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Descumprimento da ética médica em publicidade: impactos na responsabilidade civil

Resumo

Este artigo se propõe a refletir sobre a obrigação médica em decorrência da violação das regras éticas de publicidade em medicina, em especial quando veiculada nas mídias sociais. Por meio do método dedutivo, será discutida a natureza jurídica da obrigação do profissional, que, via de regra, se dá como obrigação de meio. Entretanto, a discussão surge quando o conteúdo da mensagem publicitária e a forma como é veiculada possibilitam transformar essa obrigação em obrigação de resultado, alterando então a natureza jurídica de essência do médico. Para viabilizar o debate, com base em revisão bibliográfica, este artigo expõe a possibilidade de o profissional responder civilmente por violações éticas relativas à publicidade médica e ao comprometimento do consentimento informado, ou seja, se o médico induz resultado, que ele seja responsabilizado por não alcançar o desfecho proposto.

Publicidade; Rede social; Resultado do tratamento; Avaliação de resultado de intervenções terapêuticas

Abstract

This article reflects on medical obligation due to the violation of the ethical rules of advertising in medicine, especially when published on social media. Using the deductive method, the legal nature of a professional’s obligation will be discussed, which, as a rule, is an obligation of means. However, the discussion arises when the content of the advertising message and how it is conveyed make it possible to transform this obligation into an obligation of result, thus changing the legal nature of the physician’s essence. To enable the debate, based on a literature review, this article exposes the possibility of the professional being civilly responsible for ethical violations related to medical advertising and the impairment of informed consent, that is, if the physician induces results, that he is liable for not achieving the proposed outcome.

Advertising; Social networking; Treatment outcome; Evaluation of results of therapeutic interventions

Resumen

Este artículo se propone reflexionar sobre la obligación médica derivada de la violación de las normas éticas de la publicidad en medicina, especialmente cuando se difunde por las redes sociales. Con base en el método deductivo se discutirá la naturaleza jurídica de la obligación del profesional que, en general, se da como obligación de medios. Sin embargo, se plantea la discusión cuando el contenido del mensaje publicitario y la forma como se difunde permiten convertir esta obligación en una obligación de resultado, modificando así la naturaleza jurídica de la esencia del médico. Para facilitar el debate, y con base en una revisión bibliográfica, este artículo expone la posibilidad de que el profesional sea civilmente responsable de las violaciones éticas relacionadas con la publicidad médica y con el compromiso del consentimiento informado, es decir, si el médico induce un resultado, debe ser responsable de no lograr el resultado propuesto.

Publicidad; Red social; Resultado del tratamiento; Evaluación de resultados de intervenciones terapéuticas

A atuação médica, quando unida a mídias sociais e consumo, pode resultar em complexa situação, de modo que a união equivocada, defeituosa ou falha poderá ensejar fim indesejável. Tal desfecho se dá na possibilidade de o médico responder por obrigação de resultado, quando na verdade sua obrigação é de meio. Esse cenário acontece, em tese, quando o médico veicula mensagem publicitária de forma a fazer crer o alcance de resultado certo e determinado.

Inicialmente, será discutida a diferença entre obrigação e responsabilidade médica, de modo a conceituar e distinguir as obrigações de meio e de resultado no ato médico. Estudo específico desses fenômenos do direito civil é necessário para entender os termos utilizados no decorrer desta pesquisa. Em seguida, será tratada a publicidade, de forma a diferenciá-la de outros termos como “propaganda”, “ marketing ” e “promoção” e especificá-la na conduta do profissional médico. A publicidade será analisada e discutida com base nas previsões do Conselho Federal de Medicina (CFM) 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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, 22. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.126, de 16 de julho de 2015. Altera as alíneas “c” e “f” do art. 3º, o art. 13 e o anexo II da Resolução CFM nº 1.974/2011, que estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1º out 2015 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3t91bBW
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, órgão regulamentador dos direitos e deveres do médico, e no Código de Defesa do Consumidor (CDC) 33. Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 12 set 1990 [acesso 17 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3u8OupY
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, responsável por disciplinar as relações de consumo, inclusive aquela entre médico e paciente.

Em seu Código de Ética Médica (CEM), em especial no inciso XX dos Princípios Fundamentais, o CFM afirma que a natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo 44. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1º nov 2018 [acesso 14 mar 2020]. Disponível: https://bit.ly/3JauLfT
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, ainda que o Judiciário tenha aplicado o CDC às interações entre médico e paciente. A breve análise aqui proposta permitirá expandir o conhecimento, tendo contato mais técnico com as previsões legais que regulamentam a publicidade médica.

Por fim, fez-se necessário sintetizar obrigação e responsabilidade civil do médico em razão de publicidade indevida. Essa discussão abordará como a publicidade poderá refletir nos encargos do profissional que exerce a medicina e, assim, caracterizar obrigação de resultado em razão do conteúdo do anúncio publicitário. Com isso, depreende-se que esta pesquisa será eminentemente bibliográfica e justificada pela possibilidade de um médico responder por obrigação de resultado quando veicular mensagem publicitária que leve o consumidor a crer no alcance do desfecho.

Obrigação ou responsabilidade médica?

Apesar de os termos “obrigação” e “responsabilidade” serem tratados como sinônimos por alguns juristas, exprimem situações diferentes, e por isso é necessário conceituá-los, identificá-los e diferenciá-los. A relação jurídica obrigacional nasce da vontade das partes que a integram ou da determinação legal, e deve ser cumprida espontânea e integralmente. Quando a obrigação não é cumprida voluntariamente, ou se é cumprida de forma parcial, surge a responsabilidade 55. Azevedo ÁV. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas; 2011. .

A obrigação do médico se caracteriza pelo que ele estará vinculado a proporcionar na sua atuação. Pode ser de meio ou de resultado, e essa classificação diferenciará o que deverá ter sido obtido ao fim do procedimento médico. Sobre o tema, Rosenvald e Braga Netto 66. Rosenvald N, Braga Netto FP. Responsabilidade civil na área médica. Actual Juríd Iberoam [Internet]. 2018 [acesso 3 mar 2022];(8):373-420. Disponível: https://bit.ly/3tYSJ7A
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destacam que há certa arbitrariedade na fixação das obrigações de meio ou de resultado conforme a especialidade. Por isso, surge a necessidade de diferenciar essas duas possibilidades de obrigação e identificar em qual delas o médico – ou a especialidade médica – se enquadrará 77. Martins-Costa J. Entendendo problemas médico-jurídicos em ginecologia e obstetrícia. Rev Trib [Internet]. 2005 [acesso 3 mar 2022];94(831):106-31. Disponível: https://bit.ly/3JrENd3
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.

Nas obrigações de meio, o devedor, que neste trabalho será o médico, obriga-se a fornecer recursos necessários para a realização de um fim, sem responsabilizar-se pelo resultado – lembrando que a responsabilidade surge quando a obrigação não é integralmente cumprida. Aqui, o médico deve empregar todos os esforços e cuidados necessários para chegar ao resultado almejado; entretanto, não está obrigado a ele. Ou seja, o médico não está obrigado a curar o paciente, mas a tratá-lo. O dever médico é atuar de forma zelosa, cautelosa e diligente 88. Barros EA Jr. Código de ética médica: comentado e interpretado. Timburi: Cia do Ebook; 2019. .

Já na obrigação de resultado, o devedor (o médico) terá que concretizar determinada finalidade para cumprir sua obrigação, ou seja, deve entregar exatamente o objeto da relação contratual 55. Azevedo ÁV. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas; 2011. . Contudo, Barros 88. Barros EA Jr. Código de ética médica: comentado e interpretado. Timburi: Cia do Ebook; 2019. destaca que a medicina não pode ter obrigação de resultado, pois o médico não trabalha com promessas, na medida em que inúmeros fatores externos impedem esse tipo de postura. A promessa pode gerar a tentativa de padronização do corpo, que, no entanto, dada a subjetividade de reação, não é padronizável 99. Mascarenhas IL, Godinho AM. A utópica aplicação da teoria da perda de uma chance no âmbito do direito médico: uma análise da jurisprudência do TJRS, TJPR e TJPE. Rev Direito Lib [Internet]. 2016 [acesso 3 mar 2022];18(3):159-92. Disponível: https://bit.ly/3q3b2HN
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.

Segundo Maluf e Maluf 1010. Maluf CAD, Maluf ACRFD. A responsabilidade civil na relação dos profissionais da área da saúde e paciente. In: Azevedo ÁV, Ligiera WR, coordenadores. Direitos do paciente. São Paulo: Saraiva; 2012. p. 511-51. , apesar de o CFM defender a obrigação de meio na medicina, conforme se extrai do CEM, o Judiciário tem aplicado para algumas especialidades médicas a obrigação de resultado 1111. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 976.655/MG. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 4 ago 2017. , 1212. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 913.687/SP. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 4 nov 2016. . Isso ocorre notadamente para atos médicos relacionados a especialidades com proeminência estética, como dermatologia, nutrologia e cirurgia plástica com propósito embelezador, embora tais especialidades também possam enfatizar aspectos reparadores e curativos 1313. Alves RGO, Loch JA. Responsabilidade civil do cirurgião plástico em procedimentos estéticos: aspectos jurídicos e bioéticos. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2012 [acesso 3 mar 2022];20(3):397-403. Disponível: https://bit.ly/3JarE7V
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. Sobre o tema, sugere-se a leitura do artigo “Medicalização da beleza: reflexão bioética sobre a responsabilidade médica”, de Silva e Mendonça 1414. Silva LC, Mendonça ARA. Medicalização da beleza: reflexão bioética sobre a responsabilidade médica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2012 [acesso 3 mar 2022];20(1):132-9. Disponível: https://bit.ly/3JbkqAp
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.

Nessa perspectiva, médicos podem ser eventualmente responsabilizados por violação flagrante às normas éticas pelo uso abusivo da publicidade com finalidade comercial, destoando da sobriedade exigida do profissional. Exposta e compreendida a obrigação do médico e sua responsabilidade para com o paciente em caso de descumprimento (ainda que parcial), discute-se a conduta do profissional em mídias sociais, alterando a natureza da sua obrigação. Ou seja, em regra, sua obrigação é de meio, e sua responsabilidade, subjetiva, mas o que será discutido é se o profissional que induzir com sua publicidade a garantia de resultados poderá responder pelo desfecho não alcançado, mesmo que tenha se utilizado de todos os recursos que a medicina oferece.

Publicidade médica

Antes de qualquer discussão, é preciso entender e definir muito bem as diferenças entre publicidade, marketing e propaganda. Apesar de comumente usados como sinônimos, são atos que se distinguem em sua essência e objetivo, e, por isso, devem ser diferenciados de forma clara. O CDC 33. Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 12 set 1990 [acesso 17 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3u8OupY
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, que será o maior aliado deste trabalho, preocupou-se com a publicidade ao estabelecer suas normas e princípios, deixando a propaganda e o marketing como coadjuvantes, e é por esta razão que este artigo se aterá, em especial, à publicidade.

Esse tipo de divulgação visa a comercialização, estando vinculado a objeto mercadológico. Ou seja, adota caráter comercial para atrair possíveis compradores, espectadores ou usuários. A publicidade tem o fim, direto ou indireto, de promover a aquisição de produto ou utilização de serviço por consumidores 1515. Oliveira JL. A responsabilidade dos meios de comunicação pelo conteúdo das mensagens publicitárias. Belo Horizonte: Edições Superiores; 2015. . A finalidade precípua da publicidade é persuadir e agregar valor a determinado bem ou serviço 1616. Almeida AMSDNT. A publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Rev Direito Consum [Internet]. 2005 [acesso 3 mar 2022];14(53):11-39. Disponível: https://bit.ly/3q3Hslt
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.

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, em seu artigo 8º, definiu publicidade como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços 1717. Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária [Internet]. São Paulo: Conar; 2018 [acesso 23 fev 2022]. Disponível: https://bit.ly/3CEVsqS
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; por isso, o objetivo se identifica na captação de consumidores. Sendo assim, a publicidade não se caracteriza por prestar informação, mas por apresentar conteúdo comercial que incita consumidores (aqui, pacientes) a adquirir bens e serviços (procedimento médico). Ou seja, induz o potencial paciente ao consumo de determinado serviço.

A propaganda, por sua vez, distingue-se da publicidade em razão da sua finalidade e objetivo. Enquanto a publicidade visa “capturar” pessoas para aderir ou consumir produtos ou serviços, a propaganda visa “capturar” pessoas para aderir a uma ideia, seja ela política, social, econômica ou até mesmo religiosa – trata-se de adesão ideológica, não comercial. Ou seja, a propaganda, apesar de se enquadrar como técnica de persuasão, não apresenta intuito econômico, mas tão somente o de difundir ideias 1818. Dias LALM. Publicidade e direito. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2013. .

Para diferenciar publicidade e marketing , observa-se que a primeira, na verdade, consiste em uma dentre diversas ferramentas do segundo, uma vez que o conceito de marketing envolve todas as atividades comerciais relacionadas à circulação de bens e serviços, desde sua produção até o consumo final. O marketing é o conjunto de atividades exercidas para criar e levar a mercadoria do produtor ao consumidor final 1818. Dias LALM. Publicidade e direito. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2013. .

Publicidade prevista pelo Conselho Federal de Medicina

Definidos os três termos, serão agora aplicados à relação médico-paciente. Entende-se por produto, bens ou serviços todo procedimento apresentado por médico mediante publicidade. Consumidores, por sua vez, são potenciais pacientes, isto é, não importando se a pessoa aderiu à publicidade e se submeterá ao procedimento ou se apenas foi alcançada por seu conteúdo (sem aderir, pelo menos por enquanto). De acordo com as concepções apresentadas, assim como a proposta deste trabalho, de pronto pode-se identificar que a conduta a ser discutida aqui será a publicidade médica, ato que tem como finalidade o ganho econômico.

O profissional da área da saúde, em especial o médico, é livre para produzir seu marketing mediante publicidade. Entretanto, essa liberdade não é tão ampla como pode parecer; na verdade, é cuidadosamente regulamentada pelo CEM e por resoluções autárquicas, que definem o que pode ou não ser feito em relação à publicidade médica. O conselho profissional de fato restringe a liberdade de expressão quanto à manifestação de conteúdo médico 1919. Machado YAF. Redes sociais e a publicidade médica: breve análise entre Brasil e Portugal. Rev Direito Med [Internet]. 2020 [acesso 23 fev 2022];5(2). Disponível: https://bit.ly/3qpRqOf
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.

Técnicas de comunicação e informação se expandiram, assumindo papel fundamental na aproximação de consumidor e fornecedor. Em decorrência disso, a publicidade não pode ter liberdade absoluta, com o fito de garantir sua licitude sob o prisma da boa-fé, veracidade, confiança e transparência, garantindo que a expectativa do consumidor, figura presumidamente vulnerável, seja satisfeita, notadamente em razão da assimetria informacional existente 2020. Barbosa CCN, Silva MC, Brito PLA. Publicidade ilícita e influenciadores digitais: novas tendências da responsabilidade civil. Rev Iberc [Internet]. 2019 [acesso 23 fev 2022];2(2):1-21. DOI: 10.37963/iberc.v2i2.55 .

Antes de compreender o assunto à luz do CDC, que, a princípio, limita a publicidade, coibindo abusos e enganos, inicia-se breve análise sobre algumas resoluções do CFM. Ressalte-se que, apesar de os termos “publicidade”, “propaganda” e “ marketing ” já terem sido diferenciados e tratar-se reconhecidamente de condutas distintas, algumas fontes bibliográficas e de estudo consultadas usam os três termos, ou pelo menos dois deles, como sinônimos, de forma que foi preciso atentar ao que a informação pretendia comunicar. O mesmo ocorre nas publicações do próprio CFM, o maior parâmetro deste trabalho. Entretanto, isso não significa que tais termos sejam sinônimos, e por isso foi necessário diferenciá-los anteriormente.

Para compreender o assunto em pauta, é preciso analisar a Resolução CFM 1.974/2011 – atualizada pela Resolução CFM 2.126/2015 22. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.126, de 16 de julho de 2015. Altera as alíneas “c” e “f” do art. 3º, o art. 13 e o anexo II da Resolução CFM nº 1.974/2011, que estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1º out 2015 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3t91bBW
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–, cujo artigo 1º define publicidade, anúncio ou propaganda como a comunicação ao público, por qualquer meio de divulgação, de atividade profissional de iniciativa, participação e/ou anuência do médico 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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. Ou seja, qualquer forma de veiculação para divulgar atividade profissional que envolva alguma conduta do médico será considerada publicidade.

Como se pode observar no artigo citado 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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, a publicidade médica é lícita e facilmente caracterizada. Entretanto, para que seja concretizada, o artigo 2º da mesma resolução 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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obriga a inclusão de alguns dados na mensagem publicitária: nome do profissional; seu número de inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM); sua especialidade e/ou área de atuação, se registrada no CRM; e o número do Registro de Qualificação de Especialista, quando houver. Ou seja, a ausência de alguma dessas informações pode prejudicar o médico em futuras apurações de responsabilidade, pelo menos na via administrativa 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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.

É válido atentar ainda para condutas proibidas nas alíneas do artigo 3º da Resolução CFM 1.974/2011: b) anunciar aparelhagem de forma a lhe atribuir capacidade privilegiada; (…) d) permitir que seu nome seja incluído em propaganda enganosa de qualquer natureza; (…) g) expor a figura de seu paciente como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com [sua] autorização expressa (…), [exceto na hipótese de divulgação científica em que a exposição for estritamente necessária, nos termos do artigo 10 da referida resolução]; e k) garantir, prometer ou insinuar bons resultados do tratamento 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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. De forma mais incisiva, o artigo 3º restringe os anúncios publicitários, devendo o profissional estar atento a suas condutas. Caso algum médico eventualmente exerça alguma das ações vedadas, com certeza será responsabilizado em via administrativa, e talvez também judicial, se o ato repercutir no paciente e este optar por proceder assim.

De acordo com o entendimento e posicionamento do CFM, é importante atentar para a proibição de publicar autorretratos ( selfies ), imagens e/ou áudios que caracterizem sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal nas mídias sociais, bem como a necessidade de resguardar o sigilo e a imagem do paciente (ainda que este autorize a divulgação). Neste aspecto, ficam vedados também anúncios publicitários que disseminem o “antes e depois” de procedimentos, assim como a publicação por terceiros de reiterados elogios a técnicas e resultados obtidos. Em casos de dúvida, ou se de fato não souber que informações pode ou não expor legal e eticamente em sua mensagem publicitária, o profissional médico tem o apoio da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos dos CRM.

O artigo 9º da Resolução CFM 1.974/2011 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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, por sua vez, enfatiza que o médico deve evitar autopromoção e sensacionalismo, em virtude da profissão que exerce, e em seus parágrafos exemplifica condutas assim entendidas. A alínea f do parágrafo 2º desse artigo será especialmente analisada neste estudo. Este item define sensacionalismo como usar de forma abusiva, enganosa ou sedutora representações visuais e informações que possam induzir a promessas de resultados 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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. Tal comportamento é demasiadamente comum no contexto vigente, e muitas vezes passa despercebido. Está presente de forma desenfreada, principalmente nas redes sociais, sendo possível acessar aplicativos e sites de relacionamentos e facilmente encontrar perfis de médicos apresentando desfechos sedutores que induzem garantias de resultados.

É notória a atual influência das redes sociais – chamadas “mídias sociais” pelo CFM –, que movem a sociedade de tal forma que são possivelmente o meio mais utilizado para captar clientes-pacientes, parceiros e compradores. Esse universo tão vasto, aparentemente ilimitado e “sem dono”, viabiliza número expressivo de mensagens publicitárias, atingindo público incalculável e permitindo que conteúdos sejam veiculados de maneira irresponsável, como se fosse possível encobrir sua deslealdade.

O Anexo I da Resolução CFM 1.974/2011 especifica ainda que a participação do médico na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deve se pautar pelo caráter exclusivo de esclarecimento e educação da sociedade, não cabendo [ao profissional] agir de forma a estimular o sensacionalismo, a autopromoção ou a promoção de outro(s), sempre assegurando a divulgação de conteúdo cientificamente comprovado, válido, pertinente e de interesse público 2121. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Op. cit. p. 11. .

De modo geral, na propaganda ou publicidade de serviços médicos é vedado usar expressões como “o melhor”, “o mais eficiente”, “o único capacitado”, “resultado garantido” ou outras com sentido semelhante. Proíbe-se ainda sugerir que o serviço médico ou o profissional é o único capaz de tratar o problema de saúde; assegurar resultados ao paciente ou seus familiares; apresentar de forma abusiva, enganosa ou sedutora imagens de alterações corporais causadas por suposto tratamento; e mesmo usar celebridades para divulgar seu serviço e influenciar pessoas leigas 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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Assim, observa-se que a Resolução CFM 1.974/2011 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.974, de 14 de julho de 2011. Estabelece os critérios norteadores da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 19 ago 2011 [acesso 16 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q2wgoU
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normatiza a publicidade médica e visa impedir o sensacionalismo, a autopromoção e a mercantilização do ato médico, de forma a evitar abusos em mensagens publicitárias que podem levar a processos ético-disciplinares e judiciais. Tal medida respalda a medicina e salvaguarda a segurança do paciente, favorecendo toda a sociedade.

Entretanto, a existência da norma não garante sua observância. De fato, há inúmeros casos de médicos que simplesmente a ignoram e veiculam conteúdo segundo seu próprio desejo. Essas condutas levam a repercussões administrativas e também judiciais. Afinal, se demonstrada a intenção do médico de sinalizar resultado, é razoável que ele responda como obrigação de resultado e não mais de meio. Entretanto, apesar de tal raciocínio, é oportuno analisar o CDC 33. Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 12 set 1990 [acesso 17 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3u8OupY
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e identificar o que tem a dizer sobre obrigação e responsabilidade do médico em decorrência da publicidade.

Obrigação do médico em razão da publicidade indevida

A mensagem publicitária tem importância mercadológica para o profissional no sentido de reforçar sua marca. Contudo, deve ser veiculada de forma muito cautelosa, na medida em que anúncio publicitário deturpado ou abusivo pode gerar expectativas inalcançáveis nos pacientes em potencial, e, claro, atraí-los pela “promessa” que o médico oferece em sua divulgação – trata-se do princípio da vinculação da mensagem publicitária.

Sendo assim, o profissional muitas vezes induz a garantia do resultado, isto é, parece assegurar a seus possíveis pacientes que eles obterão exatamente aquele desfecho apresentado – frequentemente por intermédio de imagens surreais ou resultados obtidos pontualmente – na mensagem publicitária. Então, se o médico se comporta dessa forma (induzindo garantia do desfecho), por que não poderia responder também pelo fruto de sua intervenção? Assim, sua obrigação se converteria em obrigação de resultado.

O médico deve estar atento ao conteúdo veiculado em suas mensagens publicitárias nas mídias sociais, sobretudo na sua relação com o paciente. Isso porque, às vezes, um anúncio publicitário pode passar ao paciente informação distorcida (publicidade enganosa), ou gerar nele expectativa inatingível, e, em regra, os médicos sabem disso. Ou seja, o profissional está consciente de que, ao expor determinado assunto ou procedimento, vai atrair número maior de pacientes, mesmo que essa exposição seja sensacionalista e inalcançável. Se observado, esse cenário não deixará dúvidas quanto ao caráter enganoso ou abusivo do conteúdo publicado, surgindo daí a potencial responsabilização do médico.

Anúncios publicitários de serviços médicos não são proibidos ou ilícitos. O problema não reside nas publicações em si, mas no seu conteúdo, que será exposto a sociedade leiga, que não detém conhecimento técnico e suficiente acerca da medicina. Por isso, a publicidade deve dispor de informações claras e objetivas que serão determinantes para o paciente procurar ou não o profissional apresentado (princípio da transparência da fundamentação da publicidade). Deve-se considerar ainda que muitas vezes essa escolha é baseada na “garantia” de tal resultado.

Existe o dever de veracidade das informações publicadas, mas, mais que isso, há o dever de lealdade e respeito, que se revela corolário do princípio da boa-fé objetiva, elencado no artigo 422 do Código Civil 2222. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 11 jan 2002 [acesso 17 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3igTxiP
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, tão caro à plena realização de todo negócio jurídico. Não se pode admitir publicidade pautada em resultados particulares e/ou que não são atingíveis pela coletividade. A prática publicitária exige relação de confiança entre ofertante e consumidor 2323. Furlan VCP. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Rev Direito Consum. 1994;(10):97-125. .

O paciente, deslumbrado com o que vê nas mídias digitais, procura o médico para realizar o procedimento desejado, cheio de expectativas pelo que lhe foi apresentado. O médico, por sua vez, objetivando o lucro (finalidade de toda publicidade), sequer passa informações necessárias ao paciente, pois sabe que a verdade pode levá-lo a desistir do procedimento. Isso leva a observar de forma mais atenta a relação médico-paciente, que deve ser fundamentada na verdade e confiança. Os profissionais devem estar sempre preparados e dispostos a expor ao paciente a verdade sobre o serviço desejado, de modo a permitir-lhe exercer sua autonomia 1010. Maluf CAD, Maluf ACRFD. A responsabilidade civil na relação dos profissionais da área da saúde e paciente. In: Azevedo ÁV, Ligiera WR, coordenadores. Direitos do paciente. São Paulo: Saraiva; 2012. p. 511-51. .

A depender da forma como apresenta seu serviço nas mensagens publicitárias, o médico induz a garantia de determinado resultado, mesmo ciente de que cada ser humano é individualizado, que cada organismo tem suas particularidades e que desfecho único jamais poderia ser assegurado a diversos tipos de pessoas. Nessa perspectiva, a falsa informação ou expectativa representa justamente a violação do consentimento informado e do princípio da autonomia do paciente. O consentimento informado objetiva dar ao enfermo o conhecimento de todas as implicações possíveis do procedimento médico a que será submetido. Esse mecanismo também terá o condão de eximir o médico de eventual responsabilidade civil em caso de insucesso do tratamento 2424. Corrêa MMB. Direito de informação e consentimento informado. In: Scalquette ACS, Camillo CEN, coordenadores. Direito e medicina: novas fronteiras da ciência jurídica. São Paulo: Atlas; 2015. p. 19-29. , 2525. Ligiera WR. Termos de consentimento informado ou de “constrangimento desinformado”? A defesa do paciente diante de uma medicina ilícita e antiética. In: Azevedo ÁV, Ligiera WR, coordenadores. Direitos do paciente. São Paulo: Saraiva; 2012. p. 623-39. . Não se trata apenas de exigência de relação de consumo, mas também, e principalmente, de exigência ética, em que o médico, usando da verdade, deve expor ao seu paciente a forma como irá proceder, as possíveis consequências do procedimento, como será feito, o que será necessário para chegar a bom resultado e toda informação pertinente ao caso 44. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1º nov 2018 [acesso 14 mar 2020]. Disponível: https://bit.ly/3JauLfT
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.

O consentimento informado está amparado no CDC 33. Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 12 set 1990 [acesso 17 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3u8OupY
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, que assegura ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre os serviços e os riscos deles decorrentes. O CEM 44. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1º nov 2018 [acesso 14 mar 2020]. Disponível: https://bit.ly/3JauLfT
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também dá autoridade ao paciente sobre sua própria vida, garantindo a ele o direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo 2323. Furlan VCP. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Rev Direito Consum. 1994;(10):97-125. . Além de salvaguardar a autonomia do paciente, o mesmo dispositivo legal 44. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1º nov 2018 [acesso 14 mar 2020]. Disponível: https://bit.ly/3JauLfT
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proíbe determinadas condutas médicas, como deixar de esclarecer o enfermo sobre sua doença e deixar de obter seu consentimento para realização do procedimento, salvo em caso de risco iminente de morte 2424. Corrêa MMB. Direito de informação e consentimento informado. In: Scalquette ACS, Camillo CEN, coordenadores. Direito e medicina: novas fronteiras da ciência jurídica. São Paulo: Atlas; 2015. p. 19-29. , 2525. Ligiera WR. Termos de consentimento informado ou de “constrangimento desinformado”? A defesa do paciente diante de uma medicina ilícita e antiética. In: Azevedo ÁV, Ligiera WR, coordenadores. Direitos do paciente. São Paulo: Saraiva; 2012. p. 623-39. .

Esse processo de anuência é expressão de boa-fé. É também forma de o médico se resguardar de resultados possíveis, não se tratando apenas de passar conhecimento para o paciente – o que é de direito 2626. Conselho Federal de Medicina. Recomendação CFM nº 1/2016. Dispõe sobre o processo de obtenção de consentimento livre e esclarecido na assistência médica [Internet]. Brasília: CFM; 2016 [acesso 23 fev 2022]. Disponível: https://bit.ly/36iLu21
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, 2727. Dantas E, Coltri M. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: Juspodivm; 2020. . Afinal, quando informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio são sonegadas, qualquer resultado diferente do oferecido deve ser indenizado 2323. Furlan VCP. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Rev Direito Consum. 1994;(10):97-125. . O médico deve apresentar em seus anúncios publicitários todos os riscos das práticas utilizadas, da mesma forma que apresenta os benefícios. E, claro, essa conduta deve ser observada não só no ato da publicidade, mas também na consulta em que o paciente contrata o serviço, vez que ali já é estabelecido o objeto da relação jurídica obrigacional.

É evidente que o consentimento informado só será reconhecido quando as informações prestadas pelo médico forem claras e precisas, de modo que, se assim não o fizer, estará sob risco de responder por omissão de dado considerado indispensável. Será com base no que lhe foi esclarecido que o paciente decidirá livremente se pretende ou não se submeter ao procedimento sugerido.

A conduta do médico em seu exercício profissional, desde que não haja excesso, será considerada legítima, pois se pressupõe a ética como forma de preservação da dignidade e autodeterminação. Sendo assim, apesar de apresentar resultados formidáveis em seu anúncio publicitário profissional, beirando a fantasia, o médico tem a oportunidade de conversar com o paciente e informá-lo sobre as especificidades dos desfechos apresentados nas publicações. Isso porque o dever de informar, prestado de forma completa e satisfatória, possibilitará a contrapartida do paciente, traduzida em seu consentimento informado. Esses esclarecimentos permitirão que o enfermo aceite os riscos do procedimento de maneira livre e autodeterminada.

Entretanto, a maioria dos profissionais não procede da forma indicada por objetivar lucro “a qualquer custo”. Essa sede de alta e rápida remuneração é exatamente o que leva muitos médicos a responder a processos judiciais, pois prometem – mesmo que implicitamente – resultado inalcançável, enquadrando-se em publicidade enganosa e às vezes até abusiva.

Obrigação de resultado

A obrigação de resultado parece estar longe de ser enquadrada como a melhor forma de avaliar a conduta médica. Entretanto, nota-se ao mesmo tempo que a publicidade arraigada no engano ou abuso deve ser severamente punida, inclusive administrativamente pelo próprio CRM. A discussão enseja a junção desses dois fenômenos: a obrigação e a mensagem publicitária do médico.

Ao profissional é vedado utilizar tecnologia, como mídias sociais, para anunciar condições privilegiadas de tratamentos ou procedimentos, além de métodos ou técnicas não reconhecidos cientificamente. Está o médico impedido também, é claro, de garantir, prometer ou insinuar bons resultados do tratamento. Ou seja, o profissional deve, efetivamente, evitar qualquer forma de autopromoção e sensacionalismo 2828. França GV. Direito médico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense; 2019. .

Na obrigação de resultado, como visto anteriormente, a prestação do serviço tem fim definido (objeto da relação jurídica obrigacional ou relação contratual), de modo que a ausência do desfecho esperado implica inadimplência, compelindo o médico a assumir a responsabilidade de não ter satisfeito a obrigação prometida 2828. França GV. Direito médico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense; 2019. .

Observe-se que para configurar obrigação de resultado é necessário que seja definida a finalidade, ou seja, a promessa de desfecho. Para que a conduta médica seja assim enquadrada, ela precisa estar respaldada em garantia, que pode se dar de várias formas. Para esta discussão, tal promessa é implícita. Obviamente, e como visto, o médico tem interesse econômico ao publicar seus serviços e, para atingir esse objetivo, tenta convencer o paciente a contratar o que ele oferece. Para tanto, o profissional promete no anúncio, implicitamente, que, ao contratá-lo, o paciente chegará ao resultado exposto na mensagem.

Desta forma, é plausível entender que deveria caracterizar obrigação de resultado para o médico que, em mensagem publicitária, venha a seduzir o paciente com base em resultados de terceiros. Nada mais parece tão razoável quanto o profissional responder por aquilo que pratica, principalmente quando viola o bem jurídico de outrem, sendo este a parte vulnerável. Afinal, o paciente é leigo em medicina, enquanto o médico é perito no assunto, de forma que não há como exigir do paciente conhecimento técnico, pois todo este é detido pelo profissional.

Logo, o que se propõe é verificar que a legislação ética pode impactar o âmbito do direito civil, visto que se transmutará obrigação tipicamente de meio em obrigação de resultado. Diferentemente do que ocorre com o Judiciário no âmbito de determinadas especialidades estéticas, essa modificação será causada pelo próprio médico, razão pela qual se exige cuidado na veiculação publicitária.

Considerações finais

Diante da construção linear do conteúdo proposto, concluem-se alguns pontos essenciais: a obrigação do médico é de meio, mas pode se tornar de resultado; sua responsabilização será sempre subjetiva, devendo o paciente comprovar a culpa médica; o conteúdo da mensagem publicitária é essencial para caracterizar promessa de desfecho, e, consequentemente, ensejar a obrigação de resultado para o médico; e a relação médico-paciente nada mais é do que relação de consumo, visto que, quando é firmada, tem-se contrato.

Como visto, o anúncio publicitário aqui referido é aquele eivado de promessa implícita como método para convencer o paciente a aderir ao serviço médico proposto e consolidar negócio jurídico (contrato de natureza consumerista). O contrato deve ser cumprido integralmente, ou ensejará responsabilização e, consequentemente, se comprovada culpa, reparação.

O contrato entre médico e paciente, quando oriundo de publicidade enganosa ou abusiva, claramente estará corrompido pelo vício do consentimento, em que o paciente manifestou vontade de aderir à relação contratual mas o fez de forma viciada e defeituosa, pois, se soubesse da realidade do serviço ou procedimento oferecido, poderia declinar. Ou seja, o paciente erra em razão do engano/abuso publicitário. Por ignorância ou falsa percepção da realidade, manifesta sua vontade contradizendo o que faria se conhecesse perfeitamente as condições do procedimento.

Diante do exposto, entende-se que o ponto crucial para ensejar os institutos discutidos será o conteúdo da mensagem publicitária, de modo a determinar se foi induzida garantia por parte do médico e, em decorrência disso, se houve erro no consentimento do paciente. Constatados os fatos, havendo violação do bem jurídico do paciente e comprovada a culpa do médico, acredita-se que se estará diante de possível obrigação de resultado a ser cumprida pelo profissional, ainda que esta não seja a sua obrigação em essência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2020
  • Revisado
    25 Fev 2022
  • Aceito
    28 Fev 2022
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