou sem outra forma de forte centralização política (como parece razoável supor que tenham sido as coletividades que geraram os contextos arqueológicos da transição Pleistoceno-Holoceno). Estes repertórios estão fundados em críticas antropológicas de base etnográfica, assim como em críticas sociológicas de base teórica e empírica – e, diferentemente do que fiz aqui como recurso retórico, não caracterizam as coletividades pelo que não têm. Tentarei chegar lá, mas o caminho será construído a partir do que está disponível na bibliografia sobre esse contexto para as referidas áreas. Vamo-nos aproximando, então.

O CENÁRIO

Mais do que um cenário é o que eu gostaria que as linhas seguintes apresentassem. O propósito deste texto é mostrar como são algumas das condições que, conforme nossa tradição científica, seriam chamadas de ‘naturais’ nas quatro áreas aqui referidas. Mas quero dar destaque também, como constituinte do contexto – de um cenário que interaja com os personagens em cena –, a aspectos das pesquisas que considero cruciais para nossas possibilidades de compreender diferenças e semelhanças. Incluirei, na composição das cenas, o que construíram as(os) arqueólogas(os).

Três das quatro áreas em pauta aqui estão no bioma Cerrado; uma delas, a Serra da Capivara, se insere no bioma Caatinga. As quatro são fortemente marcadas pela sazonalidade, com uma estação seca longa e outra chuvosa densa e relativamente longa, no Cerrado, e breve, na Caatinga. A Caatinga é intensamente caducifólia. O Cerrado tem diversas formações vegetacionais distintas, com comportamentos também variados. A maioria de suas variantes que dominam em Serranópolis e no Tocantins é perenifólia, com espécies caducifólias minoritárias. Já no extremo norte de Minas Gerais, é muito presente uma variante caducifólia do Cerrado, a Mata Seca – que se aproxima da Caatinga quando, no tempo de seca, torna-se também um ‘mato branco’, com seu tapete de folhas caídas.

Todas essas áreas são marcadas por relevos movimentados e monumentais, sejam eles calcários, areníticos ou quartzíticos, com numerosos afloramentos rochosos e com formação de cavidades (grutas e abrigos, de tamanhos e morfologias diversas). À exceção da região do Lajeado, onde as pesquisas identificaram sítios muito próximos ao curso principal do rio Tocantins, as demais áreas se avizinham de cursos d’água menores, secundários, mas regionalmente relevantes. A fauna é diversa e exuberante, mesmo que nossos preconceitos sobre a Caatinga nos façam, a princípio, crer que não. O compartilhamento faunístico entre as áreas parece muito grande (Rosa, 2004ROSA, André. Assentamentos pré-históricos da região de Serranópolis: análise dos restos faunísticos. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana LuisaVietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 221-264, 2004.; Moura, 2009MOURA, Raquel Teixeira. Vertebrados da região do Vale do Peruaçu: análise da fauna de mamíferos. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, Belo Horizonte, v. 19, p. 129-158, anual 2009.; Olmos et al., 2014OLMOS, Fábio; BARBOSA, Maria Fátima R.; ANDRADE, Rute M. G. de. Biodoversidade no Holoceno: a Fauna. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIA, p. 206-252.).

Assim, essas áreas partilham condições morfoclimáticas parcialmente semelhantes, bem como a abundância de formações rochosas, nas quais os sítios são também (muito) numerosos. Não são, porém, iguais. O modo como a paisagem se estrutura é diferente entre todas e em cada uma delas (Figura 2). Os arenitos das serras Branca, da Capivara, Talhada e Vermelha, do Piauí, são curvilíneos, de altura moderada ou elevada, formando cânions, reentrâncias, vales estreitos, oferecendo abrigos de morfologias e tamanhos muito diversos. Já os arenitos do Lajeado formam cuestas clássicas, com vertentes muito longas e côncavas e topos bem elevados em relação ao nível de base local – junto aos topos estão os abrigos. Os calcários do Peruaçu nos apresentam um fluviocarste intensa e monumentalmente desenvolvido. Os terraços amplos do Tocantins e os vales de seus pequenos afluentes contrastam intensamente com o cânion profundo, com as vertentes abruptas, muitas vezes curtas, e com as áreas planas confinadas do Peruaçu. Os afloramentos areníticos e quartzíticos de Serranópolis destacam-se na paisagem local, oferecendo áreas abrigadas de morfologias e tamanhos variados, que vão desde matacões tombados até cavidades de muitas centenas de metros quadrados. Ali, os sítios se agrupam, ora contornando um mesmo maciço ou torre, ora implantando-se alinhados nas vertentes que rasgam as bordas das chapadas, em meio a diversos cursos d’água perenes. Os abrigos goianos se revelam, por vezes muito amplos, entre o Cerrado cortado por pequenos e médios cursos d’água, pontilhado de cachoeiras (Schmitz, 2004SCHMITZ, Pedro Ignácio. Os grupos de sítios: a indústria lítica. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vetti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 15-210, 2004.; Bittencourt, 2004Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Análise dos sedimentos dos abrigos. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osório; BITENCOURT, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 265-286, 2004.). O Lajeado, no Holoceno inicial, apresentava algumas áreas de dunas em meio aos relevos suaves da margem esquerda do Tocantins (Bueno, 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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).

Figura 2
Elementos fisiográficos de destaque nas quatro áreas discutidas no texto: A) vista da Serra do Lajeado, no médio Tocantins, com afloramento de arenito junto ao topo da cuesta. Foto: A. Isnardis (2008); B) arenitos da Serra Branca, no Parque Nacional da Serra da Capivara, sudeste do Piauí. Foto: A. Isnardis (2017)ISNARDIS, Andrei. Na sombra das pedras grandes: as indústrias líticas das ocupações pré-coloniais recentes da região de Diamantina, Minas Gerais, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 12, n. 3, p. 895-918, set./dez. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222017000300013.
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; C) trecho subterrâneo do rio Peruaçu, extremos norte de Minas Gerais. Foto: A.Isnardis (2015); D) morros residuais de arenito Botucatu, em Serranópolis, sudoeste de Goiás. Fonte: Bittencourt (2004)Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Análise dos sedimentos dos abrigos. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osório; BITENCOURT, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 265-286, 2004..

Enfim, se podemos apontar convergências em termos de grandes aspectos ambientais, as paisagens se configuram de modo diferenciado entre as quatro áreas (Figura 2). Ainda assim, é válido manter em vista que, em todas, os relevos se colocam de forma destacada regionalmente, infletindo os contornos da paisagem de entorno, marcando expressivamente as fisiografias regionais (conforme destacamos em Bueno e Isnardis [2018]). Assim é a Serra da Capivara, erguendo-se sobre a ampla e plana Caatinga, quando se vem pelo sul, ou abrindo-se exuberantemente, quando se chega pelo norte. Assim é o cânion do Peruaçu, com sua linha de serras recobertas de lapiás, que se destaca no contraste com a depressão sanfranciscana. A serra do Lajeado é um marco de imensa visibilidade no vale do Tocantins. Os afloramentos de Serranópolis contrastam fortemente com o topo plano das chapadas acima deles, esculpindo-lhes as bordas e, quando são maciços residuais, destacam-se no cerrado de relevo ondulado a seu redor.

Algo fundamental para que se entenda nossa percepção da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial é pensar nas áreas conhecidas como assim o sendo a partir das problemáticas de pesquisa que nelas foram implementadas, das escolhas teóricas e metodológicas das(os) pesquisadoras(es) que aí atuaram; a partir das perguntas que as(os) arqueólogas(os) lhes fizeram.

No Peruaçu, na Serra da Capivara e em Serranópolis, a prioridade das pesquisas foi estabelecer características de destaque das ocupações dos sítios, definindo conjuntos de vestígios (com coerência cronoestratigráfica) contendo características distintivas, que se sucedessem. A região do médio Tocantins é a exceção, no que se refere às expectativas iniciais das pesquisas. Voltarei a isso mais à frente. Nas três outras áreas, a ideia central era pôr em evidência blocos de elementos que, com coerência entre si, pudessem compor a ideia de ocupações particulares e distintas, as quais poderiam corresponder a grupos culturais e a estratégias de vida distintas (Guidon, 1986GUIDON, Niède. A sequência cultural da área de São Raimundo Nonato, Piauí. Revista Clio- Série Arqueológica, Recife, n. 3, p. 137-144, 1986., 2014GUIDON, Niède. O Pleistoceno superior e o Holoceno antigo no Parque Nacional da Serra da Capivara e seu entorno: as ocupações humanas. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIB, p. 444-457.; Schmitz, 2004SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, 286 p., 2004.; Prous; Rodet, 2009PROUS, André; RODET, Maria Jacqueline. Introdução. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, Belo Horizonte, v. 19, t. 1, p. 11-19, anual 2009. (Dossiê Arqueologia do Vale do Rio Peruaçu e adjacências – Minas Gerais).; Pessis et al., 2014PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIA-IIB.). Poderíamos chamar de ‘histórico-culturalistas’ as pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Anchietano, em Serranópolis, pelo Setor de Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no extremo norte deste estado, pela Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), na Serra da Capivara. Mas o rótulo simplifica e homogeneiza essas pesquisas, o que nos é muito pouco útil, quando tentamos compreendê-las. Sem dúvida, pode-se dizer que os autores estão tentando caracterizar ocupações humanas correspondentes a supostos grupos humanos com afinidades culturais arqueologicamente evidentes, que se sucederiam no tempo e poderiam ser delineados cartograficamente. Mas isso não basta.

No Peruaçu e na Serra da Capivara, os grupos de pesquisa coordenados, respectivamente, por André Prous (UFMG) e Niède Guidon (Fundação Museu do Homem Americano - FUMDHAM/Universidade Federal de Pernambuco - UFPE), ligados ambos a missões arqueológicas franco-brasileiras2 2 As missões arqueológicas franco-brasileiras são projetos continuados de pesquisa que contam com financiamento do Ministério de Assuntos Estrangeiros da França. Prous e Guidon, assim como Denis e Águeda Vialou, que conduziram pesquisas no Mato Grosso, tiveram financiamentos dessa natureza – combinados a outros, providos por agências brasileiras federais e estaduais de apoio à pesquisa – ao longo de numerosos anos, recursos fundamentais para viabilizar financeiramente suas pesquisas , estavam claramente interessados em estabelecer sequências de distintas ocupações para a região, mas suas escolhas não foram as mesmas. Assim como foram diferentes das escolhas de Schmitz e equipe e, ainda, das de Denis e Águeda Vialou e equipe, estes últimos responsáveis pela missão arqueológica franco-brasileira no Mato Grosso (Vilhena Vialou, 2005VILHENA VIALOU, Águeda (org.). Pré-história do Mato Grosso: Santa Elina. São Paulo: EdUSP, 2005.).

A equipe de Prous, desde o início, dedicou-se a análises tecnológicas do material lítico, crendo que essa seria uma dimensão importante para caracterizar ocupações humanas que poderiam guardar entre si afinidades culturais de alguma ordem3 3 Embora não fosse discutido explicitamente de qual ordem. (Prous et al., 1992PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora UnB, 1992.; Prous, 1996PROUS, André. Histórico das pesquisas no Alto Médio São Francisco e problemática geral. Arquivos do Museu de História Natural, Belo Horizonte, v. 17/18, t. 1, p. 1-7, anual 1996-1997. (Dossiê Arqueologia do Alto Médio São Francisco, Região de Montalvânia).-1997). Mas a intenção era trazer a tecnologia lítica para o centro das discussões, para além das peculiaridades dos contextos. A partir do momento em que se começa a defender explicitamente que haveria uma mesma ‘tradição’ arqueológica baseada na semelhança formal entre artefatos líticos (Schmitz et al., 1989SCHMITZ, Pedro Ignácio; BARBOSA, Altair S.; JACOBUS, André L.; RIBEIRO, Maira B. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis I. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 44, p. 9-208, 1989., 2004)4 4 Refiro-me ao emprego da categoria ‘Tradição Itaparica’, que será discutida mais adiante. , a equipe de Prous foi ator importante para resistir à ideia de uma categoria classificatória assim fundada, defendendo a necessidade de análises tecnológicas, para qualificar melhor as aparentes semelhanças (Prous et al., 1992PROUS, André; LIMA, Márcio Alonso; FOGAÇA, Emílio; BRITO, Marcos Eugênio. A indústria lítica da camada III da Lapa do Boquete, Vale do rio Peruaçu, MG (Brasil). In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, 3., 1992, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: ABEQUA, 1992. p. 342-362.; fogaça, 1995FOGAÇA, Emílio. A Tradição Itaparica e as indústrias líticas pré-cerâmicas da Lapa do Boquete (MG-Brasil). Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 5, p. 145-158, 1995. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.1995.109233.
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; Prous; fogaça, 1999PROUS, André; FOGAÇA, Emílio. Archaeology of the Pleistocene-Holocene boundary in Brazil. Quaternary International, Amsterdam, v. 53/54, p. 21-41, Dec. 1999. DOI: https://doi.org/10.1016/S1040-6182(98)00005-6.
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). Assim, um histórico-culturalismo à moda pronapiana nunca esteve nas pretensões e nas práticas do grupo da UFMG.

Tampouco este princípio esteve na equipe associada à missão franco-brasileira atuante no Piauí. Naquela região, as pesquisas também buscavam estabelecer claras sequências culturais. Ali, a interpretação de que havia materiais antrópicos em horizontes muito mais antigos de ocupação – superiores aos 30.000 BP – centralizou fortemente as energias e o debate. Mas, para muito além disso, na Serra da Capivara, fez-se grande investimento em caracterizações geográficas, paleoambientais e paleontológicas (Pessis et al., 2014PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIA-IIB.). Há muito, as análises tecnológicas ganharam destaque (Parenti, 1993PARENTI, Fabio. Le gisement quaternaire de la Pedra Furada: Stratigraphie, chronologie, évolution culturelle. 1993. Thèse (Doctorat en Archéologie Préhistorique) - Écôle des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 1993.), sendo intensificadas nos últimos anos (Boëda et al., 2014Boëda, Eric; CLEMENTE-CONTE, Ignacio; FONTUGNE, Michel; LAHAYE, Christelle; PINO, Mario; FELICE, Gisèle Daltrini; GUIDON, Niède; HOELTZ, Sirlei; LORDEAU, Antoine; PAGLI, Marina; PESSIS, Anne-Marie; VIANA, Sibeli; DA COSTA, Amélie; DOUVILLE, Eric. A new late Pleistocene archaeological sequence in South America: the Vale da Pedra Furada (Piauí, Brazil). Antiquity, Cambridge, v. 88, n. 341, p. 927-941, Sept. 2014. DOI: https://doi.org/10.1017/S0003598X00050845.
https://doi.org/10.1017/S0003598X0005084...
, 2016Boëda, Eric; ROCCA, Roxane; DA COSTA, Amélie; FONTUGNE, Michel; HATTÉ, Christine; CLEMENTE-CONTE, Ignacio; SANTOS, Janaina C.; LUCAS, Lívia; FELICE, Gisèle; LOURDEAU, Antoine; VILLAGRAN, Ximena; GLUCHY, Maria; RAMOS, Marcos Paulo; VIANA, Sibeli; LAHAYE, Christelle; GUIDON, Niède; GRIGGO, Christophe; PINO, Mario; PESSIS, Anne-Marie; BORGES, Carolina; GATO, Bruno. New data on a pleistocene Archaeological sequence in South America: Toca do Sítio do Meio, Piauí, Brazil. PaleoAmerica, London, v. 2, n. 4, p. 286-302, Quarterly 2016. DOI: https://doi.org/10.1080/20555563.2016.1237828.
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; Lourdeau, 2015LOURDEAU, Antoine. Lithic technology and prehistoric settlement in Central and Northeast Brazil: definition and spatial distribution of the Itaparica technocomplex. PaleoAmerica, London, v. 1, n. 1, p. 52-67, Quarterly 2015. DOI: https://doi.org/10.1179/2055556314Z.0000000005.
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; Lourdeau; Pagli, 2014LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIB, p. 550-635.; Pagli et al., 2016PAGLI, Marina; LUCAS, Lívia de Oliveira e; LOURDEAU, Antoine. Proposta de sequência tecnocultural da Serra da Capivara (Piauí) do Pleistoceno final ao Holoceno recente. Cadernos do CEOM, Chapecó, v. 29, n. 45, p. 243-267, dez. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.22562/2016.45.10.
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). Um aspecto de grande destaque nas pesquisas no sudeste do Piauí foi a fixação das pesquisadoras na região, o que as impulsionou grandemente, notavelmente no que se refere às escavações. Com a presença continuada das(os) pesquisadoras(es), moradoras(es) locais se engajaram longamente como técnicos nos trabalhos arqueológicos (e na gestão do parque que se estabeleceu), fenômeno que nunca ocorreu nas demais áreas aqui em pauta.

O terceiro núcleo de pesquisa associado às missões franco-brasileiras, a equipe coordenada por Denis e Águeda Vialou, também nunca se interessou por reafirmar ou propor grandes categorias classificatórias, a filiar ou a recusar filiação de seus materiais às tradições propostas alhures (Vilhena Vialou, 2003VILHENA VIALOU, Águeda. Santa Elina rockshelter, Brazil: evidence of the coexistence of man and Glossotherium. In: MIOTTI, Laura; SALEMME, Monica; Flegenheimer, Nora (ed.). Where the South Winds Blow: ancient evidence of paleo South Americans. Austin: Texas A&M University Press, 2003. p. 21-28., 2005).

As mais antigas ocupações da região de Serranópolis foram identificadas e descritas pela equipe do Instituto Anchietano de Pesquisas, sob coordenação de Pedro Ignácio Schmitz. Embora não compusesse o grupo oficial de pesquisadores do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), Schmitz (2007)SCHMITZ, Pedro Ignácio. O estudo das indústrias líticas: o PRONAPA, seus seguidores e imitadores. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007. p. 21-31. conduziu as primeiras décadas de suas pesquisas – notavelmente abundantes e frutíferas – em consonância com os princípios adotados nesse programa. Foi Schmitz que, a partir dos materiais encontrados nas escavações em Serranópolis, comparados a materiais de outras regiões que se punham em evidência naquele momento, propôs a extensão da Tradição Itaparica a regiões amplas do Brasil Central, proposta originalmente por Calderón de la Vara (1969CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. Nota prévia sobre a arqueologia das regiões central e sudoeste do Estado da Bahia. PRONAPA, Resultados Preliminares do 2º ano, 1966-1967. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, n. 10, p. 135-147, irreg. 1969., 1983)CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. As tradições líticas de uma região do baixo médio São Francisco (Bahia). In: CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. Estudos de Arqueologia e Etnologia. Salvador: UFBA, 1983. p. 37-52. (Coleção Valentin Calderón, v. 1). para um conjunto de materiais oriundos de Pernambuco5 5 A Gruta do Padre se situa no vale do São Francisco, no município de Petrolândia, em Pernambuco. Hoje, está submersa, em razão da construção da barragem de Itaparica (Martin; Rocha, 1990). Segundo as autoras, na área em que se localiza, emerge uma pequena ilha no lago da represa, na porção superior do relevo em que a gruta se insere.. (Schmitz, 1980SCHMITZ, Pedro Ignácio. A evolução da cultura no sudoeste de Goiás. In: Schmitz, Pedro (org.). Estudos de arqueologia e pré-história brasileira em memória de Alfredo Teodoro Rusins. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 31, p. 41-84 , 1980.; fogaça, 1995FOGAÇA, Emílio. A Tradição Itaparica e as indústrias líticas pré-cerâmicas da Lapa do Boquete (MG-Brasil). Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 5, p. 145-158, 1995. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.1995.109233.
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; Rodet et al., 2011RODET, Maria Jacqueline; Duarte-Talim, Déborah; BASSI, Luis Felipe. Reflexões sobre as primeiras populações do Brasil Central: “Tradição Itaparica”. Habitus, Goiânia, v. 9, n. 1, p. 81-100, jan./jun. 2011.).

Nas áreas de atuação das missões franco-brasileiras, a intenção era distinguir ocupações, com segurança, associando e dissociando vestígios, a partir da leitura estratigráfica e, assim, definir boas cronologias para essas distintas ocupações. Isso foi uma das razões que levaram os pesquisadores a eleger os abrigos como espaços prioritários de investimento das escavações. Os abrigos seriam os locais em que não só os vestígios deveriam se ter preservado melhor, mas também as estratigrafias se teriam preservado e poderiam ser melhor observadas, estando os vestígios em posição original com mais frequência. Este aspecto da preservação da disposição espacial original dos vestígios – dizendo de outro modo, da preservação de sua estruturação – conectava-se a uma forte expectativa, marcante das pesquisas vinculadas à tradição arqueológica francesa, de que seria possível explorar sistematicamente as relações espaciais dos elementos, de modo a definir áreas de atividades, distinguir estruturas discretas (Prous et al., 1992PROUS, André; LIMA, Márcio Alonso; FOGAÇA, Emílio; BRITO, Marcos Eugênio. A indústria lítica da camada III da Lapa do Boquete, Vale do rio Peruaçu, MG (Brasil). In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, 3., 1992, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: ABEQUA, 1992. p. 342-362.; Vialou et al., 2017VIALOU, Denis; Benabdelhadi, Mohammed; Feathers, James; Fontugne, Michel; Vilhena Vialou, Águeda. Peopling South America’s centre: the late pleistocene site of Santa Elina. Antiquity, Cambridge, v. 91, n. 358, p. 865-884, Aug. 2017. DOI: https://doi.org/10.15184/aqy.2017.101.
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), além de controlar precisamente a inserção contextual, tanto estratigráfica quanto arqueológica, das amostras de carvão a serem datadas. No extremo norte de Minas Gerais (e também no Mato Grosso), a minúcia exibida por essa preocupação conduziu as escavações em um ritmo muito cadenciado, o que significou anos de trabalho escavando-se um mesmo sítio. Foi diferente no Piauí, onde as escavações avançaram em ritmo muito mais intenso, em função da fixação das(os) pesquisadoras(es) junto à área de pesquisa e da participação de técnicos formados localmente.

Quando discutimos o protagonismo dos abrigos, não custa lembrar que eles são imensamente mais fáceis de ser localizados do que sítios a céu aberto, especialmente sítios antigos a céu aberto, que podem estar bem abaixo da superfície, sem elemento superficial nenhum que os denuncie.

Em Serranópolis, embora não se possa ver nas publicações a mesma minúcia no tratamento das informações estratigráficas e de estruturação dos vestígios, são também os abrigos os sítios priorizados, basicamente pelos mesmos motivos já apresentados.

Essa intensa ênfase nos abrigos é uma marca forte no nosso conhecimento sobre as ocupações pleistocênicas e aquelas do Holoceno inferior. Prous (1992PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora UnB, 1992., 1999)PROUS, André. As primeiras populações do estado de Minas Gerais. In: TENÓRIO, Maria Cristina (org.). Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. p. 101-114. e Prous et al. (1992)PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora UnB, 1992., em diversos momentos, deixaram claro não ter ilusões quanto ao fato de os abrigos representarem apenas uma fração dos modos de vida das populações da área. Outras pessoas que publicaram sobre as pesquisas nas três áreas não se dedicam a explicitar essa compreensão (com exceções, como Rodet, [2006]), embora em todas seja claro que não há expectativa quanto aos abrigos serem os sítios que mais completamente representariam os modos de vida das populações antigas. Apenas Schmitz (1999, 2004) propõe abrigos como centro residencial e principal espaço abordável de vivência, mas o faz não por princípio, senão pelos atributos específicos encontrados em sítios que escavou.

É Schmitz (2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio. Os grupos de sítios: a indústria lítica. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vetti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 15-210, 2004., entre os até aqui citados que publicaram sobre alguma(s) dessas áreas, o primeiro a propor que se pense os diferentes sítios como formando conjuntos, se integrando em um sistema de lugares com funções complementares. Os demais grupos de pesquisa até aqui mencionados (as equipes da UFMG e da FUMDHAM) não leem os sítios como integrantes de sistemas. Embora digam, por vezes de forma explícita, que os abrigos devem representar apenas parte minoritária da vida das populações que os ocuparam, as(os) autoras(es) seguiram priorizando-os muito intensamente. O entendimento do papel restrito dos sítios nas ocupações não infletiu as pesquisas, não as levou a buscarem recorrentemente outros sítios que se integrassem aos abrigos na interpretação dos modos de vida.

Considero importante destacar que, no caso da Serra da Capivara, a confirmação da grande antiguidade proposta tenha se tornado um dos temas centrais das pesquisas, mas que, nas demais regiões (Serranópolis e extremo norte de Minas Gerais), a antiguidade não era um tema em si. Os trabalhos não priorizaram a busca das mais antigas ocupações humanas, embora, sem dúvida, se quisesse saber desde quando essas regiões eram ocupadas e como cada uma delas poderia contribuir para o desenho da antiguidade remota dos humanos na América. Esse período (transição Pleistoceno-Holoceno) veio a primeiro plano não só pela sua antiguidade, mas também – e creio que essa é uma dimensão importante, especialmente nos casos do Norte de Minas e de Serranópolis – porque essas ocupações eram especialmente ricas em materiais líticos lascados ou, mais especificamente, em artefatos líticos lascados sofisticados, que sugeriam padronização. Em comparação com as indústrias do Holoceno médio, em Serranópolis, no Norte de Minas e na Serra da Capivara, as indústrias antigas (da transição e do Holoceno inferior) eram mais fartas, mais exuberantes e potencialmente mais compreensíveis. Este é um aspecto muito importante no conhecimento que hoje temos a respeito das ocupações centro-brasileiras de mais de 8/9.000 anos: as indústrias líticas sofisticadas atraíram a atenção dos arqueólogos pelo seu potencial de entendimento, seja para análises fundadas da diversidade formal dos artefatos retocados, seja para análises de cunho tecnológico desses mesmos artefatos. Para aqueles dispostos a formar tipologias, as indústrias antigas têm quantidade e regularidade formal suficientes. Para aquelas(es) interessadas(os) em análises tecnológicas, essas coleções parecem capazes de apoiar uma produção de conhecimento com as bases teórico-metodológicas de que dispunham: a noção de cadeia operatória, a leitura minuciosa dos estigmas de lascamento, a análise diacrítica, a possibilidade de abordar a totalidade das indústrias, através do reconhecimento de atributos não apenas de artefatos, mas também de refugos de sua produção.

Assim, o que temos nessa arqueologia de contextos antigos de abrigos centro-brasileiros é uma conjunção de interesses gerais, prévios, eu diria, de teoria e método com interesses de pesquisa e com peculiaridades do registro arqueológico em níveis de mais de 8/9.000 anos de idade.

A escassez, nas três áreas (Serranópolis, Serra da Capivara, extremo norte de Minas Gerais), de sítios desvinculados de abrigos naturais implicou construir uma visão consideravelmente restrita dos modos de vida e dos leques de atividade e da diversidade de artefatos e de técnicas dessas comunidades humanas. As pesquisas, lembrando da exceção da equipe do Instituto Anchietano, não pautaram a busca de sítios complementares ou, pelo menos, não se dedicaram efetivamente a ela. Portanto, quando comparamos as distintas áreas, essa é uma marca forte das possibilidades: estamos, quase sempre, comparando materiais (e atividades a eles conectadas) de abrigos – a região do médio Tocantins é a exceção, entre as áreas aqui tratadas. Não está disponível na bibliografia sobre a transição Pleistoceno-Holoceno e o Holoceno inicial, nessas três áreas, um conteúdo que explore sistemas de sítios ou diferentes categorias de sítios, com distintas implantações na paisagem, em articulação. Na região do médio Tocantins, o quadro é outro.

As pesquisas conduzidas inicialmente por Robrahn-Gonzalez e De Blasis (1997)ROBRAHN-GONZALEZ, Erika; DE BLASIS, Paulo. Pesquisa Arqueológicas no Médio Vale do Rio Tocantins: o resgate no eixo da UHE Luis Eduardo Magalhães. Revista de Arqueologia, Belém, v. 10, n. 1, p. 7-50, dez. 1997. e desenvolvidas por Bueno (2005, 2007a, 2007b) na região do Lajeado, no Tocantins, tomaram como questão inicial pensar diferentes sítios, em distintos pontos da paisagem, como componentes de sistemas, de modos de vida e de mobilidade, de estratégias de ação e de gestão. Como as prospecções se iniciaram vinculadas a um projeto de avaliação e de resgate arqueológico, elas foram intensas e extensas, conduzindo muitas intervenções de sub-superfície a céu aberto e caminhamentos que produziram uma grande cobertura das ocorrências de superfície. Isso resultou no que possivelmente é o maior conjunto de sítios antigos a céu aberto que conhecemos em todo o Cerrado. Bueno (2005BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., 2007a)BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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construiu um entendimento que parte da ideia de integração dos sítios e que mantém essa integração durante todo o curso da análise. O médio Tocantins é, pois, uma região privilegiada para nossa leitura, quando nós, no contexto deste projeto de pesquisa que pretende construir novos entendimentos do povoamento6 6 Refiro-me aqui ao projeto “Povoamento inicial da América visto a partir do contexto arqueológico brasileiro”, financiado pelo convênio entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (COFECUB), de cooperação científica Brasil/França, que motiva, orienta e cria o contexto de produção deste texto. O projeto reúne os pesquisadores Lucas Bueno (coordenador, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC), Claide de Paula Moraes (Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA), Adriana Dias (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS), Andrei Isnardis (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) e Antoine Lourdeau, Águeda Vialou, Denis Vialou e Marilène Pathou-Matis (coordenadora), do Museum National d’Histoire Naturelle (MNHN). , valemo-nos para isso da ideia de território.

Um último ponto a respeito das relações entre sítios merece destaque, para que se faça jus à qualidade das pesquisas. As análises tecnológicas de materiais líticos feitas em mais detalhe colocam em evidência a ideia de articulação intersítios. O emprego da noção de cadeia operatória deixa claro que, em se tratando dos artefatos sofisticados encontrados, os plano-convexos especialmente, os sítios em abrigos guardam articulação necessária com outros lugares. Isso se dá pelo fato de que, à exceção de dois dos grandes sítios de Serranópolis (conforme Schmitz, [2004]SCHMITZ, Pedro Ignácio. Os grupos de sítios: a indústria lítica. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vetti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 15-210, 2004.), as cadeias operatórias desses artefatos não se encontram completas nos abrigos. Isso remete insofismavelmente a outros locais na paisagem, onde as outras etapas da cadeia operatória de produção dos plano-convexos teriam lugar. Embora as(os) pesquisadoras(es) não tenham buscado intensamente esses outros lugares.

As quatro áreas aqui em pauta são muito ricas em conjuntos gráficos rupestres. A região da Serra da Capivara tem um conjunto monumentalmente abundante de grafismos (Pessis et al., 2014PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIA-IIB.; Pessis, 2003PESSIS, Anne-Marie. Imagens da Pré-História: Parque Nacional Serra da Capivara. São Raimundo Nonato: FUNDHAM, 2003.), com grande intensidade de ocupação dos suportes e densidade de locais pintados; o Peruaçu tem grande diversidade temática e estilística, em meio à qual estão os enormes painéis elevados e policrômicos que notabilizaram a região (Ribeiro, 2006RIBEIRO, Loredana. Os significados da similaridade e do contraste entre estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do Alto-Médio São Francisco. 2006. Tese (Doutorado em Arqueologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.; Isnardis, 2004ISNARDIS, Andrei. Lapa, parede, painel. A distribuição geográfica das unidades estilísticas de grafismos rupestres do Vale do Rio Peruaçu e suas relações diacrônicas (Alto-Médio São Francisco, Norte de Minas Gerais). 2004. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.); a serra do Lajeado tem um quase contínuo conjunto de abrigos pintados, também ricos em número de figuras e em diversidade estilística (Berra, 2003BERRA, Júlia. A arte rupestre na Serra do Lageado, Tocantins. 2003. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.); Serranópolis tem abundantes suportes ricamente pintados, com milhares de grafismos em seus numerosos abrigos (Schmitz, 1997SCHMITZ, Pedro Ignácio. Serranópolis II: as pinturas e gravuras dos abrigos. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 1997. (Arqueologia nos cerrados do Brasil Central).). São poucas as datações seguras para grafismos rupestres, sejam pinturas ou gravuras, nessas quatro áreas, mas elas existem. Contudo, são posteriores ao recorte cronológico aqui eleito para discussão, conforme apresentamos alhures (Bueno; Isnardis, 2018BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
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). No Vale do Peruaçu e na Serra da Capivara, as datações máximas e mínimas dos grafismos mais antigos, recobertos por sedimentos, os situam entre a faixa de 9.000 a 7.000 BP (Ribeiro, 2006RIBEIRO, Loredana. Os significados da similaridade e do contraste entre estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do Alto-Médio São Francisco. 2006. Tese (Doutorado em Arqueologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.; Pessis et al., 2014PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIA-IIB.)7 7 Para uma discussão mais detalhada desses contextos, videRibeiro (2006). . No Lajeado, apesar da escassez de informações, sugere-se que os grafismos mais antigos estejam situados entre 9.000 e 8.000 BP (Bueno et al., 2017BUENO, Lucas; BRAGA, Ariana; BETARELLO, Juliana. Abrigo do Jon e a dinâmica de ocupação do médio Tocantins ao longo do Holoceno. Revista Especiaria–Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus, v. 16, n. 29, p. 115-149, 2017.). Para Serranópolis, não estão disponíveis datações de pintura do início do Holoceno. Assim, conforme discutimos em recente publicação (Bueno; Isnardis, 2018BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
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), a exuberante diversidade centro-brasileira de grafismos rupestres só se desenvolverá ao longo do Holoceno, não podendo ser integrada em nossas discussões sobre similaridades e diferenças na transição do Pleistoceno ao Holoceno e no Holoceno inicial.

Com essas considerações sobre os contextos, passemos às leituras que se construíram sobre as ocupações antigas e aos elementos a seu respeito que compõem as narrativas arqueológicas.

A CONVERSA VEM DE UM POUCO ANTES (13.000-11.000 BP)

O período que antecedeu aquele que aqui pretendo discutir, que podemos definir como se estendendo de 13.000 a 11.000 BP (Bueno; Isnardis, 2018BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
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; Dias; Bueno, 2014DIAS, Adriana Schmidt; BUENO, Lucas. The initial colonization of South America Eastern Lowlands: Brazilian archaeology contributions to settlement of America models. In: GRAF, Kelly E.; KETRON, Caroline V.; WATERS, Michael R. (ed.). Paleoamerican odissey. College Station: Texas A&M University, 2014. p. 339-357.), apresenta elementos bastante similares com seu sucessor imediato. Estão presentes nos abrigos centro-brasileiros que apresentam tais datas artefatos plano-convexos muitíssimo semelhantes àqueles ‘menos antigos’ (entre 11.000 e 9.000). Também se pode notar nesse bloco mais antigo a dominância de fauna pequena e local e os mesmos modos de gestão das matérias-primas – todos esses pontos serão mais detalhadamente discutidos a seguir. São, contudo, poucos os locais com diversas datações para essa faixa de 13.000 a 11.000 BP, estando eles concentrados na Serra da Capivara (onde são mais numerosos) e no Vale do Peruaçu. O que merece destaque é que, nessa faixa cronológica, parecem estar presentes alguns dos elementos que seriam mais amplamente visíveis e marcantes no período de 11.000 a 9.000 BP.

Assim, podendo ser essa faixa cronológica de 13.000 a 11.000 anos antes do presente um período ainda exploratório ou de ocupação pouco densa8 8 VideBueno e Isnardis (2018), para essa discussão. , o ponto é que as pessoas que ocuparam os sítios da Serra da Capivara e do Vale do Peruaçu parecem partilhar certos comportamentos que mais tarde ampliar-se-iam geograficamente. É útil destacar que o fenômeno que se caracterizará com mais clareza nos dois milênios seguintes (11.000-9.000) não surgiu do nada, nem se estabeleceu ‘repentinamente’. Esse fenômeno – o ‘compartilhamento com diferenças’, que é objeto desta reflexão – parece intensamente conectado a modos de vida que se vinham constituindo desde tempos mais remotos.

LENDO AS LEITURAS SOBRE AS DIVERSAS ÁREAS NO HORIZONTE DE 11.000 A 9.000 BP

É importante frisar que é nisso que se constitui este artigo: leitura de leituras. Para este exercício, não retornei aos materiais e aos registros que poderíamos chamar de primários. O que posso tentar é, a partir de minha leitura do que se escreveu sobre essas áreas, compor uma síntese – seguramente parcial e insuficiente, que deixará insatisfeitas muitas das pessoas que a lerão; torço para que as deixe, ao mesmo tempo, curiosas, provocadas. Esta é uma síntese construída com base no que me atraiu a atenção em termos de semelhanças e diferenças entre os contextos arqueológicos, a partir das narrativas construídas pelas(os) pesquisadoras(es) dessas quatro áreas. Nesse movimento, certamente tem um peso expressivo o fato de eu ter feito parte de uma dessas equipes, o que me dá uma aproximação muito mais intensa ao contexto do extremo norte de Minas Gerais e me oferece um repertório mais rico de informações sobre ele, que não estão todas disponíveis nas publicações.

Assim, iniciarei a tentativa de síntese pelo extremo norte de Minas Gerais, para, a partir dele, seguir pelas demais áreas e, então, compará-las. Estou usando a expressão extremo norte de Minas Gerais para designar duas áreas: o Vale do Peruaçu e a região de Montalvânia. As publicações do grupo de pesquisa da UFMG têm usado, desde os anos 1980, uma outra designação, que funciona muito bem para colocar essas áreas em um contexto macrorregional: alto-médio São Francisco9 9 Tomando o grande rio do Sertão como referência, essa é uma designação poderosa. .

Foram escavados no Vale do Peruaçu diversos abrigos, em um primeiro momento, nos anos de 1980, para que se definisse(m) o(s) sítio(s) que receberiam investimentos mais intensos. As sondagens mostraram múltiplas camadas estratigráficas, grande riqueza quantitativa e qualitativa de materiais de diversas naturezas (lítico, cerâmico, faunístico e florístico). A partir daí, definiram-se os sítios a serem priorizados. As escavações se concentraram, então, na Lapa do Boquete (o mais intensamente escavado, que proveu as datas nas casas de 12.000 e 11.000 BP), na Lapa do Malhador e na Lapa dos Bichos (mais tardiamente).

Em síntese, as análises dos materiais líticos do horizonte cronológico que nos interessa aqui (fogaça, 1995FOGAÇA, Emílio. A Tradição Itaparica e as indústrias líticas pré-cerâmicas da Lapa do Boquete (MG-Brasil). Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 5, p. 145-158, 1995. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.1995.109233.
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; Prous, 1992PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora UnB, 1992., 1999; fogaça et al., 1997FOGAÇA, Emílio; SAMPAIO, Divaldo Rocha; MOLINA, Luiz Alberto. Nas entrelinhas da tradição: os instrumentos de ocasião da Lapa do Boquete (Minas Gerais-Brasil). Revista de Arqueologia, Pelotas, v. 10, n. 1, p. 71-88, dez. 1997. DOI: https://doi.org/10.24885/sab.v10i1.120.
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; Prous et al., 1992PROUS, André; LIMA, Márcio Alonso; FOGAÇA, Emílio; BRITO, Marcos Eugênio. A indústria lítica da camada III da Lapa do Boquete, Vale do rio Peruaçu, MG (Brasil). In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, 3., 1992, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: ABEQUA, 1992. p. 342-362.; Prous; fogaça, 1999PROUS, André; FOGAÇA, Emílio. Archaeology of the Pleistocene-Holocene boundary in Brazil. Quaternary International, Amsterdam, v. 53/54, p. 21-41, Dec. 1999. DOI: https://doi.org/10.1016/S1040-6182(98)00005-6.
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; fogaça, 2001FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001.; Rodet, 2006RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006.) resultaram na compreensão de que estavam presentes nos abrigos (Rodet, 2006RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006.) ‘apenas as etapas finais’ da cadeia operatória dos plano-convexos. Além dos próprios artefatos, em número significativo, mas que não podem ser chamados de abundantes, estavam presentes lascas de retoque e de façonagem, que corresponderiam parcialmente às lascas de reforma dos plano-convexos. A reforma é uma prática marcante na indústria e responsável, conforme fogaça (2001FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001., 2003FOGAÇA, Emílio. Instrumentos líticos unifaciais da transição Pleistoceno-Holoceno no Planalto Central do Brasil: individualidade e especificidade dos objetos técnicos. Canindé-Revista do Museu de Arqueologia de Xingó, Canindé do São Francisco, n. 3, p. 9-36, dez. 2003., 2006)FOGAÇA, Emílio. Um objeto lítico: além da forma, a estrutura. Canindé-Revista do Museu de Arqueologia de Xingó, Canindé de São Francisco, n. 7, p. 11-35, jun. 2006., por parte significativa da diversidade morfológica dos artefatos. Nota-se uma clara seleção de rochas mais propensas ao lascamento (sílex homogêneos e finos, arenitos finos) para a produção dos plano-convexos. Outras variedades de rochas silicosas10 10 Ampla gama de silexitos, nos termos de Rodet (2006). estão também presentes, mas sendo empregadas na produção de artefatos mais simples ou de lascas brutas de debitagem. Esse é um ponto a destacar: há outros artefatos mais simples. Produzidos por meio de retoques sobre lascas, eles mantêm coerências no trato com as rochas, se comparados aos complexos. Uma delas é a eleição sistemática da face externa para receber retoques (retoques diretos, portanto); outra é o evitamento da produção de retoques sobre a porção proximal (fogaça et al., 1997FOGAÇA, Emílio; SAMPAIO, Divaldo Rocha; MOLINA, Luiz Alberto. Nas entrelinhas da tradição: os instrumentos de ocasião da Lapa do Boquete (Minas Gerais-Brasil). Revista de Arqueologia, Pelotas, v. 10, n. 1, p. 71-88, dez. 1997. DOI: https://doi.org/10.24885/sab.v10i1.120.
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; fogaça, 2001FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001.; Rodet, 2006RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006.).

Os restos faunísticos não são abundantes e correspondem majoritariamente à fauna de pequeno e médio portes (Kipnis, 2009KIPNIS, Renato. Padrões de subsistência dos povos forrageiros do Vale do Peruaçu. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, Belo Horizonte, v. 19, t. 1, p. 289-318, anual 2009.). Estão ausentes os maiores animais (antas [Tapirus], caititus e queixadas [Pecari; Tayassu], veados [Ozotocerus e Mazama]). Não há restos que indiquem o preparo e o consumo desses grandes animais nos abrigos. Os ossos de grandes mamíferos, de Cervidae, mais precisamente, aparecem nos abrigos, porém sendo utilizados como suporte para artefatos, não ocorrendo como vestígios alimentares – há espátulas produzidas em ossos longos das pernas dos cervídeos. A pequena fauna naturalmente frequentadora dos abrigos responde por uma parte significativa dos vestígios, representada por pequenos tatus (Dasypus sp.), caramujos terrestres, os abundantes mocós (Kerodon rupestris) e outros pequenos roedores. Por vezes, é possível atribuir-lhes origem antrópica, outras não11 11 Para essa discussão, ver Kipnis (2009). . Os autores que discutiram a fauna antiga (tema de produção modesta) e seu contexto arqueológico não sustentam a presença de grande consumo, em coerência com a leitura de Prous e fogaça (1999)PROUS, André; FOGAÇA, Emílio. Archaeology of the Pleistocene-Holocene boundary in Brazil. Quaternary International, Amsterdam, v. 53/54, p. 21-41, Dec. 1999. DOI: https://doi.org/10.1016/S1040-6182(98)00005-6.
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, que assinalam a ausência de grandes fogueiras alimentares.

Vestígios arqueológicos florísticos se fazem presente desde a transição Pleistoceno-Holoceno, encontrando-se, sobretudo, carbonizados, com destaque para o jatobá [Hymenaea], coquinhos queimados (guariroba [Syagrus orelacea], majoritariamente) (Resende; Cardoso, 2009RESENDE, Eunice; CARDOSO, Juliana. Vestígios vegetais: arqueobotânica e técnicas tradicionais de armazenamento. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, Belo Horizonte, v. 19, p. 231-260, anual 2009.). Prous descreve pequenas fogueiras cujo combustível eram coquinhos, em lugar de lenha12 12 As fogueiras de coquinhos são regionalmente conhecidas, no presente, como produtoras de pouca chama, mas com boa brasa (em função do óleo presente nos cocos). . A baixa frequência de flora é, obviamente, resultante de processos tafonômicos, aos quais as peças carbonizadas resistiram.

Um outro aspecto digno de destaque das ocupações dos abrigos norte-mineiros no início do Holoceno é a ausência de sepultamentos. Diferentemente de outras regiões, no centro de Minas Gerais (Lagoa Santa e sua vizinha Serra do Cipó), não há sepultamentos de mais de 9.000 anos no Vale do Peruaçu ou em Montalvânia (Prous; Schlobach, 1997PROUS, André; SCHLOBACH, Mônica Carsalad. Sepultamentos pré-históricos do Vale do Peruaçu-MG. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 7, p. 3-21, anual 1997. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.1997.109292.
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).

Reunindo esses elementos, os autores (Prous et al., 1992PROUS, André; LIMA, Márcio Alonso; FOGAÇA, Emílio; BRITO, Marcos Eugênio. A indústria lítica da camada III da Lapa do Boquete, Vale do rio Peruaçu, MG (Brasil). In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, 3., 1992, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: ABEQUA, 1992. p. 342-362.; Prous; fogaça, 1999PROUS, André; FOGAÇA, Emílio. Archaeology of the Pleistocene-Holocene boundary in Brazil. Quaternary International, Amsterdam, v. 53/54, p. 21-41, Dec. 1999. DOI: https://doi.org/10.1016/S1040-6182(98)00005-6.
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; Rodet, 2006RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006.) apontam para a Lapa do Boquete, dos Bichos e do Malhador como sendo espaços de vivência de curta duração, algo como acampamentos de curta duração. Foram reocupados, mas não o foram intensamente, dado o volume relativamente modesto de vestígios. Embora a discussão dos autores não avance especialmente nesse aspecto, parece claro que não há elemento algum para sustentar os abrigos como espaço de habitação (algo como um acampamento-base), tampouco para vê-los como um espaço intensamente ocupado e/ou muitas vezes reocupado, mesmo que alguns abrigos do Vale do Peruaçu sejam enormes (por vezes, com mais de 100 metros de extensão e dezenas de metros de profundidade).

A região de Montalvânia se situa a menos de 100 km ao norte, em linha reta, do Vale do Peruaçu. Ali, as escavações foram modestas, concentradas na Lapa do Dragão. Nesse sítio, há datações na faixa entre 11.000 e 9.000 BP, em camadas arqueológicas em que se apresentam materiais líticos semelhantes àqueles do Peruaçu, com os plano-convexos, uma seleção semelhante de matérias-primas rochosas e sem grandes fogueiras, com fauna pouco numerosa e pequena. As informações são poucas, em função da não continuidade de escavações na área, embora seu potencial seja exuberante. Também se trata de uma região cárstica, porém ali a feição dominante é de maciços residuais, altamente erodidos. Os abrigos tendem a ser baixos, associados a vertentes recobertas de lapiás, ou dispostos em labirintos de falhamentos e condutos. As áreas abrigadas são muitas vezes discretas na paisagem, embora os afloramentos se projetem com grande visibilidade em meio à mata seca.

Nos abrigos de Serranópolis, estão presentes artefatos plano-convexos muito semelhantes aos do extremo norte de Minas Gerais. Conforme dito anteriormente, foi a partir das coleções de Serranópolis que, ao compará-las com as publicações de Calderón de la Vara (1983CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. As tradições líticas de uma região do baixo médio São Francisco (Bahia). In: CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. Estudos de Arqueologia e Etnologia. Salvador: UFBA, 1983. p. 37-52. (Coleção Valentin Calderón, v. 1)., 1969)CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. Nota prévia sobre a arqueologia das regiões central e sudoeste do Estado da Bahia. PRONAPA, Resultados Preliminares do 2º ano, 1966-1967. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, n. 10, p. 135-147, irreg. 1969., Schmitz (1980SCHMITZ, Pedro Ignácio. A evolução da cultura no sudoeste de Goiás. In: Schmitz, Pedro (org.). Estudos de arqueologia e pré-história brasileira em memória de Alfredo Teodoro Rusins. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 31, p. 41-84 , 1980., 2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio. Os grupos de sítios: a indústria lítica. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vetti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 15-210, 2004. e Schmitz et al. (1989)SCHMITZ, Pedro Ignácio; BARBOSA, Altair S.; JACOBUS, André L.; RIBEIRO, Maira B. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis I. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 44, p. 9-208, 1989., propuseram uma ampla distribuição geográfica da assim chamada ‘Tradição Itaparica’, com ênfase na ocorrência dos plano-convexos. No desenvolvimento das pesquisas, Schmitz (1980SCHMITZ, Pedro Ignácio. A evolução da cultura no sudoeste de Goiás. In: Schmitz, Pedro (org.). Estudos de arqueologia e pré-história brasileira em memória de Alfredo Teodoro Rusins. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 31, p. 41-84 , 1980., 2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio. Os grupos de sítios: a indústria lítica. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vetti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 15-210, 2004. propõe uma fase específica nessa tradição, a fase Paranaíba, a mais antiga identificada em Serranópolis, como sendo aquela que representaria as ocupações cujos vestígios incluem os plano-convexos.

Em contraste com o Norte de Minas, não são somente as etapas finais da cadeia operatória de produção de plano-convexos aquelas presentes nos sítios – lembrando que se trata, mais uma vez, muito majoritariamente de ocupações de abrigos. Ao menos dois sítios, conhecidos pelas siglas de GO-JA-03 e GO-JA-01, conteriam toda a cadeia operatória (Schmitz, 2004SCHMITZ, Pedro Ignácio. Os grupos de sítios: a indústria lítica. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vetti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 15-210, 2004.); em GO-JA-01, as fases iniciais envolvem afloramentos logo acima da área abrigada. Pode-se observar, conforme Schmitz (2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, 286 p., 2004., uma eleição das variedades mais aptas ao lascamento para a produção dos artefatos complexos, à semelhança do Vale do Peruaçu e da região de Montalvânia (Schmitz, 2004SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, 286 p., 2004.; Prous et al., 1996-1997PROUS, André; RIBEIRO, Loredana (org.). A arqueologia do Alto-médio São Francisco: região de Montalvânia. Arquivos do Museu de História Natural, Belo Horizonte, v. 17/18, t. 1, 533 p., anual 1996-1997.; Prous; Ribeiro, 1996-1997PROUS, André; RIBEIRO, Loredana (org.). A arqueologia do Alto-médio São Francisco: região de Montalvânia. Arquivos do Museu de História Natural, Belo Horizonte, v. 17/18, t. 1, 533 p., anual 1996-1997.; fogaça, 2001FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001.). Porém, em GO-JA-03 e GO-JA-01, essa matéria-prima está disponível no próprio abrigo ou está muito próxima a ele.

Os abrigos de Serranópolis, com destaque para GO-JA-03, seguido por GO-JA-01, têm número muito elevado de vestígios. Segundo Schmitz (2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio. Os grupos de sítios: a indústria lítica. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vetti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 15-210, 2004., são centenas de artefatos plano-convexos nos níveis mais antigos, acompanhados de várias outras centenas de outras formas de artefatos retocados. Também às centenas se contam os núcleos recuperados desse período, e GO-JA-03 tem média calculada de mais de 13.000 peças líticas por metro cúbico na ‘Fase Paranaíba’13 13 Nos textos de apresentação de material lítico, este aparece agrupado pelas quatro fases propostas por Schmitz (2004): Fase Paranaíba, a mais antiga, dos limites entre Pleistoceno e Holoceno e do Holoceno inicial; Fase Serranópolis, no Holoceno médio; Fase Jataí, com cerâmica, do Holoceno superior; e Tradição Tupiguarani. .

É importante destacar que, em Serranópolis, até o início deste século, as publicações apresentavam descrições mais simples tanto dos artefatos como do restante da indústria antiga14 14 Como se pode ver em Schmitz (2004). . Os trabalhos de fogaça e Lourdeau (2008)FOGAÇA, Emílio; LOURDEAU, Antoine. Uma abordagem tecno-funcional e evolutiva dos instrumentos plano-convexos (lesmas) da transição Pleistoceno/Holoceno no Brasil Central. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, n. 7, p. 260-347, dez. 2008. e, especialmente, de Lourdeau (2010LOURDEAU, Antoine. Le technocomplexe Itaparica: définition techno-fonctionnelle des industries à pièces façonnées unifacialement à une face plane dans le centre et le nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien. 2010. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Ouest Nanterre, Nanterre, 2010., 2013Lourdeau, Antoine. Tecnologia lítica e primeiros povoamentos no Sudoeste do Estado de Goiás. In: MOURA, Marlene Castro Ossami de; VIANA, Sibeli Aparecida (org.). A transversalidade do conhecimento científico. Goiânia: Editora PUC-GO, 2013. p. 73-96., 2015LOURDEAU, Antoine. Lithic technology and prehistoric settlement in Central and Northeast Brazil: definition and spatial distribution of the Itaparica technocomplex. PaleoAmerica, London, v. 1, n. 1, p. 52-67, Quarterly 2015. DOI: https://doi.org/10.1179/2055556314Z.0000000005.
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, 2017)LOURDEAU, Antoine. Vie et mort d’un support d’outil: chaînes opératoires de réaménagement des pièces façonnées unifacialement du technocomplexe Itaparica (Brésil Central). Journal of Lithic Studies, Edinburgh, v. 1, n. 2, p. 87-105, 2017. DOI: https://doi.org/10.2218/jls.v4i2.2548.
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foram os que apresentaram análises tecnológicas mais pormenorizadas dos artefatos de Serranópolis. Desde fins do século passado, era perceptível a semelhança formal entre os artefatos plano-convexos de Serranópolis, do Vale do Peruaçu e da Serra da Capivara. A partir dos trabalhos de fogaça e, sobretudo, de Lourdeau, a semelhança ganhou conteúdo tecnológico. Ficou claro que, em Serranópolis, a diversidade formal dos plano-convexos também pode decorrer da história de reformas desses artefatos e que eles integram uma estratégia geral de compor e gerir múltiplos gumes em uma só peça, além de serem produzidos sobre uma gama específica de lascas, suportes de atributos recorrentes (Lourdeau, 2010LOURDEAU, Antoine. Le technocomplexe Itaparica: définition techno-fonctionnelle des industries à pièces façonnées unifacialement à une face plane dans le centre et le nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien. 2010. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Ouest Nanterre, Nanterre, 2010.).

No tocante aos vestígios faunísticos, Serranópolis se diferencia, pois em seus abrigos, no Holoceno inicial, estão presentes animais de bom porte, como Cervidae (os veados), Tayassuidae (os porcos), Mustelidae (furão, jaritataca, lontra), Canidae, Felidae, grandes lagartos, tartarugas e aves de portes médio e grande (Rosa, 2004ROSA, André. Assentamentos pré-históricos da região de Serranópolis: análise dos restos faunísticos. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana LuisaVietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 221-264, 2004.). Jacobus (1985)JACOBUS, André. Comparação dos vestígios faunísticos de alguns sítios arqueológicos (RS e GO). Boletim do MARSUL, Taquara, v. 3, n. 3, p. 61-76, 1985., Jacobus e Schmitz (1983)JACOBUS, André; SCHMITZ, Pedro Ignácio. Restos alimentares do sítio GO-JA-01, Serranópolis, Goiás. Nota prévia. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 1983. e Rosa (2004)ROSA, André. Assentamentos pré-históricos da região de Serranópolis: análise dos restos faunísticos. In: SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana LuisaVietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, p. 221-264, 2004. apontam também para a frequência expressiva de fauna pequena, mas fica claro que o consumo de animais grandes teve lugar nos abrigos sul-goianos, ou melhor, nos sítios GO-JA-03 e GO-JA-01.

No trabalho de síntese das pesquisas regionais, Schmitz (2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, 286 p., 2004. propõe sítios com papéis distintos, organizados de forma articulada. GO-JA-03 seria o “[...] centro do assentamento [...]” (Schmitz, 2004SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, 286 p., 2004., p. 19) de um dos conjuntos. GO-JA-01 também desempenharia um papel de centralidade. Outros sítios apresentam material lítico qualitativa e quantitativamente diferentes, com frequências menores nos totais de peças e de artefatos retocados. Alguns dos sítios com área abrigada e de afloramentos sem abrigo são apontados como fontes de matéria-prima, enquanto outros abrigos têm artefatos retocados, porém em taxas bem mais baixas, sendo que neles são muito pouco numerosos ou ausentes os vestígios correspondentes às etapas iniciais de produção de artefatos.

A área do hoje Parque Nacional da Serra da Capivara, no sudeste do Piauí, apresenta a maior concentração de sítios pré-coloniais registrados nos sertões brasileiros. Ali, conforme dito anteriormente, as pesquisas priorizaram os sítios em abrigos, que são muitíssimo abundantes na Serra. Na faixa cronológica de que tratamos aqui, há um número de sítios muito expressivo15 15 Com datações entre 13.000 e 8.000 BP, Lourdeau e Pagli (2014) indicam 36 sítios. .

A indústria lítica desses sítios contém os artefatos plano-convexos sobre lascas de múltiplos gumes e outros elementos que levaram Lourdeau (2010)LOURDEAU, Antoine. Le technocomplexe Itaparica: définition techno-fonctionnelle des industries à pièces façonnées unifacialement à une face plane dans le centre et le nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien. 2010. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Ouest Nanterre, Nanterre, 2010. a propor tratá-la como apresentando o Tecno-Complexo Itaparica, que inclui a estratégia de reavivamento e reformatação dos artefatos. Contudo, tem uma presença expressiva um outro modo de se produzir artefatos retocados, que ocorre no período entre 11.000 a 9.000 BP, mas que já estava presente em alguns abrigos desde os milênios anteriores, e se baseia no aproveitamento de seixos disponíveis localmente em diversos abrigos.

As referências sobre a fauna nos abrigos da Serra da Capivara são escassas na bibliografia; estão disponíveis mais trabalhos de cunho paleontológico do que arqueofaunístico. Contudo, em Guérin e Faure (2009)GUÉRIN, Claude; FAURE, Martine. Les Cervidae (Mammalia, Artiodactyla) du Pléistocène supérieur-Holocène ancien de la région du Parc National Serra da Capivara (Piauí, Brésil). Geobios, Amsterdam, v. 42, n. 2, p. 169-195, Mar./Apr. 2009. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.geobios.2008.06.004.
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, em Parenti et al. (2002)PARENTI, Fabio; FAURE, Martine; DA LUZ, Fátima; GUÉRIN, Claude. Pleistocene faunas and lithic industries in the Antonião Rockshelter (Coronel José Dias, Piauí, Brazil): studying their association. Current Research in the Pleistocene, Texas, v. 19, p. 89-91, 2002. e em outros trabalhos, fica claro que há uma exuberante riqueza de megafauna de mamíferos no Pleistoceno final e no Holoceno inicial, longamente contemporânea às ocupações humanas. Pode-se inferir também que não é frequente associação direta (abate, cocção, consumo, uso dos ossos) dos grandes mamíferos às ocupações humanas no período que nos interessa, não se encontrando na bibliografia indicações de consumo de animais de maior porte nos abrigos, seja de fauna extinta ou contemporânea.

As indústrias líticas dos sítios, no período aqui tratado, englobam peças retocadas, produzidas sobre rochas disponíveis localmente, sendo essas rochas menos aptas e empregadas em artefatos mais simples ou como peças brutas de debitagem. Os artefatos mais sofisticados são feitos sobre matérias-primas que não estão disponíveis nos abrigos, de maior aptidão, tomando as lascas como suporte. Nos abrigos, também são muito escassos ou ausentes os refugos correspondentes às etapas iniciais de cadeias operatórias de aproveitamento das rochas mais aptas, incluindo aí a cadeia de produção dos plano-convexos (Lourdeau; Pagli, 2014LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIB, p. 550-635.; Pagli et al., 2016PAGLI, Marina; LUCAS, Lívia de Oliveira e; LOURDEAU, Antoine. Proposta de sequência tecnocultural da Serra da Capivara (Piauí) do Pleistoceno final ao Holoceno recente. Cadernos do CEOM, Chapecó, v. 29, n. 45, p. 243-267, dez. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.22562/2016.45.10.
https://doi.org/10.22562/2016.45.10....
).

Um outro atributo das ocupações do período de 11.000 a 9.000 BP na Serra da Capivara que merece atenção é a presença de sepultamentos humanos em alguns abrigos. Na Toca do Paraguaio, foram escavados esqueletos de dois indivíduos, datados de 8.600 e 8.700 BP (Bernardo; Neves, 2009BERNARDO, Danilo V.; Neves, Walter A. Diversidade morfocraniana dos remanescentes ósseos humanos da Serra da Capivara: implicações para a origem do homem americano. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, n. 8, p. 95-106, dez. 2009.). Na Toca dos Coqueiros, remanescentes ósseos de um indivíduo foram datados de 9.920 ± 50 BP (Cunha, E., 2014CUNHA, Eugénia. Análise antropológica de 15 esqueletos da região do Parque Nacional da Serra da Capivara. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIA, p. 319-378.). A Toca do Garrincho apresenta remanescentes ósseos de um indivíduo datado de 10.000 BP (Peyre et al., 2009PEYRE, Eveline; GRANAT, Jean; GUIDON, Niède. Dentes e crânios humanos fósseis do Garrincho (Brasil) e o povoamento antigo da América. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, n. 8, p. 63-69, dez. 2009.). Na Toca do Enoque, um sepultamento foi datado de um período um pouco posterior à faixa em que nos concentramos aqui, 8.270 ± 40 (Cunha, E., 2014CUNHA, Eugénia. Análise antropológica de 15 esqueletos da região do Parque Nacional da Serra da Capivara. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIA, p. 319-378.). Enquanto a Toca da Janela da Barra do Antonião mostrou um outro indivíduo sepultado, datado de 9.670 ± 140 (Parenti et al., 2002PARENTI, Fabio; FAURE, Martine; DA LUZ, Fátima; GUÉRIN, Claude. Pleistocene faunas and lithic industries in the Antonião Rockshelter (Coronel José Dias, Piauí, Brazil): studying their association. Current Research in the Pleistocene, Texas, v. 19, p. 89-91, 2002.). Considerando o grande número de abrigos escavados e as grandes superfícies abertas em alguns deles, fica claro um quadro em que há sepultamentos nos abrigos, no período de que tratamos aqui, porém sempre em pequeno número em cada sítio, não se constituindo no conjunto da área um número expressivo de estruturas. Os abrigos foram constituídos em espaço funerário, está claro, porém mais de modo episódico do que recorrente. Há uma eleição das ‘tocas’16 16 ‘Toca’ é o termo local para os abrigos rochosos, adotado na nominação dos sítios, correspondente a ‘lapa’, em Minas Gerais, e a ‘vão’, no médio Tocantins. para receberem os mortos, no entanto essa eleição se deu em casos escassos, nunca constituindo nenhum desses lugares como local de concentração de estruturas funerárias.

A região do Lajeado, no médio Tocantins, foi, como dito, abordada desde o início com a perspectiva de se estabelecer relações entre os sítios, de se entender elementos de um território em articulação. Isso foi concretizado (Bueno, 2005BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939....
, 2007bBUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94.). Foram identificados sítios a céu aberto em profundidade, datados do período aqui em exame, que continham diversos e numerosos artefatos, assim como sítios a céu aberto, em superfície, que foram relacionados aos antigos, por meio das afinidades tecnológicas que apresentavam (Bueno, 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939....
, 2007bBUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94.). Também pela abordagem tecnológica foi possível agregar sítios associados a fontes de matéria-prima, tanto em cascalheiras, onde diversas rochas se disponibilizavam, quanto em outros pontos da paisagem em que apenas uma ou poucas variedades de rochas frágeis se encontravam.

Bueno (2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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, 2007b)BUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94. apresenta as diferenças entre os sítios, considerando o elenco e o número de artefatos que apresentam, bem como as frequências de refugo. Ele, portanto, examina o modo como as diferentes etapas das cadeias operatórias de produção dos artefatos se fazem representar nos sítios. O pesquisador identificou sítios de obtenção de matéria-prima e desenvolvimento das etapas iniciais da produção dos artefatos formais (termo empregado por ele para designar os artefatos de morfologia recorrente e elaboração mais sofisticada), assim como acampamentos, de dimensões e intensidade de ocupação diferentes (Bueno, 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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, 2007bBUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94.). Os acampamentos se dispõem sobre antigas superfícies dunares, sobre solos parcialmente litificados e sobre terraços antigos do Tocantins. As fontes se inserem em afloramentos nos terraços e nas cascalheiras, junto ao leito do vigoroso rio.

No Lajeado, em função certamente das condições tafonômicas, não se recuperaram materiais faunísticos expressivos. As fogueiras, nos sítios em sub-superfície, apresentam tamanho significativo (Bueno, 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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). Não podemos, portanto, atestar quais as espécies edíveis consumidas nesses locais.

Bueno (2007a, 2007b) propôs, para a indústria lítica da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial na região do Lajeado, um entendimento de um sistema de mobilidade, por meio da compreensão de características de ‘performance’ (Schiffer; Skibo, 1997SCHIFFER, Michael Brian; SKIBO, James M. The Explanation of Artifact Variability. American Antiquity, Cambridge, v. 62, n. 1, p. 27-50, Jan. 1997. DOI: https://doi.org/10.2307/282378.
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) dos artefatos plano-complexos. Bueno (2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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, 2007b)BUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94. concorda com fogaça (2001)FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001. sobre a multifuncionalidade desses artefatos, sobretudo baseando-se na percepção da multiplicidade de gumes utilizáveis. Além disso, considerando sua multifuncionalidade e sua flexibilidade17 17 Inclusive a possibilidade de serem renovados e reformatados, bem demonstrada por fogaça (2001). , entende que os artefatos formais seriam produzidos por antecipação ao uso e deslocar-se-iam pela paisagem com seus produtores. Eles seriam produzidos e levados consigo pelas pessoas entre os diferentes espaços do território. A combinação desse conjunto de atributos e características de ‘performance’ estaria, segundo Bueno (2007a)BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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, em coerência com um modo de vida de mobilidade acentuada.

A economia das matérias-primas empregadas no Lajeado na produção desses artefatos – fundada em uma obtenção de rochas de grande aptidão, aprovisionadas em locais distintos e, ao menos em alguns casos, distantes daqueles de uso e de reforma – também seria um atributo que os sítios do médio Tocantins compartilhariam com os de outras regiões centro-brasileiras (Bueno, 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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).

SINTETIZANDO SEMELHANÇAS E DESSEMELHANÇAS

Ao tecer as comparações entre as áreas, colocarei em ação um entendimento de território, que se inspira em Zedeño (1997ZEDEÑO, María Nieves. Landscape, land use, and the history of territory formation: an example of the Puebloan Southwest. Journal of Archaeological Method and Theory, Berlin, v. 4, n. 1, p. 67-103, Mar. 1997. apud Bueno; Isnardis, 2018BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
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, p. 144, tradução minha), que, em publicação recente, foi explicitado da seguinte maneira:

[…] território, como nós o entendemos aqui, é uma área de experiência de vida, plena de possibilidades de recursos que não são naturalmente dados, mas culturalmente entendidos. Um território é um sistema de lugares conhecidos e significativos, experienciados pelas pessoas que nele vivem e ao qual elas são significativamente vinculadas [...]18 18 No original: “[…] territory, as we understand it here, is an area of living experience, full of resources possibilities that are not naturally given, but culturally understood. A territory is a system of known and meaningful places, experienced by people who live inside of it and to which they are significantly bounded to […]” (Zedeño, 1997 apud Bueno; Isnardis, 2018, p. 144).

Pretendo refletir sobre como os territórios se estruturam, sobre como os lugares se articulam, se significam, se integram. Assim, outro ponto deve ser enfatizado, antes de avançarmos nas considerações comparativas.

Se a amostragem está, conforme sublinhei em três das quatro áreas, concentrando-se nos abrigos, isso nos coloca em posição de certa fragilidade ou, melhor dizendo, de evidente parcialidade no momento de pensar como os territórios se organizam, se estruturam. No extremo norte de Minas Gerais, no sudeste do Piauí e no sudoeste de Goiás (menos intensamente), dispomos de poucos outros lugares e serão os abrigos que nos informarão sobre como os territórios se estruturam. Com todas as dificuldades e possibilidades já apresentadas, podemos ver como são as ocupações dos abrigos. Assim, é sobretudo de seu papel que estaremos falando, ao nos referirmos a territórios estruturados. Mas, também como já foi mencionado aqui, se entendemos o papel dos abrigos – especialmente informados sobre a tecnologia lítica –, é possível inferir atributos de outros lugares, que se articulariam necessária e complementarmente aos abrigos (que responderiam pelas outras etapas das cadeias operatórias da produção dos artefatos e pelos outros espaços de vivência de estratégias econômicas baseadas em caça e coleta), ainda que não se possa ser assertivo sobre como esses lugares outros se distinguiam entre si.

Nas diferentes áreas aqui em pauta, os artefatos plano-convexos não são apenas formalmente semelhantes, o são também estruturalmente: seu processo de produção é afim; seus suportes iniciais são semelhantes; sua organização de gumes no suporte é a mesma; o delineamento e as angulações de seus gumes são muito semelhantes (Figura 3). Os artefatos plano-convexos apresentam uma diversidade formal (mesmo antes de serem objeto de reformas), que corresponde a métodos de fabricação ligeiramente diferentes, que partem de suportes volumetricamente distintos e incluem façonagens mais ou menos extensas (fogaça, 2001FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001.; Rodet, 2006RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006.; Lourdeau, 2010LOURDEAU, Antoine. Le technocomplexe Itaparica: définition techno-fonctionnelle des industries à pièces façonnées unifacialement à une face plane dans le centre et le nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien. 2010. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Ouest Nanterre, Nanterre, 2010.), e essa diversidade é também compartilhada entre as áreas. A gestão das matérias-primas é também semelhante, com a seleção daquelas mais aptas para a produção dos artefatos complexos19 19 Ou ‘formais’, nos termos de Bueno (2005).. , mesmo que não estejam disponíveis no sítio ou em seu entorno imediato. As rochas disponíveis nos próprios sítios são empregadas na produção de artefatos simples. Também a gestão dos artefatos prontos é semelhante nas áreas. Em todas elas, os plano-convexos são objetos curados; são utilizados e retrabalhados, de modo a ter seus ângulos e gumes renovados, em um processo que resulta em modificação significativa de seus contornos, o que responde, em parte, pela diversidade morfológica que esses artefatos apresentam, conforme fogaça (2001)FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001. propôs para os artefatos do Vale do Peruaçu, Bueno (2007a)BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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corroborou para os do médio Tocantins e Lourdeau e colaboradores corroboraram para os de Serranópolis (Lourdeau, 2010LOURDEAU, Antoine. Le technocomplexe Itaparica: définition techno-fonctionnelle des industries à pièces façonnées unifacialement à une face plane dans le centre et le nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien. 2010. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Ouest Nanterre, Nanterre, 2010., 2016LOURDEAU, Antoine. Industries lithiques du centre et du nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien: la question du Technocomplexe Itaparica. L’Anthropologie, Paris, v. 120, n. 1, p. 1-34, Jan./Mar. 2016. DOI: https://doi.org/10.1016/j.anthro.2016.01.002.
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) e da Serra da Capivara (Lourdeau; Pagli, 2014LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIB, p. 550-635.; Pagli et al., 2016PAGLI, Marina; LUCAS, Lívia de Oliveira e; LOURDEAU, Antoine. Proposta de sequência tecnocultural da Serra da Capivara (Piauí) do Pleistoceno final ao Holoceno recente. Cadernos do CEOM, Chapecó, v. 29, n. 45, p. 243-267, dez. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.22562/2016.45.10.
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).

Figura 3
Artefatos plano-convexos das quatro áreas de pesquisa comparadas no texto: (A) Serra da Capivara; (B) Vale do Peruaçu; (C) região do Lajeado; (D) Serranópolis. Fontes: Lourdeau e Pagli (2014)LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIB, p. 550-635. (A); Rodet (2006)RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006. (B); Bueno (2005)BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. (C); Lourdeau (2010)LOURDEAU, Antoine. Le technocomplexe Itaparica: définition techno-fonctionnelle des industries à pièces façonnées unifacialement à une face plane dans le centre et le nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien. 2010. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Ouest Nanterre, Nanterre, 2010. (D)

No que se refere às indústrias líticas, é fundamental sublinhar que as semelhanças não se restringem aos plano-convexos. As indústrias antigas do médio Tocantins e do Peruaçu, assim como de Serranópolis e da Serra da Capivara, são marcadas por uma gestão muito típica das lascas. São sempre elas os elementos eleitos como suporte de retocados, seja para os artefatos complexos, seja para os mais simples20 20 A eleição de lascas como suportes para os artefatos complexos não é óbvia, como poderia parecer. A título de exemplo, na região de Diamantina, no centro-norte de Minas Gerais, há uma indústria do Holoceno superior que inclui plano-convexos muito semelhantes aos da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial, mas todos esses artefatos são produzidos sobre plaquetas (Isnardis, 2017, 2013, 2009; Linke; Isnardis, 2012). . Nessa gestão, é quase sempre a face externa das lascas aquela a receber a façonagem e/ou os retoques, sendo as porções distais ou laterais preferidas sobre a proximal. Nas quatro áreas, os plano-convexos são ladeados por outros artefatos sobre lascas, de gumes retocados semiabruptos, majoritariamente de contorno convexo ou retilíneo (Figura 4), e por muito pouco frequentes artefatos bifaciais, com feições sugestivas de pontas de projéteis. A debitagem inclui a produção de lascas grandes, necessárias aos plano-convexos, mas também de lascas menores, que suportaram os artefatos menos complexos ou permaneceram brutas de debitagem. No Peruaçu (e em Montalvânia) e na Serra da Capivara, essa debitagem se faz escassamente nos abrigos.

Figura 4
Artefatos retocados simples da (A) Serra da Capivara; (B) da região do Lajeado; e (C) do Vale do Peruaçu. Fontes: Lourdeau e Pagli (2014)LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIB, p. 550-635. (A); Bueno (2005)BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. (B); fogaça et al. (1997)FOGAÇA, Emílio; SAMPAIO, Divaldo Rocha; MOLINA, Luiz Alberto. Nas entrelinhas da tradição: os instrumentos de ocasião da Lapa do Boquete (Minas Gerais-Brasil). Revista de Arqueologia, Pelotas, v. 10, n. 1, p. 71-88, dez. 1997. DOI: https://doi.org/10.24885/sab.v10i1.120.
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(C)

Um elemento de outra natureza compartilhado pelas áreas, que é um elemento 'negativo', melhor dizendo, uma ausência compartilhada, pode ser trazido à pauta. No Peruaçu, em Serranópolis e no médio Tocantins, os abrigos naturais não foram eleitos como espaço funerário. Já na Serra da Capivara, sepultamentos ocorreram, porém foram pouco numerosos, de modo que os abrigos nunca foram um espaço recursivamente destinado a esse fim. Isso é algo que pode ser contrastado com outra região centro-brasileira em que encontramos recorrentes sinais de ocupação humana no Holoceno inicial, a região do Planalto Cárstico de Lagoa Santa (incluída aí a serra do Cipó, que se localiza além de seu limite leste). Ali, as cavidades naturais foram sistematicamente utilizadas como espaço funerário (Prous, 1992PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora UnB, 1992., 1999; Neves et al., 2003NEVES, Walter; González-José, Rolando; HUBBE, Mark; KIPNIS, Renato; ARAÚJO, Astolfo; BLASI, Oldemar. Early Holocene skeletal remains from Cerca Grande, Lagoa Santa, Central Brazil, and the origins of the first Americans. World Archaeology, Abingdon-on-Times, v. 36, n. 4, p. 479-501, Quarterly 2004. DOI: https://doi.org/10.1080/0043824042000303665.
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; Neves et al., 2003NEVES, Walter Alves; PROUS, André; González-José, Rolando; KIPNIS, Renato; POWEL, Joseph F. Early Holocene human skeletal remains from Santana do Riacho, Brazil: implications for the settlement of the New World. Journal of Human Evolution, Amsterdam, v. 45, n. 1, p. 19-42, July 2003. DOI: https://doi.org/10.1016/S0047-2484(03)00081-2.
https://doi.org/10.1016/S0047-2484(03)00...
; Neves; Hubbe, 2005Neves, Walter A.; Hubbe, Mark. Cranial morphology of early Americans from Lagoa Santa, Brazil: implications for the settlement of the New World. PNAS, Washington, v. 102, n. 51, p. 18309-18314, Dec. 2005. DOI: https://doi.org/10.1073/pnas.0507185102.
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; Bueno; Isnardis, 2018BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
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) – o que nos forneceu as maiores coleções de esqueletos humanos do período em toda a América. Não podemos dizer mais do que isso, que as quatro áreas não tiveram seus abrigos eleitos como cemitérios, mas, na medida em que há outros elementos compartilhados, esse comportamento também pode ser agregado, no sentido de destacar que é mais um atributo do modo como o território se organiza, na definição de quais papéis diferentes lugares na paisagem desempenham. Dito de outra maneira, esse seria um elemento que congrega as quatro áreas que aqui estamos examinando e as distingue da região de Lagoa Santa, simultaneamente ocupada, em termos de como o território está estruturado.

No extremo norte de Minas Gerais e na Serra da Capivara, os sítios contêm um número de artefatos e de demais vestígios (especialmente faunísticos) que sugere que esses locais operaram no modo de vida não como bases residenciais de sistemas de mobilidade acentuada, nem como acampamentos de duração prolongada e/ou recorrência elevada. Se assim fosse, o número de artefatos seria maior, como maior seria a quantidade geral de vestígios, e estariam integrados aos restos faunísticos, que seriam mais fartos, com elementos sugestivos do consumo de animais de maior porte. Como alguns dos autores indicam diretamente (Prous, 1999PROUS, André. As primeiras populações do estado de Minas Gerais. In: TENÓRIO, Maria Cristina (org.). Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. p. 101-114.; Rodet, 2006RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006.), em alguns casos – e, em outros, como proponho interpretar aqui –, os abrigos são espaços de acampamentos de curta duração, sem centralidade no território. Ressalte-se que, nos modos de vida das populações da região da Serra da Capivara e do Vale do Peruaçu, os abrigos cumpriram papel semelhante. Isso indica que, nas duas regiões, havia semelhança na estruturação dos territórios, que existiam modos de vida semelhantes também no que diz respeito ao papel que neles cumpriam os abrigos rochosos, em um modo de vida que parece envolver alta mobilidade21 21 Sublinhando que a baixa densidade de vestígios é atributo que corrobora a mobilidade acentuada do modo de vida, pois indica não só pouca intensidade, como também baixa recorrência. .

Quando incluímos Serranópolis na comparação, a maior parte dos sítios aponta para a mesma direção, compartilhando os atributos com os abrigos do Vale do Peruaçu e da Serra da Capivara. Os sítios GO-JA-03 e GO-JA-01, contudo, divergem dos demais e apresentam atributos que sugerem que esses sim eram locais de uso intenso e/ou de grande recorrência, uma vez que o número de artefatos retocados e de núcleos tem ali outra escala, assim como são mais abundantes os restos faunísticos, incluindo caça de bom porte. O compartilhamento entre as três áreas é muito significativo, mas há certa inflexão no modo como o território se estrutura, na região de Serranópolis, com dois abrigos desempenhando papel de maior centralidade ou, se não tanto, ao menos com papel de maior permanência e recorrência, dentro do sistema de alta mobilidade entre lugares, que os casos do Peruaçu e da Serra da Capivara sugerem.

Com a região do Lajeado, o compartilhamento também está presente em várias características das indústrias líticas e das estratégias relacionadas a ela, porém o território apresenta diferenças em sua estruturação. Os abrigos não cumprem o mesmo papel que aqueles da Serra da Capivara, do Peruaçu ou de Serranópolis. Sequer há ocupações do Holoceno inicial na maioria dos abrigos (Bueno, 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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), havendo apenas um com datações confirmadas do período (Bueno et al., 2017BUENO, Lucas; BRAGA, Ariana; BETARELLO, Juliana. Abrigo do Jon e a dinâmica de ocupação do médio Tocantins ao longo do Holoceno. Revista Especiaria–Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus, v. 16, n. 29, p. 115-149, 2017.). Tendo a região sido trabalhada a partir de uma problemática de pesquisa muito distinta, dispomos de outros elementos das estratégias de gestão das matérias-primas rochosas, da organização tecnológica e do modo de estruturação da paisagem. Vale lembrar que os abrigos na serra do Lajeado são os pontos de acesso mais difícil na área, em função de sua implantação logo abaixo dos elevados topos das longas vertentes, condição essa profundamente diferente daquelas dos abrigos das três outras áreas. Na Serra da Capivara, no Peruaçu e em Serranópolis, os abrigos se distribuem em uma rede de diversos afloramentos, conectados ou não, porém ubiquamente distribuídos na área de pesquisa22 22 Lembremos que nossa avaliação se funda em como as áreas de pesquisa foram exploradas, o que nem sempre corresponde a uma amostra equilibradamente estratificada dos compartimentos da paisagem. , enquanto no Lajeado os abrigos se concentram em um alinhamento Sul-Norte, longo e continuado, muitos metros acima dos outros setores da paisagem e dos outros sítios identificados. Conforme já destaquei, a área teve um levantamento muito diferente em relação às demais. Porém, para além dessas considerações, podemos ver a mesma gestão diferencial que destina matérias-primas específicas às diferentes categorias de artefatos, bem como as mesmas estratégias de gestão dos plano-convexos. Conforme destaca Bueno (2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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, 2007b)BUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94., no Lajeado é possível propor com mais nitidez a previsibilidade na confecção e a alta portabilidade dos plano-convexos, inclusive porque ali podemos encontrar os sítios que correspondem às diversas etapas de suas cadeias operatórias. Limitados pela tafonomia, que excluiu do registro arqueológico os restos faunísticos, podemos, contudo, nos valer da análise de Bueno (2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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, 2007b)BUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94., que deixa clara a presença de sítios a céu aberto com atributos de acampamentos com recorrência na ocupação, além da identificação das fontes e das etapas iniciais das cadeias dos plano-convexos. Se abstraímos a situação diferencial dos abrigos, seria, inclusive, possível, em termos lógicos, pensar em uma complementariedade entre o que se observa nos abrigos das demais áreas e o que se vê nos sítios a céu aberto na região do Lajeado.

As semelhanças que apresentei, a partir das informações disponíveis na bibliografia, parecem-me suficientemente substantivas para indicar que as comunidades humanas dessas áreas, nesse período, compartilhavam modos de lidar com as rochas frágeis e de envolvê-las em sua vida social, modos esses que congregam um conjunto de conceitos tecnológicos que Lourdeau (2010)LOURDEAU, Antoine. Le technocomplexe Itaparica: définition techno-fonctionnelle des industries à pièces façonnées unifacialement à une face plane dans le centre et le nord-est du Brésil pendant la transition Pléistocène-Holocène et l’Holocène ancien. 2010. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Ouest Nanterre, Nanterre, 2010. definiu como Tecno-Complexo Itaparica, assim como compartilhavam elementos expressivos da economia das matérias-primas líticas e, de modo articulado, compartilhavam ainda elementos de sistemas de mobilidade, considerando-se as colocações de Bueno (2005BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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, 2007b)BUENO, Lucas. Organização tecnológica e teoria do design: entre estratégias e características de performance. In: BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (org.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2007b. p. 67-94. sobre as características de performance dos artefatos plano-convexos.

Esse compartilhamento pode incluir outras áreas, além das quatro abordadas aqui. Em Santa Elina, no sul do Mato Grosso, parece haver indústrias semelhantes, com presença de plano-convexos e de elementos da organização tecnológica também semelhantes (Vilhena Vialou, 2003VILHENA VIALOU, Águeda. Santa Elina rockshelter, Brazil: evidence of the coexistence of man and Glossotherium. In: MIOTTI, Laura; SALEMME, Monica; Flegenheimer, Nora (ed.). Where the South Winds Blow: ancient evidence of paleo South Americans. Austin: Texas A&M University Press, 2003. p. 21-28., 2005; Vialou et al., 2017VIALOU, Denis; Benabdelhadi, Mohammed; Feathers, James; Fontugne, Michel; Vilhena Vialou, Águeda. Peopling South America’s centre: the late pleistocene site of Santa Elina. Antiquity, Cambridge, v. 91, n. 358, p. 865-884, Aug. 2017. DOI: https://doi.org/10.15184/aqy.2017.101.
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). Em Diamantina, no centro-norte de Minas Gerais, na serra do Espinhaço, as análises iniciais das ocupações antigas (datadas entre 8.800 e 10.600 BP) indicam também ali a produção de plano-convexos, a partir da presença de refugos compatíveis com eles (Isnardis, 2009ISNARDIS, Andrei. Entre as pedras - as ocupações pré-históricas recentes e os grafismos rupestres da região de Diamantina, Minas Gerais. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-200, 2009. Suplemento 10. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2009.113527.
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; Cunha, A., 2016-2017CUNHA, Ana Carolina Rodrigues. Arqueologia e Geociências: análise diacrônica da gestão da matéria-prima no espaço pré-histórico da região de Diamantina, Minas Gerais, Brasil. 2016-2017. Tese (Doutorado em Quaternário, Materiais e Cultura) - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, 2016-2017.). Os plano-convexos estão ainda presentes em diversas outras áreas do Brasil Central e nordeste (Calderón de la Vara, 1983CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. As tradições líticas de uma região do baixo médio São Francisco (Bahia). In: CALDERÓN DE LA VARA, Valentin. Estudos de Arqueologia e Etnologia. Salvador: UFBA, 1983. p. 37-52. (Coleção Valentin Calderón, v. 1).; Schmitz et al., 1996SCHMITZ, Pedro Ignácio; BARBOSA, Altair Sales; MIRANDA, Avelino Fernandes de; RIBEIRO, Maira Barberi; BARBOSA, Mariza de Oliveira. Arqueologia nos Cerrados do Brasil Central-Sudoeste da Bahia e Leste de Goiás: o Projeto Serra Geral. Pesquisas-Série Antroplogia, São Leopoldo, n. 52, 198 p., 1996.; Bueno, 2007aBUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-236, 2007a. Suplemento 4. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2007.113483.
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; Bueno; Isnardis, 2018BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
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).

Mas, mantendo o foco nas quatro áreas aqui discutidas, parece-me que estamos diante de um quadro macrorregional, que combina similaridades expressivas e também expressiva diversidade quanto ao uso dos sítios, sua distribuição na paisagem e seus vestígios e estruturas. Dizendo de outro modo, trata-se de um cenário que apresenta semelhanças com diferenças.

Que sentido podemos atribuir a esse conjunto de interpretações/descrições? Que sentido podemos dar a essas semelhanças acompanhadas de diferenças ao longo dessas amplas áreas de Cerrado e Caatinga?

CENTRIFUGANDO…

Um dos repertórios disponíveis para discutirmos o compartilhamento de características entre contextos de caçadores-coletores é aquele que entende as relações entre grupos para gestão de riscos e otimização de recursos, e/ou como estratégias adaptativas (Wiessner, 1982WIESSNER, Polly. Risk, reciprocity and social influences on !Kung San economies. In: LEACOCK, Eleanor; LEE, Richard (ed.). Politics and history in band societies. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. p. 61-84.; Britt-Bousman, 1993BRITT-BOUSMAN, C. Hunter-Gatherer Adaptations, economic risk and tool design. Lithic Technology, Abingdon-on-Times, v. 18, n. 1-2, p. 59-86, 1993. DOI: https://doi.org/10.1080/01977261.1993.11720897.
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; Kelly, 1995KELLY, Robert L. The foraging spectrum: diversity in hunter-gatherer lifeways. Washington: Smithsonian Institution Press, 1995.; Kipnis, 2002KIPNIS, Renato. Foraging societies of Eastern Central Brazil: an evolutionary ecological study of subsistence strategies during the terminal Pleistocene and early/middle Holocene. 2002. Tese (Doutorado em Filosofia) - University of Michigan, Ann Arbor, 2002a.a, 2002b; Lee; De Vore, 1968LEE, Richard B.; DE VORE, Irven (ed.). Man the Hunter. Chicago: Aldine, 1968.; Birdsell, 1968BIRDSELL, Joseph B. Some predictions for the Pleistocene based on equilibrium systems among recent hunter-gatherers. In: LEE, Richard. B.; DE VORE, Irven (ed.). Man the Hunter. Chicago: Aldine, 1968. p. 229-240.; Gross, 1975GROSS, Daniel R. Protein capture and cultural development in the Amazon Basin. American Anthropologist, New York, v. 77, n. 3, p. 525-549, Sept. 1975.). A ênfase dessa literatura está centrada em uma interação entre grupos de indivíduos para gerir as possibilidades de obtenção de recursos, entendidas sob a lógica da escassez23 23 Vide a clássica e contundente crítica de Sahlins (2007) a essa lógica. . Segundo ela, os recursos, conforme estiverem distribuídos ou acessíveis, demandarão estratégias distintas de obtenção, entre as quais se podem encontrar trocas, colaborações, interações entre bandos. Essa literatura deve ser seriamente considerada24 24 Uma interlocução com essa literatura, com a sofisticação que ela demanda, seria certamente construtiva. Contudo, este artigo não será a ocasião para fazê-la. , porém gostaria de desenvolver aqui reflexões que caminham por outras trilhas, que não se orientam por relações com ‘recursos’, tampouco por estratégias adaptativas, e que não têm seu centro na economia stricto sensu.

Para dar sentido ao compartilhamento que os contextos arqueológicos aqui discutidos sugerem, talvez seja produtivo desconstruir algumas noções com as quais usualmente operamos para compreender as coletividades e as relações entre elas. Gostaria de compartilhar uma reflexão sobre os recursos de que nos valemos, na arqueologia brasileira, quando tecemos comparações entre contextos arqueológicos e quando encontramos combinações de coerências e de divergências.

No meu entendimento, seguimos operando, ao tratar contextos ameríndios antigos, com uma compreensão indiscutida sobre a constituição dos grupos de pessoas que denominamos ‘grupos sociais’, ‘sociedades’, ‘bandos’, ‘etnias’ e outros termos afins. Nessa compreensão, as coletividades (que teriam expressão arqueológica em conjuntos de sítios) são entendidas como totalidades delimitáveis, tendendo à autoconservação e à estabilidade.

Creio que tradicionalmente (e esta não é uma palavra usada aqui casualmente) operamos na arqueologia brasileira e sobre contextos brasileiros baseados em uma sociologia bastante tradicional – implícita em nossas construções classificatórias e interpretativas. De características marcadamente durkheimianas, essa sociologia concebe uma sociedade que é externa aos indivíduos, moldando e orientado seus comportamentos por meio de processos educativos e, destacadamente, coercitivos (Durkheim, 2007DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (Coleção Tópicos)., 2011DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2011.). Nessa compreensão, ‘sociedade’ é entendida como fortemente normativa e intrinsicamente conservadora, assim como são entendidas como intrinsecamente conservadoras as tecnologias e as características estilísticas da produção material. Uma das consequências dessa noção de sociedade é a expectativa de que coletivos humanos – mais especificamente as formações sociopolítico-demográficas (aldeias, conjuntos de aldeias, bandos de caçadores-coletores, conjuntos de bandos de caçadores-coletores) – sejam centrípetos, tendentes à autoconservação, articulados em torno de uma identidade coletiva. Identidade essa que congrega outras unidades sociopolítico-demográficas semelhantes e que é chave para (ou expressão de) compartilhamento intenso de diversos aspectos da cultura. Além desse caráter centrípeto, essa noção de sociedade guarda ainda um outro atributo relevante para as interpretações arqueológicas: a compreensão de que sociedades são totalidades delimitáveis25 25 O repertório sobre estratégias adaptativas de caçadores-coletores parece também não escapar dessa linha de raciocínio. .

Operando nessa matriz conceitual, o repertório disponível para pensar compartilhamento de elementos e similaridades entre sítios arqueológicos de áreas distintas é ‘troca’, ‘influência’, ‘filiação’ ou ‘origem comum’ entre as coletividades que geraram os registros arqueológicos dessas áreas. Veja-se bem: nessas quatro possibilidades, há conjuntos delimitáveis (pois delimitados em sua natureza) que se tocam.

Articulando-se a essas noções, há um fenômeno que pode ser notado sem dificuldades na produção arqueológica brasileira – e cujo evitamento nos tem demandado atenção permanente –, representado pela passagem de categorias de agrupamento classificatório de vestígios à afirmação de coletividades de pessoas. Em alguns trabalhos, a conexão entre classificação de materiais e coletivos humanos é bastante explícita e assumida. Em outros, contudo, ela não é explícita, menos ainda assumida, mas é recorrentemente visível. Em parte significativa de nossa produção científica, a ‘tradição’ passa metonimicamente de unidade de um esquema classificatório a agente histórico; ela ‘reocupa’ áreas, ‘alcança’ regiões, ‘influencia’ outras ‘tradições’. A metonímia, entendo, não é meramente retórica, está conectada a um entendimento que associa intensamente as diferentes dimensões de que se poderia falar (vestígios e estruturas, sua classificação, as pessoas que as produziram, coletividades, identidades coletivas), diluindo-as umas nas outras. Isso me parece se conectar a uma expectativa, explícita ou não, de que haja correspondência entre (elencos e estilos de) vestígios, sociedades e identidades coletivas.

Nesses casos, parece estar operando a sociologia tradicional implícita que tento destacar aqui. O raciocínio parece ser ‘se há um compartilhamento de características de estruturas e vestígios, isso necessariamente corresponde a agrupamentos sociais’; se há vestígios semelhantes sendo compartilhados por conjuntos de sítios diferentes, esses sítios deveriam, em seu tempo de vivência, ter correspondido a uma coletividade – seja uma sociedade ou um agregado de sociedades muito afins –, ter correspondido a um todo correlacionado a uma identidade coletiva. Como já disse, nessa tradição, a sociedade é totalizante, ela se impõe às pessoas e, portanto, se pessoas vivendo em lugares diferentes fazem coisas iguais e as usam da mesma maneira, o corolário é que elas ‘pertencem’ à mesma sociedade. Espera-se, daí, que haja coerência entre distribuição geográfica (espacial, mais especificamente) e identidades coletivas.

Uma leitura da produção etnográfica e das sínteses etnológicas macrorregionais propostas atualmente pode nos ofertar um outro repertório conceitual para lidarmos com compartilhamento de maneira alternativa à tradição durkheimiana. No manejo do repertório etnológico, uma discussão é de primeira relevância, mas não pretendo, em função das restrições impostas pelo formato deste texto, desenvolvê-la aqui. Qual seja, a da aplicabilidade dos conceitos e das categorias descritivas e analíticas desenvolvidos para o entendimento dos contextos ameríndios contemporâneos aos contextos ameríndios antigos. Dadas as já ditas restrições, deixo aqui, para lidar com essa questão magna, uma outra questão: por que as categorias desenvolvidas para lidar com sociedades não ameríndias (da Europa e do oeste da Ásia, sobretudo) deveriam elas ser as mais adequadas para lidar com sociedades ameríndias antigas?

Um dos elementos das discussões etnológicas que proponho que levemos a sério é a reiterada fluidez, em diversas áreas, das unidades sociopolítico-demográficas e a observação de relações entre pessoas que se explicam desconcertadamente com as noções de etnia e de identidade coletiva26 26 A questão se conecta a discussões antropológicas mais amplas sobre o conceito de sociedade (Strathern, 2014; Viveiros de Castro, 2002; Wagner, 2010). . Esse caráter é mais enfatizado em se tratando de grupos de pessoas de línguas da família Tupi-Guarani ou mesmo do tronco Tupi (Fausto, 2001FAUSTO, Carlos. Inimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia. São Paulo: EdUSP, 2001.; Viveiros de Castro, 2002Viveiros de Castro, Eduardo. A Inconstância da Alma Selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.; Sztutman, 2012SZTUTMAN, Renato. O profeta e o principal: a ação política ameríndia e seus personagens. São Paulo: EdUSP, 2012.) e de línguas da família Karib, especialmente guianenses (Grupioni, 2005GRUPIONI, Denise Fajardo. Tempo e espaço na Guiana indígena. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005. p. 23-57.; Gallois, 2005aGALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005a.; Caixeta de Queiroz; Girardi, 2012CAIXETA DE QUEIROZ, Ruben; GIRARDI, Luisa Gonçalves. Dispersão e concentração indígena nas fronteiras das Guianas: análise do caso kaxuyana. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v. 13, n. 25, p. 15-29, jul./dez. 2012.; Caixeta de Queiroz, 2014CAIXETA DE QUEIROZ, Ruben. Olhares e perspectivas que fabricam a diversidade do passado e do presente: por uma arqueologia-etnográfica das bacias dos rios Trombetas e Nhamundá. Anuário Antropológico, Brasília, v. 39, n. 2, p. 161-200, 2014.; Silva, V., 2016SILVA, Victor Alcantara e. Vestígios do rio Turuni: perseguindo fragmentos de uma história Txikyana. 2016. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.; Jácome, 2017JÁCOME, Camila Pereira. Dos Waiwai aos Pooco: fragmentos de história e arqueologia das gentes dos rios Mapuera (Mawtohrî), Cachorro (katxuru) e Trombetas (Kahu). 2017. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.) e Yanomami (Pateo, 2005PATEO, Rogerio Duarte do. Nyayou: antagonismo e aliança entre os Yanomam da Serra das Surucucus (RR). 2005. Tese (Doutorado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.). Para grupos de línguas Jê e Arawak, dá-se maior nitidez à centralidade e a uma maior consistência de instituições e práticas sociais centrípetas (Vidal, 1977VIDAL, Lux. Morte e vida de uma sociedade indígena brasileira. Os Kayapó-Xikrin do Rio Cateté. São Paulo: HUCITEC: EDUSP, 1977.; Crocker, W.; Crocker, J., 1994CROCKER, William H.; CROCKER, Jean. The Canela: bonding through kinship, ritual, and sex. Forth Worth: Harcourt Brace College Publishers, 1994.; Silva, M., 1995SILVA, Marcio Ferreira da. Estrutura social enawene-nawe: um rápido esboço. In: SANTOS, Gilton Mendes dos; SILVA, Marcio Ferreira da; COSTA JÚNIOR, Plácido. Estudo das potencialidades e do manejo dos recursos naturais na Área Indígena Enawenê-Nawê. Cuiabá: Opan: Gera, 1995.; Heckenberger, 2001Heckenberger, Michael. Estrutura, história e transformação: a cultura xinguana na longue durée, 1.000-2.000 d.C. In: Franchetto, Bruna; Heckenberger, Michael (org.). Os povos do Alto Xingu: história e cultura. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2001. p. 21-62.; Turner, 2003TURNER, Terence. The beautiful and the common: inequalities of value and revolving hierarchy among the Kayapó. Tipiti: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, San Antonio, v. 1, n. 1, p. 11-26, June 2003.; Lea, 2012LEA, Vanessa R. Riquezas intangíveis de pessoas partíveis: os Mêbêngôkre (Kayapó) do Brasil Central. São Paulo: EdUSP, 2012.). Mas o mais relevante é a própria possibilidade de que haja outras articulações entre grupos de pessoas, que não se fundamentem em compartilhamento de identidades coletivas em coerência com uma certa distribuição geográfica, e que não ressoe em um corpus definido de unidades sociopolítico-demográficas.

Se buscamos outras referências teóricas mais amplas, no intuito de pensarmos outros modos de entendimento e de abordagem da vida social, alternativos à sociologia durkheimiana, podemos recorrer à sociologia de Gabriel Tarde. Embora esta não seja a ocasião de explorá-la mais intensamente, ao menos, podemos lembrar dela aqui, no esforço de abrirmos nossas perspectivas. No pensamento de Tarde, seria um equívoco abordar a vida social a partir da ideia de uma sociedade englobante, que preceda e ascenda sobre os indivíduos. Segundo ele, o que carece, de fato, de entendimento é o complexo fenômeno de relações em pequena escala, que se repetem, se imitam, se multiplicam (Vargas, 2000VARGAS, Eduardo Viana. Antes Tarde do que nunca: Gabriel Tarde e a emergência das ciências sociais. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.; Tarde, 2018TARDE, Gabriel. Monadologia e sociologia: e outros ensaios. Organização e introdução Eduardo Viana Vargas. São Paulo: Editora UNESP, 2018.). A abordagem analítica da vida social deveria partir da pequena escala, não da suposição de uma totalidade de natureza própria. Mais contemporaneamente, Bruno Latour sinaliza na mesma direção (inclusive pela retomada da obra de Tarde [Latour, 2007LATOUR, Bruno. Changer de société, refaire de la sociologie. Paris: La Decouverte, 2007.]), convidando as(os) leitoras(es) a um outro percurso, dizendo que:

A primeira fonte de incerteza [na análise da vida social] de que devemos tirar lições é justamente que não há grupo nem nível que se tenha que privilegiar, não há componente pré-estabelecido que possa fazer o papel de ponto de partida irrefutável. Nossa tarefa não consiste em estabelecer – mesmo que por motivo de clareza, para parecer razoável ou por obrigação de método – uma lista estável de reagrupamentos constituindo o social. Muito pelo contrário: vamos começar pelas controvérsias sobre o pertencimento, incluindo aí, certamente, as controvérsias que dividem os sociólogos a propósito da composição do próprio mundo social. (Latour, 2007LATOUR, Bruno. Changer de société, refaire de la sociologie. Paris: La Decouverte, 2007., p. 44, tradução minha)27 27 No original: “La première source d’incertitude dont nous devons tirer des leçons, c’est justement qu’il y a pas de groupe ni de niveau qu’il faille privilégier, pas de composant pré-établi qui puisse faire office de point de départ irréfutable. Notre tâche ne consiste pas à établir – même par souci de clarté, pour paraître raisonnable ou par obligation de méthode – une liste stable de regroupement constituant le social. Bien au contraire: nous allons débuter par les controverses sur l’appartenance, y compris sûr les controverses qui divisent les sociologues au sujet de la composition du monde social lui-même.” (Latour, 2007, p. 44). .

Mesmo sem um mergulho na obra de Tarde, podemos nos valer dela para nos lembrarmos de que há a possibilidade de se pensar a vida coletiva, e de fazê-la objeto de análise, sem que o ponto de partida seja a suposição de sua natureza centrípeta e totalizante. Aproveitar de Tarde, por ora, a ideia – cientes de que a discussão deveria ser longa (e está longe de ser fácil) – de que a vida social pode ser compreendida em uma escala infinitesimal, nas relações múltiplas e inúmeras entre pessoas, o que, me parece, ressoa melhor com as descrições e interpretações sobre a vida social recorrente nas etnografias de muitas gentes ameríndias.

No campo da Etnologia, o grupo de pesquisadoras e pesquisadores coordenado por Dominique Gallois propôs a ideia de ‘redes de relações’ (com inspiração latouriana) para lidar com a acentuada dinâmica de articulações intra e intercomunitárias na região das Guianas, com a agilidade de rearticulações de identidades coletivas que a etnografia da região sinalizava, com a presença de articulações relacionais transversais às aldeias, assim como com a inadequação do recorte étnico para tratar jogos de relações (Gallois, 2005bGALLOIS, Dominique Tilkin. Introdução: percursos de uma pesquisa temática. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005b. p. 7-22.; Grupioni, 2005GRUPIONI, Denise Fajardo. Tempo e espaço na Guiana indígena. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005. p. 23-57.)28 28 Vale destacar que a caracterização regional que o grupo propõe e constrói na interação com outros autores sustenta que a sofisticada trama de relações não é fenômeno decorrente de um impacto desarticulador das frentes coloniais, que a sofisticação de interações é fenômeno que já estava estabelecido no início do período colonial. . Gallois (2005b, p. 6-7)GALLOIS, Dominique Tilkin. Introdução: percursos de uma pesquisa temática. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005b. p. 7-22. sintetiza:

[…] nosso esforço nesta caracterização etnográfica procurou ampliar o foco, tradicionalmente centrado nas comunidades locais e étnicas da região, e foi nesse contexto que assumimos elaborar uma caracterização etnográfica apoiada na noção de redes. Como aponta Bruno Latour a propósito da pesquisa antropológica em sociedades complexas, a noção de rede permite apreender espaços de mediação e de tradução entre esferas normalmente tomadas como separadas.

Denise Grupioni, integrante do grupo, destaca:

Na perspectiva adotada nas análises dos casos Wajãpi, por Gallois (1988)GALLOIS, Dominique Tilkin. O movimento na cosmologia Waiãpi: criação, expansão e transformação do mundo. 1988. Tese (Doutorado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988. e Cabalzar (1997)CABALZAR, Flora Dias. Trocas matrimoniais e relações de qualidade entre os Waiãpi do Amapá. 1997. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997., e, no caso Zo’é, por Bindá (2001)BINDÁ, Nadja Havt. Representações do ambiente e territorialidade entre os Zo’é/PA. 2001. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001., grupo local não é sinônimo de “aldeia” ou “assentamento”, onde vive uma parentela bilateral localizada e preferencialmente endogâmica, e, sim, sinônimo de um grupo que não pode ser definido apenas territorialmente, porque se constitui, ao longo do tempo, ocupando uma sucessão de locais de moradia, e porque só existe enquanto tal, na relação com outros grupos, de modo que não pode ser recortado sob a forma de uma unidade circunscrita a um período de vida restrito e nem a um espaço delimitado como é o espaço da aldeia enquanto assentamento físico. Desse modo busca-se fugir da concepção sincrônica de grupo local que tende a produzir a imagem da dispersão dos indivíduos em grupos sem consistência sociológica. (Grupioni, 2005GRUPIONI, Denise Fajardo. Tempo e espaço na Guiana indígena. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005. p. 23-57., p. 42-43).

Na sequência dessa formulação, Grupioni (2005, p. 43)GRUPIONI, Denise Fajardo. Tempo e espaço na Guiana indígena. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005. p. 23-57. apresenta o caso das comunidades conhecidas como Tiriyó, com que trabalha, em que há “[...] a categoria nativa itüpü, a qual designa, literalmente, ‘continuação’ e cuja transmissão é concebida por via paterna”. Outra categoria nativa é pata, que designa o local de moradia, “[...] enquanto assentamento [...] em que co-habitam pessoas que se consideram imoitü, ou seja, parentes entre si” (Grupioni, 2005GRUPIONI, Denise Fajardo. Tempo e espaço na Guiana indígena. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005. p. 23-57., p. 43). Seriam ambas as noções, sendo a primeira diacrônica e a segunda, sincrônica, que articulariam complementarmente as coordenadas básicas de onde se situam as pessoas, que não têm como não se integrar a ambas simultaneamente. O entendimento das relações entre as pessoas não se pode circunscrever a nenhuma delas de modo isolado.

Rogério do Pateo, outro integrante do grupo, ao tratar das pessoas habitantes da Serra das Surucucus, no centro da área de distribuição das populações falantes de línguas da família Yanomami, destaca que está longe de ser fácil ou evidente estabelecer qual é a categoria sociológica delimitadora de coletivos capaz de apreender as dinâmicas de relações entre pessoas naquela área (Pateo, 2005PATEO, Rogerio Duarte do. Nyayou: antagonismo e aliança entre os Yanomam da Serra das Surucucus (RR). 2005. Tese (Doutorado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.). Segundo ele, as aldeias não são unidades estáveis, não se constituem como unidades sociológicas eficazes para o entendimento das práticas sociais, pois são conjunturais, muito pouco centrípetas, sem instituições que as consolidem e as façam perseverar. Tampouco são as casas as unidades sociológicas relevantes, pois, além delas também se reorganizarem conjunturalmente, a trama de alianças e inimizades as atravessa. Ao buscar entender a mobilidade, as relações matrimoniais, as alianças político-guerreiras, os conflitos, e não encontrando definições êmicas de identidades coletivas estáveis, o autor propõe uma outra unidade, os “[...] grupos endogâmicos de vizinhança [...]” (Pateo, 2005PATEO, Rogerio Duarte do. Nyayou: antagonismo e aliança entre os Yanomam da Serra das Surucucus (RR). 2005. Tese (Doutorado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., p. 116), para lidar com a sofisticada rede de interações entre pessoas, em uma perspectiva que é em importante medida diacrônica. Fundados em alianças matrimoniais, mantidas no decorrer das gerações, esses grupos endogâmicos de vizinhança distribuem-se por mais de uma aldeia, reunindo-se ocasionalmente partes de mais de um desses grupos em uma só área ou aldeia, enquanto mantêm dentro de si compromissos de alianças matrimoniais e uma política de não agressão. Portanto, as relações de troca, de compartilhamento e de predação são transversais às unidades demográficas e às áreas de vivência cotidiana a elas relacionadas. A observação da constituição desses grupos demanda, inclusive, uma perspectiva diacrônica, que os acompanhe no decorrer das gerações e dos deslocamentos das pessoas entre aldeias, áreas, vales e serras, convergindo, nesse aspecto, com o que Grupioni (2005)GRUPIONI, Denise Fajardo. Tempo e espaço na Guiana indígena. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.). Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2005. p. 23-57. também indica.

O que quero realçar com esses estudos sobre contextos ameríndios das Guianas é que a etnografia da região reitera a inadequação da equivalência entre assentamento (ou grupo específico de assentamentos) e sociedade, assim como a inadequação entre assentamentos (ou grupo de assentamentos) e identidade coletiva estável. O que proponho não é uma adoção de modelo, mas sim nos valermos das possibilidades teóricas que as construções analíticas nos colocam, a partir desse contexto e das referências teóricas mais amplas nele aplicadas (a noção de rede de relações).

Se não esperarmos que haja um pacote de equivalências entre território(s), sociedade(s), elementos materiais da cultura e identidade(s) coletiva(s), torna-se menos tensa a constatação de que há semelhanças relevantes entre contextos arqueológicos combinadas à diversidade. Semelhanças não precisam vir em pacotes coerentes, nem precisam ser resultado de ‘influências’ entre conjuntos estáveis e delimitados. As semelhanças e dessemelhanças que procurei apontar aqui para a transição Pleistoceno-Holoceno e o Holoceno inicial do Brasil Central não precisam corresponder a uma sociedade ou a um grupo de sociedades irmãs, menos ainda a uma identidade coletiva. Podemos estar lidando com coletividades de constituição dinâmica e fluida – lembremos que se trata de comunidades de caçadores-coletores –, que envolvem (e se envolvem em) tramas de relações sociais que lhes são transversais. Vale lembrar que isso é muito diferente da ideia de um pool de bandos de caçadores-coletores, que se reúnem como estratégia de gestão de riscos, de sobrevivência a contingências ambientais (Wiessner, 1977WIESSNER, Polly. Hxaro: a regional system of reciprocity for reducing risk among !Kung San. 1977. Tese (Doutorado em Antropologia) - University of Micchigan, Ann Arbor, 1977., 1982WIESSNER, Polly. Risk, reciprocity and social influences on !Kung San economies. In: LEACOCK, Eleanor; LEE, Richard (ed.). Politics and history in band societies. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. p. 61-84.; Britt-Bousman, 1993BRITT-BOUSMAN, C. Hunter-Gatherer Adaptations, economic risk and tool design. Lithic Technology, Abingdon-on-Times, v. 18, n. 1-2, p. 59-86, 1993. DOI: https://doi.org/10.1080/01977261.1993.11720897.
https://doi.org/10.1080/01977261.1993.11...
; Kipnis, 2002KIPNIS, Renato. Foraging societies of Eastern Central Brazil: an evolutionary ecological study of subsistence strategies during the terminal Pleistocene and early/middle Holocene. 2002. Tese (Doutorado em Filosofia) - University of Michigan, Ann Arbor, 2002a.a, 2002bKIPNIS, Renato. Long-term Land Tenure Systems in Central Brazil: evolutionary Ecology, Risk-Management, and Social Geography. In: FITZHUG, Ben; HABU, Junko (ed.). Beyond foraging and collecting: evolutionary change in hunter-gatherer settlement systems. New York: Kluwer Academic: Plenum Publishers, 2002b. p. 181-230.). A intenção é considerar que as relações entre pessoas e grupos de pessoas e outros seres do mundo são constitutivas de ‘pessoas’ (Fausto, 2001FAUSTO, Carlos. Inimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia. São Paulo: EdUSP, 2001.; Lima, 2005LIMA, Tânia Stolze. Um peixe olhou para mim: o povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo: Editora UNESP: ISA; Rio de Janeiro: NuTI, 2005.; Lea, 2012LEA, Vanessa R. Riquezas intangíveis de pessoas partíveis: os Mêbêngôkre (Kayapó) do Brasil Central. São Paulo: EdUSP, 2012.; Descola, 2005DESCOLA, Philippe. Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard, 2005.; Viveiros de Castro, 2002Viveiros de Castro, Eduardo. A Inconstância da Alma Selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.), não meios estratégicos de lidar com o ‘ambiente’.

O convite que faço é para que não partamos da existência ‘dada’ de grandes unidades, que se sobrepõem às pessoas e as encerram, buscando no registro arqueológico elementos que as expressem ou que se organizem em obediência à sua suposta existência e aos seus limites.

A combinação de semelhanças e de diferenças que procurei apontar pode corresponder a uma rede de relações entre pessoas e grupos de pessoas, rede essa que é capaz de incluir o partilhar de elementos do modo de vida, envolvendo os modos de se estruturar o território e de lidar com as rochas, que é capaz de gerar esse compartilhamento e de constituir-se através dele. Ao mesmo tempo, essa rede não implica constituir-se uma grande unidade, seja ela cultural, étnica, sociopolítica ou identitária, nem que as relações se estabeleçam entre unidades (coletividades de pessoas) delimitadas e internamente coesas.

Ao lidarmos com um leque tão parcial dos modos de vida, como é o caso de nosso conhecimento sobre a transição Pleistoceno-Holoceno e o Holoceno inicial, parece-me mais adequado e razoável, quando nos esforçamos para dar sentido a tal compartilhamento, recorrermos à ideia de rede, sem supor totalizações ou classificações que remetam a identidades, ainda que em outras condições, em outros contextos, seja possível aventá-las.

  • 1
    Os recortes cronológicos feitos aqui procuram guardar coerência com aqueles apresentados em Bueno e Dias (2015)BUENO, Lucas; DIAS, Adriana. Povoamento Inicial da América do Sul: contribuições do contexto brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 29, n. 83, p. 119-147, 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142015000100009.
    https://doi.org/10.1590/S0103-4014201500...
    e em Bueno e Isnardis (2018)BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
    https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01...
    , por crer na adequação deles para a compreensão do povoamento e da constituição de territórios no Brasil Central.
  • 2
    As missões arqueológicas franco-brasileiras são projetos continuados de pesquisa que contam com financiamento do Ministério de Assuntos Estrangeiros da França. Prous e Guidon, assim como Denis e Águeda Vialou, que conduziram pesquisas no Mato Grosso, tiveram financiamentos dessa natureza – combinados a outros, providos por agências brasileiras federais e estaduais de apoio à pesquisa – ao longo de numerosos anos, recursos fundamentais para viabilizar financeiramente suas pesquisas
  • 3
    Embora não fosse discutido explicitamente de qual ordem.
  • 4
    Refiro-me ao emprego da categoria ‘Tradição Itaparica’, que será discutida mais adiante.
  • 5
    A Gruta do Padre se situa no vale do São Francisco, no município de Petrolândia, em Pernambuco. Hoje, está submersa, em razão da construção da barragem de Itaparica (Martin; Rocha, 1990MARTIN, Gabriela; ROCHA, Jacionira. O adeus à Gruta do Padre, Petrolândia, Pernambuco: a tradição Itaparica de caçadores-coletores no médio São Francisco. Clio-Série Arqueológica, Recife, v. 1, n. 6, p. 31-44, 1990.). Segundo as autoras, na área em que se localiza, emerge uma pequena ilha no lago da represa, na porção superior do relevo em que a gruta se insere..
  • 6
    Refiro-me aqui ao projeto “Povoamento inicial da América visto a partir do contexto arqueológico brasileiro”, financiado pelo convênio entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (COFECUB), de cooperação científica Brasil/França, que motiva, orienta e cria o contexto de produção deste texto. O projeto reúne os pesquisadores Lucas Bueno (coordenador, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC), Claide de Paula Moraes (Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA), Adriana Dias (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS), Andrei Isnardis (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) e Antoine Lourdeau, Águeda Vialou, Denis Vialou e Marilène Pathou-Matis (coordenadora), do Museum National d’Histoire Naturelle (MNHN).
  • 7
    Para uma discussão mais detalhada desses contextos, videRibeiro (2006)RIBEIRO, Loredana. Os significados da similaridade e do contraste entre estilos de arte rupestre: um estudo regional das gravuras e pinturas do Alto-Médio São Francisco. 2006. Tese (Doutorado em Arqueologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006..
  • 8
    VideBueno e Isnardis (2018)BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
    https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01...
    , para essa discussão.
  • 9
    Tomando o grande rio do Sertão como referência, essa é uma designação poderosa.
  • 10
    Ampla gama de silexitos, nos termos de Rodet (2006)RODET, Maria Jacqueline. Étude technologique des industries lithiques taillées du Nord de Minas Gerais, Brésil, depuis le passage Pléistocène/Holocène jusqu›au contact (XVIIIème siècle). 2006. Tese (Doutorado em Pré-história) - Université Paris Nanterre, Nanterre, 2006..
  • 11
    Para essa discussão, ver Kipnis (2009)KIPNIS, Renato. Padrões de subsistência dos povos forrageiros do Vale do Peruaçu. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, Belo Horizonte, v. 19, t. 1, p. 289-318, anual 2009..
  • 12
    As fogueiras de coquinhos são regionalmente conhecidas, no presente, como produtoras de pouca chama, mas com boa brasa (em função do óleo presente nos cocos).
  • 13
    Nos textos de apresentação de material lítico, este aparece agrupado pelas quatro fases propostas por Schmitz (2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, 286 p., 2004.: Fase Paranaíba, a mais antiga, dos limites entre Pleistoceno e Holoceno e do Holoceno inicial; Fase Serranópolis, no Holoceno médio; Fase Jataí, com cerâmica, do Holoceno superior; e Tradição Tupiguarani.
  • 14
    Como se pode ver em Schmitz (2004)SCHMITZ, Pedro Ignácio; ROSA, André Osorio; Bittencourt, Ana Luisa Vietti. Arqueologia nos cerrados do Brasil Central: Serranópolis III. Pesquisas-Série Antropologia, São Leopoldo, n. 60, 286 p., 2004..
  • 15
    Com datações entre 13.000 e 8.000 BP, Lourdeau e Pagli (2014)LOURDEAU, Antoine; PAGLI, Marina. Indústrias líticas pré-históricas na região da Serra da Capivara, Piauí, Brasil. In: PESSIS, Anne-Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niède (org.). Os biomas e as sociedades humanas na pré-história da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, Brasil. São Paulo: A&A Comunicação, 2014. v. IIB, p. 550-635. indicam 36 sítios.
  • 16
    ‘Toca’ é o termo local para os abrigos rochosos, adotado na nominação dos sítios, correspondente a ‘lapa’, em Minas Gerais, e a ‘vão’, no médio Tocantins.
  • 17
    Inclusive a possibilidade de serem renovados e reformatados, bem demonstrada por fogaça (2001)FOGAÇA, Emílio. Mãos para o Pensamento: a variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil–12.000/10.500 B.P.). 2001. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2001..
  • 18
    No original: “[…] territory, as we understand it here, is an area of living experience, full of resources possibilities that are not naturally given, but culturally understood. A territory is a system of known and meaningful places, experienced by people who live inside of it and to which they are significantly bounded to […]” (Zedeño, 1997ZEDEÑO, María Nieves. Landscape, land use, and the history of territory formation: an example of the Puebloan Southwest. Journal of Archaeological Method and Theory, Berlin, v. 4, n. 1, p. 67-103, Mar. 1997. apud Bueno; Isnardis, 2018BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei. Peopling Central Brazilian Plateau at onset of Holocene: building territorial histories. Quaternary International, Amsterdam, v. 473, part B, p. 144-160, Apr. 2018. DOI: https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01.006.
    https://doi.org/10.1016/j.quaint.2018.01...
    , p. 144).
  • 19
    Ou ‘formais’, nos termos de Bueno (2005)BUENO, Lucas. Variabilidade tecnológica nos sítios líticos do Lajeado, médio rio Tocantins. 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005...
  • 20
    A eleição de lascas como suportes para os artefatos complexos não é óbvia, como poderia parecer. A título de exemplo, na região de Diamantina, no centro-norte de Minas Gerais, há uma indústria do Holoceno superior que inclui plano-convexos muito semelhantes aos da transição Pleistoceno-Holoceno e do Holoceno inicial, mas todos esses artefatos são produzidos sobre plaquetas (Isnardis, 2017ISNARDIS, Andrei. Na sombra das pedras grandes: as indústrias líticas das ocupações pré-coloniais recentes da região de Diamantina, Minas Gerais, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 12, n. 3, p. 895-918, set./dez. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222017000300013.
    https://doi.org/10.1590/1981.81222017000...
    , 2013ISNARDIS, Andrei. Pedras na areia. As indústrias líticas e o contexto horticultor do Holoceno Superior na região de Diamantina, Minas Gerais. Revista Espinhaço, Diamantina, v. 2, n. 2, p. 54-67, 2013., 2009ISNARDIS, Andrei. Entre as pedras - as ocupações pré-históricas recentes e os grafismos rupestres da região de Diamantina, Minas Gerais. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, p. 1-200, 2009. Suplemento 10. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939.revmaesupl.2009.113527.
    https://doi.org/10.11606/issn.2594-5939....
    ; Linke; Isnardis, 2012LINKE, Vanessa; ISNARDIS, Andrei. Arqueologia pré-histórica da região de Diamantina (Minas Gerais): perspectivas e síntese das pesquisas. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, Belo Horizonte, v. 21, n. 1, p. 27-57, 2012.).
  • 21
    Sublinhando que a baixa densidade de vestígios é atributo que corrobora a mobilidade acentuada do modo de vida, pois indica não só pouca intensidade, como também baixa recorrência.
  • 22
    Lembremos que nossa avaliação se funda em como as áreas de pesquisa foram exploradas, o que nem sempre corresponde a uma amostra equilibradamente estratificada dos compartimentos da paisagem.
  • 23
    Vide a clássica e contundente crítica de Sahlins (2007)SAHLINS, Marshall. A sociedade afluente original. In: SAHLINS, Marshall. Cultura na Prática. Rio de Janeiro: Ed UFRJ, 2007. p. 105-151. a essa lógica.
  • 24
    Uma interlocução com essa literatura, com a sofisticação que ela demanda, seria certamente construtiva. Contudo, este artigo não será a ocasião para fazê-la.
  • 25
    O repertório sobre estratégias adaptativas de caçadores-coletores parece também não escapar dessa linha de raciocínio.
  • 26
    A questão se conecta a discussões antropológicas mais amplas sobre o conceito de sociedade (Strathern, 2014STRATHERN, Marilyn. O conceito de sociedade está teoricamente obsoleto? In: STRATHERN, Marilyn. O efeito etnográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 231-239.; Viveiros de Castro, 2002Viveiros de Castro, Eduardo. A Inconstância da Alma Selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.; Wagner, 2010WAGNER, Roy. Existem grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné? Cadernos de campo, São Paulo, v. 19, n. 19, p. 237-257, mar. 2010. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p237-257.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
    ).
  • 27
    No original: “La première source d’incertitude dont nous devons tirer des leçons, c’est justement qu’il y a pas de groupe ni de niveau qu’il faille privilégier, pas de composant pré-établi qui puisse faire office de point de départ irréfutable. Notre tâche ne consiste pas à établir – même par souci de clarté, pour paraître raisonnable ou par obligation de méthode – une liste stable de regroupement constituant le social. Bien au contraire: nous allons débuter par les controverses sur l’appartenance, y compris sûr les controverses qui divisent les sociologues au sujet de la composition du monde social lui-même.” (Latour, 2007LATOUR, Bruno. Changer de société, refaire de la sociologie. Paris: La Decouverte, 2007., p. 44).
  • 28
    Vale destacar que a caracterização regional que o grupo propõe e constrói na interação com outros autores sustenta que a sofisticada trama de relações não é fenômeno decorrente de um impacto desarticulador das frentes coloniais, que a sofisticação de interações é fenômeno que já estava estabelecido no início do período colonial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2018
  • Aceito
    12 Nov 2018
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