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Carta do editor

CARTA DO EDITOR

O estudo das populações indígenas das Guianas ganha singular contribuição com este número do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, que prossegue na homenagem aos 150 anos do nascimento de Emílio Goeldi (1859-1917). Um texto de origem holandesa, datado do início do século XVII e pouco conhecido dos arqueólogos, historiadores e antropólogos, aparece aqui, pela primeira vez, traduzido para a língua inglesa, acompanhado de duas análises. Originalmente publicado em 1625, re-publicado em 1660 e transcrito em 1958, o texto relata a estória do negociante zelandês Lourens Lourenszoon, que viveu cativo entre os índios Arocouros durante sete anos após sua embarcação naufragar no rio Cassiporé, no atual estado do Amapá, provavelmente atingida pela pororoca.

A tradução foi feita por Martijn van den Bel, do Institute National de Recherches Archéologiques Préventives (INRAP), na Guiana Francesa, que destacou o potencial do relato de Lourenszoon como fonte para delinear o panorama social (étnico, cultural, político e demográfico) da região no momento em que ocorreram os primeiros contatos entre europeus e populações indígenas - assunto que também mobilizou Goeldi há mais de cem anos. Por sua vez, Neil Whitehead, da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos da América, chama a atenção para as imagens evocadas por Lourenszoon, como a antropofagia e a captura de um homem-sem-cabeça, para aproximar esse relato de outras narrativas coetâneas sobre índios sulamericanos. Ambos os analistas ressaltam a importância do relato de Lourenszoon e de outros similares para a arqueologia e etnohistória, assim como para o estudo da mentalidade europeia, particularmente da maneira como os índios pareciam aos colonos, negociantes e marinheiros.

Dos quatro artigos aqui reunidos, três elegeram movimentos sociais contemporâneos como objetos de investigação, dando visibilidade acadêmica e política para grupos pouco estudados e com acesso restrito a direitos previstos na legislação brasileira. Alfredo Celso Fantini (Universidade Federal de Santa Catarina) e Charle Ferreira Crisóstomo (Universidade Federal do Acre) estudaram a percepção de extrativistas e de profissionais ligados à Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, sobre os usos da terra na comunidade Rio Branco. Os resultados da pesquisa revelam a insegurança dos extrativistas com relação à exploração madeireira no interior da Reserva, que tem sido estimulada e financiada por políticas públicas, bem como questionam a eficácia dessas políticas sem o real envolvimento dos protagonistas da ação.

O artigo de Karin Marita Naase (Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT) tem como pano de fundo a reforma agrária no nordeste paraense. A autora acompanhou e analisou a trajetória de três mulheres envolvidas na criação do assentamento João Batista, em Castanhal, ressaltando o seu papel nesse processo como suportes familiares e como articuladoras de diferentes grupos domésticos, dentro e fora do assentamento. Naase reforça a ideia de que, sob o discurso ideológico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, residem diferentes expectativas individuais e familiares despertadas com a possibilidade de acesso à terra e de ganhos financeiros - expectativas essas que têm nas mulheres importantes agentes.

Laura Saré Ximenes Ponte (Universidade Federal do Pará) apresenta um estudo sobre os índios residentes na cidade de Belém, Pará, problematizando o processo de identificação étnica em um contexto urbano. Segundo a autora, a inexistência de políticas públicas destinadas a valorizar e amparar os chamados 'índios urbanos' contribui para a invisibilidade desse grupo social, que reúne significativa parcela da população indígena total do país. No caso de Belém, terceira cidade com maior número de índios residentes, uma experiência relatada pela autora ajudou a localizar e organizar politicamente os vários grupos étnicos.

O quarto artigo, de autoria de Fernando Ferreira de Morais (Universidade Federal de Mato Grosso), Rodrigo Ferreira de Morais (Universidade Federal de Mato Grosso) e Carolina Joana da Silva (Universidade do Estado de Mato Grosso), apresenta os resultados de uma investigação em uma área que está em expansão no país, a etnobiologia e etnoecologia. A preocupação central foi evidenciar o conhecimento ecológico tradicional sobre plantas cultivadas por pescadores da comunidade de Estirão Comprido, no Pantanal matogrossense. Ao identificar o uso de 116 etnoespécies, os autores pretendem fornecer subsídios para o manejo e a conservação da biodiversidade local.

O número apresenta, ainda, duas resenhas, de autoria de Juliana Machado (Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro) e de Regina Oliveira (Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT), sobre livros destinados a divulgar o patrimônio arqueológico e natural da Amazônia, como os geoglifos do Acre e o Parque Estadual da Serra das Andorinhas, no Pará.

Boa leitura!

Nelson Sanjad

Editor Científico

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2009
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