Acessibilidade / Reportar erro

Dificuldade de comunicar a morte do paciente aos familiares

Resumo

Considerando que comunicar a morte de paciente a familiares é tarefa difícil para profissionais de saúde, o objetivo desta pesquisa foi identificar na literatura recomendações para reduzir os malefícios dessa situação. Trata-se de estudo qualitativo realizado por meio de revisão bibliográfica nas bases de dados do Portal Capes com a utilização dos termos “morte” e “comunicação”. Os resultados, obtidos em 18 artigos selecionados, foram divididos em três categorias: formação profissional, preparo familiar e prática profissional. Quanto à formação profissional, indicou-se, sobretudo, treinamento por role playing precedido de fundamentação teórica; para o preparo dos familiares, recomendou-se promover diálogo enquanto o paciente vive; em relação à prática profissional, aconselhou-se compartilhar informações entre colegas e adotar medidas para controle emocional. Constatou-se que práticas simuladas, troca de informações entre profissionais, controle emocional dos profissionais e diálogo com e entre familiares contribuem para reduzir o malefício da comunicação de morte.

Morte; Atitude frente à morte; Morte parental; Sistemas de comunicação no hospital; Temas bioéticos

Abstract

Considering that informing family members of a patient’s death is an arduous task for health professionals, the objective of this research was to identify in the literature recommendations to reduce the distress caused by this situation. This is a qualitative study carried out by means of a literature review on the Capes Portal database using the terms “death” and “communication.” The results, obtained from 18 selected articles, were divided into three categories: professional training, family preparation, and professional practice. Regarding professional training, it was indicated, above all, training by role playing preceded by theoretical foundations; for family members’ preparation, the recommendation was to engage in dialogue while the patient is alive; in relation to professional practice, the advice given was information sharing between colleagues and adoption of measures for emotional control. It was found that simulated practices, information sharing between professionals, emotional control of professionals and dialogue with and between family members contribute to reducing the distress when communicating death.

Death; Attitude to death; Parental death; Hospital communication systems; Bioethical issues

Resumen

Teniendo en cuenta que comunicar la muerte de un paciente a familiares es tarea difícil para los profesionales de la salud, el objetivo de esta investigación fue identificar en la literatura recomendaciones para reducir los daños de esa situación. Se trata de un estudio cualitativo realizado por medio de revisión bibliográfica en las bases de datos del portal Capes con la utilización de los Términos “muerte” y “comunicación”. Los resultados, obtenidos a partir de 18 artículos seleccionados, fueron divididos en tres categorías: formación profesional, preparación familiar y práctica profesional. En cuanto a la formación profesional, se indicó, sobre todo, entrenamiento por role playing precedido de fundamentación teórica; para la preparación de los familiares, se recomendó promover el diálogo mientras el paciente vive; en relación con la práctica profesional, se aconsejó compartir informaciones entre compañeros y adoptar medidas de control emocional. Se comprobó que prácticas simuladas, intercambio de informaciones entre profesionales, control emocional de los profesionales y diálogo con y entre familiares contribuyen a reducir el daño de la comunicación de muerte.

Muerte; Actitud frente a la muerte; Muerte parental; Sistemas de comunicación en hospital; Discusiones bioéticas

Embora a morte seja uma das poucas certezas da vida, sua aceitação é difícil, visto que é considerada inimiga a ser incessantemente combatida e, se possível, superada 11. Kovács MJ. Educação para a morte. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];25(3):48-97. DOI: 10.1590/S1414-98932005000300012 . Diante disso, a comunicação do óbito de paciente a seus familiares é tarefa difícil e delicada que exige dos profissionais de saúde, sobretudo dos médicos, habilidades e competências especiais para diminuir o impacto, que costuma ser mais intenso quando o evento acontece de forma inesperada.

Entre as dificuldades, desponta a sensação de insegurança dos profissionais para revelar o desfecho inexorável do paciente ante o receio de que a família os considere culpados. Do mesmo modo, destaca-se o despreparo emocional e a carência de habilidades para esse tipo de comunicação. Assim, considerando que as reações são diferentes entre os personagens de cada evento, essa complexidade de cenários demanda formação profissional abrangente, de maneira que não há fala predefinida para facilitar o enfrentamento de cada situação que se apresenta 22. Guimarães K. Como os médicos têm se preparado para o pior momento da carreira: dar más notícias. BBC News Brasil [Internet]. 28 out 2017 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bbc.in/3gBpnWO
https://bbc.in/3gBpnWO...
.

O médico, como principal responsável, precisa ter muito cuidado com a informação a ser oferecida, já que não basta comunicar o óbito, que constitui por si um malefício, mas expressar-se com palavras adequadas, de modo atencioso e cuidadoso, para trazer conforto às pessoas que geralmente não estão preparadas para receber a notícia. Entretanto, ressalve-se que mesmo médicos experientes manifestam incerteza e angústia durante a comunicação 22. Guimarães K. Como os médicos têm se preparado para o pior momento da carreira: dar más notícias. BBC News Brasil [Internet]. 28 out 2017 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bbc.in/3gBpnWO
https://bbc.in/3gBpnWO...
.

O vínculo entre médico e paciente tende a ser mais profundo no caso de doentes crônicos, observando-se que, em caso de morte, a dor dos familiares é atenuada de forma inversamente proporcional à intensidade desse relacionamento. Por essa razão, recomenda-se que a comunicação da má notícia seja feita pelo profissional mais ligado ao paciente. Entretanto, há médicos, entre outros profissionais, considerados insensíveis e que, por falta de formação humanística, sequer falam com a família, enviando outro profissional em seu lugar 33. Bellato R, Carvalho EC. O jogo existencial e a ritualização da morte. Rev Latinoam Enf [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];13(1):99-104. DOI: 10.1590/S0104-11692005000100016 .

Algumas peculiaridades da comunicação exigem adequação da conduta profissional. Assim, quando é confirmado o óbito de paciente internado em unidade de terapia intensiva, por exemplo, a notícia não pode ser dada por telefone, sendo necessário informá-la pessoalmente.

Quanto mais a ciência avança, mais se teme e se nega a morte, e os profissionais da saúde precisam ter humildade e habilidade para lidar com a perda 44. Starzewski A Jr, Rolim LC, Morrone LC. O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];51(1):11-6. DOI: 10.1590/S0104-42302005000100011 . Contudo, há evidências de que os médicos não são suficientemente preparados para isso em sua formação, mesmo tendo contato com cadáveres já no início dos estudos, de modo que são obrigados a desenvolver essa habilidade durante o exercício profissional, muitas vezes sem suporte teórico 11. Kovács MJ. Educação para a morte. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];25(3):48-97. DOI: 10.1590/S1414-98932005000300012 , 55. Tamada JKT, Dalaneze AS, Bonini LMM, Melo TRC. Relatos de médicos sobre a experiência do processo de morrer e a morte de seus pacientes. Rev Med [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];96(2):81-7. DOI: 10.11606/issn.1679-9836.v96i2p81-87 . Diante disso, embora adquiram no trabalho algum conhecimento prático sobre o assunto, estima-se que essa carência de fundamentação poderia ser superada ainda na formação profissional.

Normalmente a notícia da morte é dada pelo médico, mas outros profissionais de saúde também são envolvidos na revelação. Desse modo, a maioria dos conselhos profissionais incluiu em seus códigos de ética os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência como deveres fundamentais de seus membros na luta contra o sofrimento humano.

O Código de Ética Médica, em seu Princípio Fundamental II, orienta os médicos a agirem com o máximo zelo em benefício da saúde do ser humano e, nos Princípios IV, V, XII e XIII, a evitar a maleficência resultante de: sofrimento físico, falta de atualização científica dos profissionais e não adoção de medidas de prevenção em relação aos riscos laborais ou ambientais 66. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 9 set 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2RyvAE8
https://bit.ly/2RyvAE8...
.

O objetivo deste trabalho foi identificar na literatura as principais recomendações feitas aos profissionais de saúde, sobretudo aos médicos, para reduzir os malefícios da comunicação durante o cumprimento da difícil tarefa de informar à família a morte de ente querido.

Método

Trata-se de estudo qualitativo desenvolvido por meio de revisão bibliográfica realizada na base de dados do Portal Capes entre junho e julho de 2019. Para a pesquisa, foram inseridas na busca avançada em português “comunicação and morte” e, na busca em inglês, os termos “ communication and death ”, somente no título. Devido à pequena disponibilidade de trabalhos em português, foram selecionados artigos e resumos dos últimos 15 anos; a busca em inglês, língua com maior disponibilidade, considerou publicações dos últimos 10 anos.

Foram incluídos artigos e resumos com alguma proposta de orientação a profissionais de saúde sobre comunicação de morte de paciente a familiares, com especial atenção a trabalhos com recomendações que podem ser colocadas em prática. Excluíram-se artigos que tratavam da comunicação de morte em casos específicos, como HIV, pacientes pediátricos e pessoas com deficiência, devido às peculiaridades dos personagens e contextos envolvidos.

Utilizou-se o método de análise de conteúdo de Bardin 77. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016. para tratar os dados coletados. Na primeira etapa foi realizada pré-análise por meio de leitura flutuante, estabeleceu-se o objetivo e selecionaram-se os documentos a serem analisados. Em seguida, foram incluídos alguns resumos de congressos, pela relevância de suas proposições. Por fim, agregaram-se os itens selecionados pelos critérios sobretudo de pertinência e homogeneidade de proposições.

Na segunda etapa, quando o material foi explorado, examinou-se o critério de exclusividade e foram sintetizadas as proposições encontradas nos trabalhos em três categorias. Na terceira etapa, que consistiu no tratamento dos resultados, com base na significância, as proposições foram interpretadas e as mensagens inferidas e condensadas em núcleos de sentido.

Resultados

Na busca em português foram encontrados 30 artigos, dos quais oito foram selecionados, por conterem proposições recomendadas aos profissionais de saúde, conforme objetivo do estudo. Na busca em inglês foram encontrados 119 artigos e dois resumos, dos quais 34 tratavam do tema da pesquisa, mas somente dez (oito artigos e os dois resumos) foram selecionados pelo mesmo motivo, porém um artigo foi excluído por não estar disponível.

Assim, foram incluídos no estudo 18 artigos, agrupados em três categorias – 1) formação profissional (cinco artigos); 2) preparo familiar (sete artigos); e 3) prática profissional (seis artigos) –, conforme Quadros 1 , 2 e 3 . Os resumos de Zhang e colaboradores 88. Zhang J, Lubitz AL, Shaughnessy G, Reynolds A, Goldberg AJ. Formal didactic training improves resident understanding and communication of brain death. J Am Coll Surg [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];225(4):e153. DOI: 10.1016/j.jamcollsurg.2017.07.941 e Lamba e colaboradores 99. Lamba S, Tyrie L, Bryczkowski S, Nagurka R, Mosenthal A. Teaching surgery and emergency medicine residents the communication skills around death and dying in the trauma setting. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];51(2):333. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.12.160 foram incluídos pela importância de suas informações para o tema da formação profissional.

Quadro 1
Proposições da categoria “formação profissional”
Quadro 2
Proposições da categoria “preparo familiar”
Quadro 3
Proposições da categoria “prática profissional”

Formação dos profissionais de saúde

Cinco trabalhos abordaram a importância da formação profissional na comunicação de morte aos familiares do paciente e apontaram proposições ( Quadro 1 ). As habilidades podem ser adquiridas em workshop seguido de prática simulada ( role playing ) em pequenos grupos, metodologia que teve boa avaliação entre os profissionais que participaram do evento 1010. Coyle N, Manna R, Shen M, Banerjee SC, Penn S, Pehrson C et al. Discussing death, dying, and end-of-life goals of care: a communication skills training module for oncology nurses. Clin J Oncol Nurs [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];19(6):697-702. DOI: 10.1188/15.CJON.697-702 .

De forma similar, pesquisa apontou que o treinamento de médicos residentes por meio de curso teórico seguido de simulação ( role playing ) resulta em aumento do conhecimento sobre o assunto e em sensação de maior preparo para comunicar a morte encefálica de paciente a seus familiares 88. Zhang J, Lubitz AL, Shaughnessy G, Reynolds A, Goldberg AJ. Formal didactic training improves resident understanding and communication of brain death. J Am Coll Surg [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];225(4):e153. DOI: 10.1016/j.jamcollsurg.2017.07.941 . Outra pesquisa com médicos residentes adotou a apresentação de vídeos didáticos seguida de prática simulada ( role playing ), incluindo ressuscitação cardiorrespiratória e revelação de más notícias, melhorando o controle emocional e aumentando o conhecimento dos participantes 99. Lamba S, Tyrie L, Bryczkowski S, Nagurka R, Mosenthal A. Teaching surgery and emergency medicine residents the communication skills around death and dying in the trauma setting. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];51(2):333. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.12.160 .

Estudo brasileiro identificou falta de iniciativa por parte das instituições de ensino para oferecer aos alunos da graduação habilidades técnicas e emocionais para lidar com a morte, tal como descrevem os estudos internacionais 88. Zhang J, Lubitz AL, Shaughnessy G, Reynolds A, Goldberg AJ. Formal didactic training improves resident understanding and communication of brain death. J Am Coll Surg [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];225(4):e153. DOI: 10.1016/j.jamcollsurg.2017.07.941

9. Lamba S, Tyrie L, Bryczkowski S, Nagurka R, Mosenthal A. Teaching surgery and emergency medicine residents the communication skills around death and dying in the trauma setting. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];51(2):333. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.12.160
- 1010. Coyle N, Manna R, Shen M, Banerjee SC, Penn S, Pehrson C et al. Discussing death, dying, and end-of-life goals of care: a communication skills training module for oncology nurses. Clin J Oncol Nurs [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];19(6):697-702. DOI: 10.1188/15.CJON.697-702 ( Quadro 1 ), apontando como solução a inclusão do tema no ensino de bioética 1111. Duarte AC, Almeida DV, Popim RC. A morte no cotidiano da graduação: um olhar do aluno de medicina. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];19(55):1207-19. DOI: 10.1590/1807-57622014.1093 .

Uma última proposição indicou a análise, em grupo, de filmes do projeto denominado Falando de Morte, que compõem conjunto de películas preparadas para direcionar profissionais a desenvolver habilidades em comunicação sobre a morte 1212. Kovács MJ. Instituições de saúde e a morte: do interdito à comunicação. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];31(3):482-503. DOI: 10.1590/S1414-98932011000300005 . As cinco proposições foram sintetizadas e condensadas em três, segundo o núcleo de sentido de suas mensagens ( Quadro 1 ).

Preparo familiar para receber a comunicação sobre morte

Sete artigos propunham formas de preparar os familiares para a comunicação da morte de paciente ( Quadro 2 ). A promoção do encontro entre familiares e paciente quando a morte é iminente facilita sua aceitação e contribui para que haja menos depressão durante o luto, constituindo a primeira proposição 1313. Otani H, Yoshida S, Morita T, Aoyama M, Kizawa Y, Shima Y et al. Meaningful communication before death, but not present at the time of death itself, is associated with better outcomes on measures of depression and complicated grief among bereaved family members of cancer patients. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];54(3):273-9. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2017.07.010
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
.

A conversa entre o paciente e seus entes queridos alivia o estresse e evita arrependimentos posteriores à morte, além de prepará-los para o evento, configurando a segunda proposição 1414. Keeley MP. Family communication at the end of life. Behav Sci [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];7(3):45. DOI: 10.3390/bs7030045 . Esse encontro pode ser realizado com auxílio de um programa denominado Death over Dinner (ou Death Café), criado para estimular o diálogo sobre a morte durante reuniões, iniciativa que contribui para a aceitação da própria morte e a dos entes queridos, se enquadrando na terceira e quarta proposições 1515. South AL, Elton AJ. Contradictions and promise for end-of-life communication among family and friends: death over dinner conversations. Behav Sci [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];7(2):24. DOI: 10.3390/bs7020024 , 1616. Baldwin PK. Death Cafés: death doulas and family communication. Behav Sci [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];7(2):26. DOI: 10.3390/bs7020026 .

Quando não há conversa sobre o final da vida entre paciente casado e seu cônjuge nos três meses que antecedem a morte, esta provoca sentimento de culpa maior na pessoa que perdeu seu companheiro. Isso sugere, portanto, como quinta proposição, que se estimule o diálogo sobre terminalidade da vida em casais quando um cônjuge estiver enfermo, sobretudo em fase terminal 1717. Jonasson JM, Hauksdóttir A, Nemes S, Surkan PJ, Valdimarsdóttir U, Onelöv E, Steineck G. Couples’ communication before the wife’s death to cancer and the widower’s feelings of guilt or regret after the loss: a population-based investigation. Eur J Cancer [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];47(10):1564-70. DOI: 10.1016/j.ejca.2011.01.010 .

A sexta proposição consiste na formação humanística e filosófica dos profissionais, bem como na boa relação entre profissionais e a família do paciente, que favorecem a comunicação especialmente em casos mais difíceis, como morte de jovens e de pacientes agudos 44. Starzewski A Jr, Rolim LC, Morrone LC. O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];51(1):11-6. DOI: 10.1590/S0104-42302005000100011 . De forma mais ampla, a sétima proposição destaca que o apoio à família pode ser dado por meio do combate à vulnerabilidade social e de medidas para reduzir desigualdades sociais 1818. Combinato DS, Martin STF. Necessidades da vida na morte. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];21(63):869-80. DOI: 10.1590/1807-57622016.0649 .

As sete proposições foram condensadas em três, segundo o núcleo de sentido de suas mensagens, conforme Quadro 2 .

Comunicação de morte de paciente: prática dos profissionais de saúde

Seis artigos traziam proposições sobre a prática profissional para a comunicação de morte de paciente a familiares. A primeira indicava que o compartilhamento da verdade sobre o paciente em iminência de morte entre os profissionais da equipe, sem atitude de negação ou velamento, facilita o processo de comunicação aos familiares. Esta deve ser feita de preferência pelo médico que mais se relaciona com a família e que tenha o respectivo preparo ético e técnico para a função 1919. Monteiro DT, Reis CGC, Quintana AM, Mendes JMR. Morte: o difícil desfecho a ser comunicado pelos médicos. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];15(2):547-67. Disponível: https://bit.ly/3JdusAL
https://bit.ly/3JdusAL...
.

A segunda proposição sugere o incremento da troca de experiências entre os profissionais de saúde da instituição, pois isso influencia a qualidade dos dados transmitidos internamente e melhora a informação passada aos familiares. Dessa forma, há menos atitudes de evitação e ocultação 2020. Rivolta MM, Rivolta L, Garrino L, Di Giulio P. Communication of the death of a patient in hospices and nursing homes: a qualitative study. Eur J Oncol Nurs [Internet]. 2014 [acesso 9 set 2021];18(1):29-34. DOI: 10.1016/j.ejon.2013.09.012 .

Conforme a terceira proposição, o profissional de saúde precisa ter disposição para ouvir o paciente em fase terminal, com o objetivo de proporcionar mais qualidade ao restante de sua vida. Assim, recomenda-se que a tarefa de comunicação de morte ao paciente e à família seja exercida com dedicação e confiança, prestando informações claras, de forma serena e em local adequado 2121. Medeiros LA, Lustosa MA. A difícil tarefa de falar sobre morte no hospital. Rev SBPH [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];14(2):203-27. Disponível: https://bit.ly/3LmIamB
https://bit.ly/3LmIamB...
.

Como quarta proposição, considerando que o médico pode manifestar ansiedade em relação à própria morte e, com isso, afetar a comunicação e as decisões a serem tomadas, recomenda-se atenção para o aprimoramento de seu controle emocional 2222. Draper EJ, Hillen MA, Moors M, Ket JCF, van Laarhoven HWM, Henselmans I. Relationship between physicians’ death anxiety and medical communication and decision-making: a systematic review. Patient Educ Couns [Internet]. 2019 [acesso 9 set 2021];102(2):266-74. DOI: 10.1016/j.pec.2018.09.019 . Como quinta proposição, aconselha-se que o médico tenha vida dedicada à família, com prática religiosa e hobbies , e que lhe seja oferecido acompanhamento psicológico. Além disso, orienta-se tratar a pessoa e não somente sua doença, postura que contribui para diminuir efeitos psíquicos negativos da atividade médica 55. Tamada JKT, Dalaneze AS, Bonini LMM, Melo TRC. Relatos de médicos sobre a experiência do processo de morrer e a morte de seus pacientes. Rev Med [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];96(2):81-7. DOI: 10.11606/issn.1679-9836.v96i2p81-87 .

A última proposição recomenda o uso de eufemismos pelos médicos a fim de diminuir o impacto da comunicação, sendo os mais citados: “não tive êxito”, “já partiu”, “incompatível com a vida”, “ele faleceu”, “não respondeu a nenhuma de nossas tentativas”, “a doença foi muito mais forte do que ele”, “aconteceu o pior”, “as notícias não são boas”, “é melhor ir do que vegetar”, “ele estava sofrendo muito” 2323. Souza GA, Giacomin K, Aredes JS, Firmo JOA. Comunicação da morte: modos de pensar e agir de médicos em um hospital de emergência. Physis [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];28(3):e280324. DOI: 10.1590/S0103-73312018280324 .

As seis proposições foram condensadas em quatro, segundo o núcleo de sentido de suas mensagens, conforme Quadro 3 .

Discussão

Nas três categorias analisadas ( Quadros 1 , 2 e 3 ), os artigos apresentaram dez proposições relevantes aos profissionais de saúde, sobretudo aos médicos, a respeito da difícil tarefa de comunicar a morte de paciente a seus familiares. Em relação à formação profissional ( Quadro 1 ), em três dos cinco artigos e resumos selecionados 88. Zhang J, Lubitz AL, Shaughnessy G, Reynolds A, Goldberg AJ. Formal didactic training improves resident understanding and communication of brain death. J Am Coll Surg [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];225(4):e153. DOI: 10.1016/j.jamcollsurg.2017.07.941

9. Lamba S, Tyrie L, Bryczkowski S, Nagurka R, Mosenthal A. Teaching surgery and emergency medicine residents the communication skills around death and dying in the trauma setting. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];51(2):333. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.12.160
- 1010. Coyle N, Manna R, Shen M, Banerjee SC, Penn S, Pehrson C et al. Discussing death, dying, and end-of-life goals of care: a communication skills training module for oncology nurses. Clin J Oncol Nurs [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];19(6):697-702. DOI: 10.1188/15.CJON.697-702 emerge a primeira proposição, que é a prática simulada com role playing , precedida de introdução teórica por meio de apresentações expositivas ou filmes didáticos. Portando, infere-se que essa seja a metodologia mais indicada para o desenvolvimento de habilidades e controle emocional dos profissionais durante a comunicação de morte.

Essa metodologia pode utilizar pacientes simulados ou somente alunos desempenhando os papéis de médico e paciente. Em revisão da literatura, ela foi apontada como a mais recomendada também para desenvolver habilidades para revelação de más notícias a pacientes em casos de diagnósticos desfavoráveis, tratando-se de situação análoga 2424. Bonamigo EL, Destefani AS. A dramatização como estratégia de ensino da comunicação de más notícias ao paciente durante a graduação médica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];18(3):725-42. Disponível: https://www.bit.ly/2FWQolL
https://www.bit.ly/2FWQolL...
.

Nesse sentido, pesquisa recente constatou que estudantes de medicina consideram importante adquirir novas competências humanísticas em sua formação, para melhorar as relações médico-paciente, médico-interdisciplinar, médico-multidisciplinar e médico-familiar (com visão social do paciente). Essas qualidades contribuem para melhorar o desempenho da equipe e o controle emocional de seus integrantes perante situações mais complexas da profissão, como a comunicação de morte 2525. Freitas LS, Ribeiro MF, Barata JLM. O desenvolvimento de competências na formação médica: os desafios de se conciliar as Diretrizes Curriculares Nacionais num cenário educacional em transformação. Rev Méd Minas Gerais [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];28:e-1949. Disponível: https://bit.ly/3IyaTCs
https://bit.ly/3IyaTCs...
.

Ainda na categoria “formação profissional”, despontam mais duas proposições a respeito da aquisição de habilidade de comunicação de morte: 1) pode ser incluída como teor da disciplina de bioética; e 2) pode ser estudada por meio da projeção de vídeos didáticos sobre o tema 1111. Duarte AC, Almeida DV, Popim RC. A morte no cotidiano da graduação: um olhar do aluno de medicina. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];19(55):1207-19. DOI: 10.1590/1807-57622014.1093 , 1212. Kovács MJ. Instituições de saúde e a morte: do interdito à comunicação. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];31(3):482-503. DOI: 10.1590/S1414-98932011000300005 . Trata-se de alternativas oriundas de trabalhos desenvolvidos no Brasil, possivelmente porque a maioria das faculdades brasileiras ainda não disponibiliza o método de role playing para a aquisição de habilidades em comunicação. Ressalta-se, entretanto, que não foi encontrado nenhum trabalho esclarecendo essa situação no país.

No ensino da bioética, esse tema inclui-se no princípio da não maleficência. A projeção de vídeos didáticos durante a formação proporciona a oportunidade de acessar conhecimento teórico que pode ser desenvolvido durante a prática profissional.

Quanto ao preparo dos familiares ( Quadro 2 ), foram apresentadas três proposições, e a principal delas aponta que falar sobre a morte é a melhor forma de prepará-los para o evento e, consequentemente, diminuir os efeitos do luto. Nesse contexto, casais precisam conversar entre si antes da morte de um dos cônjuges, assim como os familiares de paciente em fase terminal de vida, a fim de diminuir a própria dor durante o luto 1313. Otani H, Yoshida S, Morita T, Aoyama M, Kizawa Y, Shima Y et al. Meaningful communication before death, but not present at the time of death itself, is associated with better outcomes on measures of depression and complicated grief among bereaved family members of cancer patients. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];54(3):273-9. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2017.07.010
https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.20...
, 1414. Keeley MP. Family communication at the end of life. Behav Sci [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];7(3):45. DOI: 10.3390/bs7030045 , 1717. Jonasson JM, Hauksdóttir A, Nemes S, Surkan PJ, Valdimarsdóttir U, Onelöv E, Steineck G. Couples’ communication before the wife’s death to cancer and the widower’s feelings of guilt or regret after the loss: a population-based investigation. Eur J Cancer [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];47(10):1564-70. DOI: 10.1016/j.ejca.2011.01.010 . Nessa situação, cada membro da família vivencia emoções diferentes, e as pessoas se aproximam quando compartilham experiências, facilitando a aceitação da morte e diminuindo o tempo de luto.

A segunda proposição dessa categoria recomenda a boa relação entre profissionais e pacientes; contudo, os autores apontam a deficiência da formação humanitária e filosófica dos profissionais 44. Starzewski A Jr, Rolim LC, Morrone LC. O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];51(1):11-6. DOI: 10.1590/S0104-42302005000100011 . O Capítulo V do Código de Ética Médica trata da relação com pacientes e familiares, considerada dever do médico 66. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 9 set 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2RyvAE8
https://bit.ly/2RyvAE8...
. Para os profissionais, como não há fala pronta que facilite a comunicação em todos os casos possíveis, desponta a necessidade de formação ampla e consistente com aquisição de habilidades que lhes permitam estar preparados para dar respostas adequadas em cada situação que se apresenta 22. Guimarães K. Como os médicos têm se preparado para o pior momento da carreira: dar más notícias. BBC News Brasil [Internet]. 28 out 2017 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bbc.in/3gBpnWO
https://bbc.in/3gBpnWO...
.

Finalmente, o cuidado com a vulnerabilidade social, sobretudo por meio do auxílio nas várias dificuldades que cercam o óbito, é forma de diminuir a dor dos familiares, constituindo a terceira proposição 1818. Combinato DS, Martin STF. Necessidades da vida na morte. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];21(63):869-80. DOI: 10.1590/1807-57622016.0649 . A morte é evento normalmente raro na família, e por isso muitas dificuldades e dúvidas podem advir da falta de conhecimento, desde a obtenção da declaração de óbito até o local destinado para o velório e enterro. Por isso, além da habilidade de comunicação, o profissional precisa ter disposição e conhecimento para ajudar nos aspectos práticos que sucedem à morte do familiar.

Quanto à prática profissional ( Quadro 3 ), foram apresentadas quatro proposições, destacando-se a primeira, segundo a qual o compartilhamento de informações sobre as condições do paciente ou seu falecimento entre os membros da equipe contribui para que não surjam incertezas entre os familiares, devido a eventuais contradições 1919. Monteiro DT, Reis CGC, Quintana AM, Mendes JMR. Morte: o difícil desfecho a ser comunicado pelos médicos. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];15(2):547-67. Disponível: https://bit.ly/3JdusAL
https://bit.ly/3JdusAL...
. É muito desagradável para os familiares receber informações desencontradas, que somente aumentam a angústia de momento tão difícil, de maneira que é preciso que a equipe multiprofissional dialogue entre si. Além disso, a informação precisa ser transmitida de forma serena, com palavras claras e em local adequado 44. Starzewski A Jr, Rolim LC, Morrone LC. O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];51(1):11-6. DOI: 10.1590/S0104-42302005000100011 .

Como segunda proposição, aconselha-se que os profissionais tenham disposição constante para desenvolver habilidades de comunicação e direcionem o foco de sua atenção mais no doente que na doença 2121. Medeiros LA, Lustosa MA. A difícil tarefa de falar sobre morte no hospital. Rev SBPH [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];14(2):203-27. Disponível: https://bit.ly/3LmIamB
https://bit.ly/3LmIamB...
. Esse enfoque valoriza a ação humanitária dos profissionais e contribui para afastar a sensação de derrota ante a morte iminente – embora haja situações mais difíceis, que exigem maior habilidade e equilíbrio emocional, como a comunicação da morte de pacientes agudos e jovens 44. Starzewski A Jr, Rolim LC, Morrone LC. O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];51(1):11-6. DOI: 10.1590/S0104-42302005000100011 . O Código de Ética Médica, em seu Princípio Fundamental V, recomenda ao médico o aprimoramento profissional constante, incluindo-se consequentemente a habilidade de comunicação 66. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 9 set 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2RyvAE8
https://bit.ly/2RyvAE8...
.

A terceira proposição recomenda o bom preparo emocional dos familiares. Desse modo, embora a manifestação de empatia pelo profissional de saúde que comunica a morte ajude a atenuar o sofrimento familiar, a ação do psicólogo pode ser relevante para aprimorar o relacionamento entre equipe, paciente e família 2626. Mendes JA, Lustosa MA, Andrade MCM. Paciente terminal, família e equipe de saúde. Rev SBPH [Internet]. 2009 [acesso 9 set 2021];12(1):151-73. Disponível: https://bit.ly/3oy5qVe
https://bit.ly/3oy5qVe...
. Os profissionais de saúde podem melhorar seu controle emocional por meio de cursos com aulas expositivas ou grupos de discussão, mas não se descarta a importância das conversas informais, bem como a realização de terapia pessoal para alcançar esse importante objetivo 2727. Amaral MXG, Achette D, Barbosa LNF, Bruscatto WL, Kavabata NK. Reações emocionais do médico residente frente ao paciente em cuidados paliativos. Rev SBPH [Internet]. 2008 [acesso 9 set 2021];11(1):61-86. Disponível: https://bit.ly/34rLj3W
https://bit.ly/34rLj3W...
.

Durante a formação profissional, podem ser incluídas práticas que contribuam para o desenvolvimento de competências emocionais, já que alguns fatores influenciam negativamente a interação, tais como mau relacionamento com colegas ou chefia e infraestrutura inadequada durante trabalho noturno, considerado mais estressante 2828. Santos CLM, Rodrigues CLP, Silva LB, Bakke HA, Leite ASM, Leal MMA. Stress factors in physicians’ activity in João Pessoa (Brazil). Prod [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];21(1):181-9. DOI: 10.1590/S0103-65132011005000003
https://doi.org/10.1590/S0103-6513201100...
. Na proposta de Silva, Cordeiro e Lima 2929. Silva DCMA, Cordeiro EPB, Lima AF. Formação médica integral: possíveis contribuições da educação emocional [Internet]. In: Anais do V Congresso Nacional de Educação; 17-20 out 2018; Recife. Recife: Realizeventos; 2018 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3LoPD4Q
https://bit.ly/3LoPD4Q...
, uma intervenção pedagógica voltada à formação integral dos alunos de medicina fortaleceria o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e, consequentemente, melhoraria seu desenvolvimento humano.

Nesse sentido, para evitar frustração profissional, recomenda-se que durante a graduação em medicina a abordagem da morte seja menos biológica, diminuindo sobretudo a importância da cura como único objetivo do tratamento 3030. Azeredo NSG, Rocha CF, Carvalho PRA. O enfrentamento da morte e do morrer na formação de acadêmicos de medicina. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2011 [acesso 8 jan 2022];35(1):37-43. DOI: 10.1590/S0100-55022011000100006 . Nos hospitais-escola, onde a carga emocional geralmente é elevada, sugere-se a implantação de serviço especializado com programas de apoio psicológico a profissionais de saúde para melhor controle do estresse 3131. Katsurayama M, Gomes NM, Becker MAA, Santos MC, Makimoto FH, Santana LLO. Evaluating stress levels on physicians residents and non-residents from academic hospitals. Psicol Hosp [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];9(1):75-96. Disponível: https://bit.ly/3GxR9hr
https://bit.ly/3GxR9hr...
. Da mesma forma, recomenda-se a avaliação sistemática da saúde mental dos profissionais, bem como o funcionamento de equipe multidisciplinar para dar suporte ao trabalho individual e aliviar o estresse 3232. Santos AFO, Cardoso CL. Profissionais de saúde mental: estresse e estressores ocupacionais stress e estressores ocupacionais em saúde mental. Psicol Estud [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];15(2):245-53. Disponível: https://bit.ly/3Jh8JIk
https://bit.ly/3Jh8JIk...
.

A quarta proposição consiste no uso de eufemismos, que, embora possam ser criticados por permitir interpretações equivocadas, são empregados por muitos profissionais para amenizar a difícil informação a ser dada, tornando as palavras menos desagradáveis aos familiares. Muitos eufemismos foram apontados por Souza e colaboradores 2323. Souza GA, Giacomin K, Aredes JS, Firmo JOA. Comunicação da morte: modos de pensar e agir de médicos em um hospital de emergência. Physis [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];28(3):e280324. DOI: 10.1590/S0103-73312018280324 , como “não tive êxito”, “já partiu” ou “ele estava sofrendo muito”, entre outros ( Quadro 3 ).

O uso de eufemismos é bastante comum nos diálogos de oncologistas com familiares e pacientes em final da vida, e as respostas explícitas (diretas e sem eufemismos) ocorrem sobretudo em caso de pergunta direta 3333. Rodriguez KL, Gambino FJ, Butow P, Hagerty R, Arnol RM. Pushing up daisies: implicit and explicit language in oncologist-patient communication about death. Support Care Cancer [Internet]. 2007 [acesso 1º jan 2019];15(2):153-61. DOI: 10.1007/s00520-006-0108-8 . Para dar mais segurança ao profissional de saúde, sobretudo ao médico, recomenda-se o ensino de protocolos de revelação de más notícias durante a graduação, como o Spikes, que obteve elevada aceitação de alunos de um curso de medicina 3434. Freiberger MH, Carvalho D, Bonamigo EL. Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 15 jan 2022];27(2):318-25. DOI: 10.1590/1983-80422019272316 .

Considerações finais

As proposições para reduzir os malefícios da comunicação da morte do paciente aos familiares despontaram nas três categorias pesquisadas. Em relação à “formação profissional”, propõe-se aos profissionais de saúde a aquisição de habilidades por meio de encontros que iniciam com aulas teóricas e se completam com role playing como a principal estratégia de treinamento. A abordagem do tema como parte da disciplina de bioética ou com uso de vídeos didáticos foi apontada como metodologia alternativa.

Quanto à categoria “preparo familiar”, a boa comunicação entre profissionais de saúde e família, a promoção do diálogo sobre a morte entre os familiares antes do falecimento do ente querido e o combate à vulnerabilidade social constituem proposições que visam mais coerência e solidariedade.

Em relação à categoria “prática profissional”, recomenda-se o compartilhamento de informações, a aquisição de habilidades de comunicação e o desenvolvimento do controle emocional por meio de programas específicos de apoio, bem como a adoção de vida pessoal regrada. O uso de eufemismos para diminuir o impacto negativo da comunicação não está descartado, entretanto é preciso cautela para que a prática não resulte em omissão da verdade.

Dessa forma, para respeitar o princípio da não maleficência, um dos preceitos fundamentais da bioética e um dos mais antigos da medicina, não basta que os profissionais de saúde tenham boas intenções. Assim, é necessário processo de formação sobre comunicação abrangente, que contemple equilíbrio emocional, adoção de práticas humanísticas e aquisição de conhecimentos técnicos e habilidades especializadas.

Uma limitação da pesquisa foi a escassa disponibilidade de estudos realizados no Brasil sobre o role playing , metodologia frequentemente proposta em trabalhos internacionais, utilizada durante a graduação para desenvolver habilidades na comunicação de morte de paciente.

Referências

  • 1
    Kovács MJ. Educação para a morte. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];25(3):48-97. DOI: 10.1590/S1414-98932005000300012
  • 2
    Guimarães K. Como os médicos têm se preparado para o pior momento da carreira: dar más notícias. BBC News Brasil [Internet]. 28 out 2017 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bbc.in/3gBpnWO
    » https://bbc.in/3gBpnWO
  • 3
    Bellato R, Carvalho EC. O jogo existencial e a ritualização da morte. Rev Latinoam Enf [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];13(1):99-104. DOI: 10.1590/S0104-11692005000100016
  • 4
    Starzewski A Jr, Rolim LC, Morrone LC. O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2005 [acesso 9 set 2021];51(1):11-6. DOI: 10.1590/S0104-42302005000100011
  • 5
    Tamada JKT, Dalaneze AS, Bonini LMM, Melo TRC. Relatos de médicos sobre a experiência do processo de morrer e a morte de seus pacientes. Rev Med [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];96(2):81-7. DOI: 10.11606/issn.1679-9836.v96i2p81-87
  • 6
    Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 9 set 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2RyvAE8
    » https://bit.ly/2RyvAE8
  • 7
    Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.
  • 8
    Zhang J, Lubitz AL, Shaughnessy G, Reynolds A, Goldberg AJ. Formal didactic training improves resident understanding and communication of brain death. J Am Coll Surg [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];225(4):e153. DOI: 10.1016/j.jamcollsurg.2017.07.941
  • 9
    Lamba S, Tyrie L, Bryczkowski S, Nagurka R, Mosenthal A. Teaching surgery and emergency medicine residents the communication skills around death and dying in the trauma setting. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2016 [acesso 9 set 2021];51(2):333. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2015.12.160
  • 10
    Coyle N, Manna R, Shen M, Banerjee SC, Penn S, Pehrson C et al. Discussing death, dying, and end-of-life goals of care: a communication skills training module for oncology nurses. Clin J Oncol Nurs [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];19(6):697-702. DOI: 10.1188/15.CJON.697-702
  • 11
    Duarte AC, Almeida DV, Popim RC. A morte no cotidiano da graduação: um olhar do aluno de medicina. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];19(55):1207-19. DOI: 10.1590/1807-57622014.1093
  • 12
    Kovács MJ. Instituições de saúde e a morte: do interdito à comunicação. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];31(3):482-503. DOI: 10.1590/S1414-98932011000300005
  • 13
    Otani H, Yoshida S, Morita T, Aoyama M, Kizawa Y, Shima Y et al. Meaningful communication before death, but not present at the time of death itself, is associated with better outcomes on measures of depression and complicated grief among bereaved family members of cancer patients. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];54(3):273-9. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2017.07.010
    » https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2017.07.010
  • 14
    Keeley MP. Family communication at the end of life. Behav Sci [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];7(3):45. DOI: 10.3390/bs7030045
  • 15
    South AL, Elton AJ. Contradictions and promise for end-of-life communication among family and friends: death over dinner conversations. Behav Sci [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];7(2):24. DOI: 10.3390/bs7020024
  • 16
    Baldwin PK. Death Cafés: death doulas and family communication. Behav Sci [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];7(2):26. DOI: 10.3390/bs7020026
  • 17
    Jonasson JM, Hauksdóttir A, Nemes S, Surkan PJ, Valdimarsdóttir U, Onelöv E, Steineck G. Couples’ communication before the wife’s death to cancer and the widower’s feelings of guilt or regret after the loss: a population-based investigation. Eur J Cancer [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];47(10):1564-70. DOI: 10.1016/j.ejca.2011.01.010
  • 18
    Combinato DS, Martin STF. Necessidades da vida na morte. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2017 [acesso 9 set 2021];21(63):869-80. DOI: 10.1590/1807-57622016.0649
  • 19
    Monteiro DT, Reis CGC, Quintana AM, Mendes JMR. Morte: o difícil desfecho a ser comunicado pelos médicos. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015 [acesso 9 set 2021];15(2):547-67. Disponível: https://bit.ly/3JdusAL
    » https://bit.ly/3JdusAL
  • 20
    Rivolta MM, Rivolta L, Garrino L, Di Giulio P. Communication of the death of a patient in hospices and nursing homes: a qualitative study. Eur J Oncol Nurs [Internet]. 2014 [acesso 9 set 2021];18(1):29-34. DOI: 10.1016/j.ejon.2013.09.012
  • 21
    Medeiros LA, Lustosa MA. A difícil tarefa de falar sobre morte no hospital. Rev SBPH [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];14(2):203-27. Disponível: https://bit.ly/3LmIamB
    » https://bit.ly/3LmIamB
  • 22
    Draper EJ, Hillen MA, Moors M, Ket JCF, van Laarhoven HWM, Henselmans I. Relationship between physicians’ death anxiety and medical communication and decision-making: a systematic review. Patient Educ Couns [Internet]. 2019 [acesso 9 set 2021];102(2):266-74. DOI: 10.1016/j.pec.2018.09.019
  • 23
    Souza GA, Giacomin K, Aredes JS, Firmo JOA. Comunicação da morte: modos de pensar e agir de médicos em um hospital de emergência. Physis [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];28(3):e280324. DOI: 10.1590/S0103-73312018280324
  • 24
    Bonamigo EL, Destefani AS. A dramatização como estratégia de ensino da comunicação de más notícias ao paciente durante a graduação médica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];18(3):725-42. Disponível: https://www.bit.ly/2FWQolL
    » https://www.bit.ly/2FWQolL
  • 25
    Freitas LS, Ribeiro MF, Barata JLM. O desenvolvimento de competências na formação médica: os desafios de se conciliar as Diretrizes Curriculares Nacionais num cenário educacional em transformação. Rev Méd Minas Gerais [Internet]. 2018 [acesso 9 set 2021];28:e-1949. Disponível: https://bit.ly/3IyaTCs
    » https://bit.ly/3IyaTCs
  • 26
    Mendes JA, Lustosa MA, Andrade MCM. Paciente terminal, família e equipe de saúde. Rev SBPH [Internet]. 2009 [acesso 9 set 2021];12(1):151-73. Disponível: https://bit.ly/3oy5qVe
    » https://bit.ly/3oy5qVe
  • 27
    Amaral MXG, Achette D, Barbosa LNF, Bruscatto WL, Kavabata NK. Reações emocionais do médico residente frente ao paciente em cuidados paliativos. Rev SBPH [Internet]. 2008 [acesso 9 set 2021];11(1):61-86. Disponível: https://bit.ly/34rLj3W
    » https://bit.ly/34rLj3W
  • 28
    Santos CLM, Rodrigues CLP, Silva LB, Bakke HA, Leite ASM, Leal MMA. Stress factors in physicians’ activity in João Pessoa (Brazil). Prod [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];21(1):181-9. DOI: 10.1590/S0103-65132011005000003
    » https://doi.org/10.1590/S0103-65132011005000003
  • 29
    Silva DCMA, Cordeiro EPB, Lima AF. Formação médica integral: possíveis contribuições da educação emocional [Internet]. In: Anais do V Congresso Nacional de Educação; 17-20 out 2018; Recife. Recife: Realizeventos; 2018 [acesso 9 set 2021]. Disponível: https://bit.ly/3LoPD4Q
    » https://bit.ly/3LoPD4Q
  • 30
    Azeredo NSG, Rocha CF, Carvalho PRA. O enfrentamento da morte e do morrer na formação de acadêmicos de medicina. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2011 [acesso 8 jan 2022];35(1):37-43. DOI: 10.1590/S0100-55022011000100006
  • 31
    Katsurayama M, Gomes NM, Becker MAA, Santos MC, Makimoto FH, Santana LLO. Evaluating stress levels on physicians residents and non-residents from academic hospitals. Psicol Hosp [Internet]. 2011 [acesso 9 set 2021];9(1):75-96. Disponível: https://bit.ly/3GxR9hr
    » https://bit.ly/3GxR9hr
  • 32
    Santos AFO, Cardoso CL. Profissionais de saúde mental: estresse e estressores ocupacionais stress e estressores ocupacionais em saúde mental. Psicol Estud [Internet]. 2010 [acesso 9 set 2021];15(2):245-53. Disponível: https://bit.ly/3Jh8JIk
    » https://bit.ly/3Jh8JIk
  • 33
    Rodriguez KL, Gambino FJ, Butow P, Hagerty R, Arnol RM. Pushing up daisies: implicit and explicit language in oncologist-patient communication about death. Support Care Cancer [Internet]. 2007 [acesso 1º jan 2019];15(2):153-61. DOI: 10.1007/s00520-006-0108-8
  • 34
    Freiberger MH, Carvalho D, Bonamigo EL. Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 15 jan 2022];27(2):318-25. DOI: 10.1590/1983-80422019272316

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2020
  • Revisado
    20 Jan 2022
  • Aceito
    24 Jan 2022
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br