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Método de análise isotópica (δ13C) e limite de legalidade em néctar de laranja

Isotopic analysis (δ13C) method and legal limit in orange nectar

Resumos

Os objetivos deste trabalho foram desenvolver o método de análise isotópica para quantificar o carbono do ciclo fotossintético C3 em néctares de laranja comerciais e mensurar o limite de legalidade, baseado na legislação brasileira, para identificar as bebidas que não estão em conformidade com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). As bebidas foram produzidas em laboratório, conforme a legislação brasileira. Também foram produzidos néctares adulterados com quantidade de suco de laranja abaixo do limite mínimo permitido pelo MAPA. Na análise isotópica, foi mensurado o enriquecimento isotópico relativo dos néctares de laranja e também de suas frações, sólidos insolúveis (polpa) e açúcar purificado. Com esses resultados, foi estimada a quantidade de fonte C3 por meio da equação da diluição isotópica. Para determinar a existência de adulteração, foi necessária a criação do limite de legalidade de acordo com a legislação brasileira. Oito marcas comerciais de néctar de laranja foram analisadas. Todas foram classificadas como legais. O limite de legalidade foi uma importante inovação metodológica, que possibilitou identificar as bebidas que estavam em conformidade com a legislação brasileira. A metodologia desenvolvida provou ser eficiente para quantificar o carbono de origem C3 em néctares de laranja comerciais.

Adulteração; Qualidade; Limite de legalidade; Carbono-13; IRMS; Citrus sinensis


This work aimed to develop the isotope analysis method to quantify the carbon of the C3 photosynthetic cycle in commercial orange nectars, and to measure the legal limit based on Brazilian legislation in order to identify beverages not conforming to the Ministry of Agriculture, Livestock and Food Supply (MAPA). The beverages were produced in a laboratory according to Brazilian law. Adulterated nectars were also produced with a pulpy juice quantity below the level permitted by MAPA. Isotope analyses measured the relative isotope enrichment of the orange nectars and also of their fractions, the purified sugar and the insoluble solids (pulp). From these results the C3 source concentration was estimated using the isotope dilution equation. To determine the existence of adulteration in commercial nectars, a legal limit had to be created according to Brazilian law. Eight commercial nectar brands were analyzed. All were classified as legal. The legal limit was an important methodological innovation that enabled the identification of beverages not conforming to Brazilian law. The methodology developed proved efficient in quantifying the carbon of C3 origin in commercial orange nectars.

Adulteration; Quality; Legal limit; Carbon-13; IRMS; Citrus sinensis


Método de análise isotópica (δ13C) e limite de legalidade em néctar de laranja

Isotopic analysis ( δ 13C) method and legal limit in orange nectar

Ricardo FigueiraI, * * Autor Correspondente | Corresponding Author ; Andressa Milene Parente NogueiraII; Carlos DucattiIII; Waldemar Gastoni Venturini FilhoIV; Martha Maria MischanV; Evandro Tadeu da SilvaVI

IUniversidade Estadual Paulista (UNESP) Instituto de Biociências (IB) Centro de Isótopos Estáveis Ambientais Distrito de Rubião Jr., s/n CEP: 18618-000 Botucatu/SP - Brasil E-mail: ricardofigueira@hotmail.com

IIUniversidade Estadual Paulista (UNESP) Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) Laboratório de Bebidas E-mail: andressa_nogueira@fca.unesp.br

IIIUniversidade Estadual Paulista (UNESP) Instituto de Biociências (IB) Centro de Isótopos Estáveis Ambientais E-mail: ducatti@ibb.unesp.br

IVUniversidade Estadual Paulista (UNESP) Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) Laboratório de Bebidas E-mail: venturini@fca.unesp.br

VUniversidade Estadual Paulista (UNESP) Instituto de Biociências (IB) Laboratório de Bioestatística E-mail: mmischan@ibb.unesp.br

VIUniversidade Estadual Paulista (UNESP) Instituto de Biociências (IB) Centro de Isótopos Estáveis Ambientais E-mail: evandro@ibb.unesp.br

RESUMO

Os objetivos deste trabalho foram desenvolver o método de análise isotópica para quantificar o carbono do ciclo fotossintético C3 em néctares de laranja comerciais e mensurar o limite de legalidade, baseado na legislação brasileira, para identificar as bebidas que não estão em conformidade com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). As bebidas foram produzidas em laboratório, conforme a legislação brasileira. Também foram produzidos néctares adulterados com quantidade de suco de laranja abaixo do limite mínimo permitido pelo MAPA. Na análise isotópica, foi mensurado o enriquecimento isotópico relativo dos néctares de laranja e também de suas frações, sólidos insolúveis (polpa) e açúcar purificado. Com esses resultados, foi estimada a quantidade de fonte C3 por meio da equação da diluição isotópica. Para determinar a existência de adulteração, foi necessária a criação do limite de legalidade de acordo com a legislação brasileira. Oito marcas comerciais de néctar de laranja foram analisadas. Todas foram classificadas como legais. O limite de legalidade foi uma importante inovação metodológica, que possibilitou identificar as bebidas que estavam em conformidade com a legislação brasileira. A metodologia desenvolvida provou ser eficiente para quantificar o carbono de origem C3 em néctares de laranja comerciais.

Palavras-chave: Adulteração; Qualidade; Limite de legalidade; Carbono-13; IRMS; Citrus sinensis.

SUMMARY

This work aimed to develop the isotope analysis method to quantify the carbon of the C3 photosynthetic cycle in commercial orange nectars, and to measure the legal limit based on Brazilian legislation in order to identify beverages not conforming to the Ministry of Agriculture, Livestock and Food Supply (MAPA). The beverages were produced in a laboratory according to Brazilian law. Adulterated nectars were also produced with a pulpy juice quantity below the level permitted by MAPA. Isotope analyses measured the relative isotope enrichment of the orange nectars and also of their fractions, the purified sugar and the insoluble solids (pulp). From these results the C3 source concentration was estimated using the isotope dilution equation. To determine the existence of adulteration in commercial nectars, a legal limit had to be created according to Brazilian law. Eight commercial nectar brands were analyzed. All were classified as legal. The legal limit was an important methodological innovation that enabled the identification of beverages not conforming to Brazilian law. The methodology developed proved efficient in quantifying the carbon of C3 origin in commercial orange nectars.

Key words: Adulteration; Quality; Legal limit; Carbon-13; IRMS; Citrus sinensis.

1 Introdução

Em um mercado altamente competitivo, as indústrias de bebidas apostam na diversificação da linha de produtos. O néctar de fruta é uma bebida que vem ganhando espaço entre os consumidores (QUEIROZ e MENEZES, 2005). Seu principal atrativo é o preço mais baixo em relação aos sucos integrais. Isso ocorre porque os néctares possuem menor teor de suco de fruta na sua composição e o suco da fruta é o ingrediente mais caro na elaboração do néctar.

A adulteração nos néctares ocorre pela adição de suco de fruta abaixo dos valores mínimos fixados em legislação específica. Para identificar essa adulteração, a análise isotópica é a mais sofisticada e específica técnica, sendo amplamente usada na área de alimentos e bebidas (REID et al., 2006). A técnica dos isótopos estáveis tem sido utilizada rotineiramente no controle de qualidade dos processos industriais de produção de bebidas e nas instituições oficiais de fiscalização como instrumento de autuação de produtos fraudados (KELLY, 2003).

A metodologia da razão isotópica do carbono (13C/12C) baseia-se na mistura de compostos produzidos a partir de plantas dos ciclos fotossintéticos C3 (laranja, uva, maçã, pêssego, etc.) e C4 (cana-de-açúcar, milho, sorgo, etc.). Os vegetais C3 apresentam valores de enriquecimento isotópico relativo (δ13C) entre -22,00 a -34,00 per mil (‰). Nos vegetais C4, o δ13C varia de -9,00 a -16,00‰ (KOZIET et al., 1993; ROSSMANN, 2001). Essa diferença entre plantas C3 e C4 também é encontrada nos seus produtos e derivados, podendo-se, assim, determinar com precisão qual a origem botânica do carbono (ROSSMANN, 2001).

A maioria das técnicas isotópicas requer a utilização de banco de dados oriundo de valores isotópicos das matérias-primas (suco de fruta e açúcar) como referência de comparação, para estimar a composição dos produtos a serem analisados. Porém, o banco de dados pode ser substituído pela análise isotópica de um padrão interno. A utilização de um componente interno como referência isotópica diminui erros de quantificação em função da variabilidade isotópica das matérias-primas (KELLY, 2003). Para o néctar de laranja, seus sólidos insolúveis (polpa) podem ser utilizados como padrão interno. O açúcar não apresenta constituinte como referência interna. Por isso, há a necessidade de se adotar um valor isotópico fixo oriundo de um banco de dados de diversos tipos de açúcares (DONER, 1995).

O controle da qualidade das bebidas não alcoólicas fabricadas no Brasil é realizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O MAPA define suco de laranja como a bebida não fermentada e não diluída, obtida da parte comestível da laranja (Citrus sinensis) por meio de processo tecnológico adequado (BRASIL, 2009). De acordo com o Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ), o teor de sólidos solúveis do suco de laranja deve ser maior ou igual a 10,5 °Brix (BRASIL, 2000).

Néctar é a bebida não fermentada, obtida da diluição em água potável da parte comestível do vegetal ou de seu extrato, adicionada de açúcares, destinada ao consumo direto (BRASIL, 2009). A legislação brasileira não determina o PIQ para néctar de laranja. Neste caso, o néctar, cuja quantidade mínima de polpa ou suco de uma determinada fruta não tenha sido fixada em Regulamento Técnico específico, deve conter, no mínimo, 30% (m/m) da respectiva polpa, ressalvado o caso de fruta com acidez ou conteúdo de polpa (sólidos insolúveis) muito elevado ou sabor muito forte; neste caso, o conteúdo de polpa não deve ser inferior a 20% (m/m) (BRASIL, 2003).

Os objetivos deste trabalho foram desenvolver o método de análise isotópica para quantificar o carbono do ciclo fotossintético C3 em néctares de laranja comerciais e mensurar o limite de legalidade, baseado na legislação brasileira, para identificar as bebidas que não estão em conformidade com o MAPA.

2 Material e métodos

O valor do enriquecimento isotópico relativo do carbono (δ13C) foi obtido no Espectrômetro de Massa de Razões Isotópicas (IRMS) (Delta S Finnigan Mat). A razão 13C/12C da amostra em relação ao padrão internacional Pee Dee Belemnite (PDB) foi calculado pela Equação 1 (DUCATTI, 2005).

Os símbolos da Equação 1 significam: δ13C = enriquecimento isotópico relativo da amostra em relação ao padrão PDB (adimensional); R = razão isotópica 13C/12C da amostra e do padrão (adimensional) (DUCATTI, 2005).

Nos néctares de laranja, utilizaram-se os isótopos estáveis do elemento químico carbono (13C e 12C) para quantificar a participação da fonte C3. Essa mensuração foi obtida pelas Equações 2 e 3, cujo valor do enriquecimento isotópico relativo do produto refletirá a proporção de carbono-13 de cada fonte (DUCATTI, 2005).

Os símbolos das Equações 2 e 3 significam: δa, δb e δp = enriquecimento isotópico relativo da fonte de carbono C3, C4 e do produto, respectivamente (adimensional); A e B = proporção relativa da fonte C3 e C4 no produto, respectivamente (adimensional) (DUCATTI, 2005).

As matérias-primas foram fornecidas por indústrias brasileiras de bebidas de laranja. Foram cedidas quatro amostras de suco concentrado de laranja, doze amostras de açúcar de cana (cristal, refinado e líquido invertido) e três tipos de aditivos (ácido cítrico, ácido ascórbico e aroma idêntico ao natural de laranja). Oito marcas de néctares comerciais foram compradas, em duplicata, no quarto trimestre de 2009, em supermercados da região de Botucatu-SP.

2.1 Produção dos néctares de laranja em laboratório

Utilizando-se suco concentrado de laranja, açúcar de cana e água, foram produzidos, em duplicata, néctares de laranja conforme a legislação brasileira. Também foram fabricados néctares com quantidade de suco abaixo do estabelecido pelo MAPA. Os néctares de laranja foram fabricados com concentração de sólidos solúveis de 12 °Brix (valor médio encontrado nos produtos comerciais). Essas bebidas foram produzidas com 20, 25 até 50% (m/m) de suco reconstituído a 10,5 °Brix (BRASIL, 2000), conforme o balanço de massa de sólidos solúveis (Equação 4).

Os símbolos da Equação 4 significam: °Brix = teor de sólidos solúveis do suco reconstituído, açúcar de cana (100 °Brix), água (0°Brix) e néctar; M = massa do suco reconstituído, açúcar, água e néctar.

A quantidade teórica de fonte C3 (%C3) dos néctares foi calculada pela Equação 5. As Equações 4 e 5 foram desenvolvidas a partir do teor de sólidos solúveis citado por Figueira et al.(2010).

2.2 Análise isotópica dos sucos concentrados, dos néctares fabricados em laboratório e dos néctares comerciais de laranja

Para a análise isotópica dos produtos de laranja, realizada em duplicata, 0,35 microlitro (µL) foi acondicionado em cápsula de estanho, empacotada e colocada no Analisador Elementar (EA 1108 - CHN - Fisons Elemental Analyzer) para ser queimada a 1020 °C, liberando CO2. Este gás foi comparado com o CO2 padrão (PDB) para mensurar o enriquecimento isotópico relativo no Espectrômetro de Massa de Razões Isotópicas (IRMS) (Delta S Finnigan Mat).

2.3 Análise isotópica do açúcar purificado extraído dos sucos concentrados, dos néctares fabricados em laboratório e dos néctares comerciais de laranja

Para a purificação do açúcar extraído dos produtos de laranja, foi utilizado o método proposto por Koziet et al.(1995). A solução de açúcar purificado (açúcar C3 + açúcar C4) obtida no final do procedimento foi acondicionada em cápsula de estanho e colocada no Analisador Elementar.

2.4 Análise isotópica dos sólidos insolúveis extraídos dos sucos concentrados, dos néctares fabricados em laboratório e dos néctares comerciais de laranja

Para a extração dos sólidos insolúveis (polpa - padrão interno), foi utilizada a metodologia proposta por Rossmann et al.(1997). Após este procedimento, as amostras foram preparadas e colocadas no Analisador Elementar.

2.5 Análise isotópica do açúcar de cana e dos aditivos utilizados em néctares comerciais de laranja

As amostras sólidas de açúcar e aditivos foram moídas em moinho criogênico com nitrogênio líquido (Spex CertiPrep 6750 Freezer/Mill) durante 3 min na temperatura de -196 ºC, para obter uma textura fina (< 65 mm) e homogênea. As amostras líquidas foram diluídas com água deionizada até a concentração de 10 °Brix. As amostras sólidas (0,03 mg) e as líquidas (0,35 µL) foram colocadas em cápsulas de estanho e inseridas no Analisador Elementar.

2.6 Definição dos parâmetros de δp na análise isotópica dos néctares de laranja fabricados em laboratório

Nos néctares fabricados em laboratório, a análise isotópica foi feita no próprio néctar (δp) e também nas suas frações, sólidos insolúveis (δa) e açúcar purificado (δp). O valor isotópico do açúcar de cana (δb) foi obtido a partir de banco de dados. Como foram mensurados dois valores isotópicos para dp, obtiveram-se duas combinações para calcular a concentração de fonte C3 de forma prática, por meio das Equações 2 e 3.

Para determinar qual a melhor combinação, os resultados práticos (IRMS) foram subtraídos da quantidade teórica de fonte C3 (Equação 5). Os Erros obtidos (|quantidade de fonte C3 teórica - quantidade de fonte C3 prática|) foram submetidos à análise de covariância (α = 0,05), utilizando o programa "SAS", conforme a Equação 6 (ZAR, 1999).

Os símbolos da Equação 6 significam: yij = Erro observado da combinação i e nível j de x; αi = efeito do i-ésimo tratamento; β = parâmetro da regressão linear; xj = nível da concentração j de suco, e eij = erro aleatório (ZAR, 1999).

Sendo o valor do teste F significativo (p < 0,05), os Erros de cada combinação foram comparados utilizando o Teste de Tukey (α = 0,05) (ZAR, 1999). Além disso, foram mensurados a média e o desvio padrão dos Erros.

Com base nas análises estatísticas e na média dos Erros, foi verificada em qual combinação houve os resultados práticos mais próximos dos resultados teóricos. A combinação escolhida foi utilizada para quantificar a concentração de carbono de fonte C3 nas próximas etapas de desenvolvimento do método.

2.7 Comparação da mensuração de fonte C3 entre néctares de laranja fabricados sem aditivos e néctares de laranja fabricados com aditivos

Para estimar a influência dos aditivos na quantificação de fonte C3, foram produzidos cinco néctares de laranja com aditivos e cinco sem aditivos. Os néctares foram fabricados com concentração de sólidos solúveis de 12 °Brix. Estes néctares foram produzidos com 30% (m/m) (BRASIL, 2003) de suco reconstituído a 10,5 °Brix (BRASIL, 2000). As quantidades de fonte C3 foram calculadas de acordo com o item 2.6 e comparadas estatisticamente utilizando o Teste t para amostras pareadas (α = 0,05) (ZAR, 1999).

Os aditivos utilizados na produção dos néctares foram o ácido cítrico (0,30 g.100 mL-1), o ácido ascórbico (0,05 g.100 mL-1) e o aroma idêntico ao natural de laranja (0,04 g.100 mL-1). As quantidades foram informadas pelas indústrias produtoras de bebidas de laranja.

2.8 Definição do valor isotópico para δb, precisão do método e estimativa de erro

Para verificar a precisão do método, os néctares fabricados em laboratório foram analisados como se fossem bebidas comerciais. Para tanto, foram feitas três combinações com os valores de δb.

Em δa, foi utilizado o valor isotópico dos sólidos insolúveis extraídos dos néctares fabricados em laboratório, conforme citado no item 2.6. Em δb, foram utilizados o valor isotópico mais leve, o médio e o mais pesado dos açúcares de cana. Para δp, utilizou-se o valor isotópico do néctar fabricado em laboratório ou de sua fração, açúcar purificado, conforme citado no item 2.6. Utilizando-se as Equações 2 e 3, os valores isotópicos de da foram respectivamente combinados com o valor isotópico mais pesado, o valor médio e o mais leve de δb, juntamente com os valores isotópicos de δp, para mensurar as quantificações de fonte C3. Os valores dessas três quantificações foram subtraídos dos valores teóricos de fonte C3 (item 2.1) para estimar o Erro e comparados seguindo os tratamentos estatísticos do item 2.6. Além disso, foi calculado o erro total do método (média dos Erros + desvio padrão) para cada combinação.

Definida a melhor combinação, o valor isotópico de δb foi utilizado para quantificar a porcentagem de fonte C3 nos néctares comerciais. Nestes valores, foi acrescido e subtraído o erro total do método.

2.9 Limite de legalidade para néctares de laranja comerciais

Para saber se os néctares comerciais estavam ou não adulterados, foi necessária a criação do limite de legalidade, a fim de identificar as bebidas em conformidade ou inconformidade com as normas brasileiras. O limite de legalidade fornece a concentração mínima de fonte C3 que um néctar de laranja comercial deve apresentar para ser considerado legal, ante a legislação brasileira.

Para néctar de laranja, o limite de legalidade foi obtido pela mensuração teórica da quantidade de fonte C3 mínima, calculada pelo balanço de massa de sólidos solúveis (Equação 4), em néctares com concentrações de sólidos solúveis em 11; 11,5 até 13 °Brix, adicionados com 30% de suco de laranja a 10,5 °Brix em relação à massa do néctar. Os valores de quantidade mínima de fonte C3, calculados pela Equação 5, foram relacionados com as respectivas concentrações de sólidos solúveis (11; 11,5 até 13 °Brix). A curva resultante originou o limite de legalidade.

2.10 Concentração de fonte C3 e determinação da legalidade em néctares de laranja comerciais

Para calcular a concentração de fonte C3 nos néctares de laranja comerciais, foi utilizado o valor isotópico dos sólidos insolúveis em da. O valor isotópico de δb foi definido conforme o item 2.8. Para δp, utilizou-se o valor isotópico do néctar comercial ou de sua fração açúcar purificado, conforme o item 2.6. Para cada concentração de fonte C3, foi inserido, para mais e para menos, o erro total do método (item 2.8). Estes valores foram plotados em gráfico de dispersão e relacionados com os respectivos °Brix. Neste mesmo gráfico, foram inseridos os valores do limite de legalidade. Quando a concentração de fonte C3 ficou acima ou se sobrepôs à curva do limite de legalidade, o néctar foi considerado legal. Quando a concentração ficou abaixo do limite, o néctar foi considerado adulterado.

3 Resultados e discussão

3.1 Análise isotópica do açúcar de cana e aditivos

Koziet et al.(1995), analisando a composição isotópica de sucos de frutas e açúcares, encontraram o valor isotópico médio de - 11,23 ± 0,20‰ para açúcar de cana. O valor isotópico mais leve foi de - 11,51 ± 0,01‰ e o mais pesado de - 10,76 ± 0,22‰. Os resultados apresentados na Tabela 1 foram mais leves que os obtidos pelos autores citados. A diferença dos valores isotópicos entre os dois estudos pode estar relacionada a fatores ambientais (irradiação, umidade do solo, salinidade do solo, etc.) e biológicos (capacidade fotossintética, variação genética, competição, etc.) que influenciam na composição isotópica de carbono nas plantas C3 e C4 (BOUTTON, 1996).

Comparando-se o valor isotópico dos três tipos de açúcares, não houve diferença estatística (Análise de Variância, α = 0,05) (Tabela 1).

O valor isotópico do aroma idêntico ao natural de laranja (-30,02 ± 0,14‰) foi característico de plantas com metabolismo fotossintético C3. Ácido ascórbico (-12,17 ± 0,08‰) e ácido cítrico (-13,45 ± 0,16‰) tiveram valores isotópicos semelhantes a plantas C4. Os enriquecimentos isotópicos relativos do ácido ascórbico e do ácido cítrico corroboram com os obtidos por Figueira (2008).

3.2 Análise isotópica dos néctares de laranja fabricados em laboratório

O valor isotópico do néctar fabricado em laboratório e de sua fração açúcar purificado torna-se mais leve à medida que aumenta a adição de suco de laranja (Tabela 2). O valor isotópico dos sólidos insolúveis (padrão interno) permanece entre -26,56 a -26,83‰, independentemente da quantidade de suco (Fonte C3) ou do açúcar de cana (Fonte C4) adicionado (Tabela 2). A utilização dos sólidos insolúveis como referência isotópica interna permite identificar o valor isotópico da matéria-prima de origem C3.

3.3 Definição dos melhores parâmetros de δp para quantificar a participação de fonte C3 em néctares de laranja fabricados em laboratório

Utilizando-se o enriquecimento isotópico dos sólidos insolúveis em da (Tabela 2), do açúcar de cana (amostra 11 - Tabela 1) em δb, do néctar fabricado em laboratório ou de sua fração açúcar purificado em δp (Tabela 2), obtiveram-se as quantificações práticas da porcentagem de fonte C3 (Tabela 3).

Na análise de covariância, os valores do teste F foram significativos (p < 0,0177). O teste de Tukey encontrou diferença estatística entre as combinações 1 e 2. Como a combinação 1 teve a menor média dos Erros, esta foi indicada para mensurar a quantidade de fonte C3 em néctares de laranja (Tabela 3).

Queiroz et al.(2007) verificaram a legalidade de bebidas de laranja comercializadas no mercado brasileiro, por meio da análise isotópica. Nesse estudo, o melhor resultado para a quantificação de fonte C3 foi obtido utilizando o valor isotópico do açúcar purificado em δp. Esta conclusão difere do resultado encontrado nesta pesquisa. Queiroz e colaboradores desenvolveram o método isotópico baseado no suco de laranja e, a partir disso, extrapolaram os resultados para néctares de laranja. Portanto, o método isotópico desenvolvido no trabalho de referência não é específico para néctar de laranja. Além disso, os autores utilizaram uma equação, derivada das Equações 2 e 3, que emprega fatores de correção baseados na concentração dos Açúcares Redutores Totais em relação à de sólidos solúveis das bebidas de laranja (ART/°Brix). Estas variações metodológicas contribuíram para determinar outra forma de cálculo para a concentração de fonte C3 em néctares de laranja.

3.4 Comparação da mensuração de fonte C3 entre néctares de laranja fabricados sem aditivos e néctares fabricados com aditivos

A quantificação de fonte C3 nos sucos fabricados sem e com aditivos foi realizada conforme o item 3.3. Comparando-se os resultados da quantificação de fonte C3 entre néctares fabricados sem (27,66 ± 0,31%) e com aditivos (28,05 ± 0,32%), não foi observada diferença estatística (Teste t, α = 0,05). Esta observação foi relatada por Figueira (2008) e Nogueira (2008), os quais realizaram o mesmo estudo comparativo com néctares de maçã e pêssego, respectivamente.

3.5 Definição do valor isotópico para δb, precisão do método e estimativa de erro

Para calcular as concentrações de fonte C3 nos néctares fabricados em laboratório, em da foram utilizados os valores isotópicos dos sólidos insolúveis extraídos dos néctares (Tabela 2). Para δb (açúcar de cana - Tabela 1), utilizaram-se os valores de -13,38‰ (amostra 1 - valor isotópico mais leve), -13,11‰ (valor médio) e -12,77‰ (amostra 12 - valor isotópico mais pesado). Em δp, foram usados os valores isotópicos dos néctares fabricados em laboratório (Tabela 2).

Na análise de covariância, os valores do teste F foram significativos (p < 0,0001). O teste de Tukey não identificou diferença estatística entre as combinações 1 e 2. Porém, a combinação 3 diferiu das demais. Como a combinação 1 teve a menor média dos Erros, o valor isotópico de -13,38‰ foi escolhido como o valor padrão para δb (açúcar de cana). Este valor, juntamente com o erro total (±1,08%), foram utilizados para mensurar a quantidade de fonte C3 nos néctares de laranja comerciais (Tabela 4).

3.6 Desenvolvimento do limite de legalidade para néctares de laranja comerciais

Para néctares de laranja, o limite de legalidade foi obtido conforme o balanço de massa da Tabela 5.

3.7 Análise isotópica e determinação da legalidade dos néctares de laranja comerciais

O enriquecimento isotópico relativo nos néctares de laranja comerciais variou de -17,51 a 20,75‰. Na análise dos sólidos insolúveis, a amplitude dos resultados foi de -25,41 a -27,62‰ (Tabela 6). Queiroz et al.(2009), verificando a legalidade de bebidas não alcoólicas à base de laranja comercializados no mercado brasileiro, obteve a variação de -26,45 a -27,47‰ para a análise isotópica da polpa. Os resultados da literatura de referência corroboram com os obtidos nessa pesquisa.

Para calcular a quantidade de fonte C3 nos néctares de laranja comerciais, foram utilizados os valores isotópicos dos néctares comerciais (δp) e da fração sólidos insolúveis (δa), conforme os resultados obtidos no item 3.3. Em δb (açúcar de cana), utilizou-se o valor isotópico de -13,38‰, de acordo com o item 3.5. Para cada quantificação de fonte C3, foi inserido o erro total de ±1,08%, calculado no item 3.5.

Relacionando as quantidades de fonte C3 ao °Brix dos néctares de laranja comerciais, foi verificado que todas as amostras estão acima do limite de legalidade e, portanto, em acordo com as normas do MAPA (Figura 1).


4 Conclusões

O limite de legalidade foi uma importante inovação metodológica que possibilitou identificar as bebidas que estavam em conformidade com a legislação brasileira.

Das marcas de néctares investigadas neste trabalho, todas respeitam a determinação do MAPA quanto à adição de suco de laranja.

A metodologia de análise isotópica do Carbono (13C/12C) baseada nos metabolismos fotossintéticos C3 e C4 possibilitou mensurar com eficiência a quantidade de fonte C3 dos néctares de laranja comerciais, permitindo identificar com segurança a legalidade dessas bebidas.

Recebido | Received: 06/05/2010

Aprovado | Approved: 13/04/2011

  • BOUTTON, T. W. Stable carbon isotope ratios of soil organic matter and their use as indicators of vegetation and climate change. In: BOUTTON, T. W.; YAMASAKI, S-I. Mass Spectrometry of Soils New York: Marcel Dekker, 1996. cap. 2, p. 47-82.
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    Autor Correspondente | Corresponding Author
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      06 Maio 2010
    • Aceito
      13 Abr 2011
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