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Estabilidade de ervilha em conserva em embalagem metálica com baixo revestimento de estanho

Stability of canned peas in tinplate cans with reduced tin layer

Resumos

A legislação brasileira harmonizada com o MERCOSUL recomenda que, em embalagens metálicas produzidas em folhas-de-flandres, comprove-se tecnologicamente que a camada de estanho utilizada é adequada na proteção do alimento em relação às reações de corrosão. O objetivo deste estudo foi avaliar a estabilidade de ervilha em conserva acondicionada em latas de três peças eletrossoldadas, produzidas com corpo em folha-de-flandres com revestimento interno de estanho de 2,0 g.m-2 e envernizadas internamente, por meio de teste de estocagem. As latas foram caracterizadas quanto ao tipo de material metálico e à qualidade do envernizamento interno. O teste de estocagem foi realizado pelo período de 540 dias à temperatura controlada de 35 °C ± 2 °C, com avaliações periódicas das latas em relação à aparência visual interna e da ervilha quanto à dissolução dos metais da embalagem (cromo, estanho e ferro), ao nível de vácuo e à composição dos gases oxigênio, hidrogênio, dióxido de carbono e nitrogênio presentes no espaço-livre. A caracterização das latas demonstrou que os revestimentos metálicos (cromo e estanho) atenderam ao recomendado e o sistema de envernizamento interno apresentou condições adequadas para todos os parâmetros avaliados. As avaliações periódicas da ervilha demonstraram que não houve alteração importante em relação à dissolução de metais da lata para o produto, que se manteve em condições aceitáveis, assim como a aparência da superfície interna da embalagem. Durante o período de estocagem, ocorreu redução no vácuo interno e aumento da concentração do hidrogênio no espaço-livre da lata, indicando o desenvolvimento de corrosão interna. O estudo permitiu concluir que a lata produzida com folha-de-flandres com camada de estanho de 2,0 g.m-2, com as condições de envernizamento interno empregadas, pelo período de 540 dias de estocagem a 35 °C, apresentou desempenho satisfatório, indicando a viabilidade do uso de folhas-de-flandres com camada de estanho de 2,0 g.m-2 para o acondicionamento de ervilha em conserva.

Estabilidade; Lata; Folha-de-flandres; Camada de estanho


Brazilian Federal Laws harmonized with MERCOSUL recommend that the tin layer of tinplate metallic packaging be technologically proven as adequate in the protection of the food against corrosion. The purpose of this study was to evaluate the stability of canned peas in welded three piece tinplate cans using a storage test, evaluating the performance relative to food/packaging interaction. The packaging was produced by tinplate using a 2.0 g Sn/m² internal layer and organic coatings on the inner surface. The can was characterized according to the type of metallic material and an evaluation of the internal organic coatings. The storage test was carried out during a period of 540 days under a controlled temperature of 35 °C ± 2 °C, evaluating the internal visual appearance of the cans, metal dissolution (chromium, tin and iron) in the peas, and the vacuum level and composition of the gases oxygen, hydrogen, carbon dioxide and nitrogen present in the can headspace. The characterization of the cans showed that the metallic material layers (chromium and tin) were in agreement with the recommended standard and that the system of internal coating presented conditions suitable for all the parameters measured. The periodic evaluations of the product showed there were no significant changes in relation to metal dissolution in the product, which remained under acceptable conditions, as also the appearance of the inner surface of the packaging. During the storage period there was a reduction in internal vacuum and increase in the hydrogen concentration in the can headspace, indicating the development of internal can corrosion. The study concluded that a can produced with 2.0 g Sn/m² tinplate with the internal coating used showed satisfactory performance for a storage period of 540 days at 35 °C. These results indicated the viability of using this packaging for canned peas.

Stability; Can; Tinplate; Tin layer


Estabilidade de ervilha em conserva em embalagem metálica com baixo revestimento de estanho

Stability of canned peas in tinplate cans with reduced tin layer

Sílvia Tondella DantasI, * * Autor Correspondente | Corresponding Author ; Elisabete Segantini SaronII; Jozeti Aparecida Barbutti GattiII; Paulo Henrique Massaharu KiyatakaII; Fiorella Balardin Hellmeister DantasII

IInstituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) Centro de Tecnologia de Embalagem (CETEA) Av. Brasil, 2880 CEP: 13070-178 Campinas, SP, Brasil E-mail: silviatd@ital.sp.gov.br

IIInstituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) Centro de Tecnologia de Embalagem (CETEA) E-mail: esaron@ital.sp.gov.br, jozeti@ital.sp.gov.br, paulok@ital.sp.gov.br, fiorella@ital.sp.gov.br

RESUMO

A legislação brasileira harmonizada com o MERCOSUL recomenda que, em embalagens metálicas produzidas em folhas-de-flandres, comprove-se tecnologicamente que a camada de estanho utilizada é adequada na proteção do alimento em relação às reações de corrosão. O objetivo deste estudo foi avaliar a estabilidade de ervilha em conserva acondicionada em latas de três peças eletrossoldadas, produzidas com corpo em folha-de-flandres com revestimento interno de estanho de 2,0 g.m-2 e envernizadas internamente, por meio de teste de estocagem. As latas foram caracterizadas quanto ao tipo de material metálico e à qualidade do envernizamento interno. O teste de estocagem foi realizado pelo período de 540 dias à temperatura controlada de 35 °C ± 2 °C, com avaliações periódicas das latas em relação à aparência visual interna e da ervilha quanto à dissolução dos metais da embalagem (cromo, estanho e ferro), ao nível de vácuo e à composição dos gases oxigênio, hidrogênio, dióxido de carbono e nitrogênio presentes no espaço-livre. A caracterização das latas demonstrou que os revestimentos metálicos (cromo e estanho) atenderam ao recomendado e o sistema de envernizamento interno apresentou condições adequadas para todos os parâmetros avaliados. As avaliações periódicas da ervilha demonstraram que não houve alteração importante em relação à dissolução de metais da lata para o produto, que se manteve em condições aceitáveis, assim como a aparência da superfície interna da embalagem. Durante o período de estocagem, ocorreu redução no vácuo interno e aumento da concentração do hidrogênio no espaço-livre da lata, indicando o desenvolvimento de corrosão interna. O estudo permitiu concluir que a lata produzida com folha-de-flandres com camada de estanho de 2,0 g.m-2, com as condições de envernizamento interno empregadas, pelo período de 540 dias de estocagem a 35 °C, apresentou desempenho satisfatório, indicando a viabilidade do uso de folhas-de-flandres com camada de estanho de 2,0 g.m-2 para o acondicionamento de ervilha em conserva.

Palavras-chave: Estabilidade; Lata; Folha-de-flandres; Camada de estanho.

SUMMARY

Brazilian Federal Laws harmonized with MERCOSUL recommend that the tin layer of tinplate metallic packaging be technologically proven as adequate in the protection of the food against corrosion. The purpose of this study was to evaluate the stability of canned peas in welded three piece tinplate cans using a storage test, evaluating the performance relative to food/packaging interaction. The packaging was produced by tinplate using a 2.0 g Sn/m2 internal layer and organic coatings on the inner surface. The can was characterized according to the type of metallic material and an evaluation of the internal organic coatings. The storage test was carried out during a period of 540 days under a controlled temperature of 35 °C ± 2 °C, evaluating the internal visual appearance of the cans, metal dissolution (chromium, tin and iron) in the peas, and the vacuum level and composition of the gases oxygen, hydrogen, carbon dioxide and nitrogen present in the can headspace. The characterization of the cans showed that the metallic material layers (chromium and tin) were in agreement with the recommended standard and that the system of internal coating presented conditions suitable for all the parameters measured. The periodic evaluations of the product showed there were no significant changes in relation to metal dissolution in the product, which remained under acceptable conditions, as also the appearance of the inner surface of the packaging. During the storage period there was a reduction in internal vacuum and increase in the hydrogen concentration in the can headspace, indicating the development of internal can corrosion. The study concluded that a can produced with 2.0 g Sn/m2 tinplate with the internal coating used showed satisfactory performance for a storage period of 540 days at 35 °C. These results indicated the viability of using this packaging for canned peas.

Key words: Stability; Can; Tinplate; Tin layer.

1 Introdução

A interação embalagem metálica/alimento é considerada a principal causa de alteração de conservas alimentícias e, em alguns casos, a velocidade de corrosão da embalagem é o fator determinante da vida-de-prateleira do produto (SARON; GATTI, 1999). A corrosão é caracterizada principalmente pela dissolução dos metais que constituem a embalagem, o ferro e o estanho, quando do uso de folhas-de-flandres, e ferro e cromo, quando do uso de folhas cromadas, o que pode levar a alteração física, química e organoléptica do produto, limitando a sua vida-de-prateleira (SARON et al., 2006).

A ervilha é uma leguminosa retirada de vagens da espécie Pisum sativum L. de origem europeia, que oferece vários benefícios à saúde, uma vez que contém sais minerais, tais como o cálcio (24 mg.100 g-1), o magnésio (42 mg.100 g-1), o fósforo (152 mg.100 g-1), o ferro (1,4 mg.100 g-1), o potássio (311 mg.100 g-1), o cobre (0,20 mg.100 g-1) e o zinco (1,2 mg.100 g-1), além de ser fonte de vitamina C (12,4 mg.100 g-1) (UNICAMP, 2006). Este produto em conserva, quando comercializado em latas de folhas-de-flandres juntamente com líquido de cobertura (salmoura acidificada), apresenta características agressivas ao material metálico, por causa da presença de ácidos e cloretos, o que requer uma adequada especificação do envernizamento interno da embalagem, principalmente da costura lateral, visando à manutenção das propriedades organolépticas do produto e, consequentemente, da sua vida-de-prateleira.

Em função do custo elevado do estanho e da preocupação na redução do consumo das reservas minerais, cada vez mais se visa diminuir a camada de estanho das folhas-de-flandres, sendo que, atualmente, no Brasil, tem sido observada a redução desta camada de 2,8 g.m-2 para 2,0 g.m-2 em folhas-de-flandres utilizadas na fabricação de latas destinadas ao acondicionamento de conservas vegetais.

A Resolução RDC nº 20 de 22 de março de 2007, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) do Ministério da Saúde, que regulamenta o uso de embalagens, revestimentos, utensílios, tampas e equipamentos metálicos em contato com alimentos e internaliza a Resolução GMC nº 46/06 do MERCOSUL, autoriza o uso de folha-de-flandres, com ou sem envernizamento interno, para contato direto com alimentos em geral, independentemente da camada nominal de estanho empregada, desde que a embalagem cumpra com a sua função tecnológica (BRASIL, 2007). Essa legislação altera a anteriormente vigente, que estabelecia o uso de folha-de-flandres com revestimento mínimo de estanho de 2,8 g.m-2, quando envernizada internamente, nas aplicações para alimentos não desidratados. Para tanto, existe a necessidade de realização de estudos de estabilidade que comprovem que latas produzidas com folha-de-flandres com camada de estanho reduzida em relação ao valor mínimo anteriormente praticado são adequadas para o uso pretendido.

Saron et al. (2006) avaliaram a viabilidade do uso de folha-de-flandres com menor revestimento nominal de estanho para suco de maracujá pronto para o consumo. Neste estudo, foram avaliadas latas de três peças eletrossoldadas, produzidas com corpo em folha-de-flandres com camada de estanho de 2,0 g.m-2, fundo em folha cromada e tampa em alumínio, em três variações de envernizamento interno. Como resultado, foi verificado que a embalagem metálica apresentou desempenho satisfatório para o acondicionamento do produto por 365 dias, indicando a viabilidade da redução da camada de estanho para essa aplicação.

O objetivo deste estudo foi verificar a estabilidade da ervilha em conserva acondicionada em latas de folha-de-flandres com revestimento de estanho na face interna de 2,0 g.m-2, protegidas internamente com o mesmo sistema de envernizamento empregado comercialmente em latas com folha-de-flandres 2,8 g.m-2, sob condição de estocagem à temperatura controlada de 35 °C ± 2 °C por um período total de 540 dias, visando o levantamento de informações sobre a vida-de-prateleira do produto com relação à interação embalagem/alimento. Os resultados deste estudo servirão de subsídio técnico para demonstrar a adequação ao uso de folhas metálicas com revestimento de 2,0 g de estanho.m-2, com ênfase no atendimento das funções tecnológicas previstas para o acondicionamento de ervilha em conserva.

2 Material e métodos

2.1 Embalagens e produtos

A ervilha em conserva foi acondicionada em latas de três peças eletrossoldadas, com 73 mm de diâmetro e capacidade para 200 g de produto (peso drenado), produzidas com corpo em folha-de-flandres com revestimento nominal de 2,0 g de estanho.m-2, tampa e fundo em folha cromada e envernizamento polimérico interno. Latas sem uso do mesmo lote de produção foram utilizadas para a caracterização da embalagem. A embalagem e o produto estudados foram fornecidos pela Metalúrgica Mococa S/A.

Foram adquiridas no mercado latas de "ervilha em conserva" e de "dueto milho verde e ervilha em conserva", ambas de mesma capacidade do produto estudado, identificadas como "referência" e "similar", respectivamente, com o objetivo de estabelecer um paralelo entre a qualidade da conserva estudada e a dos produtos similares comercializados em latas de aço com especificação de camada interna nominal do corpo de 2,8 g de estanho.m-2.

2.2 Caracterização da embalagem

A face interna da embalagem foi caracterizada em relação aos revestimentos metálicos (estanho e cromo) e em relação às características do envernizamento interno do corpo, da tampa, do fundo e da costura lateral (identificação, camada seca, aderência, grau de cura e porosidade), conforme metodologias descritas em Dantas et al. (1996).

2.2.1 Camada de estanho ou de cromo do material metálico

A camada de estanho total da face interna da folha-de-flandres do material do corpo das latas foi determinada pelo método coulométrico, utilizando-se sistema de potenciostato/galvanostato EG&G modelo 273, operando por meio do programa EG&G 354. Para a tampa e o fundo, a camada de cromo óxido foi determinada pelo método colorimétrico (ISO, 1995) e a camada de cromo metálico, pelo método coulométrico, utilizando-se o mesmo sistema descrito anteriormente (ABNT, 2008).

2.2.2 Identificação do verniz

O envernizamento interno foi identificado por meio de análise direta do filme destacado do substrato em processo catódico ou pelo contato com ácido clorídrico, por meio de espectroscopia de infravermelho em equipamento marca Perkin Elmer, modelo FTIR 1600.

2.2.3 Camada seca de verniz

A camada seca dos vernizes internos foi determinada por método gravimétrico, utilizando-se balança Metller Toledo modelo AT 400 com resolução de 10-4 g, após remoção mecânica do revestimento com auxílio de acetona p.a.

2.2.4 Aderência de verniz

A aderência dos vernizes internos foi avaliada por meio de ensaio de fita adesiva, conforme descrito pela norma ASTM D 3359-09 (ASTM, 2009).

2.2.5 Grau de cura de verniz

Determinado pelo método de dissolução com solvente, contabilizando-se os ciclos de fricção de algodão embebido em butil glicol e acetona, acoplado em um acessório com 1 kg de massa, até o início da remoção do verniz. Os resultados foram confirmados pelos testes de absorção dos corantes violeta de metila e vermelho de bromopirogalol em metanol 0,05%.

2.2.6 Porosidade de verniz

A porosidade interna da lata foi determinada em um equipamento marca WACO Enamel Rater Test, adaptado a um voltímetro digital marca Hewlett Packard modelo 3465, empregando como eletrólito uma solução aquosa de sulfato de sódio p.a. 2% (m/v), adicionada de 0,1% (m/v) de tensoativo dodecihidrogenosulfato de sódio (C12H25NaO4S).

2.3 Estudo de estabilidade

As latas estudadas foram condicionadas a temperatura controlada de 35 ± 2 °C e as avaliações foram conduzidas ao zero dia (condição inicial) e após 90, 180, 270, 365, 450 e 540 dias de condicionamento. As latas referência e similar adquiridas no mercado foram mantidas a temperatura ambiente - cuja média anual na cidade de Campinas-SP é de 22 °C (CEPAGRI, 2009) - e avaliadas apenas quanto à aparência visual interna da embalagem, à concentração dos metais ferro, cromo e estanho, e ao nível de vácuo ao término dos prazos de validade, indicados nos rótulos pelos fabricantes.

2.3.1 Avaliação visual interna

As latas foram avaliadas visualmente na face interna e classificadas quanto à intensidade de corrosão interna de acordo com a norma ASTM D610 (ASTM, 2008).

2.3.2 Quantificação de cromo, estanho e ferro nos produtos

Os teores de cromo, estanho e ferro foram determinados nos produtos em conserva pelo método de digestão por via úmida em sistema aberto, com utilização de ácido clorídrico concentrado e aquecimento em chapa elétrica (DANTAS, 1998). Após o tratamento, os teores dos metais foram quantificados em espectrômetro de emissão atômica induzida por plasma com detector óptico (ICP-OES), marca Perkin Elmer, modelo OPTIMA 2000DV, empregando-se curvas de calibração apropriadas para as análises.

2.3.3 Determinação do volume e da composição gasosa do espaço-livre

O gás do espaço-livre das latas foi coletado em um funil e transferido para uma proveta graduada para a leitura direta do volume. A composição deste gás foi avaliada quanto à presença de oxigênio, nitrogênio, hidrogênio e dióxido de carbono, utilizando-se um cromatógrafo a gás CG modelo 2527, operando com detector de condutividade térmica com colunas Porapak-Q e peneira molecular 5A, com base nos seus tempos de retenção específicos na coluna utilizada, por meio de curvas de calibração previamente construídas (DANTAS et al., 1996).

2.3.4 Vácuo

A pressão interna no interior da embalagem foi determinada utilizando-se manovacuômetro marca Ashcroft, com capacidade de 30 polHg (1,02 × 10-2 MPa) e resolução de 1 polHg (3,4 × 10-4 MPa) para vácuo, e capacidade de 15 psi (0,103 MPa), com resolução de 0,50 psi (3,45 × 10-3 MPa) para pressão positiva, após o condicionamento das latas a 23 °C por, no mínimo, 8 h (U.S. FOOD And DRUG ADMINISTRATION, 2001).

2.3.5 Análise estatística

Os resultados obtidos nas avaliações periódicas da ervilha em conserva foram submetidos à análise de variância (ANOVA) a um critério de classificação e comparação das médias pelo teste da mínima diferença significativa, utilizando-se o programa Statística versão 5.0.

3 Resultados e discussão

3.1 Caracterização da embalagem

3.1.1 Camada de estanho ou de cromo do material metálico

A caracterização da face interna dos materiais metálicos componentes da lata estudada encontra-se na Tabela 1. De acordo com a Norma NBR 6665 (ABNT, 2010), o desvio de massa permitido para menos na média para folhas com revestimento nominal de 2,0 g.m-2 é de 0,30 g.m-2. A folha cromada, por sua vez, deve apresentar revestimentos mínimos de óxido de cromo e cromo metálico correspondentes a 5 mg.m-2 e 50 mg.m-2, enquanto os valores máximos devem corresponder, respectivamente, a 15 mg.m-2 e 140 mg.m-2. Verifica-se que a folha-de-flandres do corpo das latas atendeu ao limite mínimo de estanho estabelecido para o valor nominal de 2,0 g.m-2, assim como a folha cromada da tampa e do fundo atendeu aos limites mínimos e máximos de cromo e óxido de cromo estabelecidos pela norma NBR 6665 (ABNT, 2010).

3.1.2 Caracterização do envernizamento interno

Os resultados de caracterização do envernizamento interno avaliado pelos parâmetros camada seca, aderência, grau de cura e porosidade dos vernizes internos do corpo, da tampa, do fundo e da costura lateral da lata de ervilha em conserva estão destacados na Tabela 2.

A identificação dos vernizes internos demonstrou que a lata apresentava verniz tipo oleorresinoso no corpo, na tampa e no fundo, e verniz epóxi-fenólico na costura lateral. A aderência dos vernizes internos classificou-se no melhor grau em todas as regiões da lata. O grau de cura dos vernizes internos mostrou condição adequada em todas as partes da lata, pelos dois métodos de avaliação empregados. A eletrossolda foi a principal região da lata com presença de porosidade do verniz interno.

3.2 Avaliação visual interna das latas

As principais alterações observadas na avaliação visual interna na lata de ervilha estudada ao longo dos 540 dias de estocagem ocorreram nas regiões do corpo e da costura lateral, como demonstrado nas médias dos graus atribuídos apresentados na Figura 1. Nesta figura, também estão apresentados os graus observados para as amostras referência e similar, ao término dos seus prazos de validade (540 dias), estocadas à temperatura ambiente.


O desempenho inferior da região da costura lateral observado a partir dos 90 dias de estocagem provavelmente decorre de defeitos na solda, caracterizados pela presença de respingos, que são porções do aço projetadas na direção transversal durante o processo de soldagem; estes podem ocorrer durante a produção deste tipo de lata (FARIA et al., 1993). Apesar das alterações nas regiões do corpo e da costura lateral, a lata de ervilha em conserva se manteve em condições adequadas de consumo até o final do período de estocagem de 540 dias, sendo o mesmo verificado para as latas referência e similar, principalmente na região do corpo.

3.3 Quantificação de cromo, estanho e ferro nos produtos

A Legislação Brasileira estabelece como 250 mg.kg-1 e 0,10 mg.kg-1 as concentrações máximas de estanho e cromo, respectivamente, para produtos em geral, e não estabelece limite para o ferro, visto que este é um elemento essencial à dieta humana (ABIA, 1999). As concentrações dos metais estanho e cromo determinadas na ervilha em conserva ao longo da estocagem e nos produtos das latas referência e similar, descritas na Tabela 3, apresentaram-se abaixo dos limites máximos estabelecidos pela Legislação Brasileira.

A ervilha em conserva apresentou concentração de estanho constante ao longo do período de estocagem, em que as médias variaram entre 0,10 mg.kg-1 e 0,19 mg.kg-1, não indicando diferença estatística significativa (ANOVA, p < 0,05) entre as diferentes épocas de estocagem avaliadas. As concentrações médias de estanho no final do período de estocagem (450 e 540 dias) mostraram-se similares às determinadas nos produtos referência e similar e cerca de 11 vezes inferior às concentrações de estanho observadas por Dantas (1998) na avaliação de ervilhas em conserva acondicionadas em latas eletrossoldadas de folhas-de-flandres com revestimento de estanho nominal na face interna de 5,6 g.m-2, com dois sistemas de envernizamento internos compreendidos por epóxi-amina e epóxi-ureia, que apresentaram, respectivamente, concentrações médias de estanho de 2,46 mg.kg-1 e 2,18 mg.kg-1 após seis meses de estocagem à temperatura de 35 °C.

Houve um aumento de 1,8 vez na concentração de ferro no produto ao longo do período de estocagem, provavelmente em decorrência do processo de oxidação interna da lata, por contribuição principalmente da região de soldagem. A regressão dos dados obtidos e apresentados na Tabela 3 permite o estabelecimento de um modelo exponencial para a concentração de ferro na ervilha em conserva em função do tempo de estocagem, conforme equação mostrada na Figura 2, regressão essa significativa no nível de erro de 5%. A concentração de ferro na ervilha em conserva aos 540 dias apresentou-se na mesma ordem de grandeza que aquela observada no produto referência e 25% superior em relação à concentração observada no produto similar. Esta diferença da concentração de ferro pode ser decorrente da diferença entre os produtos analisados e do efeito da maior temperatura de estocagem utilizada nas latas com corpo em folha-de-flandres 2,0 g.m-2.


No estudo realizado por Dantas (1998), as ervilhas em conserva acondicionadas em latas de folhas-de-flandres apresentaram concentrações médias de ferro de 19,41 mg.kg-1 para a lata com o verniz epóxi-amina e de 18,07 mg.kg-1 para a lata com verniz epóxi-ureia, ambos após 365 dias de estocagem a 35 °C. Com base em estudo realizado por Hollaender e Sedlmayr (1989), relacionando o teor de ferro com a alteração organoléptica de produtos enlatados similares, Dantas (1998) considerou que concentrações de ferro superiores a 40 mg.kg-1 podem provocar alteração de sabor em ervilhas em conserva. Conclui-se que a concentração de ferro da ordem de 20 mg.kg-1 é usualmente observada para essa classe de produto, não sendo considerada um fator de limitação da sua vida-de-prateleira.

3.4 Volume e composição gasosa do espaço-livre

A Tabela 4 apresenta os resultados de volume gasoso e os teores de oxigênio (O2), hidrogênio (H2), dióxido de carbono (CO2) e nitrogênio (N2) do gás do espaço-livre das latas, determinados ao zero dia e após 540 dias de estocagem a 35 °C.

A concentração de O2 no espaço-livre da embalagem ao zero dia apresentou-se bastante inferior à observada no ar (21%), tendo-se mantido praticamente constante ao final da estocagem. Situação semelhante foi observada para as concentrações de CO2 e N2 nas duas épocas de análise. A análise estatística ANOVA (p < 0,05) indicou que não houve diferença significativa entre as concentrações destes gases durante o período estudado.

O volume gasoso e a concentração de hidrogênio apresentaram resultados estatisticamente diferentes entre as análises no início e no final do período de estocagem, as quais estão interligadas e demonstram ser decorrentes do desenvolvimento de leve oxidação interna da embalagem metálica.

3.5 Vácuo

A Figura 3 apresenta a evolução do vácuo (pressão interna) na lata de ervilha em conserva, ao longo do período de estocagem de 540 dias a 35 °C, e para as amostras similar e referência nos términos dos seus prazos de validade (540 dias).


Observou-se uma redução gradativa no vácuo interno das latas de ervilha, o qual ficou praticamente estável a partir dos 365 dias de estocagem, correspondendo a uma redução de 22% aos 540 dias de estocagem. A amostra similar apresentou vácuo interno 39% superior e a lata referência, 25% inferior, sendo ambas em relação ao observado na lata de folha-de-flandres 2,0 g.m-2 no término do estudo.

O vácuo inicial é influenciado pelas condições de enchimento do produto e de exaustão de cada lata, e sua alteração durante a estocagem deve-se às reações de oxidação dos pigmentos, ao crescimento microbiano e ao desenvolvimento de corrosão com liberação de hidrogênio (DANTAS, 1999).

A análise estatística ANOVA (p < 0,05) do vácuo das latas de ervilha, nas diferentes épocas de estocagem, demonstrou que houve diferença significativa aos 365 dias de estocagem em relação às demais épocas, as quais eventualmente apresentaram diferenças entre si. Entre 450 e 540 dias de estocagem, não foi observada diferença significativa nos resultados, indicando uma provável estabilização no vácuo.

O estudo realizado pelo período de 540 dias de estocagem a 35 °C da ervilha em conserva acondicionada em lata com corpo em folha-de-flandres com revestimento nominal de estanho de 2,0 g.m-2, envernizada internamente, mostrou que não houve alteração importante em relação à dissolução de metais da lata para o produto, que se manteve em condições aceitáveis, assim como a aparência da superfície interna da embalagem.

O vácuo interno apresentou pequena redução, que se estabilizou a partir dos 450 dias até o final do estudo. A presença de gás hidrogênio no espaço-livre indicou o desenvolvimento de corrosão interna, porém em pequena velocidade, como demonstrado pela baixa concentração de ferro observada no produto. Assim, pode-se afirmar que o produto sofreu alteração normal em decorrência da interação com a embalagem, ou seja, observou-se que a folha-de-flandres com revestimento de estanho de 2,0 g.m-2 é um material que apresenta desempenho aceitável no acondicionamento de ervilha em conserva, quando envernizada na face interna com verniz oleorresinoso no corpo, na tampa e no fundo, e epoxi-fenólico na costura lateral.

4 Conclusões

O estudo permitiu concluir que a lata de três peças com costura lateral eletrossoldada, com 73 mm de diâmetro, produzida com corpo em folha-de-flandres com revestimento de estanho na face interna de 2,0 g.m-2 e tampa e fundo em folha cromada, envernizada internamente, cumpre sua função tecnológica, sendo uma opção viável de embalagem para o acondicionamento de 200 g de peso drenado de ervilha em conserva por 540 dias de estocagem na temperatura média de até 35 °C.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Metalúrgica Mococa S/A, pelo suporte financeiro.

Recebido | Received: 10/12/2008

Aprovado | Approved: 18/04/2011

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    Autor Correspondente | Corresponding Author
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2008
    • Aceito
      18 Abr 2011
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