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Coexistência entre humanidade e ambiente: bioética na perspectiva de Potter

Resumo

Este estudo analisou duas obras que tratam do impacto das ações humanas sobre o meio ambiente e evidenciam os efeitos negativos desse impacto a longo prazo. A pesquisa bibliográfica baseou-se principalmente nas obras de Van Rensselaer Potter denominadas Bioética: ponte para o futuro e Bioética global , mas também em artigos que abordam aspectos importantes relacionados à visão do autor, enriquecendo o processo de discussão e reflexão. Os resultados demonstram que a humanidade deve respeitar o ambiente em que está inserida, entendendo-se como parte integrante (e não dominante) das relações ecológicas, consoante à proposta de coexistência harmônica-funcional.

Ética; Ecologia humana; Desastres provocados pelo homem

Abstract

This study analyzed two works that focus on the impact of human actions on the environment and evidence the negative effects of this impact in the long run. The bibliographic research was mainly based on Van Rensselaer Potter’s works titled Bioethics: bridge to the future and Global bioethics , but also on articles focused on important aspects related to the author’s views, enriching the discussion and reflection process. The results show that humanity should respect the environment in which it is inserted, understanding itself as integral (not dominant) part of the ecological relations, in agreement with the proposal of harmonic-functional coexistence.

Ethic; Human ecology; Man-made disasters

Resumen

Este estudio analizó dos obras que tratan el impacto de las acciones antrópicas sobre el medioambiente y que muestran los efectos negativos de este impacto a largo plazo. Se realizó una búsqueda bibliográfica, principalmente por las obras de Van Rensselaer Potter tituladas Bioética: puente hacia el futuro y Bioética mundial , además de artículos que abordan importantes aspectos relacionados con la visión del autor, para aportar al proceso de discusión y reflexión en este texto. Los resultados demuestran que la humanidad debe respetar el medioambiente en el cual está inserta, comprendiéndose como parte integral (y no dominante) de las relaciones ecológicas acorde con la propuesta de convivencia armónico-funcional.

Ética; Ecología humana; Desastres provocados por el hombre

Nascido em 1911 em Dakota do Sul (Estados Unidos), Van Rensselaer Potter foi um biólogo, bioquímico, professor e pesquisador na área de oncologia com vasta produção científica que recebeu vários títulos de doutor honoris causa 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. . A partir de sua experiência acadêmica, propôs um novo conceito interdisciplinar, aproximando a ética e a ciência para formar uma nova perspectiva 22. Have HAMJ. Potter’s notion of bioethics. Kennedy Inst Ethics J [Internet]. 2012 [acesso 31 jan 2020];22(1):59-82. DOI: 10.1353/ken.2012.0003 . Assim, estabeleceu uma relação entre a biologia e a sabedoria, gerando o termo “bioética”, definido na capa de uma de suas obras como biologia combinada a uma diversidade de conhecimentos humanísticos, formando uma ciência que define um sistema de prioridades médicas e ambientais para uma sobrevivência aceitável 33. Potter VR. Bioética global: construindo a partir do legado de Leopold. São Paulo: Loyola; 2018. .

A partir do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial, a espécie humana alavancou a exploração de recursos naturais, com o objetivo de afirmar um modelo socioeconômico de poder intimamente ligado ao consumo que na época parecia não ter consequências a longo prazo 44. Albornoz S. O que é trabalho. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense; 2004. . Porém, a atividade capitalista estabeleceu um modelo insustentável de desenvolvimento que privilegia uma parte diminuta da população mundial em detrimento da maioria.

Assim, o descuido com o uso dos recursos naturais não renováveis tem gerado problemas socioambientais, e o consumismo é uma das grandes causas das dificuldades socioeconômicas 55. Sampaio CAC. Gestão que privilegia uma outra economia: ecossocioeconomia das organizações. Blumenau: Edifurb; 2010. . Nesse contexto, Potter iniciou o alerta para a necessidade de uma bioética planetária, antecipando-se às demandas de hoje 33. Potter VR. Bioética global: construindo a partir do legado de Leopold. São Paulo: Loyola; 2018. .

Em 1972, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura começou a realizar eventos dedicados ao tema. Destaca-se a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, na Suécia, conferência pioneira no enfoque da causa, considerada hoje marco decisivo para o surgimento de políticas de gerenciamento. Entretanto, nota-se que o tema ainda é pouco difundido, sendo necessário retomar a discussão a respeito da compreensão do conceito de “sustentabilidade”

Em 1987, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento publicou o Relatório Brundtland . Com o objetivo de induzir todos os países a conciliar o crescimento econômico com a conservação da natureza, o documento desenvolveu conceitos como “Desenvolvimento sustentável” e “Nova ordem mundial”, pontos que marcaram os debates da Eco-92, ocorrida no Rio de Janeiro em julho de 1992 66. Viveiros EP, Miranda MG, Novaes AMP, Avelar KES. Por uma nova ética ambiental. Eng Sanit Ambient [Internet]. 2015 [acesso 31 jan 2020];20(3):331-6. DOI: 10.1590/S1413-41522015020000114401 . Apesar disso, predominam atualmente duas posições contrárias em relação ao desenvolvimento sustentável: a que defende a continuação do modelo atual capitalista, que vê a natureza como objeto de apropriação para garantir o padrão de crescimento; e a que reconhece a fragilidade desse modelo e propõe a justiça planetária, no intuito de resolver a crise ecológica 77. Romero Lankao P. La política ambiental ante los diversos retos de la sustentabilidad. Gestión y Política Pública [Internet]. 1999 [acesso 31 jan 2020];8(2):301-20. Disponível: https://bit.ly/3MWnKAC
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.

Diante das questões expostas, este estudo analisou duas obras de Potter que tratam do impacto das ações humanas sobre o meio ambiente, evidenciando os efeitos negativos a longo prazo.

Método

Mediante pesquisa bibliográfica, este estudo teve o propósito de levantar informações e decifrar um problema com base em referências teóricas publicadas em documentos, prescindindo da elaboração de hipóteses 88. Michel MH. Metodologia e pesquisa científica em Ciências Sociais: um guia prático para acompanhamento da disciplina e elaboração de trabalhos monográficos. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 2015. . A informação documental é considerada extremamente relevante por representar fonte estável de informação que pode ser revisada por diversas vezes 99. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2001. .

Os materiais selecionados para análise, de autoria de Potter, foram: Bioética: ponte para o futuro e Bioética global . Além dessas obras, foram considerados artigos que abordam aspectos importantes relacionados à visão do autor, enriquecendo o processo de discussão e reflexão.

Resultados e discussão

C. P. Snow, cientista e escritor, foi possivelmente o primeiro a observar uma divisão entre os representantes da cultura literária e humanística e os adeptos da cultura técnica e científica. Ele enfatizou a inexistência de ligação e visão de mundo compartilhada, pois esses grupos tinham se distanciado de tal forma que não havia mais capacidade de interação, o que exigiria uma urgente reformulação dos sistemas de educação 1010. Hottois G. Defining bioethics: back to the sources. In: Meacham D, organizador. Medicine and society: new perspectives in continental philosophy. Dordrecht: Springer; 2015. p. 15-38. , 1111. Snow CP. As duas culturas e uma segunda leitura. São Paulo: Edusp; 1995. . Essa situação, definida por ele como colapso da comunicação, provocou um empobrecimento da visão dos intelectuais, tornando-os ignorantes ou nas ciências ou nas humanidades. Segundo Zanella 1212. Zanella DC. Humanidades e ciência: uma leitura a partir da Bioética de Van Rensselaer (V. R.) Potter. Interface (Botucatu) [Internet]. 2018 [acesso 31 jan 2020];22(65):473-80. DOI: 10.1590/1807-57622016.0914 , Snow afirma que muitos pesquisadores das humanidades não estão familiarizados com a ciência e muitos cientistas nunca leram obras de grandes pensadores.

Diante disso, Potter buscou elaborar uma ponte entre as ciências biológicas e as humanidades, com o objetivo de equilibrar os desejos culturais e as necessidades fisiológicas no que diz respeito a políticas públicas capazes de produzir a sabedoria necessária para utilizar o conhecimento para o bem da sociedade 1313. Schramm FR. Uma breve genealogia da bioética em companhia de Van Rensselaer Potter. Bioethikos [Internet]. 2011[acesso 31 jan 2020];5(3):302-8. Disponível: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/25680
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. Quando toca nesse ponto, ele comenta que surge um problema, o “conhecimento perigoso”, definido como o c onhecimento que se acumula mais rápido que a sabedoria para o administrar 1414. Potter VR. Op. cit. 2016. p. 96. . Potter 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. observa que os próprios cientistas sabem que é difícil prever os efeitos de seus trabalhos e que o avanço tecnológico pode tornar o pesquisador um “aprendiz de feiticeiro”.

Atento a esse problema, a partir do final dos anos 1970, André Hellegers consolidou o conceito de bioética, delimitando-a como área mais específica da medicina. Com isso, incentivou a reflexão ética dentro da área1515. Jonsen AR. The birth of bioethics. New York: Oxford University Press; 2003. , que por muito tempo desconsiderou as questões do meio ambiente 1616. Reich WT. A corrective for bioethical malaise: revisiting the cultural influences that shaped the identity of bioethics. In: Garrett JR, Jotterand F, Ralston DC, organizadores. The development of bioethics in the United States. New York: Springer; 2013. p. 79-100. . Quando essa delimitação da bioética predominou, emergiu também a reflexão de que os sistemas de pensamento apresentam forte caráter antropocêntrico 1717. Depizzoli AM, Poiani DF. Ética e meio ambiente. Revista Eletrônica Espaço Teológico [Internet]. 2013 [acesso 31 jan 2020];7(12):17-37. Disponível: https://revistas.pucsp.br/index.php/reveleteo/article/view/17358/12886
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, conduta que pode ser atribuída a uma cultura que justifica que a natureza é independente e cuida de si mesma, considerando-a um bem infinito. Essa cultura representa uma afirmação do ser humano, que desencadeia ambição, relações de disputa de poder e dominação entre os próprios humanos 1818. Jonas H. Técnica, medicina e ética: sobre a prática do princípio responsabilidade. São Paulo: Paulus; 2013. .

Salienta-se ainda que ao classificar a natureza dessa forma o homem moderno atribui a si próprio uma espécie de “carta branca”, justificando suas ações desenfreadas de exploração e dominação pela compreensão de que a natureza não é um ser dotado de dignidade, teleologia e valor moral 1919. Jonas H. Op. cit. p. 93. . Preocupado com essa atitude, Potter levanta a seguinte questão: o que deixarei para meus filhos e sua geração 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. ?

Essa inquietação parece não ter sido interiorizada pela nova geração, pois tanto o senso comum quanto algumas ramificações da ciência tendem a considerar catástrofes naturais como acontecimentos casuais ou acidentais dos movimentos indomáveis das forças da natureza. Dessa forma, há a ideia de que esses episódios são mera obra do acaso.

Porém, alguns autores entendem o planeta como um ser vivo dotado de inteligência e vontade. Para eles, todo e qualquer processo é considerado sistêmico e todos os movimentos naturais têm uma finalidade. Dentro dessa lógica, o planeta poderia ser comparado a um organismo na busca constante de restabelecer seu equilíbrio e saúde 1717. Depizzoli AM, Poiani DF. Ética e meio ambiente. Revista Eletrônica Espaço Teológico [Internet]. 2013 [acesso 31 jan 2020];7(12):17-37. Disponível: https://revistas.pucsp.br/index.php/reveleteo/article/view/17358/12886
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.

A partir de 1990, houve um gradativo processo de resgate de uma abordagem mais ampla, de acordo com as recomendações de Potter, opostas ao “principialismo médico” que predominou até então 2020. Pessini L. As origens da bioética: do credo bioético de Potter ao imperativo bioético de Fritz Jahr. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 31 jan 2020];21(1):9-19. Disponível: https://bit.ly/3zGKDF1
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. Conforme demonstrado na Figura 1 , o principal foco da bioética é correlacionar vários fatores, para solucionar problemas em sentido coletivo.

Figura 1
Bioética como um sistema de moralidade baseado em dois tipos de conhecimento e sua fragmentação em dois tipos de aplicações

Potter comenta que ainda mais ameaçadora que o conhecimento perigoso é a “ignorância perigosa” 33. Potter VR. Bioética global: construindo a partir do legado de Leopold. São Paulo: Loyola; 2018. , que seria o contrário de um progresso, definido por ele, resumidamente, como o equilíbrio entre usar (conhecimento) e saber usar (sabedoria) 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. , e que é relacionado com vários aspectos em potencial de consideração em relação ao conceito científico-filosófico, segundo o qual:

  • Nenhum conhecimento é absoluto;

  • O conhecimento apenas tem a ignorância como limite;

  • Os limites do conhecimento são infinitos;

  • A cessação de novos conhecimentos não é concebível;

  • Nenhum indivíduo pode dominar todo conhecimento existente;

  • O conhecimento deveria ser disseminado tão amplamente quanto possível;

  • A única solução para o conhecimento perigoso é mais conhecimento;

  • A sabedoria é o conhecimento moral, o conhecimento de como usar o conhecimento e o conhecimento mais importante de todos.

Potter ainda comenta que a sabedoria pode servir como guia para a ação em prol do bem social, combinando a preocupação ecológica com um senso de responsabilidade moral. Essa conduta poderia ser chamada de ciência da sobrevivência, que é, segundo o autor, um pré-requisito para a melhoria da qualidade de vida 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. , 33. Potter VR. Bioética global: construindo a partir do legado de Leopold. São Paulo: Loyola; 2018. . Porém, ele deixa claro que não se define como um conceito limitante quando afirma que considera que a ciência da sobrevivência deve ser construída sobre a ciência da biologia e ampliada para além dos limites tradicionais, de modo que inclua os elementos mais essenciais das ciências sociais e das humanidades com ênfase na filosofia stricto sensu , significando “amor a sabedoria”. A ciência da sobrevivência deve ser mais que ciência apenas 2222. Potter VR. Op. cit. 2016. p. 27. . Potter sugere, portanto, o termo bioética para enfatizar os dois ingredientes mais importantes na obtenção da nova sabedoria que é tão desesperadamente necessária: Conhecimento biológico e valores humanos 2222. Potter VR. Op. cit. 2016. p. 27. .

Ao refletir sobre o termo “sobrevivência”, Potter enfatiza que é preciso lembrar que esta começa hoje e que ninguém sabe se estará vivo amanhã. Por outro lado, a possibilidade de sobrevivência, para ao menos alguns membros da espécie humana, pode se estender no futuro por tempo igual a qualquer forma de vida que possa existir no planeta. Mas que tipo de sobrevivência 33. Potter VR. Bioética global: construindo a partir do legado de Leopold. São Paulo: Loyola; 2018. ? Ele sugere, para a discussão no contexto da bioética ecológica, cinco categorias com base em adjetivos modificadores, apontadas no Quadro 1 .

Quadro 1
Sobrevivência mera, precária, idealista, irresponsável e aceitável

Quando faz referência à contribuição de Aldo Leopold, Potter enfatiza sua capacidade de prever o surgimento de situações futuras de grande complexidade ou com consequências tais que seria necessário um planejamento extraordinário no âmbito do interesse público, pois, ainda que não se pudessem imaginar os dilemas específicos que hoje as autoridades governamentais enfrentam, os perigos de destruir a natureza já eram previsíveis 33. Potter VR. Bioética global: construindo a partir do legado de Leopold. São Paulo: Loyola; 2018. .

O autor destaca que a violência com o ambiente natural varia de acordo com a densidade da população humana 2323. Potter VR. Op. cit. 2018. p. 84. e aponta para uma incapacidade de manutenção de ambiente saudável para a civilização mundial, de modo que muitos ambientes são transformados em lugares inadequados para a reprodução e desenvolvimento das plantas, dos animais e dos próprios humanos 33. Potter VR. Bioética global: construindo a partir do legado de Leopold. São Paulo: Loyola; 2018. . À luz de Darwin, Potter destaca que a sobrevivência de uma espécie é definida por sua adaptação ao ambiente em que vive e lança o seguinte questionamento: os seres serão capazes de sobreviver no ambiente em transformação que colocaram em movimento 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. ?

Em sua perspectiva, Potter considera que construir um sistema de valores seria um modo razoável de iniciar um patamar mínimo de sobrevivência da espécie humana, em condições que permitam a evolução adicional e evitem a extinção 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. . Nesse contexto, traz como proposta uma descrição de ambiente ideal incluindo alguns aspectos do ambiente cultural, que deve a tender às necessidades básicas que possam ser satisfeitas pelo esforço: alimento, abrigo, roupas, espaço, privacidade, lazer e educação (tanto moral como intelectual); e proporcionar ausência de substâncias químicas tóxicas, traumas desnecessários e doenças evitáveis 2424. Potter VR. Op. cit. 2018. p. 85. ; traumas incluiriam exposições espontâneas à radiação prejudicial.

Segundo Pegoraro, a Organização das Nações Unidas recomenda que, para alcançar esse ambiente ideal, é necessário estabelecer no mundo uma nova lógica de organização, a partir da qual os mercados se reorientem para servir às pessoas e não o contrário; o investimento em novos modelos de desenvolvimento ecologicamente sustentável foque a pessoa humana; a união de forças internacionais não esteja nas prioridades dos Estados e sim nas necessidades humanas; o foco da segurança passe das nações para as pessoas, do armamento para o desenvolvimento; e o crescimento descentralizado de novos padrões de administração nacional e global dê mais poder às autoridades locais 2525. Pegoraro JO. Ética é justiça. 7ª ed. Petrópolis: Vozes; 1995. .

Ao salientar a insuficiência do conservadorismo e do liberalismo, Potter preconiza o realismo como meio de ajudar a humanidade a perceber “ordem” e “desordem” tanto nas vidas individuais quanto nos problemas da sociedade. Além disso, defende a organização de esforços interdisciplinares em grupos para encontrar novas maneiras de melhorar a condição humana. O autor sugere ainda que os resultados das novas pesquisas sejam incorporados ao sistema educacional o mais rápido possível, objetivando não somente o enriquecimento individual, mas o prolongamento da sobrevivência da espécie humana sob uma forma aceitável na sociedade 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. .

No contexto ecológico, cabe o comentário de Handlin, que afirma que a ciência cresceu cada vez menos inclinada a substituir as antigas certezas pelas novas. (…) Tem se ocupado em destruir o universo fixo da tradição e, agora, deixou claro que não ofereceu nenhuma alternativa consoladora própria 2626. Handlin O. Science and technology in popular culture. Sci Cult [Internet]. 1965 [acesso 31 jan 2020];94(1):156-70. p. 166. Disponível: https://www.jstor.org/stable/20026900
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, referindo-se ao fato de que, apesar de todas as discussões e propostas, ainda hoje se enfrentam os mesmos desafios do passado.

Em suma, Potter aponta com veemência que, se quiser preservar a dignidade do indivíduo, sobreviver e prosperar, a espécie humana precisa valorizar a gama de propostas e aperfeiçoar suas técnicas para alcançar os princípios bioéticos em áreas para as quais os fatos não são suficientes 11. Potter VR. Bioética: ponte para o futuro. São Paulo: Loyola; 2016. .

Considerações finais

Diante do exposto, este estudo preconiza o desenvolvimento de uma discussão sobre a civilização humana como parte integrante (e não dominante) das relações ecológicas, de acordo com a proposta de coexistência harmônica-funcional. Pode-se, portanto, afirmar que Potter reforça a necessidade de se considerar e respeitar o ambiente, deixando claro que isso não se limita ao espaço cotidiano, mas abrange o contexto ecológico.

Além disso, percebeu-se a relevância do papel reflexivo acerca de temas considerados inicialmente limitados, como, por exemplo, na área biomédica, cujas metodologias geralmente são pouco flexíveis. Destaca-se ainda que foi possível compreender, por meio dessa perspectiva, uma nova dimensão do contexto bioético, levando em conta seu importante processo histórico de afirmação.

Por fim, cabe salientar que o estudo não esgota as possibilidades de investigação sobre o tema, sendo de extrema relevância ainda mais abordagens acerca da relação bioética com as interações humano-ambiente.

Referências

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  • Este estudo foi realizado a partir de uma atividade proposta pela disciplina de Bioética, do curso de mestrado em Ciências da Saúde e da Vida, da Universidade Franciscana.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2019
  • Revisado
    13 Maio 2022
  • Aceito
    24 Maio 2022
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