Acessibilidade / Reportar erro

Estratigrafia do Grupo Araí: registro de rifteamento paleoproterozoico no Brasil Central

Stratigraphy of the Araí Group: record of paleoproterozoic rifting in Central Brazil

Resumos

O Grupo Araí, composto por um conjunto de rochas metassedimentares e metavulcânicas, de baixo grau metamórfico, sobreposto à Suíte Aurumina e à Formação Ticunzal, constitui uma sucessão depositada em uma bacia do tipo rifte intracontinental, cuja evolução iniciou antes de 1,77 Ga no Paleoproterozoico. Esse grupo foi subdividido, classicamente, em Formação Arraias (sequência continental) e Formação Traíras (sequência marinha). Entretanto, a análise, compilação e integração dos dados geológicos no que tange à geologia sedimentar e à tectono-estratigrafia mostraram a necessidade de subdividi-lo em quatro unidades: Água Morna, Arraias, Caldas e Traíras. A Formação Água Morna representa um sistema deposicional fluvial entrelaçado, instituído em uma bacia do tipo SAG-intracontinental, no contexto tectônico da fase pré-rifte, representando a Tectonossequência Água Morna submetida a processos de subsidência termal. A Formação Arraias constitui um espesso pacote de sedimentos continentais, subdividida nos membros Cubículo (leques aluviais), Prata (fluvial entrelaçado), Mutum (eólico), Ventura (lacustre) e Buracão (vulcânicas e piroclásticas), que representam a Tectonossequência Arraias e constituem os tratos de sistema da fase ritfe relacionados essencialmente com a subsidência mecânica da bacia. A Formação Caldas compõe a sequência deposicional transicional do Grupo Araí, subdividida em dois membros que constituem um sistema de praia: membro inferior (backshore eforeshore) e membro superior (shoreface). A Formação Traíras representa a sequência marinha, subdividida nos membros Boqueirão (plataforma siliciclástica dominada por marés), Rio Preto (plataforma siliciclástica dominada por marés) e Rosário (plataforma mista dominada por marés), que constitui a Tectonossequência Traíras desenvolvida no decurso da subsidência flexural. Essa proposta estratigráfica se mostrou bastante funcional, permitindo a realização de correlações regionais entre diferentes áreas de ocorrência do Grupo Araí nos estados de Goiás e Tocantins.

Grupo Araí; rifteamento Paleoproterozoico; sedimentologia; tectono-estratigrafia


The Araí Group is characterized by a succession of low-grade metassedimentary and metavolcanic rocks that overlaps the Aurumina Suit and the Ticunzal Formation. The related basin fill-succession of the Araí Group was probably deposited in an intracontinental rift, which evolution initiated before 1,77 My in the Paleoproterozoic. Originally this unit was subdivided in the Arraias Formation (continental sequence) and Traíras Formation (marine sequence). However, the analysis, compilation and integration of the geologic data, mainly related to the sedimentary geology and the tectono-stratigraphy, had shown the necessity to formalize four unit subdivisions, including the Água Morna, Arraias, Caldas and Traíras formations. The Água Morna Formation represents a braided river fluvial deposicional system, evolved in an intracontinental SAG basin type, during a pre-rift phase, and representing the Água Morna Tectonosequence submitted to thermal subsidence processes. The Arraias Formation represents a thick package of continental sediments, subdivided in four members: Cubículo (aluvial fans), Prata (braided river), Mutum (aeolian), Ventura (lacustrine) and Buracão (volcanic and pyroclastic), representing the Arraias Tectonosequence, which constitute the infilling of the main rift phase, under mechanic subsidence. The Caldas Formation represents the transitional depositional sequence of the Araí Group, subdivided in two informal members related to beach system: Lower Member (backshore and foreshore) and Upper Member (shoreface). The Traíras Formation represents the marine sequence, subdivided in the Boqueirão Member (mixed platform dominated by tides), Rio Preto Member (siliciclastic platform dominated by tides) and Rosário Member (mixed platform dominated by tides), integrating the Traíras Tectonosequence and developed during flexural subsidence (post rift phase). Here the rewied stratigraphy has shown well functional for mapping and regional correlations in different areas of occurrence of the Araí Group in Central Brazil.

Araí Group; Paleoproterozoic rifting; sedimentology; tectono-stratigraphy


INTRODUÇÃO

O Grupo Araí é composto por um conjunto de rochas metassedimentares e metavulcânicas, de grau anquimetamórfico a xisto-verde baixo (Dardenne et al. 1999 Dardenne M.A., Campos J.E.G., Alvarenga C.J.S., Martins F.A.L., Botelho, N.F.1999. A sequência sedimentar do Grupo Araí na região da Chapada dos Veadeiros, Goiás . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro Oeste e Simpósio de Geologia de Minas Gerais. Brasília, Atas, p. 100.), depositado sobre rochas da Suíte Aurumina e sobre a Formação Ticunzal. Esse conjunto lítico é sobreposto pelas rochas dos grupos Paranoá, Bambuí e Serra da Mesa. O Grupo Araí aflora na porção norte da Faixa Brasília a nordeste do Estado de Goiás e sul do Estado de Tocantins.

As rochas do Grupo Araí foram descritas pela primeira vez no Projeto Brasília-Goiás (Barbosa et al. 1969Barbosa O., Baptista M.B., Braun O.P., Dyer R.G., Cotta J.C. 1969. Geologia e inventário dos recursos minerais do Projeto Brasília. Rio de Janeiro, PROSPEC/DNPM. 225 p.) e definidas formalmente na categoria de Grupo por Dyer (1970)Dyer R.C. 1970. Grupo Araí: um Grupo de metamorfitos do Centro-Leste de Goiás. Revista da Escola de Minas de Ouro Preto, 28(2):55-63., em homenagem a um pequeno povoado existente a NNW do município de Cavalcante, Goiás. Araújo e Alves (1979)Araújo V.A. & Alves A.C. 1979. Projeto Canabrava-Porto Real, Relatório Final. Goiânia, CPRM. 191 p. eBraun (1980) Braun O.P. G. 1980. Uma discussão sobre alguns aspectos geotectônicos e estratigráficos das sequências Pré-Cambrianas do centro-leste de Góias . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro-Oeste. Goiânia, Anais, p. 9-29. propuseram diferentes subdivisões para essa unidade, posteriormente modificadas por Martins (1999) Martins F.A.L.1999. Análise faciológica e estratigráfica do Paleo-Mesoproterozoico: Sequência Araí no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Goiás. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 137 p., Dardenneet al. (1999) Dardenne M.A., Campos J.E.G., Alvarenga C.J.S., Martins F.A.L., Botelho, N.F.1999. A sequência sedimentar do Grupo Araí na região da Chapada dos Veadeiros, Goiás . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro Oeste e Simpósio de Geologia de Minas Gerais. Brasília, Atas, p. 100., Marques (2009)Marques G.C. 2009. Geologia dos grupos Araí e Serra da Mesa e seu embasamento no sul do Tocantins. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 116 p. e Tanizaki (2013)Tanizaki M.L.N. 2013. Geologia do Grupo Araí: exemplo de rifte continental no Brasil Central. Dissertação de Mestrado, Universidadede Brasília, 137 p..

Por meio de análises estratigráficas, Martins (1999) Martins F.A.L.1999. Análise faciológica e estratigráfica do Paleo-Mesoproterozoico: Sequência Araí no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Goiás. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 137 p. definiu na área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros duas sequências estratigráficas principais para o Grupo Araí: uma Continental e outra Transicional/Marinha.

Dardenne et al. (1999) Dardenne M.A., Campos J.E.G., Alvarenga C.J.S., Martins F.A.L., Botelho, N.F.1999. A sequência sedimentar do Grupo Araí na região da Chapada dos Veadeiros, Goiás . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro Oeste e Simpósio de Geologia de Minas Gerais. Brasília, Atas, p. 100.dividiram o Grupo Araí em três unidades principais:

  1. continental basal;

  2. continental intermediária; e

  3. marinha superior.

A unidade continental basal é composta por quartzitos fluviais e eólicos e relacionada a uma fase pré-rifte. A unidade continental intermediária, relacionada à fase rifte, é composta na base por brechas e conglomerados intraformacionais e no topo, por quartzitos grossos com níveis conglomeráticos, além de intercalações de rochas vulcânicas ácidas e básicas. A unidade marinha superior é constituída de metassiltitos intercalados com quartzitos finos, representando a fase pós-rifte acompanhada de uma transgressão marinha regional.

Marques (2009)Marques G.C. 2009. Geologia dos grupos Araí e Serra da Mesa e seu embasamento no sul do Tocantins. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 116 p. produziu diversos dados geoquímicos, geocronológicos e litoestratigráficos dos grupos Araí e Serra da Mesa no sudeste do Tocantins. Esse autor propôs a hierarquização do Grupo Araí em três divisões tectono-estratigráficas: megassequência, superssequência e tectonossequência. A megassequência corresponde ao Grupo Araí, que é subdividido em quatro supersequências: pré-rifte, rifte, transicional e pós-rifte.

No Programa de Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil, realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), ocorrências do Grupo Araí foram detectadas nas folhas Monte Alegre de Goiás (SD.23-V-C-III), Nova Roma (SD.23-V-C-VI) e Cavalcante (SD.23-V-C-V) (Alvarenga et al.2006Alvarenga C.J.S., Botelho N.F., Dardenne M.A., Lima O.N.B., Machado M.A. 2006. Nota Explicativa da Folha SD.23-V-C-V (Cavalcante). Escala 1:100.000. Goiás, UnB/CPRM. 76 p.), além das folhas Alto Paraíso de Goiás e Porto Real (em desenvolvimento). Nesses levatamentos, nem sempre a mesma nomenclatura foi utilizada para se referir ao mesmo conjunto litoestratigráfico, tendo em vista que as subunidades do Grupo Araí ainda não foram formalmente definidas. A integração e aplicação dos dados desses levantamentos têm se mostrado uma tarefa complexa devido às inúmeras e distintas nomenclaturas estratigráficas não padronizadas e ao uso de diferentes designações para litofácies similares.

Além dos estudos publicados, diversos projetos de Trabalho Final de Graduação do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (IG/UnB) envolveram o mapeamento geológico regional de diversas áreas que incluem rochas do Grupo Araí. Dentre esses se destacam os projetos: São Félix-Serra da Mesa (Marini 1978Marini J.O. (coord.) 1978. Projeto São Félix-Serra da Mesa. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.), Colinas (Fuck 1984Fuck R.A. (coord.) 1984.Projeto Colinas. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.), Teresina (Botelho 1995Botelho, N.F. (coord.) 1995. Projeto Teresina de Goiás. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.), Cavalcante (Botelho 1998 Botelho N.F. (coord.) 1998. Projeto Cavalcante. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.), Monte Alegre de Goiás (Alvarenga 1999Alvarenga, C.J.S. (coord.) 1999. Projeto Monte Alegre de Goiás. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.), Arraias (Campos 2001Campos J.E.G. (coord.) 2001. Projeto Arraias. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.), Nova Roma-Porto Real (Fuck 2005 Fuck R.A. (coord.) 2005. Projeto Nova Roma,- Porto Real. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.), Colinas-Minaçu (Botelho 2009 Botelho, N.F. (coord.) 2009. Projeto Colinas - Minaçu. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.) e Paranã-São Salvador (Campos 2010 Campos J.E.G. (coord.) 2010. Projeto Paranã - São Salvador. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.).

A idade paleoproterozoica do Grupo Araí é definida a partir de datações U-Pb em zircões de metariolitos que ocorrem na sua sucessão basal (Pimentel et al. 1991Pimentel M.M., Heaman L., Fuck R.A., Marini O.J. 1991. U-Pb zircon chronology of Precambrian tin-bearing continental-type acid magmatism in central Brazil. Precambrian Research, 52(3-4):321-335.; Pimentel & Fuck 1991Pimentel M.M. & Fuck R.A. 1991. Idades U-Pb em zircão de meta-riolito do Grupo Araí e granitos associados. Boletim SBG-Núcleo Centro-Oeste, 14:41-52.) e de dados isotópicos em granitos anorogênicos e vulcânicas ácidas (Pimentel & Botelho 2001Pimentel M.M. & Botelho N.F. 2001. Sr and Nd isotopic characteristics of 1,77-1,58 Ga rift-related granites and volcanics of the Goiás tin province, Central Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 73(2):263-276.).

Existe grande quantidade de informações independentes e não correlacionadas entre si sobre o Grupo Araí, portanto, há a necessidade de se efetuar uma integração de dados de fontes e áreas diversas com foco sedimentológico/estratigráfico com vistas à compreensão da evolução das unidades paleoproterozoicas da região central do Brasil. O primeiro passo nesse sentido é o estabelecimento, com base no Código Brasileiro de Nomenclatura Estratigráfica (Petri et al. 1986aPetri S., Coimbra A.M., Amaral G., Ojeda H.O., Fúlfaro W.J., Ponçano W.L. 1986a. Código brasileiro de nomenclatura estratigráfica. Revista Brasileira de Geociências, 16(4):372-376.; Petri et al. 1986bPetri S., Coimbra A.M., Amaral G., Ponçano W.L. 1986b. Guia brasileiro de nomenclatura estratigráfica. Revista Brasileira de Geociências, 16(4):376-415.), de denominações formais para a unidade e suas subdivisões acompanhadas das respectivas descrições. Dessa forma, esse é o objetivo do presente artigo.

EMBASAMENTO DO GRUPO ARAÍ

O embasamento do Grupo Araí é representado por xistos e paragnaisses da Formação Ticunzal (Fernandes et al.1982Fernandes P.E.C.A., Montes M.L., Braz E.R.C., Montes A.S.L., Silva L.L., Oliveira F.L.L., Ghignone J.L., Siga Jr O, Castro H.E.F. 1982. Formação Ticunzal. In: Projeto RADAMBRASIL, Folha SD-23, Brasília, MME, p. 61-63.) e pelos granitos peraluminosos da Suíte Aurumina (Botelho et al. 1999 Botelho N.F., Alvarenga C.J.S., Meneses P.R., D'el-Rey Silva L.J.H. 1999. Suíte Aurumina: Uma suíte de granitos paleoproterozoicos, peraluminosos e sin-tectônicos na Faixa Brasília . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro-Oeste. Brasília, Anais, p. 17.) intrusivos na Formação Ticunzal.

As rochas da Formação Ticunzal foram inicialmente descritas por Barbosa et al. (1969)Barbosa O., Baptista M.B., Braun O.P., Dyer R.G., Cotta J.C. 1969. Geologia e inventário dos recursos minerais do Projeto Brasília. Rio de Janeiro, PROSPEC/DNPM. 225 p. e Marini et al. (1978)Marini J.O. (coord.) 1978. Projeto São Félix-Serra da Mesa. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília. e, posteriormente, formalizadas no projeto RADAM (Fernandes et al. 1982Fernandes P.E.C.A., Montes M.L., Braz E.R.C., Montes A.S.L., Silva L.L., Oliveira F.L.L., Ghignone J.L., Siga Jr O, Castro H.E.F. 1982. Formação Ticunzal. In: Projeto RADAMBRASIL, Folha SD-23, Brasília, MME, p. 61-63.). A área-tipo dessa unidade se localiza na região das serras do Ticunzal e do Tombador, no município de Cavalcante, Goiás (Marini et al. 1978Marini J.O. (coord.) 1978. Projeto São Félix-Serra da Mesa. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.; Fernandes et al. 1982Fernandes P.E.C.A., Montes M.L., Braz E.R.C., Montes A.S.L., Silva L.L., Oliveira F.L.L., Ghignone J.L., Siga Jr O, Castro H.E.F. 1982. Formação Ticunzal. In: Projeto RADAMBRASIL, Folha SD-23, Brasília, MME, p. 61-63.).

Alvarenga et al. (2006)Alvarenga C.J.S., Botelho N.F., Dardenne M.A., Lima O.N.B., Machado M.A. 2006. Nota Explicativa da Folha SD.23-V-C-V (Cavalcante). Escala 1:100.000. Goiás, UnB/CPRM. 76 p.relatam que a Formação Ticunzal é formada essencialmente por xistos e paragnaisses, frequentemente grafitosos, além de quartzitos micáceos em menores proporções, e raras ocorrências de conglomerados. Adicionalmente, essas rochas revelam uma paragênese retrometamórfica marcada por concentrações variáveis de quartzo, clorita, epidoto, carbonato e muscovita fina. Da paragênese de mais alto grau metamórfico desenvolvida previamente, somente subsistem a grafita de alta cristalinidade, porfiroblastos de granada parcialmente preservados e prováveis pseudomorfos de aluminossilicatos, os quais indicam que a sequência sedimentar foi submetida no mínimo a condições metamórficas de fácies anfibolito médio, como já sugerido porMarini et al. (1978)Marini J.O. (coord.) 1978. Projeto São Félix-Serra da Mesa. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília. eFuck et al. (1988)Fuck R.A., Marini O.J., Dardenne M.A., Figueiredo A.N. 1988. Coberturas metassedimentares do Proterozoico Médio: os grupos Araí e Paranoá na região de Niquelândia-Colinas, Goiás. Revista Brasileira de Geociências, 18(1):54-62..

A idade absoluta da Formação Ticunzal não foi definida, mas é mais antiga do que 2,15 Ga, dada pelas intrusões mais antigas na sua sucessão. A idade máxima é de 2,7 a 2,8 Ga, estimada a partir de idades modelo Sm-Nd em rochas do embassamento (Fuck et al. 2002 Fuck R.A., Dantas E. L., Pimentel M.M., Botelho N.F., Junges S.L., Hollanda M.H.B.M., Moraes R., Armstrong R. 2002. Crosta continental paleoproterozoica no embasamento da porção norte da Faixa Brasília: novos dados Sm-Nd e U-Pb . In: SBG, Congresso Brasileiro de Geologia. João Pessoa, Anais, p. 308.). Marques (2009)Marques G.C. 2009. Geologia dos grupos Araí e Serra da Mesa e seu embasamento no sul do Tocantins. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 116 p. apresenta valores de TDM para a Formação Ticunzal de 3,03 a 2,63 Ga e dados isotópicos de Nd entre 0,5112 e 0,5109, indicando diferentes fontes para essas rochas: uma mesoarqueana (3,0 Ga) e outra neoarqueana (2,6 Ga).

Marques (2009)Marques G.C. 2009. Geologia dos grupos Araí e Serra da Mesa e seu embasamento no sul do Tocantins. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 116 p. descreve a Suíte Aurumina no sul do Tocantins, apresentando dados de isótopos Sm-Nd com variação de 0,968 a 0,1191 e TDM de 2,24 a 2,63 Ga, além de Nd isotópico com pouca variação (0,5116 e 0,5112), indicando similaridade da fonte das rochas dessa suíte. Esse autor ainda apresenta valores de idade modelo de 1,82 a 2,45 Ga para os metapelitos da Formação Traíras, além de δ13C, com valores médios de 2,6‰, e idades zircões detríticos de quartzitos compreendidas entre 2,4 e 2,0 Ga.

ESTRATIGRAFIA DO GRUPO ARAÍ

Propõe-se aqui a divisão do Grupo Araí em quatro formações: Água Morna, Arraias, Caldas e Traíras, separadas entre si por discordâncias regionais e compondo, cada uma delas, uma sequência estratigráfica. As formações Arraias, Caldas e Traíras foram subdivididas em membros, que representam uma associação de fácies associada a sistemas deposicionais específicos. As áreas-tipo para as unidades propostas foram estabelecidas de acordo com as recomendações de Petri et al. (1986)Petri S., Coimbra A.M., Amaral G., Ojeda H.O., Fúlfaro W.J., Ponçano W.L. 1986a. Código brasileiro de nomenclatura estratigráfica. Revista Brasileira de Geociências, 16(4):372-376. (Fig. 1).

Figure 1.
Mapa de localização e acesso às diferentes áreas de ocorrência do Grupo Araí e as respectivas áreas de detalhamento.

A compilação e representação das unidades do Grupo Araí por meio de uma simples coluna estratigráfica não é possível devido às variações laterais e de espessura das diversas unidades. Além disso, as suas exposições ocorrem em diversas regiões, sem continuidade física, representando registros dispersos de uma ou mais paleobacias por distâncias maiores que 100 km. Diante disso, optou-se por uma carta estratigráfica integrada das diversas sucessões que compõem o grupo. A Figura 2 sintetiza a formalização da nomenclatura das quatro unidades que compõem o Grupo Araí (formações Água Morna, Arraias, Caldas e Traíras), além de representar as subdivisões da Formação Arraias (membros Cubículo, Prata, Mutum, Ventura e Buracão), Formação Caldas (membros inferior e superior) e Formação Traíras (membros Boqueirão, Rio Preto e Rosário).

Figure 2.
Representação da estratigrafia integrada das bacias riftes do Grupo Araí.

Formação Água Morna

A Formação Água Morna é composta principalmente por metarcóseos grossos e quartzitos feldspáticos com clastos de quartzo de veios arredondados dispersos. Subsidiariamente, ocorrem quartzitos micáceos e metaconglomerados, intercalados e interdigitados entre os metarcóseos. Essa formação apresenta ampla exposição na Serra da Água Morna, localizada a cerca de 70 km a nordeste da sede do município de Paranã, Tocantins, que contitui sua área tipo. Também apresenta boas exposições no Canyon Gavião, no município de Colinas do Sul, Goiás, e a leste da Serra do Boqueirão, na região de Paranã, Tocantins.

A Formação Água Morna é caracteristicamente uma unidade com pequena espessura (valor máximo de 175 metros), que ocorre sempre assentada diretamente sobre o embasamento. Provavelmente essa formação é contínua e mais abrangente, entretanto, coberturas coluvionares, frequentes na zona de contato do Grupo Araí com o embasamento, mascaram seus afloramentos.

Litofácies metaconglomerado fino: é composta por conglomerado fino com grânulos e seixos de quartzo e feldspato subarredondados a angulosos, com tamanho médio de 5 mm, podendo alcançar até 2 cm. A matriz quartzo-feldspática, de granulometria areia média a grossa, apresenta cor branca rosada ou branca amarelada. A rocha ocorre silicificada ou friável, com séries de estratificações cruzadas acanaladas e tabulares de até 50 cm. Petrograficamente, a rocha apresenta textura granoblástica com grãos de quartzo e feldspato recristalizados em contato poligonal, lamelas de fengita, muscovita e biotita detríticas e/ou metamórficas no entorno dos clastos maiores.

Litofácies quartzito feldspático: é composta por quartzitos arcoseanos ou feldspáticos, brancos, por vezes rosados, em bancos métricos, mal selecionados, com granulometria areia média a grossa, friáveis ou silicificados, com estratificações cruzadas plano-paralelas, tabulares e acanaladas de pequeno, médio e grande porte (10 cm a 2 m), além de marcas onduladas com cristas paralelas e retilíneas com comprimento de onda de até 10 cm. Caracteristicamente, ocorrem clastos isolados de quartzo leitoso, bem arredondados, com tamanhos que variam de 5 a 10 cm.

Litofácies metagrauvaca: é composta por quartzitos feldspáticos muito micáceos finos a médios. Essa litofácies ocorre em níveis restritos em meio ao pacote de quartzito arcoseano, frequentemente laminados. Petrograficamente, a rocha apresenta textura grano-lepidoblástica com grãos de quartzo pouco recristalizados, de tamanho submilimétricos, demonstrando ainda alguns aspectos de textura sedimentar remanescente, como formas angulosas a subangulosas. Além disso, apresenta caracteristicamente, muscovita entre os grãos de quartzo e minerais acessórios como turmalina, epidoto, zircão, titanita e granada detríticos.

Formação Arraias

A Formação Arraias, assim definida em referência à cidade de Arraias, Tocantins, representa um espesso pacote de sedimentos continentais, subdivido nos membros: Cubículo, Prata, Mutum, Ventura e Buracão. Essas unidades apresentam-se interdigitadas, com variações laterais e verticais, e com espessuras de centenas de metros.

Membro Cubículo

O Membro Cubículo é composto principalmente por metaconglomerados matriz-suportados e, subsidiariamente, por metaconglomerados clasto-suportados, quartzitos feldspáticos e metarcóseos. Sua área tipo foi definida na Serra do Cubículo, localizada a 20 km a sudoeste do município de Monte Alegre de Goiás.

Esse membro ocorre, frequentemente, em contato brusco com o embasamento, marcado por falhas normais, além de ocorrer em contato erosivo com os membros Prata e Mutum. Além disso, o Membro Cubículo é descontínuo lateralmente e apresenta cerca de 30 a 100 m de espessura. A intensa deformação oblitera as estruturas, texturas e características sedimentares.

Litofácies metaconglomerado matriz-suportado: trata-se de fácies caracterizada por metaconglomerados sustentados por matriz, mal selecionados, compostos por clastos de 5 a 50 cm, predominantemente de 10 a 20 cm, com geometria angulosa a subarredondada os quais compõem cerca de 30% da rocha e são imersos em meio a matriz argilo-arenosa, de coloração cinza-esverdeada e composição quartzo-feldspática rica em mica branca. As estruturas sedimentares presentes são: acamamento plano-paralelo, granocrescência e granodecrescência ascendente. Vale ressaltar que esses conglomerados mudam a composição de seus clastos de acordo com a disponibilidade das fontes. Em regiões de ocorrência de granitos e rochas vulcânicas, o conglomerado é rico em clastos dessas rochas, como é o caso nas regiões de Monte Alegre, na Serra do Cubículo e Nova-Roma. Em outros locais, o conglomerado é puramente composto por clastos de quartzo e quartzito, com pouca ou nenhuma contribuição de rochas graníticas.

Litofácies metaconglomerado clasto-suportado monomítico: são metaconglomerados clasto-suportados compostos por clastos exclusivamente de quartzitos subarredondados, com geometria lenticular e sem grandes extensões laterais. Apresenta matriz silto-arenosa de composição quartzo-feldspática. Essa fácies ocorre em áreas restritas no domímio do metaconglomerado matriz-suportado.

Litofácies quartzito feldspático: são quartzitos feldspáticos, localmente arcoseanos, frequentemente micáceos, com até 35% de mica branca. Normalmente, são quartzitos brancos, mal selecionados, médios a grossos, com grânulos localizados, silicificados ou friáveis, dispostos em pacotes métricos. Localmente, ocorrem intercalações e interdigitações dessa litofácies com o metaconglomerado matriz-suportado. Além disso, pode ocorrer como litofácies predominante sobreposta à litofácies do metaconglomerado matriz-suportado. As estruturas associadas são estratificações plano-paralelas, estratificações cruzadas tabulares e granodecrescência ascendente.

Membro Prata

O Membro Prata é composto por espessos pacotes de metarcóseos e quartzitos feldspáticos com lentes de metaconglomerado matriz-suportado, metaconglomerado clasto-suportado e muscovita filito. Sua área tipo foi definida na Serra da Prata, cerca de 20 km a sudoeste do município de Monte Alegre de Goiás, Goiás.

O contato desse membro com as outras unidades é de natureza variada. Muitas vezes, o Membro Prata jaz discordantemente sobre o embasamento; outras vezes, está em contato gradacional sobre o Membro Mutum e, frequentemente, esses membros ocorrem interdigitados. Também é comum o contato brusco por falhas com o embasamento e com o Membro Mutum.

O Membro Prata apresenta grande variação lateral e de espessura, podendo alcançar até 400 m. Em alguns locais, como por exemplo na Serra das Araras, no município de Cavalcante, Goiás, e em porções da Serra das Caldas, localizada na região de Paranã/São Salvador do Tocantins, Tocantins, esse membro ocorre com a predominância de metaconglomerados clasto-suportados intercalados com metarcóseos e quartzitos feldspáticos laminados.

Sucessão de fácies Quartzito: com ampla variação de espessura (100 a 400 m), tem boas exposições no leito do Rio Formoso e na borda oeste da Serra de Arraias, na região de Arraias, Tocantins. Essa litofácies é composta principalmente por metarcóseos e subordinadamente por quartzitos feldspáticos de cor branca acinzentada, branco avermelhada, branco rosada e até cinza arroxeada, com granulometria predominante fina a média, localmente grossa. Uma característica importante é a presença de seixos isolados bem arredondados de quartzitos grossos da Formação Água Morna. Frequentemente ocorrem em bancos decimétricos, internamente laminados ou maciços, com séries de estratificações cruzadas tangenciais, acanaladas e tabulares de até 60 cm, estratificações cruzadas tabulares e acanaladas de grande porte, marcas onduladas linguoides e simétricas de crista reta, por vezes bifurcadas, de escala métrica a centimétrica, com comprimento de onda de poucos centímetros. Localmente, observa-se acamamento gradacional inverso e paleosismitos, caracterizados por dobras desarmônicas recumbentes.

Litofácies metagrauvacas: essa litofácies ocorre no domínio da litofácies quartzito feldspático como bancos métricos. Apresenta textura imatura, com grãos angulosos a subangulosos de quartzo, fragmentos líticos de quartzitos e raros feldspatos, além de uma matriz fina que, muitas vezes, se mostra como micas autigênicas e outros filossilicatos orientados segundo a foliação, como produto da transformação da antiga matriz pelítica. Diante disso, é importante ressaltar que as rochas dessa litofácies, quando metamorfizadas, são comumente descritas como metarcóseos micáceos, devido à recristalização da matriz fina em minerais micáceos. Não são identificadas estruturas sedimentares preservadas, além do acamamento métrico.

Litofácies metaconglomerado matriz-suportado: é representada por conglomerados matriz-suportados que ocorrem localmente intercalados no domínio do quartzito feldspático. Esses conglomerados ocorrem em bancos de limitada ocorrência lateral (< 1 m) com espessuras variáveis de 1 a 5 m, e, em sua maioria, compostos por clastos de quartzito com raros clastos de granitos, subarredondados a subangulosos, mal selecionados, com tamanho variando de 3 a 20 cm. A matriz de granulação areia média é composta por quartzo, feldspato e muscovita. Em geral, são metaconglomerados maciços, com estruturas de corte e preenchimento.

Litofácies metaconglomerado clasto-suportado: composta por metaconglomerados clasto-suportados que, em geral, ocorrem em estratos com geometria lenticular de escala métrica, mas também em camadas métricas a decamétricas intercaladas com quartzitos comumente feldspáticos. Os metacongolomerados são moderadamente selecionados, compostos por clastos de quartzo e quartzitos, arredondados a subarredondados, de tamanho variado de 10 a 20 cm. A matriz apresenta granulação areia fina a média e composição quartzo-feldspática.

Litofácies metassiltito: ocorre em camadas tabulares de até 2 m associadas à litofácies metarcóseos. Essa litofácies é composta por metassiltitos de coloração branca acinzentada, rosada a arroxeada quando alterada, com granulação argilo-síltica, maciços a levemente foliados, localmente, com diápiros de areia de escala decimétrica, estruturas convolutas e laminação plano-paralela. Sua composição mineralógica é principalmente quartzo e muscovita, além de minerais opacos e caolinita de alteração.

Membro Mutum

O Membro Mutum é composto por quartzitos puros que sustentam o relevo de serras mais elevadas no norte de Goiás e sul de Tocantins. A área tipo foi definida nas proximidades da coordenada 8564000/186000, na cabeceira do Córrego Mutum, Serra das Caldas, cerca de 50 km a sul de Paranã, Tocantins, onde essa unidade possui extensas áreas de exposição. Esse membro apresenta contatos de vários tipos com as demais unidades, ora sobreposto ora sotoposto ao Membro Prata, com frequentes interdigitações. Ocorre também em discordância com o embasamento cristalino, com ou sem a presença de brechas intraformacionais. Suas espessuras, que podem alcançar até 300 m, são muito variáveis.

Litofácies quartzito estratificado: trata-se de quartzito puro, branco, às vezes rosado, em geral bem selecionado, com granulometria areia média, localmente areia grossa, friáveis ou silicificados. Ocorrem séries de estratificações cruzadas tangenciais, tabulares e acanaladas decimétricas a métricas, cruzadas tabulares de baixo ângulo, de pequeno porte, marcas onduladas assimétricas com crista de baixa sinuosidade, marcas onduladas simétricas de crista reta, às vezes linguóides de escala métrica com comprimento de onda de 5 cm, além de depósitos de fluxo de grãos. Ao microscópio, raramente guardam suas feições sedimentares primárias e mostram contatos entre os grãos de areia média pontuais, arredondados a subarredondados. Outras vezes, apresentam bimodalidade com grãos de areia média arredondados e grãos de areia fina subangulosos, com cimentos de sílica, às vezes com morfologia de mosaico fino, sobrecrescimento de quartzo e película de óxido.

Litofácies quartzito laminado: é composta por quartzito branco, friável ou silicificado, às vezes rosado, com laminação plano-paralela e/ou cruzada de baixo ângulo, normalmente puro, bem selecionado, com granulometria areia média, por vezes com bimodalidade granulométrica. Muitas vezes ocorre em estratos tabulares de topo e base planos, mas ocorrem também marcas onduladas de crista sinuosa de escala centimétrica.

Membro Ventura

O Membro Ventura aflora de forma restrita, com pouco mais de 1 km de largura e mais de 12 km de extensão. A sua área tipo foi definida, especificadamente, no vale do Rio Ventura, a cerca de 50 km a sul de Paranã, no vale da Serra das Caldas. Esse membro é composto por metaconglomerados, quartzitos e intercalações métricas de metamarga e metagrauvacas.

Litofácies metaconglomerado: é formada principalmente por metaconglomerados clasto-suportados, mal selecionados, compostos principalmente por clastos de quartzitos e subordinadamente de granito, de tamanho seixo a matacão, subarredondados e com baixo grau de esfericidade. A matriz é de granulometria areia média a grossa com composição quartzo feldspática. Localmente, ocorrem níveis matriz-suportados.

Litofácies quartzito: é composta por metarcóseos e quartzitos feldspáticos, brancos, médio a grossos, dispostos em camadas decimétricas, com estratificação plano-paralela centimétrica. Localmente ocorrem níveis de conglomerado fino de mesma composição. Os quartzitos feldspáticos possuem textura granoblástica com grãos de quartzo bastante recristalizados, com extinção ondulante. Os grãos de feldspatos se apresentam bastante alterados. Entre os grãos de quartzo e feldspato há lamelas de muscovita, fracamente orientadas segundo a foliação incipiente, produto de recristalização da matriz original da rocha.

Litofácies metamarga: é composta por metamargas de granulação fina e composição predominante de quartzo e dolomita. Os estratos que definem o acamamento plano paralelo são centimétricos a decimétricos. As rochas apresentam textura granoblástica, forte recristalização dos grãos e são compostas por cerca de 40% de quartzo, 30% de dolomita, 15% de plagioclásio, 8% de muscovita, 5% de magnetita, 2% de biotita, além de zircão como mineral acessório.

Litofácies metagrauvaca: é composta por metagrauvaca fina a grossa, composta por grãos de quartzo, plagioclásio e fragmentos líticos de granito, subarredondados a subangulosos, flutuando em matriz fina. Localmente ocorrem dolomita e muscovita, que são interpretadas como produto de recristalização da matriz argilosa original.

Membro Buracão

O Membro Buracão é composto por pequenos derrames de basalto, riolitos, riodacitos e dacitos, além de rochas piroclásticas e brechas, distribuídos em diferentes regiões. O nome do membro se refere ao amplo vale entre as serras do Cubículo e da Prata, situado a cerca de 20 km a sul da cidade de Monte Alegre de Goiás, na cabeceira e margens do Córrego Buracão. Essa região concentra o maior volume de rochas vulcânicas com ampla diversidade composicional e estrutural. Nessa área predomina amplamente a composição ácida, sendo as rochas de composição básica volumetricamente restritas.

Pimentel e Botelho (2001)Pimentel M.M. & Botelho N.F. 2001. Sr and Nd isotopic characteristics of 1,77-1,58 Ga rift-related granites and volcanics of the Goiás tin province, Central Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 73(2):263-276. mostraram que as rochas vulcânicas félsicas do Grupo Araí apresentam características isotópicas muito semelhantes às dos granitos tipo-A das subprovíncias do Rio Paranã e do Rio Tocantins, sendo interpretadas como produtos da re-fusão da crosta paleoproterozoica. Além de possibilitar essa interpretação, esse membro é de suma importância para posicionar a Bacia Araí no tempo.

As rochas interpretadas como piroclásticas são de difícil identificação. Em muitos casos, apesar de serem interpretadas e descritas como tais, podem corresponder, na realidade, a sedimentos epiclásticos. A dificuldade em diferenciar as suas origens vulcânica explosiva ou sedimentar é observada inclusive em depósitos cenozoicos (Lajoie & Stix 1992Lajoie J. & Stix, J. 1992. Volcaniclastic rocks. In: Walker R.G. & James, N.P (Eds.). Facies models, response to sea level chance. Geological Association of Canada. p. 101-118.). No caso das rochas do Grupo Araí submetidas a processos intempéricos, deformacionais e metamórficos superpostos, o problema é consideravelmente ampliado.

Os metabasaltos apresentam textura afanítica, estrutura maciça, níveis contendo vesículas e amídalas, frequentemente preenchidas por calcita, algumas vezes por zeólitas e quartzo. Na Serra das Caldas, os derrames ocorrem associados às camadas do Membro Mutum, constituindo um basalto maciço com bolsões de areia de diferentes formas e tamanhos. Muitas vezes possuem textura porfirítica com matriz fanerítica recristalizada.

Os metariodacitos apresentam matriz verde com fenocristais de feldspato potássico, quartzo roxo e plagioclásio, com menor frequência. Constituem rochas félsicas, holocristalinas, porfiríticas, com matriz afanítica de cor cinza esverdeado, às vezes recristalizada. Localmente, apresentam amígdalas e vesículas preenchidas por carbonato ou quartzo e epidoto. Análises de química mineral mostram elevada quantidade de inclusões de hematita no quartzo, responsáveis pela coloração avermelhada do mineral.

Os metariolitos são representados por rochas félsicas, holocristalinas, faneríticas com matriz afanítica, em geral de cor cinza esverdeado, às vezes roxa esverdeada.

As rochas metapiroclásticas, assim como as demais rochas do Grupo Araí, foram sujeitas a processos metamórficos e deformacionais que provocaram a obliteração, quase total, de feições macro e microscópicas diagnósticas dos diferentes tipos de depósitos.

Formação Caldas

A Formação Caldas é subdividida em dois membros: membro inferior e membro superior. Foi assim denominada devido à ampla exposição desses dois membros na borda oeste da Serra das Caldas, na região de Paranã e São Salvador do Tocantins, Tocantins. Dessa forma, a sua área tipo foi definida na altura da coordenada norte 8.568.000 entre as coordenadas meridianas 824.910 e 825.800.

O contato dessa unidade com a Formação Arraias é marcado por uma discordância erosiva, ao passo que o contato entre os membros inferior e superior é transicional. Algumas vezes não há exposições dessa formação no contato entre a Formação Arraias e Traíras, pois a Formação Caldas não é contínua em toda a sequência do Grupo Araí, apresentando variações laterais e de espessura, podendo alcançar mais de 700 m.

Membro Inferior

Esse membro é composto por intercalações métricas a decamétricas de quartzitos com metaconglomerados clasto-suportados na base. Subordinariamente ocorrem metagrauvacas e metarcóseos em áreas restritas. Na área tipo, o Membro Inferior pode alcançar espessuras de até 300 m.

Litofácies metaconglomerado: é composta por metaconglomerados clasto-suportados, constituídos por clastos de quartzo e principalmente quartzitos, em geral bem arredondados, com baixo grau de esfericidade, mal selecionados, com clastos de 2 a 20 cm, predominando os de 15 a 20 cm. Localmente, ocorrem estruturas de corte e preenchimento. A matriz é restrita, correspondendo a cerca de 10 a 15% da rocha, sendo composta por areia média a grossa de composição quartzosa com pouca contribuição micácea.

Litofácies quartzito: comumente ocorre sobreposta a litofácies metaconglomerados, na região de Paranã, São Salvador do Tocantins, Tocantins. É composta por uma sequência de quartzitos brancos, puros, com granulação fina a média, frequentemente silicificados, localmente muscovíticos, com laminação e acamamento plano-paralelo, além de séries de estratificações cruzadas tabulares de baixo ângulo de até 40 cm e marcas onduladas. Localmente, em meio ao pacote de quartzitos ocorrem metarcóseos branco acinzentados de granulação média, em áreas restritas.

Sucessão quartzito fino e lâminas pelíticas: são pacotes métricos de quartzito fino, branco, silicificado, internamente laminado, com estratificações cruzadas tabulares em conjuntos de 10 a 20 cm, marcas onduladas assimétricas de crista sinuosa de escala centimétrica, além de finas lâminas a delgadas camadas centimétricas de material pelítico com gretas de contração e pseudomorfos de cubos de sais. Essa litofácies tem ocorrência restrita, nas proximidades do município de Colinas do Sul, Goiás, nas coordenadas 814426E e 8433882N.

Membro Superior

O Membro Superior aflora em regiões restritas do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Apresenta boas exposições na Serra do Ticunzal, no município de Cavalcante, Goiás, e na borda oeste da Serra das Caldas, onde sua área tipo foi definida. Esse membro é composto por intercalações métricas a decamétricas de quartzitos puros com metapelitos. Localmente, apresenta metarcóseos. Ocorre em contato normal com o Membro Inferior e possui espessura da ordem de 400 m.

Sucessão psamo-pelítica: é composta pela intercalação decimétrica a decamétrica regular de litofácies psamítica com uma litofácies pelítica. A litofácies psamítica é composta por quartzitos brancos, puros, com granulação fina a média, frequentemente silicificados, com acamamento plano-paralelo decimétrico e algumas séries de estratificações cruzadas tabulares centimétricas. A litofácies pelítica é representada por camadas centimétricas a decimétricas de metapelitos, beges a cinza esverdeadas, representadas por metassiltitos, filitos ou xistos finos.

Sucessão psamo-psefítica: é composta pela intercalação decimétrica de litofácies psamíticas com litofácies psefíticas. A litofácies psamítica é composta por quartzitos brancos, puros, com granulação fina a média, frequentemente silicificados, com acamamento plano-paralelo decimétrico e séries de estratificações cruzadas tabulares centimétricas. A litofácies psefítica apresenta ocorrência restrita, em camadas de até 20 cm em meio ao pacote de quartzitos, e é representada por metaconglomerados finos, com clastos arredondados de quartzo e quartzitos de até 4 mm.

Litofácies metarcóseo: Essa litofácies é constituída por metarcóseos brancos acinzentados, em geral com granulação média, frequentemente laminados, que ocorrem em áreas restritas em meio às demais litofácies.

Formação Traíras

A Formação Traíras, assim denominada em referência à localidade homônima situada no sul do estado do Tocantins, apresenta distribuição lateral homogêna, com espessuras da ordem de 300 a 400 m. Essa formação é subdividida, da base para o topo, nos membros: Boqueirão, Rio Preto e Rosário.

Membro Boqueirão

O Membro Boqueirão é composto por siltitos calcíferos interdigitados com quartzitos que, por sua vez, são intercalados com material carbonoso, além de uma unidade superior composta por quartzitos e filitos com lentes de mármores. Esse conjunto de rochas apresenta intensa interdigitação, de maneira que os pelitos carbonosos podem apresentar, localmente, contato discordante em relação ao restante do conjunto. Em algumas regiões, ultrapassa os limites das unidades anteriores e ocorre sobre o embasamento.

Sucessão pelito-carbonatada: constitui um pacote de metassiltitos calcíferos, filitos e calcixistos laminados, compostos por quartzo, fengita e clorita. Nesse pacote, ocorrem lentes restritas de quartzito laminado de espessura métrica.

Sucessão quartzito-carbonoso: composta por intercalações de litofácies de quartzitos e litofácies de material carbonoso argiloso. Essa intercalação ocorre em diferentes escalas (centimétrica a decamétrica) e proporções, localmente com o predomínio de quartzitos, mas muitas vezes com a predominância do material carbonoso. Os quartzitos são acinzentados com acamamento centimétrico a métrico, de granulação fina a média e com lâminas milimétricas de material carbonoso. O material pelítico carbonoso é representado por filitos e xistos carbonosos micáceos, de granulação fina a muito fina, com muscovita orientada e raras lamelas de biotita.

Sucessão quartzito-filito-mármore: composta por intercalações de litofácies quartzito e litofácies filito em diferentes escalas e proporções, além de lentes de mármore. Os quartzitos são brancos a róseos, médios a grossos, frequentemente muito silicificados e, em sua maioria, puros, mas localmente com a presença de biotitas, muscovitas e magnetitas. Os filitos são amarelos, às vezes cinzas, compostos essencialmente por quartzo e muscovita, além de magnetitas localizadas em proporções variáveis. Os mármores são bege rosados, de composição calcífera, muitas vezes impuros e bandados, com segregações silicosas.

Membro Rio Preto

O Membro Rio Preto é composto principalmente por quartzitos puros médios, bem selecionados, que frequentemente apresentam horizontes de níveis grossos a muito grossos. Subordinadamente ocorrem metaconglomerados, além de delgados horizontes de metassiltitos em meio ao pacote de quartzito.

Litofácies conglomerado: é constituída de metaconglomerados monomíticos, mal selecionados, com matriz quartzo-arenosa de granulometria média a grossa. Ocorre em estratos tabulares com espessura que varia de 10 cm a 1 m, com base plana e topo erosivo ou ondulado. Os clastos são exclusivamente de quartzitos, bem arredondados, com grau de esfericidade moderado e tamanho variando de 5 a 30 cm.

Sucessão de quartzitos: é composta por uma espessa sequência de quartzitos brancos, às vezes rosados, puros, silicificados ou friáveis, com granulometria média, bem selecionados e com grãos arredondados, bastante maturos, que ocorrem em camadas de 10 a 50 cm com limite entre os estratos, frequentemente tabular, mas algumas vezes levemente côncavo no topo. As principais estruturas sedimentares incluem estratificações cruzadas acanaladas, do tipo espinha de peixe, reviradas, tabulares, feixes de maré, laminação convoluta, laminação flaser e marcas onduladas assimétricas. Tipicamente, ocorrem níveis grossos a muito grossos, podendo alcançar até grânulos localizados, além de níveis ricos em óxidos e minerais pesados.

Litofácies Metassiltito: é representada por níveis centimétricos a decamétricos de metassiltitos cinza esverdeados a cinza escuros, maciços ou laminados, que ocorrem no domínio dos quartzitos como lentes ou camadas de 5 a 20 cm de espessura.

Membro Rosário

O Membro Rosário é composto por pelitos, uma sequência psamo-pelítica e uma sequência psamo-pelito-carbonatada. Em geral, essas rochas ocorrem estratigraficamente nessa ordem em contato concordante normal. Localmente, a tectônica imposta propicia a interrupção dos contatos. As unidades do Membro Rosário ocorrem também diretamente sobre o embasamento.

Litofácies clorita-filito: é constituída de clorita filitos, frequentemente com magnetita. Essa litofácies aflora a oeste da Serra do Boqueirão (entre as cidades de São Salvador do Tocantins e Paranã) e tem como característica a escassez de bons afloramentos e ampla cobertura por cambissolo e neossolo litólico, com horizonte superficial rico em óxidos de ferro.

Sucessão psamo-pelítica: constitui uma sequência alternada em diferentes escalas e proporções, desde intercalações milimétricas até decamétricas, ora mais pelítica, ora mais psamítica.

Quando em baixo grau metamórfico, a porção psamítica é constituída de quartzitos brancos, finos a médios, com estratificações plano-paralelas e cruzadas tipohummocky, além de marcas onduladas. A porção pelítica é constituída de metassiltito de coloração cinza claro a cinza escuro, por vezes cinza esverdeado, laminado ou maciço, com níveis carbonosos e intercalações de níveis de areia fina a muito fina, com acamamento wavy e linsene diques de areia. Em meio a essa sequência, ocorrem lentes de metacalcários dolomíticos, cinza claro a cinza escuro, finos, laminados ou maciços e com intercalações de margas.

Quando em mais alto grau metamórfico, essa unidade é representada por clorita-filito e por quartzitos brancos a rosa, submaturos a maturos, silicificados ou friáveis, finos a médios, localmente com magnetita e biotita. A porção pelítica é composta por quartzo-filitos amarelos, às vezes carbonosos cinza ou pretos, essencialmente compostos por quartzo, biotita e muscovita, além de porfiroblastos pós-tectônicos de biotita. Localmente, ocorrem lentes de 100 a 300 m de mármores calcíticos puros em sua base, compostos essencialmente por calcita, além de biotita, muscovita e quartzo, como acessórios (< 3%).

Unidade magnetita-biotita xisto: é composta por sete litofácies distintas incluindo clorita-muscovita-quartzo filito, muscovita-quartzo-xisto com biotita, biotita-quartzo xisto com magnetita, granada-biotita-quartzo-muscovita xisto com magnetita, mármore impuro, biotita calcixisto e calcissilicática.

Sucessão psamo-pelito-carbonatada: sobreposta concordantemente à sucessão anterior, é composta por uma sequência psamo-pelito-carbonatada ora mais arenosa, ora mais argilosa, intercalada em diferentes escalas e proporções. Essa sequência é marcada por lentes de mármores puros bandados, calcíticos ou dolomíticos, principalmente na base. A porção pelítica é constituída de biotita-quartzo-filitos, por vezes com matéria orgânica, frequentemente foliados e dobrados. A porção psamítica é composta por quartzo, biotita e, localmente, material carbonoso, apresentando estruturas sedimentares do tipo estratificações cruzadas tabulares, reviradas e acanaladas; quando com matéria orgânica, o quartzito apresenta-se com cor preta, granulometria média, mal selecionado e com contribuição feldspática. Os mármores são bastante expressivos na sequência, ocorrendo concordantemente com a sequência psamo-pelítica e apresentando grande diversidade mineralógica, podendo ser dolomíticos ou calcítios, puros ou impuros (com biotita e muscovita).

SIGNIFICADO TECTÔNICO E SEDIMENTOLÓGICO DO GRUPO ARAÍ

O Grupo Araí constitui uma megassequência composta por depósitos continentais, transicionais e marinhos que constituem um ciclo bacinal completo, limitado por importantes descontinuidades regionais, na base com o embasamento cristalino e no topo com os grupos Paranoá, Bambuí e Serra da Mesa, dependendo da região em estudo. Essa megassequência pode ser dividida em quatro tectonossequências: Água Morna, Arraias, Caldas e Traíras, as quais correspondem às formações que compõem o grupo.

A interpretação aqui apresentada é baseada nos conceitos de trato de sistemas tectônicos (TST) deposicionais propostos por Prosser (1993) Prosser S. 1993. Rift-related linked depositional systems and their seismic expression. Geological Society, London, Special Publications, 71:35-66.. As adaptações desse modelo, propostas por Küchle et al. (2005)Küchle J., Holz M., Brito A.F., Bedregal R.P. 2005. Análise estratigráfica de bacias rifte: aplicação de conceitos genéticos nas bacias de Camamu-Almada e Jequitinhonha. Boletim de Geociências da Petrobrás, 13(2):227-244., não foram consideradas, pois necessitam de um maior detalhamento de cada TST para viabilizar a hierarquização e a visualização dos tratos menores dentro de cada trato maior.

É importante ressaltar que os membros definidos para cada formação não correspondem a uma sequência deposicional, visto que estão relacionados por semelhanças litológicas que caracterizam um tipo de sistema deposicional, não necessariamente concordante e geneticamente relacionados.

Tectonossequência Água Morna

Essa sucessão foi depositada em condições continentais em sistemas de rios entrelaçados dominados por areias, compondo sedimentos ricos em estratificações cruzadas acanaladas e tabulares de canais e sedimentos maciços interpretados como núcleos de barras laterais e longitudinais.

A ausência de falhamentos e vulcanismo sin-sedimentares associados aos metassedimentos da Formação Água Morna sugerem que essa tecnossequência (TS) foi depositada em uma depressão ampla e rasa, ainda no limite da deformação elástica da crosta superior. Ajustes de compensação isostática relacionados a elevações e rebaixamentos crustais devidos à ascenção da astenosfera são considerados mecanismos de criação de espaço sedimentar nessa fase. Todos esses processos ocorreram antes da nucleação das falhas e da individualização dos meio-grábens que hospedam as unidades sobrepostas, caracterizando essa TS como produto da fase pré-rifte da bacia. A componente de subsidência térmica é considerada preponderante, tendo sido induzida pelo resfriamento da porção do manto superior que se eleva de forma passiva com o início do estiramento crustal (McKenzie 1978McKenzie D. 1978. Some remarks on the development of sedimentary basins. Earth and Planetary Science Letters, 40:25-32.).

Tectonossequência Arraias

A TS Arraias representa a associação dos sistemas deposicionais de leques aluviais, fluviais, eólicos e lacustres, acumulados durante a fase sin-rifte da Bacia Araí. Essa TS marca a evolução do tectonismo extensional controlado por um regime de subsidência mecânica, marcada pelo desenvolvimento de sistemas de leques aluviais controlados por falhas normais (Membro Cubículo), os quais evidenciam a ruptura da crosta superior com o desenvolvimento dos primeiros meio-grábens da Bacia Araí. Sob esse regime tectônico foi depositada toda a sequência continental da Bacia Araí, a qual foi intercalada pelas rochas metavulcânicas ácidas e básicas, marcando o típico vulcanismo bimodal de bacias tipo rifte.

A TS Arraias é separada da TS Água Morna por uma discordância angular e erosiva. A feição angular da discordância caracteriza o basculamento dos blocos crustais devido ao desenvolvimento de falhas normais no regime tectônico distensivo.

De acordo com os tratos de sistemas propostos por Prosser (1993)Prosser S. 1993. Rift-related linked depositional systems and their seismic expression. Geological Society, London, Special Publications, 71:35-66., a TS Arraias engloba o trato de sistema ritfe inicial e o trato de sistema clímax do rifte inicial. No primeiro, os sedimentos são depositados em consequência dos primeiros movimentos de falhas que provocam uma depressão na superfície da crosta, em contexto subaéreo e com abastecimento de água suficiente para manter alguns sistemas fluviais perenes, formando pequenas bacias limitadas por rochas consolidadas e competentes e, consequentemente, um novo depocentro na bacia. Esse depocentro é ladeado por novas elevações topográficas que constituem potenciais áreas fontes.

O trato de clímax de rifte é marcado pelo sistema de drenagem imaturo, junto à falha de borda, além da presença de grandes desertos e lagos localizados.

A subsidência mecânica foi o mecanismo de criação de espaço para acumulação e preservação de amplas sucessões sedimentares. As falhas normais das bordas falhadas dos semi-grábens não se desenvolveram em um único estágio, mas em várias etapas, o que pode ser evidenciado pela constante canibalização de sequências previamente depositadas.

Tectonossequência Caldas

A TS Caldas marca o fim da fase rifte da Bacia Araí com as primeiras incursões marinhas (Formação Caldas), que representa a mudança do regime de subsidência mecânico para termal, reduzindo o espaço de acomodação e ampliando a área de extensão da bacia. Nesse contexto foi desenvolvido o sistema deposicional de praia com depósitos de backshore e foreshore(membro inferior) e shoreface (membro superior) dominados por ondas e marés.

Segundo os tratos de sistema de Prosser (1993)Prosser S. 1993. Rift-related linked depositional systems and their seismic expression. Geological Society, London, Special Publications, 71:35-66., a TS Caldas se enquadra no trato de sistema clímax intermediário, marcado pelo afogamento da bacia que, nessa fase, ocorreu lenta e progressivamente.

A distribuição das litofácies da Formação Caldas, na sua área tipo, sugere uma bacia rasa com direção aproximadamente N-S com depocentro no extremo sul. A evolução da linha de costa foi controlada pela interação entre as taxas de suprimento sedimentar e a geração de espaço de acomodação que desencadearam um desenvolvimento limitado da sequência transicional, ou seja, não tanto expressiva e até mesmo ausente em alguns locais.

A subsidência flexural é atribuída como responsável pela criação de espaço para a deposição das sucessões transicionais. Esse processo ocorreu de maneira heterogênea ao longo das diferentes áreas de ocorrência do Grupo Araí.

Tectonossequência Traíras

A TS Traíras representa a subida relativa do nível do mar, marcando a transição para a fase de subsidência flexural da bacia, cuja base é determinada pela superfície máxima de inundação representada pelos metassiltitos calcíferos no estado de Goiás e pela unidade pelito-carbonatada no estado do Tocantins. O Membro Boqueirão foi depositado em condições de águas rasas dominadas por marés, o Membro Rio Preto apresenta condições de plataforma siliciclástica e o Membro Rosário representa plataforma mista dominada por marés com eventuais episódios de tempestades.

A TS Traíras está inserida no trato de sistema clímax do rifte final (Prosser 1993Prosser S. 1993. Rift-related linked depositional systems and their seismic expression. Geological Society, London, Special Publications, 71:35-66.), caracterizada pelo ambiente completamente submerso, com aporte a partir da borda flexural do rifte e sedimentação marinha. Além desse trato de sistema, pode-se enquadrar a TS Traíras no trato de sistema pós-rifte (Prosser 1993Prosser S. 1993. Rift-related linked depositional systems and their seismic expression. Geological Society, London, Special Publications, 71:35-66.), marcado pelo fim do tectonismo ativo, pela diminuição regional da subsidência e pela evolução para topografia relativamente plana com sucessões paralelas e contínuas lateralmente.

A criação de espaço e a deposição nessa TS são controladas pela subsidência flexural, decorrente em grande parte da carga sedimentar das fases anteriores do rifte que foram responsáveis pela acumulação de mais de 1.500 m de pilha sedimentar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise, compilação e integração dos dados geológicos sobre o Grupo Araí permitiram a sistematização do seu conhecimento no que tange à estratigrafia e tectonoestratigrafia. Dessa forma, foram formalmente definidas as designações de suas unidades com base na litoestratigrafia e sistemas deposicionais, possibilitando uma melhor organização e aplicação nos estudos dessas diferentes unidades.

Nesse contexto, o Grupo Araí foi subdividido em quatro formações: Água Morna, Arraias, Caldas e Traíras. A Formação Arraias é subdividida nos membros Cubículo, Prata, Mutum, Ventura e Buracão. A Formação Caldas é subdividida em Membro Superior e Membro Inferior. A Formação Traíras é subdividida nos membros Boqueirão, Rio Preto e Rosário.

A estratigrafia proposta permite a correlação das diversas rochas do Grupo Araí nas diferentes áreas de ocorrência no norte de Goiás e sul de Tocantins (Fig. 3). Além disso, esta proposta se mostra funcional uma vez que permite a cartografia das unidades em diferentes áreas de ocorrência (Fig. 4).

Figure 3.
Mapa regional e perfis geológicos esquemáticos dos sítios-chaves do Grupo Araí mostrando a distribuição lateral e espacial das unidades litológicas e suas respectivas nomenclaturas.

Figure 4.
Aplicação da proposta estratigráfica atual para diferentes regiões de exposição do Grupo Araí.

Em um contexto regional, as rochas do Grupo Araí podem ser correlacionadas com o Supergrupo Espinhaço, Grupo Natividade e Grupo Roraima. Essa correlação é fundamentada na análise dos sistemas deposicionais, nas características sedimentológicas e nos dados geocronológicos disponíveis para rochas vulcânicas ácidas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos revisores e editores do Brazilian Journal of Geology pelas importantes sugestões e contribuições durante o processo de avaliação do manuscrito.

REFERÊNCIAS

  • Alvarenga, C.J.S. (coord.) 1999. Projeto Monte Alegre de Goiás. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Alvarenga C.J.S., Botelho N.F., Dardenne M.A., Lima O.N.B., Machado M.A. 2006. Nota Explicativa da Folha SD.23-V-C-V (Cavalcante). Escala 1:100.000. Goiás, UnB/CPRM. 76 p.
  • Araújo V.A. & Alves A.C. 1979. Projeto Canabrava-Porto Real, Relatório Final. Goiânia, CPRM. 191 p.
  • Barbosa O., Baptista M.B., Braun O.P., Dyer R.G., Cotta J.C. 1969. Geologia e inventário dos recursos minerais do Projeto Brasília. Rio de Janeiro, PROSPEC/DNPM. 225 p.
  • Botelho, N.F. (coord.) 1995. Projeto Teresina de Goiás. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Botelho N.F. (coord.) 1998. Projeto Cavalcante. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Botelho, N.F. (coord.) 2009. Projeto Colinas - Minaçu. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Botelho N.F., Alvarenga C.J.S., Meneses P.R., D'el-Rey Silva L.J.H. 1999. Suíte Aurumina: Uma suíte de granitos paleoproterozoicos, peraluminosos e sin-tectônicos na Faixa Brasília . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro-Oeste. Brasília, Anais, p. 17.
  • Braun O.P. G. 1980. Uma discussão sobre alguns aspectos geotectônicos e estratigráficos das sequências Pré-Cambrianas do centro-leste de Góias . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro-Oeste. Goiânia, Anais, p. 9-29.
  • Campos J.E.G. (coord.) 2001. Projeto Arraias. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Campos J.E.G. (coord.) 2010. Projeto Paranã - São Salvador. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Dardenne M.A., Campos J.E.G., Alvarenga C.J.S., Martins F.A.L., Botelho, N.F.1999. A sequência sedimentar do Grupo Araí na região da Chapada dos Veadeiros, Goiás . In: SBG, Simpósio de Geologia do Centro Oeste e Simpósio de Geologia de Minas Gerais. Brasília, Atas, p. 100.
  • Dyer R.C. 1970. Grupo Araí: um Grupo de metamorfitos do Centro-Leste de Goiás. Revista da Escola de Minas de Ouro Preto, 28(2):55-63.
  • Fernandes P.E.C.A., Montes M.L., Braz E.R.C., Montes A.S.L., Silva L.L., Oliveira F.L.L., Ghignone J.L., Siga Jr O, Castro H.E.F. 1982. Formação Ticunzal. In: Projeto RADAMBRASIL, Folha SD-23, Brasília, MME, p. 61-63.
  • Fuck R.A. (coord.) 1984.Projeto Colinas. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Fuck R.A. (coord.) 2005. Projeto Nova Roma,- Porto Real. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Fuck R.A., Dantas E. L., Pimentel M.M., Botelho N.F., Junges S.L., Hollanda M.H.B.M., Moraes R., Armstrong R. 2002. Crosta continental paleoproterozoica no embasamento da porção norte da Faixa Brasília: novos dados Sm-Nd e U-Pb . In: SBG, Congresso Brasileiro de Geologia. João Pessoa, Anais, p. 308.
  • Fuck R.A., Marini O.J., Dardenne M.A., Figueiredo A.N. 1988. Coberturas metassedimentares do Proterozoico Médio: os grupos Araí e Paranoá na região de Niquelândia-Colinas, Goiás. Revista Brasileira de Geociências, 18(1):54-62.
  • Küchle J., Holz M., Brito A.F., Bedregal R.P. 2005. Análise estratigráfica de bacias rifte: aplicação de conceitos genéticos nas bacias de Camamu-Almada e Jequitinhonha. Boletim de Geociências da Petrobrás, 13(2):227-244.
  • Lajoie J. & Stix, J. 1992. Volcaniclastic rocks. In: Walker R.G. & James, N.P (Eds.). Facies models, response to sea level chance. Geological Association of Canada. p. 101-118.
  • Marini O.J., Liberal C.S., Reis L.T., Trindade C.A.H., Souza S.L. 1978. Nova unidade litoestratigráfica do Pré-Cambriano do estado de Goiás. In: SBG, Congresso Brasileiro de Geologia. Recife, Bol. Esp. 1. p. 126-127.
  • Marques G.C. 2009. Geologia dos grupos Araí e Serra da Mesa e seu embasamento no sul do Tocantins. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 116 p.
  • Marini J.O. (coord.) 1978. Projeto São Félix-Serra da Mesa. Escala 1:50.000. Brasília, Instituto de Geociências, Universidade de Brasília.
  • Martins F.A.L.1999. Análise faciológica e estratigráfica do Paleo-Mesoproterozoico: Sequência Araí no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Goiás. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 137 p.
  • McKenzie D. 1978. Some remarks on the development of sedimentary basins. Earth and Planetary Science Letters, 40:25-32.
  • Petri S., Coimbra A.M., Amaral G., Ojeda H.O., Fúlfaro W.J., Ponçano W.L. 1986a. Código brasileiro de nomenclatura estratigráfica. Revista Brasileira de Geociências, 16(4):372-376.
  • Petri S., Coimbra A.M., Amaral G., Ponçano W.L. 1986b. Guia brasileiro de nomenclatura estratigráfica. Revista Brasileira de Geociências, 16(4):376-415.
  • Pimentel M.M. & Botelho N.F. 2001. Sr and Nd isotopic characteristics of 1,77-1,58 Ga rift-related granites and volcanics of the Goiás tin province, Central Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 73(2):263-276.
  • Pimentel M.M. & Fuck R.A. 1991. Idades U-Pb em zircão de meta-riolito do Grupo Araí e granitos associados. Boletim SBG-Núcleo Centro-Oeste, 14:41-52.
  • Pimentel M.M., Heaman L., Fuck R.A., Marini O.J. 1991. U-Pb zircon chronology of Precambrian tin-bearing continental-type acid magmatism in central Brazil. Precambrian Research, 52(3-4):321-335.
  • Prosser S. 1993. Rift-related linked depositional systems and their seismic expression. Geological Society, London, Special Publications, 71:35-66.
  • Tanizaki M.L.N. 2013. Geologia do Grupo Araí: exemplo de rifte continental no Brasil Central. Dissertação de Mestrado, Universidadede Brasília, 137 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2014
  • Aceito
    16 Jan 2015
Sociedade Brasileira de Geologia R. do Lago, 562 - Cidade Universitária, 05466-040 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 3459-5940 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbgeol@uol.com.br