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Determinação e verificação de como a gordura trans é notificada nos rótulos de alimentos, em especial naqueles expressos “0% gordura trans”

Determination and verification of how “trans” fat is notified on food labels, particularly those expressed as being “0% trans fat”

Resumo

Neste trabalho, foram analisadas 251 amostras de alimentos quanto aos teores de gordura total, ácidos graxos TRANS, saturados, monoinsaturados e poli-insaturados de produtos amplamente consumidos pela população, principalmente aqueles com alegação “zero TRANS”. De acordo com a Resolução RDC 360/2003 da ANVISA, é obrigatória a declaração dos níveis de ácidos graxos TRANS na rotulagem dos alimentos embalados quando os teores forem superiores a 0,2 g na porção do alimento. Produtos com valores inferiores a 0,2 g podem ser notificados na rotulagem como “zero TRANS”. O objetivo deste estudo foi avaliar a quantidade de gorduras saturadas e TRANS em diversos grupos de alimentos industrializados, e a adequação, frente à legislação brasileira, da declaração dessas gorduras nos respectivos rótulos. Para as análises, foram utilizados os métodos oficiais de análise de gorduras AOAC 996.01 (modificado) e de ésteres metílicos de ácidos graxos AOAC 996.06. Conforme os resultados obtidos, alguns produtos apresentaram, em 100 g, teores de ácidos graxos TRANS superiores aos recomendados para ingestão total diária em diversos países (2 g/dia). Vários produtos estão conforme a legislação (0,2 g de gordura TRANS por porção), o que não implica necessariamente em zero absoluto, dando a falsa ideia ao consumidor de não estar ingerindo gordura TRANS, independentemente da quantidade consumida. Em apenas 12 amostras, não se detectou gordura TRANS em 100 g de produto analisado. Ressalte-se, ainda, que, muitas vezes, a quantidade consumida é maior do que a porção sugerida, acarretando uma ingestão significativa de ácidos graxos TRANS. Os resultados obtidos nesta avaliação oferecem subsídios para modificações na legislação em vigor, exigindo a declaração de ácidos graxos TRANS na rotulagem.

Palavras-chave:
Gorduras TRANS; Gorduras saturadas; Legislação brasileira; Rotulagem nutricional

Summary

In this study 251 food samples widely consumed by the population, especially those claiming to be “zero TRANS”, were analys5ed for their total fat contents and for their “TRANS”, saturated, monounsaturated and polyunsaturated fatty acid contents. According to the RDC Resolution 360/2003 of ANVISA, the TRANS fatty acid content of a food must be printed on the label when the level is greater than 0.2 g per food portion. Products containing less than 0.2 g/ per portion can be reported on the label as “zero TRANS.” The aim of this study was to evaluate the amounts of saturated and “TRANS” fats in many groups of processed foods, and the adequacy of the disclosure of these amounts on the product label, considering the Brazilian legislation. The official AOAC methods were used for the analyses specifically nº 996.01 (modified) for the total fat analysis and nº 996.06 for the analysis of the fatty acid methyl esters. According to the results obtained, 100g portions of some of the products contained more than 2g of “TRANS” fatty acids, which is the limit recommended by several countries for the daily intake of “TRANS” fatty acids. Many products were in compliance with the law (up to 0.2 g TRANS fat per serving), which does not necessarily imply absolute zero, giving the consumer the false impression of not ingesting any “TRANS” fat regardless of the amount of product consumed. Only 12 samples really showed 0g of “TRANS” fat per 100g of product analysed. It should also be pointed out that frequently the amount of product consumed is more than the suggested serving, resulting in a significant intake of “TRANS” fatty acids. The results presented here provide subsidies for the reshaping of current Brazilian legislation demanding the printing of the “TRANS” fatty acid content on the food label.

Keywords:
“TRANS” fat; Saturated fat; Brazilian legislation; Nutrition labelling

1 Introdução

As gorduras TRANS na dieta derivam, principalmente, da ingestão de alimentos industrializados, como biscoitos, sorvetes, batatas fritas, salgadinhos de pacote, bolos, frituras em geral, margarinas, entre outros (ARENHART et al., 2009Arenhart, M.; Balbinot, E. L.; Batista, C. P.; Prochnow, L. R.; Marques, E. B.; Portella, E. A.; Blasi, T. C. A realidade das gorduras trans: conhecimento ou desconhecimento. , Disciplinarum Scientia. Série: Ciências da SaúdeSanta Maria, v. 10, n. 1, p. 59-68, 2009.; AUED-PIMENTEL et al., 2009Aued-Pimentel, S.; Silva, S. A.; Kus, M. M. M.; Caruso, M. S. F.; Zenebon, O. Avaliação dos teores de gordura total, ácidos graxos saturados e trans em alimentos embalados com alegação “livre de gorduras trans”. , Brazilian Journal of Food TechnologyCampinas, v. VII BMCFB, p. 51-57, jun 2009.; BROWNELL; POMERANZ, 2014Brownell, K. D.; Pomeranz, J. D. The trans-fat ban – food regulation and long-term health. , The New England Journal of MedicineBoston, v. 370, n. 19, p. 1773-1775, 2014. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMp1314072. PMid:24806156.
http://dx.doi.org/10.1056/NEJMp1314072...
; DAVID; GUIVANT, 2012David, M. L.; Guivant, J. S. A gordura trans: entre as controvérsias científicas e as estratégias da indústria alimentar. , Política & SociedadeFlorianópolis, v. 11, n. 20, p. 49-74, 2012.; MERÇON, 2010Merçon, F. O que é uma Gordura Trans? , Química NovaSão Paulo, v. 32, n. 2, p. 78-83, 2010.; PEREIRA et al., 2012Pereira, R. A.; Duffey, K. D.; Sichieri, R.; Popkin, B. M. Sources of excessive saturated fat, trans fat and sugar consumption in Brazil: an analysis of the first Brazilian nationwide individual dietary survey. , Public Health NutritionWallingford, v. 17, n. 1, p. 113-121, 2012. http://dx.doi.org/10.1017/S1368980012004892. PMid:23190560.
http://dx.doi.org/10.1017/S1368980012004...
; PROENÇA; SILVEIRA, 2012Proença, R. P.; Silveira, B. M. Recomendações de ingestão e rotulagem de gordura trans em alimentos industrializados brasileiros: análise de documentos oficiais. , Revista de Saúde PúblicaSão Paulo, v. 46, n. 5, p. 923-928, 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102012000500020. PMid:23128270.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102012...
; SILVEIRA et al., 2013Silveira, B. M.; GONZALEZ-CHICA, D. A.; PROENÇA, R. P. C. Componentes com gordura trans notificados na lista de ingredientes de alimentos industrializados. , Nutrire: Revista da Sociedade Brasileira de Alimentação e NutriçãoSão Paulo, v. 38, p. 212, 2013. Suplemento.; SOUZA et al., 2014Souza, A. A.; Almeida, D. T.; Barros, H. D.; Machado, E. R.; Pumar, M. Critical analysis of labeling and household measures of margarine, vegetable cream, butter, cream cheese, and palm oil. , Nutrire: Revista da Sociedade Brasileira de Alimentação e NutriçãoSão Paulo, v. 39, n. 1, p. 1-16, 2014.). Nos alimentos de origem animal (carne e leite), também há gorduras TRANS, porém em pequenas quantidades.

Segundo a resolução RDC 360, de 23 de dezembro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade de declaração dos níveis de gordura TRANS nos rótulos dos alimentos industrializados (BRASIL, 2003BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 26 dez. 2003.), podem ser notificados na rotulagem como “zero TRANS” os alimentos que apresentarem máximos de 0,2 g de gorduras TRANS e de 2 g de gorduras saturadas por porção (BRASIL, 1998BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 27, de 13 de janeiro de 1998. Aprova regulamento técnico referente à Informação nutricional complementar (declarações relacionadas ao conteúdo de nutrientes), constantes do anexo desta portaria. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 16 jan. 1998.).

Em muitos produtos, a gordura TRANS consta como zero, mas, na realidade, não é zero absoluto, pois se o valor for inferior a 0,2 g/porção, a empresa fica desobrigada a informar a quantidade dessa gordura no rótulo, impossibilitando a averiguação nutricional do alimento quanto a este componente.

A gordura TRANS pode ser notificada nos rótulos dos produtos alimentícios brasileiros de três maneiras, a saber: na lista de ingredientes, com componentes que possuem esse tipo de gordura; no quadro da informação nutricional, apresentando o conteúdo por porção, ou o destaque de ausência na parte frontal do rótulo.

Observa-se, portanto, uma fragilidade importante na legislação brasileira, uma vez que a rotulagem e a declaração de ausência de gordura TRANS não podem ser consideradas completamente seguras, necessitando também a consideração da lista de ingredientes.

Em razão do exposto e da tolerância apresentada na legislação que engloba uma extensa gama de alimentos altamente consumidos pela população brasileira, é importante que seja realizado um levantamento desses produtos com alegação “zero gordura TRANS”, pois, na maior parte dos casos, não significa ausência dessa gordura, expressando, apenas, que uma porção do alimento não ultrapassa a tolerância legal.

Surgem alguns questionamentos e preocupações acerca do tema, como, por exemplos, a veracidade das informações alimentares e nutricionais declaradas nos rótulos; a notificação de não conter gordura TRANS no quadro da informação nutricional e desta estar presente em componentes citados na lista de ingredientes, e a possibilidade de a declaração de “zero TRANS” ser interpretada como “um produto saudável”.

Neste trabalho, foi feita uma verificação de como a gordura TRANS é notificada na informação alimentar e nutricional de rótulos de produtos industrializados, em especial aqueles em que estão expressos “não contém gordura TRANS”. Análises foram realizadas para determinar a quantidade total de gordura, gordura saturada e gordura TRANS presente em 100 g de cada produto analisado. Foi verificado se a rotulagem estava de acordo com a legislação e os resultados obtidos nas análises foram comparados com os dados expressos nos rótulos das amostras analisadas. Para viabilizar a comparação entre os valores obtidos nas análises e os valores declarados nos rótulos, os valores de gorduras totais, gorduras saturadas e gorduras TRANS apresentados nos rótulos foram transformados para valores em 100 g de produto, uma vez que os valores das porções nos rótulos não são padronizados.

2 Material e métodos

Foram selecionadas categorias de produtos de grande consumo pela população, especialmente produtos com alegação “zero gordura TRANS”. No total, foram analisadas 251 amostras de alimentos, adquiridas em mercados locais, no período de novembro/2013 a fevereiro/2014.

As gorduras das amostras trituradas e pesadas (1-5 g) eram extraídas com 10 mL de hexano (P.A) em banho ultrassônico (Branson 1510), por 5 min. Uma alíquota de 2 mL do extrato era centrifugada em tubo de microcentrífuga e retirava-se, então, 1 mL do sobrenadante, que era transferido para um tubo criogênico de 2 mL; após secagem, o valor de gordura total era calculado. A seguir, dissolviam-se aproximadamente 15 mg da amostra de gordura em 100 µl de uma solução de etanol (95%)/hidróxido de potássio 1 mol/l (5%). Após agitação em vórtex por 10 s, a gordura era hidrolisada em um forno de micro-ondas doméstico (Panasonic Piccolo), à potência de 80 W (Potência 2), durante 5 min. Após resfriamento, adicionavam-se 400 µl de ácido clorídrico a 20%, uma ponta de espátula de NaCl (~20 mg) e 600 µl de acetato de etila. Depois de agitação em vórtex por 10 s e repouso por 5 min, uma alíquota de 300 µl da camada orgânica era retirada, colocada em tubos de microcentrífuga e seca por evaporação, obtendo-se, assim, os ácidos graxos livres (CHRISTIE, 1989Christie, W. W. Gas chromatography and lipids: a practical guide. Ayr: Pergamon Press, 1989.). Posteriormente, os ácidos graxos livres eram metilados com 100 µl de BF3 / metanol (14%) por aquecimento, durante 10 min, em banho de água a 60°C. Os ésteres metílicos obtidos eram diluídos em 900 µl de metanol e analisados por Cromatografia Gasosa segundo a norma AOAC 996.06 (HORWITZ, 2005HORWITZ, W. (Ed.). Official Methods of Analysis of AOAC. 18 ed. Gaithersburg: AOAC International, 2005. (Method 996.06).). A adaptação do preparo das amostras em microescala utilizando tubos criogênicos e forno de micro-ondas na hidrólise proporcionou uma redução drástica no tempo e nos custos das análises, viabilizando, assim, a realização da análise de uma grande quantidade de amostras.

As análises eram realizadas em um Cromatógrafo a Gás, equipado com detector por ionização de chamas. Utilizou-se uma coluna SP2380, de 30m × 0,32 mm, com gradiente de temperatura: 120°C, 1 min, 7°C/min até 240°C; injetor (split de 1/50) a 250°C e detector a 250°C. Como gás de arraste, foi utilizado hidrogênio (2 mL/min). O volume de injeção da amostra era de 1 μL. A identificação dos picos era feita por comparação com padrões de ácidos graxos metilados (FAME Mix C14-C22 – CRM18917 SUPELCO).

Variações em composição química, tanto de produtos em diferentes lotes como em diferentes grupos, são esperadas para esse tipo de análise. No intuito de avaliar essas variações, realizou-se uma análise estatística, em que se calcularam a concentração média, o desvio padrão e a concentração mediana de gordura TRANS para os diferentes grupos de produtos utilizados.

3 Resultados e discussão

Os resultados obtidos nas análises de acordo com o grupo de gordura (saturada, monoinsaturada, poli-insaturada e TRANS), bem como os valores de gorduras TRANS declarados nos rótulos equivalentes a 100 g do produto (última coluna), encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização por grupo de gordura (em 100 g do produto) e apresentação da gordura TRANS declarada nos respectivos rótulos.

Conforme se observa nos resultados apresentados na Tabela 1, alguns tipos de biscoitos (caseiros, wafer e recheados), chips e batata palha, e manteigas e margarinas foram os produtos que apresentaram os maiores percentuais de gorduras TRANS. Por outro lado, os chocolates e bombons, apesar de a grande maioria apresentar elevados teores de gordura total, os teores de gorduras TRANS encontrados foram relativamente baixos.

Nos biscoitos caseiros (amostras números 1 a 21) e nos salgados de lanchonete (amostras números 234 a 247), cujas amostras não continham rótulos, foram encontrados elevados teores de gorduras TRANS. Nos biscoitos caseiros, os valores variaram de 0,47 a 3,59 g em 100 g, o que equivale à variação de 0,1 a 1,1 g por porção de 30 g; nos salgados de lanchonete, encontrou-se de 0,08 a 0,66 g de gordura TRANS em 100 g.

Dos 215 produtos que continham rótulos, observaram-se divergências entre os teores de ácidos graxos TRANS declarados nos rótulos e os teores encontrados nas análises, em grande parte dos produtos analisados.

Em 27 amostras (números 31, 32, 34, 36, 41, 42, 57, 71, 107, 110, 119, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 136, 144, 151, 152, 153, 154, 195, 213 e 216), havia no rótulo a declaração de “0 gorduras TRANS”. Entretanto, nas análises desses produtos, foram encontrados teores de ácidos graxos TRANS superiores a 0,2 g/porção. Assim, estes deveriam conter nos rótulos os valores reais de gordura TRANS.

As manteigas continham a declaração de zero gordura TRANS em seus rótulos; entretanto, foram encontrados elevados teores. Nas amostras números 96 a 102, foram encontrados de 5,29 a 10,17 g (5,29% a 10,17%) de gordura TRANS em 100 g, o que equivale a uma variação de 0,5 a 0,9 g por porção de 10 g.

Deve-se salientar que sete amostras (números 30, 36, 40, 43, 48, 64, 76) apresentaram, em 100 g do produto, teores de ácidos graxos TRANS elevadíssimos, próximos ao máximo recomendado para ingestão total diária em diversos países (2 g/dia). Tomando-se a amostra 40 como exemplo (Wafer Chocolate – RR), observa-se que, em uma porção de 30 g, encontra-se 1,90 g de Gorduras TRANS (6,34 g de gorduras TRANS em 100 g do produto), valor muito próximo do limite de ingestão diária dessa gordura. Lembrando, ainda, que, muitas vezes, consome-se uma quantidade maior do que a porção utilizada para declaração nutricional.

Das 215 amostras que continham rótulos, em 189 havia a declaração “0 TRANS”. Porém, destas, em apenas 11 amostras (números 60, 69, 73, 91, 92, 93, 123, 155, 204, 208, 209), não se detectou gordura TRANS. Na amostra 248, apesar de não conter nenhuma indicação acerca do teor de gorduras TRANS, também não se detectou gordura TRANS. Assim, a despeito de conter ou não rótulo, das 251 amostras analisadas, apenas 12 considera-se realmente “0 TRANS”.

Em 25 das 215 amostras, havia indicação da quantidade de gorduras TRANS presente em uma porção [números 43, 55, 75, 90, 96, 101, 120, 125, 126, 127, 215 e os 14 produtos da rede fast food (números 220 a 233)].

Das 215 amostras analisadas que continham rótulos, 151 estão conforme a legislação, podendo alegar não conter gordura TRANS, pois apresentaram, no máximo, 0,2 g/porção de gordura TRANS. Ressalte-se, entretanto, que a alegação de “0 TRANS” não implica, necessariamente, em zero absoluto, e que a ingestão, mesmo de pequenas quantidades, resultará em um acúmulo diário.

Segundo a legislação brasileira, as condições para o produto conter a alegação “zero gordura TRANS” são: máximo de 0,2 g de gordura TRANS por porção e 2 g de gordura saturada por porção (BRASIL, 1998BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 27, de 13 de janeiro de 1998. Aprova regulamento técnico referente à Informação nutricional complementar (declarações relacionadas ao conteúdo de nutrientes), constantes do anexo desta portaria. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 16 jan. 1998.). Observam-se, em 23 amostras, valores altos de teores de gorduras saturadas (valores acima de 2 g de gordura saturada por porção) (amostras números 19, 22, 24, 33, 38, 39, 61, 97, 99, 100, 104, 105, 115, 135, 140, 143, 166, 169, 177, 197, 217, 218 e 250) e, em 27 amostras, tanto de gorduras saturadas quanto de TRANS (amostras números 18, 31, 34, 36, 40, 41, 96, 128, 131, 132, 133, 136, 151, 152, 215, 216, 220, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231 e 233) em 100 g de produto, como pode ser observado nos dois exemplos apresentados a seguir.

Na amostra de biscoito wafer de morango da marca G (amostra n.º 33), foram encontrados valores abaixo de 0,2 g/porção para gorduras TRANS (0,05 g de gorduras TRANS/porção de 30 g), mas valores elevados para gorduras saturadas, acima de 2,0 g/porção (3 g de gorduras saturadas/porção de 30 g). Este é um aspecto importante a ser observado, pois uma das formas utilizadas para reduzir a gordura TRANS consiste na substituição de óleos insaturados por gorduras saturadas.

Para o bolinho com cobertura de chocolate (amostra n.º 216), a situação é ainda pior, pois este é um produto amplamente consumido por crianças, no qual foram encontrados valores elevados tanto para gorduras TRANS quanto para gorduras saturadas, observando-se que, em uma porção de 45 g, encontram-se 0,62 g de gorduras TRANS e 4,75 g de gorduras saturadas.

Outro aspecto observado neste trabalho foi a divergência encontrada entre os valores declarados nos rótulos e aqueles encontrados nas análises. Para exemplificar estes casos, foram utilizadas as amostras 34, 68 e 233, conforme apresentado na Tabela 2.

Tabela 2
Caracterização das amostras 34, 68 e 233, por grupo de gordura.

A soma dos valores das gorduras saturadas, monoinsaturadas e poli-insaturadas tem de ser equivalente ao valor da gordura total (o teor de gordura TRANS está incluído no teor de gorduras insaturadas, podendo ser mono ou poli-insaturada). É importante ressaltar que o que se observa nos rótulos (Tabela 2) é que as informações nutricionais são incompletas.

No rótulo da amostra 34, encontra-se o total de 30,5 g de gordura em 100 g de produto, sendo que 12,5 g correspondem à gordura saturada, faltando a informação de onde provêm os 18 g de gordura que faltam.

Na amostra 68, ao somar os valores de gorduras saturadas, monoinsaturadas e poli-insaturadas contidas no rótulo, observa-se que esse valor (18,37 g) ultrapassa o valor declarado de gordura total (16 g). Já na amostra 233, ao somar os valores de gorduras saturadas e gorduras TRANS contidas no rótulo, observa-se um valor (6,85 g) inferior ao valor declarado de gordura total (13,9 g).

Os valores inferiores encontrados para gorduras saturadas e gorduras TRANS em comparação com os valores declarados nos rótulos das amostras 68 e 233, provavelmente são devidos à substituição de ingredientes que eram utilizados anteriormente, quando o rótulo foi elaborado, e que continham teores mais elevados dessas gorduras. Essa discrepância demonstra um grave problema quanto ao fornecimento de informações acuradas ao consumidor.

O rótulo da amostra 34 continha a alegação de “zero gordura TRANS” e o valor encontrado na análise foi de 0,91 g em 100 g (0,27 g/porção de 30 g), superior ao valor permitido pela legislação para ser declarado como “zero gordura TRANS”. Já na amostra 68, a declaração de “zero gordura TRANS” no rótulo obedeceu à legislação (0,03 g/100 g de produto).

Observa-se, ainda, que, no caso da amostra 233, não se comem, apenas, 100 g do produto e sim o sanduíche inteiro, com aproximadamente 331 g, o que equivale a ingerir 1,1 g de gorduras TRANS em uma única refeição.

Num total de 251 amostras analisadas, 21 eram de biscoitos caseiros; 46 de biscoitos doces; 22 de biscoitos salgados; 6 de molhos; 19 de grãos e achocolatados; 6 de produtos semiprontos; 5 de batatas palhas; 18 de chips; 6 de pães e torradas; 6 de temperos; 50 de chocolates; 4 de bolos prontos; 14 de hambúrgueres – fast food; 15 de salgados de lanchonete; 3 de pipocas; 3 de óleos; 7 de manteigas e margarinas.

É esperada variação em composição química de produtos em diferentes lotes e também em diferentes análises químicas. Na Figura 1, apresentam-se a mediana, a média e o desvio padrão de cada grupo de produto apresentado, de modo a evidenciar a grande variação nas concentrações de gordura TRANS em diferentes grupos de produtos.

Figura 1
Variações nas concentrações de gordura TRANS em diferentes grupos de produtos (linha inteira: concentração média ± desvio padrão; linha pontilhada: concentração mediana).

Os resultados do grupo das amostras de manteigas e margarinas não estão apresentados na referida figura, visto que foram encontrados valores de gorduras TRANS (7,43 ± 1,66) muito superiores aos dos outros grupos de produtos, os quais variaram de 0,06 ± 0,07 (para molhos) a 2,28 ± 1,03 (para batatas palhas). Assim, por questões de escala, a representação de todos os grupos de produtos na mesma figura (incluindo manteigas e margarinas) dificultaria a visualização dos resultados.

Conforme se observa nos resultados apresentados na Figura 1, os grupos dos produtos batata palha e biscoitos caseiros foram os que apresentaram as maiores médias de gorduras TRANS. Observa-se que há uma grande variação dos teores de gordura TRANS nos valores encontrados nas análises para os vários grupos de produtos, evidenciada pelos elevados valores de desvio padrão; estes valores mostram-se até mesmo superiores às suas respectivas médias, comprovando a grande variação que há no teor de gordura TRANS entre mesmos produtos de diferentes marcas e lotes.

Vale ressaltar que a ANVISA não exige a análise constante e periódica. A exigência é de, apenas, uma vez, ao registrar o produto. Portanto, um produto que foi analisado há dez anos pode ter variado sua composição, ou o lote, mas a empresa elabora seu rótulo por meio de tabelas e não da análise, o que justifica o fato de a grande maioria das amostras analisadas não ter apresentado veracidade na declaração dos teores das gorduras, objeto deste estudo.

4 Conclusões

Das 251 amostras analisadas, observa-se que 151 produtos estão conforme a legislação, em que a gordura TRANS nos rótulos consta como zero, por apresentarem valores abaixo de 0,2 g de gordura TRANS e 2 g de gordura saturada por porção. Porém, deve-se ressaltar que, na realidade, não é zero absoluto, dando a falsa ideia ao consumidor de não estar ingerindo gordura TRANS, independentemente da quantidade consumida. Observa-se que, em apenas 12 amostras dentre as 251 amostras analisadas, não se detectou gordura TRANS em 100 g de produto analisado.

Os resultados obtidos indicam a necessidade de uma regulamentação mais cautelosa, discriminando o real teor de gordura TRANS nos rótulos dos alimentos. Na maioria dos rótulos, apesar de apresentarem 0% gordura TRANS em suas tabelas nutricionais, observa-se, na lista de ingredientes, a presença de gordura vegetal, mas o tipo de gordura vegetal utilizado não é especificado – ingrediente este, importante para uma adequada orientação nutricional para pacientes com risco ou portadores de doenças cardiovasculares. É necessário que a declaração dos nutrientes seja mais objetiva, de modo a minimizar dúvidas quanto ao tipo de gordura empregada nos produtos.

É necessária, também, uma padronização dos métodos analíticos e das porções utilizadas para a declaração nutricional (fixando, por exemplo, 100 g para todos os produtos), e que se estabeleça a exigência de determinação periódica dos teores de ácidos graxos TRANS e de gorduras saturadas nos produtos, para verificar a veracidade das informações contidas nos rótulos, uma vez que a formulação do produto pode variar com o tempo e/ou com a disponibilidade de matéria-prima.

Agradecimentos

À FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pelos recursos financiados para a execução do projeto e pela concessão de bolsa de estudo.

  • Cite as: Determination and verification of how “trans” fat is notified on food labels, particularly those expressed as being “0% trans fat”. Braz. J. Food Technol., v. 19, e2015043, 2016.

Referências

  • Arenhart, M.; Balbinot, E. L.; Batista, C. P.; Prochnow, L. R.; Marques, E. B.; Portella, E. A.; Blasi, T. C. A realidade das gorduras trans: conhecimento ou desconhecimento. , Disciplinarum Scientia. Série: Ciências da SaúdeSanta Maria, v. 10, n. 1, p. 59-68, 2009.
  • Aued-Pimentel, S.; Silva, S. A.; Kus, M. M. M.; Caruso, M. S. F.; Zenebon, O. Avaliação dos teores de gordura total, ácidos graxos saturados e trans em alimentos embalados com alegação “livre de gorduras trans”. , Brazilian Journal of Food TechnologyCampinas, v. VII BMCFB, p. 51-57, jun 2009.
  • BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 27, de 13 de janeiro de 1998. Aprova regulamento técnico referente à Informação nutricional complementar (declarações relacionadas ao conteúdo de nutrientes), constantes do anexo desta portaria. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 16 jan. 1998.
  • BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. , Diário Oficial [da] República Federativa do BrasilBrasília, DF, 26 dez. 2003.
  • Brownell, K. D.; Pomeranz, J. D. The trans-fat ban – food regulation and long-term health. , The New England Journal of MedicineBoston, v. 370, n. 19, p. 1773-1775, 2014. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMp1314072 PMid:24806156.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2015
  • Aceito
    23 Fev 2016
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