Open-access Integridade científica e pesquisa em saúde no Brasil: revisão da literatura

Resumos

O Brasil é um país com ciência emergente, em rápida expansão, apresentando aumento significativo nos investimentos destinados à pesquisa e capacitação de pesquisadores. Torna-se importante verificar a qualidade e confiabilidade do conhecimento produzido, considerando a aderência aos critérios de integridade e às boas práticas científicas. Buscou-se traçar um panorama sobre o tema da integridade científica no Brasil por meio da análise de reflexões e pesquisas publicadas em periódicos científicos. Foi realizada revisão sistemática nos bancos de dados eletrônicos SciELO, PuBMed, Lilacs/Ibecs, Scopus e Web of Science, utilizando-se palavras-chave para capturar os artigos. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionadas 19 publicações, agrupadas em seis categorias previamente definidas. A discussão sobre a integridade científica é ainda incipiente no Brasil. Os assuntos mais discutidos foram plágio e conflitos de interesses sobre autoria. Torna-se necessária a abordagem precoce desses conhecimentos no processo de formação acadêmica de pesquisadores e jovens cientistas.

Bioética; Ética em pesquisa; Revisão de integridade científica; Má conduta científica; Fraude; Brasil


Resumos

Brazil is a country with an emerging and rapidly expanding body of scientific research, and is correspondingly experiencing a significant increase in investment in research and researcher training. It is important to verify the quality and reliability of the knowledge arising from such research, in terms of integrity and adherence to good scientific practices. The aim of this study was to provide an overview scientific integrity in Brazil through an analysis of studies published in scientific journals. A systematic review of the SciELO, PuBMed, LILACS/ IBECS and Web of Science electronic databases was performed, using keywords to select the relevant studies. Following application of inclusion and exclusion criteria, 19 publications were selected and classified into six previously defined categories. However, discussion of scientific integrity remains incipient in Brazil. The subjects discussed were plagiarism and conflicts of interest regarding authorship. Early adherence to principles of integrity are important in the academic training of researchers and young scientists.

Bioethics; Ethics, research; Scientific integrity review; Scientific misconduct; Fraud; Brazil


Resumos

El Brasil es un país con ciencia emergente, en rápida expansión, con aumento significativo de investimentos destinados a investigación y capacitación de investigadores. Así, es importante verificar la calidad y confiabilidad de los conocimientos producidos, considerándose la adherencia a los requisitos de integridad y buenas prácticas científicas. Se buscó el objetivo de esbozar un panorama sobre el tema de la integridad científica en el Brasil a través del análisis de reflexiones e investigaciones publicadas en revistas científicas. Se realizó una revisión sistemática en bases de datos electrónicas: SciELO, PuBMed, LILACS/IBECS, Scopus y Web of Science, utilizándose palabras-clave para encontrar los artículos. Después de la aplicación de criterios de inclusión y exclusión fueron seleccionadas 19 publicaciones, agrupadas en seis categorías previamente definidas. El debate sobre la integridad científica es aún incipiente en este país. Los temas más discutidos fueron plagio y conflictos de intereses sobre autoría. Es necesario el acercamiento precoz a ese conocimiento en el proceso de formación académica de investigadores y jóvenes cientistas.

Bioética; Ética en investigación; Revisión de integridad científica; Mala conducta científica; Fraude; Brasil


A produção científica é um indicador de crescimento econômico que vem ganhando destaque nas últimas décadas. A capacidade tecnológica de um país é vista como fonte de independência financeira, e pode garantir maior autonomia e avanços econômicos significativos 1. A geração de capital humano, para fornecer suporte à economia do conhecimento, estabelece um cenário no qual nações em desenvolvimento podem competir com grandes produtores de conhecimento, como Estados Unidos e Europa, desde que passem a investir em ciência e tecnologia e busquem qualificar a mão de obra por meio de educação de alto nível. Países que atualmente se destacam por apresentar crescimento econômico e científico, competindo com grandes economias já consagradas, são os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Seguem, portanto, a tendência de investir cada vez mais no campo da pesquisa, tecnologia, inovação e educação 2. O desafio da ciência ultrapassou a corrida por novas descobertas e criatividade, uma vez que se tornou alvo de grande especulação financeira.

A produção científica e tecnológica vem obrigatoriamente acompanhada do processo de divulgação do conhecimento. Os dados da Avaliação Trienal 2013 do Ministério da Educação, realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sobre o crescimento do ensino superior no Brasil, demonstraram forte expansão do número de cursos de pós-graduação no país 3. No relatório Global Research Report, divulgado pela agência Thomson Reuters, o Brasil alcançou expressão significativa quanto ao número de publicações científicas. O documento considerou o número total de publicações nas quais pelo menos um dos autores era brasileiro. De 3.000 publicações no ano de 1989, o Brasil passou para 19.000 em 2007, de acordo com pesquisa realizada pela agência 4.

Os cursos de pós-graduação no Brasil são avaliados por critérios de produtividade, e uma das consequências disso é o aumento do número de publicações científicas. Os pesquisadores brasileiros reproduzem o que acontece no contexto internacional e vivenciam a rotina do “publish or perish”. Por essa ótica, a quantidade de publicações e o número de citações passam a ser mais importantes do que a qualidade da produção 5 , 6. No entanto, o conhecimento produzido na área da saúde traz uma questão adicional, a ser avaliada quando se examina a qualidade da publicação: a divulgação de resultados que podem ser diretamente aplicados à melhoria da qualidade de vida da população 7.

A reflexão sobre o tema da integridade científica, bem como a elaboração de normas claras sobre boas práticas éticas e científicas que subsidiem o processo de produção e de divulgação do conhecimento, poderia contribuir para desenvolver maior preocupação com a qualidade da prática científica e dos conhecimentos produzidos 8. As facetas mais discutidas da conduta imprópria em pesquisa – o plágio, a falsificação e a fabricação de dados ou resultados (FFP) – passam a receber mais atenção não apenas dos países potencialmente criadores de ciência, mas das nações emergentes que buscam tornar visíveis ao mundo os resultados de suas pesquisas 9.

A centralidade que a integridade científica ocupa na prática da pesquisa começa a ser sentida no Brasil. No ano de 2010 foi realizado o Primeiro Encontro Brasileiro de Integridade Científica e Publicação Ética – I Brispe 10 –, com o propósito de estimular o envolvimento da comunidade científica para que os princípios de integridade científica e boas práticas na ciência sejam adotados no país. Encontros subsequentes foram realizados nos anos de 2012 (II Brispe) e 2014 (III Brispe), e o quarto já tem data marcada para 2015, na cidade do Rio de Janeiro.

No Brasil, a criação e a divulgação de diretrizes sobre integridade científica de abrangência nacional estão sendo inicialmente divulgadas por agências de fomento e periódicos científicos. Uma forma de verificar como estão avançando as discussões e examinar a apropriação desse tema pela comunidade científica brasileira é por meio da análise de artigos sobre integridade científica publicados nos períodos indexados em bases de dados. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi traçar um panorama sobre o tema da integridade científica no Brasil mediante a análise de reflexões e pesquisas publicadas em periódicos científicos.

Método

Trata-se de estudo de revisão sistemática da literatura sobre a produção de artigos relacionados à integridade científica no Brasil. Para alcançar o objetivo proposto, foi elaborada a seguinte questão de pesquisa: “Qual é o estado da arte acerca do tema da integridade científica no Brasil?” Buscando promover a transparência sobre métodos e procedimentos utilizados, foram seguidas as recomendações do protocolo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Prisma) 11.

Procedimento para coleta de dados: busca da literatura

Foi realizada pesquisa em bancos de dados eletrônicos, sendo eleitos aqueles que continham preferencialmente periódicos brasileiros e de língua portuguesa. Artigos sobre o tema, escritos em outras línguas e que se referissem ao Brasil, foram também analisados. Os bancos de dados pesquisados foram Scientific Electronic Libray Online (SciELO), Lilacs/Ibecs (Literatura Latino-Americana e do Caribe/Índice Bibliográfico Español en Ciencias de la Salud), PubMed, Scopus e Web of Science, conforme ilustrado na Figura 1. A busca foi efetuada no período entre janeiro e março de 2014.

Figura 1
Fluxograma representativo da metodologia de inclusão dos artigos neste estudo

Consideraram-se artigos científicos publicados até janeiro de 2014, sem restrição de data anterior a esse período. Uma vez que alguns artigos poderiam estar publicados em língua inglesa ou espanhola, porém tratar de pesquisa brasileira, a mesma matriz de busca foi utilizada para todos os bancos de dados. Empregaram-se as seguintes palavras-chaves, incluídas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), em suas variantes na língua inglesa, portuguesa e espanhola: “Integridade Científica” OR “Ética em Pesquisa” OR “Revisão de Integridade Científica” OR “Má conduta científica” OR “Plágio” OR “Publicação Duplicada” OR “Publicação Retratada” OR “Retratação de Publicação” AND “Brasil”.

Critérios de inclusão

Incluíram-se estudos publicados preferencialmente em língua portuguesa. Artigos em inglês e espanhol foram considerados apenas se publicados por autores brasileiros, representativos do cenário nacional. Os artigos estavam disponíveis em versão eletrônica e tratavam estritamente da integridade científica em sua interface com os tópicos: ética em pesquisa, qualidade das pesquisas brasileiras, percepção de pesquisadores e estudantes sobre o tema e reflexões teóricas envolvendo essa temática.

Critérios de exclusão

Excluíram-se da análise artigos sobre pesquisa clínica ou observacional na área da saúde em que os descritores constavam apenas nas palavras-chave e o objeto do estudo não era propriamente integridade científica ou ética em pesquisa. Não foram considerados artigos cujo objeto central se distanciava da discussão sobre integridade científica no Brasil ou editoriais sobre o tema. No caso de artigos duplicados – que estavam presentes em mais de uma base de dados –, um deles foi excluído.

Seleção e análise

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 19 artigos para revisão. Inicialmente foram analisados nas seções definidas por cada um dos periódicos, quais sejam: 1) Artigos: a) original, b) especial, c) de opinião, d) de atualização; e) artigos em geral; 2) Revisão; 3) Comentário; 4) Ponto de vista; 5) Temas livres. Posteriormente, os artigos foram agrupados em seis categorias, representando os temas previamente definidos para esta pesquisa: 1) Conflitos de autoria; 2) Normas e diretrizes do processo editorial; 3) Normas e diretrizes brasileiras; 4) Plágio; 5) Conflitos de interesses; 6) Percepção sobre integridade científica.

Em casos de dúvida quanto à inclusão ou não de um artigo, a seleção se deu por consenso, depois da avaliação de seu conteúdo pelas autoras. Após a seleção inicial, cada artigo foi analisado no que se referia a título, resumo e palavras-chave, para verificar sua adequação aos critérios de inclusão/exclusão. Na etapa subsequente, efetuou-se a leitura integral do texto e, em seguida, sua classificação nas categorias temáticas criadas.

Para análise dos artigos selecionados, foram considerados os seguintes aspectos: ano de publicação, periódico no qual o artigo foi publicado, fator de impacto e seção da revista na qual o manuscrito foi incluído. Posteriormente, cada artigo foi analisado observando-se: objetivos, metodologia, evidências produzidas e aplicabilidade e/ou recomendações.

Resultados

Na Tabela 1 são apresentados os 19 artigos selecionados de acordo com a cronologia das publicações.

Tabela 1
Artigos selecionados de acordo com ano de publicação, periódico científico, fator de impacto, tipo de publicação e categoria temática

Verificou-se que os 19 artigos analisados foram incluídos em diferentes seções dos periódicos científicos, contabilizados da seguinte forma: artigos em geral: oito; artigos especiais: dois; artigos originais: três; artigo de opinião: um; artigo de atualização: um. As seções de Revisão, Comentário, Ponto de vista e Temas livres apresentaram um artigo cada. Os principais temas tratados foram computados em ordem decrescente de abordagem nos artigos analisados: 1) Plágio: cinco; 2) Conflitos de autoria: quatro; 3) Normas e diretrizes brasileiras: quatro; 4) Conflitos de interesses: três; 5) Normas e diretrizes do processo editorial: dois; 6) Percepção sobre integridade científica: dois. Cabe ressaltar que um dos artigos abordou dois temas distintos – conflitos de autoria e plágio –, e foi incluído nas duas categorias.

Na Tabela 2, ao final do artigo, são apresentados os resultados de acordo com a categoria temática na qual o artigo foi incluído, observando-se aspectos relacionados à classificação científica de cada um deles. No que se refere à metodologia adotada, verificaram-se os seguintes delineamentos: 1) Estudo exploratório: cinco; 3) Pesquisa qualitativa: três; 3) Revisão narrativa: três; 4) Pesquisa descritiva documental: uma; 5) Revisão bibliográfica e estudo de caso: uma; 6) Sem metodologia científica, baseando-se em experiência e registro: uma; 7) Metodologia não mencionada: cinco. Foi possível encontrar ou inferir, em todos os artigos selecionados, os objetivos propostos e as evidências produzidas a partir da pesquisa ou da argumentação apresentada.

Tabela 2
Distribuição dos artigos selecionados, observando-se os seguintes aspectos: objetivos, metodologia, evidências produzidas e aplicabilidade e/ou recomendações

Discussão

Pode-se verificar que o tema da integridade científica é ainda recente no contexto brasileiro, considerando que o primeiro artigo encontrado que trata do assunto data do ano de 2005. No entanto, tal discussão tem se ampliado no Brasil, já que evidencia a necessidade de estabelecer regras claras sobre as condutas adotadas por pesquisadores. Agências de fomento, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), desenvolveram diretrizes para garantir a adoção de boas práticas científicas nos projetos que recebem financiamento dessas instituições 31 , 32. Tal estratégia é muito bem-vinda, tendo em vista o crescimento da ciência brasileira.

Os artigos trataram de assuntos variados acerca da integridade científica, entre eles os mais discutidos pelos autores foram o plágio 16 , 18 , 22 , 24 , 30 e os conflitos de autoria envolvendo vários colaboradores 12 , 15 , 16 , 20. Essa preocupação é compreensível em um cenário científico no qual os pesquisadores são pressionados a aumentar a produção de artigos para publicação, pondo em risco a qualidade e a validade dos resultados apresentados 33.

Embora o conceito de plágio seja complexo e deva ser compreendido a partir de sua inserção histórico-cultural 22, trata-se de uma questão delicada, que ainda não foi discutida a contento, até porque praticamente inexistem diretrizes específicas sobre o assunto nas instituições de ensino latino-americanas 18. Observou-se que esse tema, justamente por afetar de maneira indistinta as áreas do conhecimento, foi alvo de publicações em periódicos provenientes de diversos campos, como biologia molecular, farmacologia, educação e multidisciplinar. Outro aspecto importante nessa discussão refere-se à possibilidade de violação de direitos de terceiros, de direitos autorais, o que implica a utilização indevida de textos e ideias sem a devida menção e/ou autorização quando se tratar de documentos protegidos 30. Os autores são unânimes em apontar a necessidade de abordar precocemente o tema durante a formação acadêmica, valendo-se de estratégias educativas e da promoção de cultura de prevenção do plágio 16 , 18 . 22 , 24 , 30.

Os conflitos de autoria passaram a integrar o repertório da integridade científica especialmente quando se constata o número crescente de artigos publicados em periódicos científicos a partir dos anos 1990. Esse fato é atribuído às formas de avaliação da qualidade do pesquisador pelo número de artigos científicos que publica 12. A alta demanda por produtividade em menor tempo pode ser prejudicial à criatividade e originalidade dos trabalhos publicados. Diante disso, a coautoria cresceu significativamente, como forma de demonstrar o estabelecimento de parcerias nacionais e/ou internacionais dos pesquisadores e grupos de pesquisa, o que também aumentou as chances de publicação em periódicos de visibilidade internacional. Uma estratégia interessante em trabalhos de coautoria é estabelecer critérios de transparência que demonstrem a efetiva participação e colaboração de cada um dos autores na preparação do material submetido à avaliação para publicação 20.

Quanto à categoria temática Normas e diretrizes brasileiras 23 , 26 , 28 , 29, os autores apontaram aspectos interessantes. Dois artigos focalizaram a análise da aderência aos requisitos éticos do arcabouço normativo brasileiro por parte de periódicos científicos de distintas especialidades médicas. Observaram que ainda existem lacunas na padronização das orientações aos autores contidas nos periódicos. Nesse sentido, faz-se urgente aprimorar os requisitos para submissão e avaliação de artigos, a fim de garantir a qualidade e fidedignidade dos resultados apresentados 23 , 28.

Um artigo é bastante contundente ao apontar a inadequação da regulamentação brasileira para pesquisas envolvendo seres humanos quando aplicadas às pesquisas nas áreas das ciências sociais e humanas. As autoras argumentam sobre a necessidade de definir regulamentação específica para avaliação de projetos oriundos dessas áreas 26. Outro texto considera que é preciso retomar valores na prática científica, a fim de manter a ética e a integridade na ciência. Essa é uma responsabilidade compartilhada por pesquisadores e pela sociedade em geral, princípio este que emerge como elemento que permitirá subsidiar a condução de pesquisas e opor-se ao impulso da fraude 29. Ou seja, torna-se necessário avançar na consolidação de uma regulamentação específica que contribua para a adoção de condutas confiáveis e fidedignas.

Os conflitos de interesses em pesquisas clínicas emergiram como tema digno de atenção e causador de preocupação entre os pesquisadores que se propõem a discutir integridade científica 14 , 17 , 27. Surgiu também a questão relacionada à interface entre os financiamentos provenientes da indústria farmacêutica e a distribuição do conhecimento como componente estratégico para o processo de atenção em saúde pública 17. Os autores apontam que os conflitos de interesses são inevitáveis e constitutivos da vida acadêmica e da prática científica. O grande desafio, portanto, não consiste em erradicá-los, mas abordá-los de forma transparente, pois seu reconhecimento permite manejá-los adequadamente 14.

Para minimizar os conflitos de interesses provenientes da realização de pesquisas biomédicas, todos os estudos envolvendo seres humanos devem ser avaliados por comitês de ética em pesquisa antes de seu início 27. Essa ideia deve ser amplamente difundida e adotada como forma de garantir a segurança e dignidade dos participantes dos estudos, e precocemente apresentada aos estudantes.

Dois estudos apresentaram resultados de pesquisa acerca do tema da integridade científica: um deles focalizando a concepção de programas de pós-graduação em saúde sobre esse tema 21, e outro abordando a percepção da integridade científica por parte de estudantes de medicina 25. No primeiro, foram analisadas as páginas eletrônicas de 126 programas brasileiros na área da saúde. Evidenciou-se que, além da ausência de preocupação com o tema da integridade em pesquisa na maioria dos programas de pós-graduação, a honestidade científica ainda não é prioridade para as instituições de ensino 21. No segundo estudo, foram entrevistados estudantes de medicina por meio de pesquisa qualitativa, e seus resultados apontaram três necessidades distintas: 1) abordagem mais efetiva sobre o Sistema CEP/Conep; 2) maior discussão no meio acadêmico acerca do tema da integridade científica; 3) adoção de estratégias teórico-práticas para o ensino da integridade científica no currículo médico 25.

A última categoria temática – Normas e diretrizes do processo editorial – incluiu dois artigos que apresentaram abordagens distintas 13 , 19. No primeiro, os autores definiram como objetivo fornecer definições, formas de documentar a extensão do problema e exemplos de medidas para conter fraudes editoriais. Indicaram como problemas comuns de conduta imprópria na ciência: fabricação, falsificação, duplicação, autoria-fantasma, autoria concedida, falta de ética na aprovação de manuscritos, não divulgação desses fatos, publicação “salame” (fracionada), conflitos de interesses, autocitação, submissão e publicação duplicadas, além de plágio. Paralelamente a isso, a conduta editorial inadequada inclui falha em seguir o processo devido, atraso nas decisões e na comunicação com os autores, falhas na revisão, bem como confundir o conteúdo de um periódico com seu potencial promocional e de propaganda. Identificam também que os editores assumem posição privilegiada no processo de promoção de práticas adequadas de publicação 13. No segundo artigo, buscou-se avaliar os destaques éticos das instruções aos autores nos periódicos nacionais em conjunto pelas quatro áreas médicas da Capes e qualificados nos níveis “A” nacional ou “I” internacional. Embora tenham sido encontradas muitas lacunas nas orientações aos autores, considera-se que a prevenção da desonestidade científica deve ser responsabilidade compartilhada por pesquisadores, agências de fomento, instituições de ensino, periódicos científicos e a sociedade em geral 19.

Um dos aspectos recorrentes nos artigos analisados foi a necessidade de inserção precoce do tema da integridade científica e de suas diferentes facetas no processo de formação acadêmica. Torna-se necessário o desenvolvimento de estratégias para o ensino-aprendizagem de valores e da integridade científica nos currículos de graduação e pós-graduação 15 , 16 , 18 , 19 , 21 , 22 , 24 , 25 , 29 , 30. A incorporação de valores éticos e a consolidação de condutas apropriadas para a prática científica devem ser amplamente difundidas durante a capacitação de estudantes e pesquisadores. Esse procedimento deve vir acompanhado de metodologias adequadas e estimuladoras do fortalecimento pessoal e coletivo, tendo em vista as boas práticas éticas e científicas. Dessa forma, será possível prepará-los para enfrentar as situações conflituosas que emergirem no contexto da prática científica 34.

Considerações finais

É importante salientar que as limitações desta pesquisa estão relacionadas a aspectos técnicos como: a utilização restrita ou inadequada dos descritores usados para a indexação dos artigos, o que impediu a captura de algumas publicações que poderiam mostrar-se relevantes para a discussão; e a indisponibilidade de alguns artigos no formato eletrônico.

No entanto, este estudo permitiu verificar a complexidade que o tema da integridade científica assume na atualidade, diante do crescimento acelerado da produção científica. A abordagem precoce dessa discussão torna-se mandatória, a fim de que os jovens cientistas e pesquisadores possam apropriar-se de terminologias e conceitos vinculados à integridade na ciência, o que contribuirá para a adoção de uma cultura ética e de integridade científica.

O Brasil precisa avançar na discussão desse tema, incorporando-o ao processo de formação acadêmica e de educação continuada dos pesquisadores. No entanto, tal responsabilidade não se restringe às instituições de ensino. Deve ser compartilhada por distintos atores e instituições sociais, estendendo-se à sociedade em geral. É preciso trabalhar de forma conjunta no sentido de estabelecer padrões a serem seguidos sem prejuízos para a ciência e os produtores do conhecimento. É preciso, ainda, definir as punições cabíveis em casos de conduta imprópria em pesquisa para que os comportamentos abusivos possam ser reconhecidos e corrigidos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2014
  • Revisado
    31 Jan 2015
  • Aceito
    5 Fev 2015
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