Resumo
Tecnologias da informação e comunicação vêm ganhando destaque como influenciadoras do desempenho cognitivo, dada a rapidez com que as informações são geradas e disseminadas, modificando relações pessoais e profissionais. Se, por um lado, isso traz evolução e transformação, por outro pode provocar danos como o cyberbullying , violência que vulnera pessoas de forma silenciosa. Essa conjuntura requer reflexão e atuação bioética. Este estudo teve como objetivo conhecer a percepção do fenômeno do cyberbullying praticado no cotidiano profissional e pessoal. Trata-se de pesquisa exploratória e quantitativa por conveniência, da qual participaram 35 servidores públicos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais. Os resultados foram discutidos com base na literatura sobre tecnologia da informação e comunicação, violência digital e, principalmente, bioética.
Tecnologia da informação; Cyberbullying; Bioética
Abstract
Information and communication technologies are gaining prominence as influencers of cognitive performance, given the speed with which information is generated and disseminated, changing personal and professional relations. If, on the one hand, this provides evolution and transformation, on the other, it can cause harm, such as cyberbullying – violence that silently hurts people. Such scenario requires reflection and bioethical action. This study sought to understand the perception of cyberbullying in professional and personal daily life. This exploratory and quantitative research by convenience was carried out with 35 public servants from the Federal Institute of Education, Science and Technology of the South of Minas Gerais. Results were discussed based on the literature about information and communication technology, digital violence and, mainly, bioethics.
Information technology; Cyberbullying; Bioethics
Resumen
Las tecnologías de la información y la comunicación han ido ganando protagonismo como influyentes en el rendimiento cognitivo, dada la rapidez con la que se genera y difunde la información, modificando las relaciones personales y profesionales. Si, por un lado, esto trae evolución y transformación, por otro puede provocar daños como el cyberbullying , la violencia que violenta silenciosamente a las personas. Esta coyuntura requiere reflexión y actuación bioética. Este estudio tuvo como objetivo conocer la percepción del fenómeno del cyberbullying practicado en la vida cotidiana profesional y personal. Se trata de una investigación exploratoria y cuantitativa por conveniencia, en la que participaron 35 servidores públicos del Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología del Sur de Minas Gerais. Los resultados se discutieron a partir de la literatura sobre tecnología de la información y la comunicación, violencia digital y, principalmente, la bioética.
Tecnología de la información; Ciberacoso; Bioética
As tecnologias da informação e comunicação (TIC), como prática moderna de transmissão e recepção de dados, envolvem cotidianamente grande número de pessoas. Dos afazeres mais simples, como conversar com familiares e amigos em redes sociais, aos mais complexos, como pagar contas por meio de serviços on-line, ou ainda criar, receber ou repassar fake news , as TIC afetam diretamente a vida das pessoas e sua forma de atuar e se compreender por meio da comunicação. Assim, dúvidas têm surgido na vida prática e em grupos de pesquisadores sensibilizados com este problema bioético moderno.
Entre vários temas sobre o uso nocivo da tecnologia está o cyberbullying , matéria pouco estudada no Brasil, diferentemente de vários países da Europa e dos Estados Unidos. Todavia, rápida análise permite verificar que no dia a dia todos podem ser observadores, praticantes ou vítimas deste tipo de violência virtual sem sequer perceber. Com isso, este estudo objetiva conhecer a percepção do fenômeno do cyberbullying praticado e facilitado pelo uso das TIC, incidindo diretamente na dignidade das pessoas em seu cotidiano profissional e pessoal.
Tecnologia da informação em perspectiva histórica
A Revolução Industrial pode ser considerada uma das causas do avanço nas comunicações e, consequentemente, do aparecimento das TIC. O processo de industrialização e o desenvolvimento tecnológico não ocorrem de forma isolada, pois refletem determinado estágio de conhecimento. Por conseguinte, a revolução tecnológica do século XX deu início à chamada “sociedade da informação”, que modificou drasticamente o cotidiano das pessoas 1 .
O termo “sociedade da informação” passou a ser utilizado no lugar da expressão “sociedade pós-industrial”, procurando transmitir novo paradigma técnico-econômico, com dados sobre as modificações técnicas, organizacionais e administrativas que têm como foco a informação em decorrência dos avanços tecnológicos na microeletrônica e telecomunicações. Estas tecnologias mudaram a proporção, a qualidade e a velocidade das informações, diferenciando, assim, os conceitos de tecnologia da informação (TI) e TIC 2 .
A comunicação é fator muito importante para a evolução humana, já que permite que ideias e aprendizados sejam difundidos ao longo do tempo 3 . Ou melhor, a comunicação é o processo pelo qual as pessoas compartilham significados mediante transmissão de mensagens simbólicas 4 . TIC são conjuntos de recursos tecnológicos utilizados de forma integrada, com objetivo comum. Trata-se de termo criado para identificar o papel da comunicação na TI.
Quando se fala em uso de TIC, é primordial falar em internet, visto que é ferramenta importante no cotidiano dos indivíduos 5 . No Brasil, a internet foi introduzida no início dos anos 1990, inicialmente por cientistas brasileiros que trocavam informações e arquivos pela Rede Nacional de Pesquisa, e seu uso comercial passou a ser difundido em 1995 6 .
Redes sociais
Nos dias atuais, estar conectado não depende da distância entre as pessoas, mas da tecnologia de comunicação disponível. De modo geral, novas tecnologias de conexão oferecem novas possibilidades para experimentar identidades e o sentimento de liberdade. Porém, com tantas conexões possíveis, as pessoas sentem-se cada vez mais sobrecarregadas com infinidades de dados. Ademais, a tecnologia é manipulada de forma a conduzir a atenção para a direção que interessa a determinados grupos sociais e econômicos 7 . Acredita-se que nesta era digital a humanidade está cada vez mais separada, desigual, ansiosa e sozinha.
As redes sociais permitem que usuários se relacionem por meio de perfis – páginas virtuais criadas para publicar fotos, arquivos, vídeos, textos, entre outros, podendo ser compartilhadas com demais membros da rede de maneira interativa, oferecendo ao usuário relacionamento em tempo real, participação e inclusão social, e compartilhamento de conteúdo e opinião 8 . Sites de redes sociais são como sistemas que permitem construir perfil público, articular lista de usuários com quem se compartilha conexão, visualizar e cruzar esta lista e aquelas feitas por outras pessoas dentro do sistema 9 .
Com relação ao uso das redes sociais, percebe-se que, em nome da modernidade, das novas tendências ou do avanço tecnológico, surge modo de pensar, agir e viver que destoa dos princípios morais antes respeitados e aceitos 10 . Estes princípios estão relacionados a processos culturais: costumes e hábitos coletivos de um grupo de indivíduos ou sociedade. Comportamentos positivos (trabalhar, elogiar) ou negativos (humilhar, assediar), projetando ações individuais suscetíveis, praticadas com habitualidade, convertem-se em referência para determinado grupo social, que as adota, independentemente de como tal ação se manifesta. Isso repercutirá na sociedade, dando origem a uma ética neste grupo social.
O acesso à informação passou a ser instantâneo nas redes sociais, as quais normalmente antecipam notícias que posteriormente serão divulgadas na mídia tradicional, como TV, rádio e jornal impresso. Pessoas que se servem dessas redes são diretamente influenciadas por seus pares, obtendo informação de forma modelada, qualificada e recomendada por outros usuários. Essa transmissão de dados é veloz, muitas vezes dificultando a reflexão sobre as informações e impedindo que sejam filtradas ou que decisões sejam baseadas nos fatos 11 .
Cyberbullying
Cyberbullying é prática recente e apresenta múltiplas definições, dado que sua conceituação ainda está sendo estabelecida. É sabido que todo novo evento ou fenômeno que afeta o ser humano é passível de ser investigado pela ciência, que tem o objetivo de apreender propriedades cognitivas e seus possíveis significados 12 . O cyberbullying é conhecido como “fenômeno sem rosto”, diferenciado do bullying por características específicas que lhe conferem proporções singulares 13 . Os principais aspectos que distinguem o cyberbullying do bullying são a difícil identificação do agressor, o significativo aumento do número de testemunhas, a possibilidade de inversão de papéis – vítima se tornar agressor e vice-versa –, assim como a inexistência de retorno verbal ao emissor sobre o resultado da ação 14 .
Para Yang e Grinshteyn 15 , o cyberbullying é nova forma de violência que se configura como “problema social”, sendo tema e preocupação de diversos campos disciplinares, além de ser representado também como questão de saúde pública. As configurações do cyberbullying podem ser reconhecidas como atos de violência psicológica e sistemática perpetrados no ambiente digital, por meio de mensagens de texto, fotos, áudios ou vídeos, expressos nas redes sociais ou em jogos on-line, transmitidos por telefones celulares, tablets ou computadores, e cujo teor pretende causar dano à outra pessoa de modo repetitivo e hostil 16 .
Willard 17 classificou as tipologias mais completas e consensuais para a expressão “ cyberbullying ”, sendo: 1) flaming , que consiste no envio de mensagens grosseiras, vulgares e enfurecidas acerca de alguém, por e-mail ou SMS, para grupo on-line ou para a própria pessoa; 2) assédio on-line ( online harassment ), caracterizado pelo envio repetido de mensagens ofensivas a uma pessoa via e-mail ou mediante outro mecanismo de envio de mensagens de texto; 3) perseguição no ciberespaço ( cyberstalking ), incidindo no assédio on-line que inclui ameaças de dano ou ato excessivamente intimidante; 4) denegrimento (humilhação), praticado pela publicação ou envio on-line de declarações prejudiciais, simuladas ou cruéis sobre alguém para outras pessoas; 5) dissimulação, em que o agressor se passa por outra pessoa e envia ou publica material on-line que deprecia a vítima; 6) outing , que consiste em enviar ou publicar on-line mensagens de texto ou imagens que contêm informação sensível, privada ou embaraçosa sobre alguém; e 7) exclusão, que significa ignorar ou excluir cruelmente alguém de grupo on-line.
Cyberbullying é modalidade disseminada de violência e tem sido incluída no campo discursivo da saúde a partir das associações entre sua prática e os desfechos danosos à saúde de agressores e intimidados 18 . A legislação sobre o tema, apesar de avanços, é inconsistente e não contempla todas as hipóteses. Além disso, sua efetividade apresenta sérias deficiências, tornando-se obsoleta rapidamente, dada a velocidade e efemeridade informacional na e da internet – espaço em que atividades ilícitas trafegam por territórios e nações, suscitando latência no enfrentamento de casos em que a identidade do infrator permanece no anonimato 19 .
Referenciais bioéticos
Bioética é, essencialmente, campo do conhecimento que se preocupa com as consequências éticas e morais dos avanços das ciências. Apresenta vários conceitos, entre os quais se encontram princípios que norteiam a adequada produção científica 20 . Pessini define a essência da bioética como um grito por dignidade de vida, que sempre vai se pautar por dois valores: de um lado está a ousadia do conhecimento científico, que inova, transforma, aperfeiçoae torna a vida mais bela, mais saudável, menos enferma e menos sofrida; do outro lado fica a prudência de fazer com que a mesma vida não seja manipulada, descartada nem “cobaizada” 21 .
Segundo Lepargneur 22 , os princípios da bioética foram formulados em 1978, quando a Comissão Norte-Americana para a Proteção da Pessoa Humana na Pesquisa Biomédica e Comportamental apresentou no final de seus trabalhos o chamado Relatório Belmont . Este documento estabeleceu os três princípios fundamentais da bioética: autonomia, relacionada com a dignidade da pessoa; beneficência, em que maximizar o bem do outro supõe minimizar o mal; e justiça, que melhor convém ser chamado “princípio da equidade” 22 .
Todavia, a regulamentação da bioética em torno destes três princípios, associada à carência do direito positivo em responder determinadas questões, é insuficiente para resolver problemas éticos e jurídicos. Com o desenvolvimento tecnológico, a liberdade humana alcançou tamanha proporção que pode colocar em risco o dinamismo da vida e a própria natureza 23 .
De acordo com Fonsêca 24 , o pensamento de Hans Jonas, desenvolvido a partir do princípio da responsabilidade, impõe-se por meio do olhar ético sobre a técnica contemporânea, diagnosticando-a e em seguida prognosticando-a. A bioética da responsabilidade irá postular os elementos de integridade do ser e sustentabilidade ambiental ao referenciar a responsabilidade radical, impulso do agir humano em vista da civilização tecnológica 24 .
Método
Trata-se de pesquisa de campo do tipo exploratória e descritiva e de cunho quantitativo, realizada por meio de questionário previamente estruturado aplicado a 35 servidores públicos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) em exercício na reitoria, na cidade de Pouso Alegre/MG. Dados foram coletados mediante envio de formulário alocado no Google Drive aos participantes. O instrumento utilizado apresentava questões de natureza sociodemográfica e perguntas semiestruturadas sobre os fenômenos, uso da internet e cyberbullying . Esclarece-se que o uso do formulário eletrônico foi necessário em decorrência da pandemia de covid-19, sendo indicado distanciamento físico.
Para analisar as características sociodemográficas foi elaborado banco de dados utilizando-se o software SPSS, versão 20, aplicando-se técnicas de estatística descritiva para averiguar frequência e porcentagem das variáveis categóricas e medidas de tendência e dispersão central para as variáveis numéricas ou contínuas. No que se refere aos dados qualitativos, informações textuais foram avaliadas segundo a metodologia de análise de conteúdo de Bardin 25 .
Na primeira etapa da análise de conteúdo, a pré-análise, foi realizada “leitura flutuante”, na qual informações sem entendimento lógico e que não se relacionavam com o objetivo da pesquisa foram desconsideradas. Depois, os discursos foram transcritos em banco de dados próprio, sem as perguntas, formando assim o corpus . Na segunda etapa, o corpus foi seccionado em unidades de registro ou recortes, separadas pelo caractere barra (/). Nesta fase de análise o corpus foi codificado, de modo que cada recorte descrevesse característica pertinente do conteúdo, podendo ser tema, palavra ou frase. Na formação das unidades de contexto elementar (UCE), as sentenças que apresentavam ideias de contrariedade, adversidade, complementaridade ou que tinham sentido dedutivo foram consideradas unitárias, ou seja, foram contabilizadas uma única vez. Já sentenças que apresentavam ideias confirmatórias, de reiteração, foram consideradas UCE diferentes e contabilizadas em sua individualidade. Logo após, as informações foram categorizadas, e as UCE que continham a mesma acepção aglomeradas em grupos temáticos semelhantes, podendo ser posteriormente divididas em subgrupos. A análise quantitativa das informações foi realizada ao computar as UCE (porcentagem e frequência) de cada grupo organizacional, incluindo os subgrupos. Na terceira etapa, fase inferencial, interpretou-se, deduziu-se e concluiu-se o que se esconde sob a aparente realidade do discurso, ou seja, o que certas afirmações querem dizer em profundidade. A inferência foi fundamentada em referenciais teóricos 25 .
O estudo seguiu as determinações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde 26 . A participação no estudo foi oficializada pelo integrante da pesquisa mediante a anuência virtual ao termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). No formulário foi explicitada a importância do consentimento e disponibilizado contato para esclarecer qualquer dúvida do participante. Cópia do formulário com as respostas e o TCLE foi encaminhada por e-mail para cada respondente. O projeto foi realizado para obtenção de título de mestre em bioética pela Universidade do Vale do Sapucaí.
Resultados e discussão
A pesquisa questionou 35 servidores, dos quais 51,4% eram homens. A idade dos entrevistados variou de 25 a 65 anos, com média de 39±9,56 anos. O estado conjugal predominante foi “casado” (42,9%), e, no que se refere a religião, 71,4% dos participantes se declararam católicos. Prevaleceram respondentes autodeclarados brancos (82,9%). Não foi possível definir se gênero, idade, escolaridade, estado conjugal, religião ou cor da pele interferem na relação dos servidores com o fenômeno do cyberbullying . Não foram encontrados na bibliografia pesquisada estudos que constatassem tais relações.
Sobre informações profissionais, 94,3% dos participantes eram de nível técnico-administrativo. Os respondentes trabalhavam em média há 7,62±6,42 anos no IFSULDEMINAS, variando de 1 a 35 anos de carreira nesta instituição. Quanto às informações sobre o uso das TIC, todos os participantes acessam aplicativos e internet para se comunicar. Sobre o fenômeno do cyberbullying , 85,7% dos servidores consideram importante conhecer e discutir o assunto para poder evitá-lo.
Lacerda, Padilha e Amaral 27 afirmam que, ao mesmo tempo que as mídias sociais têm seus fatores negativos e que contribuem para a prática do cyberbullying , elas também vêm se tornando alicerce no combate ao crime virtual. Suas ações de enfrentamento vão desde anúncios que conscientizam usuários sobre a problemática até as opções de suporte que elas oferecem, proporcionando maneiras rápidas e seguras de denúncia.
Para 74,3% dos servidores, cyberbullying é crime e o agressor deve ser punido criminalmente. De acordo com Santos, Rodrigues e Silva 28 , essa prática ainda é pouco identificada, discutida e punida, mesmo com fortes evidências de recorrentes agressões do tipo. Segundo Gonçalves 29 , no Brasil, o Marco Civil da Internet é considerado a “nova constituição da internet”, a “Carta de Direitos” dos internautas, pois assegura direitos e liberdades dos usuários, protegendo basicamente sua liberdade de expressão, privacidade, dados e sua cidadania e participação no mundo digital.
As respostas para a pergunta “O que você entende por cyberbullying ?” foram analisadas seguindo a metodologia de Bardin 25 . Diante desta questão, os servidores se expressaram de forma subjetiva, e suas respostas foram classificadas em dois grupos, A e B. No grupo A incluíram-se as respostas que identificaram e descreveram o fenômeno. No grupo B estão agrupadas as respostas de servidores que não conseguiram reconhecer o significado do fenômeno do cyberbullying , mas que mesmo assim emitiram opiniões com diferentes significados.
O grupo A foi subdividido em A1 e A2, e o grupo B em B1 e B2. Os subgrupos de A reuniram respostas de servidores que somente definiram o fenômeno (A1) e que definiram o fenômeno e o associaram a algo atual (A2). Os subgrupos de B compilaram discursos de servidores que não definiram o fenômeno (B1) e que não definiram e não se importam (B2). Esses dados são mostrados no Quadro 1 .
Percepção de servidores do IFSULDEMINAS sobre o fenômeno do cyberbullying , com base em verbalizações do seu entendimento (Pouso Alegre/MG)
A seguir, as principais representações dos servidores do IFSULDEMINAS serão consideradas.
“[Cyberbullying] É a prática do bullying virtual por meio das redes sociais, via internet e canais de comunicação de maneira on-line, utilizando a TI, para expor, denegrir e menosprezar alguém através do linchamento virtual, manifestação de ideias depreciativas em relação a outras pessoas, uma forma de inferiorizar, ridicularizar, expor alguém, sem autorização, e com intenção de ferir ou se divertir, sem medir as consequências para o outro. O bullying sempre existiu, mas, com o avanço da TI, esse processo se intensificou e realmente precisa ser estudado e levado ao conhecimento das pessoas, principalmente dos jovens, pois as suas consequências podem ser devastadoras e irreversíveis” (P7).
O cyberbullying pode ser considerado forma atual de bullying que ultrapassa os limites da vida escolar, do ambiente de trabalho ou até familiar, visto que não se restringe ao espaço físico. De fato, “ cyberbullying ” é variante da palavra “ bullying ”, e é usado para classificar a violência que utiliza o ambiente virtual para se propagar. Pode ser categorizado como forma cruel de violação e exposição da vítima pelo simples fato de que basta um clique para que o agressor atinja seu objetivo 30 .
“Compreendo [o cyberbullying] como uma forma de assédio e violência que ocorre usualmente no ambiente virtual, pela prática de postagens, em redes sociais, que possam afetar a integridade de alguém, seja com comentários, imagens ou boatos, decorrente de ato intencional ou não, muitas vezes atitudes que não fariam pessoalmente, o qual gera consequências para a pessoa exposta, como constrangimentos e danos de ordem psicológica, material e moral” (P9).
Para Mello, Camillo e Santos 19 , essa prática é forma de agressão ou assédio moral que se propaga mediante internet, celulares ou o uso de novas tecnologias e meios de comunicação.
“[É] Uma forma de praticar bullying utilizando os meios de comunicação eletrônicos via acesso à internet. Bullying se refere a uma prática ofensiva e constante praticada por um ou mais agressores a uma vítima escolhida. Geralmente, esta prática causa sérios danos psicológicos, emocionais e físicos a quem é vítima e também a quem pratica este tipo de agressão” (P34).
Grande número de crianças e adolescentes frequenta o ciberespaço, o que se reflete na falta de responsabilidade na utilização desse ambiente. A falta de comprometimento e controle vira espécie de estímulo e propicia “brincadeiras maldosas”, que findam em práticas agressoras. A maneira mais adequada para precaver o bullying virtual é a supervisão por parte da família e dos educadores 27 .
“[Cyberbullying é] Aproveitar-se da facilidade e anonimato proporcionado pela rede [internet] para ridicularizar, promover agressão, calúnia, injúria, difamação ou ação que macule a imagem de um grupo ou indivíduo com situação que ofenda ou invada a privacidade alheia, sem autorização, nas mídias sociais, gerando grande constrangimento” (P23).
Tudo que é social e, portanto, humano, é comunicação. A internet é ambiente virtual e digital, e possibilita maior grau de liberdade de expressão – algo a que o indivíduo não pode renunciar, pois é impossível à pessoa não pensar, não falar 30 . Entretanto, a liberdade de expressão não é valor superior aos demais; ela deve preexistir, porque a lei não pode impor limites impossíveis. No campo do direito, trata-se da eficácia real da norma jurídica, pois o direito só regula o que lhe é possível 28 .
A partir da análise, verificou-se que 68,6% dos participantes já foram vítimas de cyberbullying , 71,4% já foram agressores, 94,3% já expuseram a si mesmos na internet, 57,1% já testemunharam episódios de cyberbullying e 5,7% nunca estiveram envolvidos. Nos dias atuais ainda emergem questionamentos e discussões sobre o controle do acesso à informação na busca por soluções para esta problemática. Esses debates abrangem proteção da privacidade e conflitos bioéticos no uso da internet. Contudo, os riscos desse uso ainda não são bem entendidos, uma vez que essa ferramenta oferece muitos alvos a possíveis invasores 31 .
A liberdade e a dignidade da pessoa humana estão inter-relacionadas com a comunicação, não existindo sem ela, e, ao mesmo tempo, são indispensáveis para a interação no âmbito social. Garantir plena liberdade de comunicação é crucial para o desenvolvimento humano em todas as dimensões, e envolve a salvaguarda da liberdade de expressão e da privacidade, que por si só constituem importantes aportes para a proteção da dignidade humana 28 .
Na bioética da responsabilidade, o agir humano na era tecnológica deve recuperar a possibilidade de reaver a relação original dos seres humanos, equilibrando o convívio 24 . Ademais, o grande desafio para a teoria da responsabilidade na sociedade tecnocientífica consiste em considerar a dignidade da pessoa humana como a categoria primordial da bioética 23 .
Considerações finais
Nesta pesquisa foi possível conhecer a percepção de servidores do IFSULDEMINAS acerca do fenômeno do cyberbullying , praticado e facilitado pelo uso das TIC, e que incide diretamente no cotidiano profissional e pessoal. Esse fenômeno complexo, segundo os participantes, pode ser definido como violência que afeta a integridade, dignidade e liberdade de indivíduo ou grupo. O agressor aproveita-se da facilidade e do anonimato proporcionado pela internet para postar, em redes sociais, comentários, imagens ou boatos para ridicularizar, agredir, caluniar, injuriar, difamar. Causa assim grande constrangimento e danos psicológicos, emocionais e físicos à vítima, que sofre o impacto da ciberviolência, mas também a quem pratica a agressão, por não estar em ótimas condições psicológicas.
É importante citar as limitações da presente pesquisa para que possam ser superadas em investigações futuras. Uma delas foi o envio de questionário em meio on-line. Apesar de terem sido asseguradas todas as questões de confidencialidade, nesta modalidade as respostas dos participantes podem não corresponder à realidade, devido ao fenômeno de desejo social ou visando minimizar o problema. Outra limitação bastante pertinente que pode ser suplantada em estudos futuros refere-se à amostra bastante reduzida. Recomenda-se estudo mais amplo para avaliar as percepções sobre o fenômeno do cyberbullying , incidindo diretamente na dignidade das pessoas.
O que o fenômeno do cyberbullying representa e seus possíveis riscos é tema que deve ser rotineiramente debatido nos ambientes sociais, visando preparar as pessoas em relação a seus atos, de forma que se protejam e não se comprometam ou a terceiros no uso das tecnologias digitais. Adicionalmente, a pandemia de covid-19 é realidade muito grave tanto no Brasil como no mundo. Diante deste cenário, em que a humanidade depende cada vez mais das TIC devido ao distanciamento físico imposto pelas medidas sanitárias, constantemente indivíduos se veem envolvidos, como vítimas, agressores ou testemunhas, em episódios de cyberbullying . Assim, por fim, sugerem-se estudos sobre cyberbullying em tempos de pandemia.
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Aprovação CEP-Univás 3.725.425
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Maio 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
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Recebido
19 Jun 2020 -
Revisado
7 Fev 2022 -
Aceito
9 Fev 2022