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Impacto da biópsia do linfonodo sentinela na qualidade de vida em pacientes com carcinoma espinocelular da cavidade oral Como citar este artigo: Seferin MR, Pinto FR, Leite AK, Dedivitis RA, Kulcsar MA, Cernea CR, et al. The impact of sentinel lymph node biopsy on the quality of life in patients with oral cavity squamous cell carcinoma. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:434-8.

Resumo

Introdução

A biópsia de linfonodo sentinela é um método comprovado para estadiamento cervical em pacientes com carcinoma espinocelular inicial da cavidade oral, porque apresenta menor taxa de morbidade do que o método tradicional de esvaziamento cervical seletivo, com os mesmos resultados oncológicos. Porém, o verdadeiro efeito desse método na qualidade de vida desses pacientes permanece desconhecido.

Objetivo

Avaliar a qualidade de vida de pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral T1/T2N0 submetidos a biópsia do linfonodo sentinela em comparação aos pacientes nos quais o esvaziamento cervical seletivo foi feito.

Método

Estudo transversal que incluiu 24 pacientes, após 36 meses de seguimento, dos quais 15 foram submetidos a biópsia do linfonodo sentinela e nove a esvaziamento cervical seletivo. Todos os pacientes responderam ao questionário de qualidade de vida da University of Washington.

Resultados

A avaliação dos questionários evidenciou pioria tardia dos domínios aparência (p = 0,035) e mastigação (p = 0,041), bem como diminuição de cerca de 10% da qualidade de vida geral (p = 0,025) nos pacientes submetidos a esvaziamento cervical seletivo em comparação com aqueles submetidos a biópsia do linfonodo sentinela.

Conclusão

Pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral em estágio inicial submetidos a biópsia do linfonodo sentinela apresentaram melhores resultados tardios de qualidade de vida geral, principalmente quanto à aparência e à mastigação, quando comparados aos pacientes submetidos a esvaziamento cervical seletivo.

Palavras-chave
Biópsia do linfonodo sentinela; Carcinoma espinocelular; Esvaziamento cervical; Neoplasias bucais; Qualidade de vida

Abstract

Introduction

Sentinel lymph node biopsy is a proven method for staging the neck in patients with early oral cavity squamous cell carcinoma because it results in less comorbidity than the traditional method of selective neck dissection, with the same oncological results. However, the real effect of that method on the quality of life of such patients remains unknown.

Objective

The present study aimed to evaluate the quality of life of patients with oral cavity squamous cell carcinoma T1/T2N0 submitted to sentinel lymph node biopsy compared to those that received selective neck dissection.

Methods

Cross-sectional study including 24 patients, after a 36 month follow-up, 15 of them submitted to the sentinel lymph node biopsy and 9 to selective neck dissection. All patients answered the University of Washington quality of life questionnaire.

Results

The evaluation of the questionnaires showed a late worsening of the domains appearance (p = 0.035) and chewing (p = 0.041), as well as a decrease of about 10% of general quality of life (p = 0.025) in patients undergoing selective neck dissection ​​in comparison to those undergoing sentinel lymph node biopsy.

Conclusion

Patients with early-stage oral cavity squamous cell carcinoma undergoing sentinel lymph node biopsy presented better late results of general quality of life, mainly regarding appearance and chewing, when compared to patients submitted to selective neck dissection.

Keywords
Sentinel lymph node biopsy; Squamous cell carcinoma; Neck dissection; Mouth neoplasms; Quality of life

Introdução

A presença de metástases cervicais é considerada o principal fator de mau prognóstico em pacientes com carcinoma espinocelular (CEC) de cabeça e pescoço.11 Stoeckli SJ, Alkureishi LW, Ross GL. Sentinel node biopsy for early oral and oropharyngeal squamous cell carcinoma. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2009;266:787-93.,22 Rettig EM, D’Souza G. Epidemiology of head and neck cancer. Surg Oncol Clin N Am. 2015;24:379-96. Em relação à cavidade oral, tumores primários em estágio inicial (T1, T2), sem evidência clínica de doença cervical (cN0), podem apresentar uma incidência de metástases ocultas que varia de 10% a 50%.33 Ferlito A, Silver CE, Rinaldo A. Elective management of the neck in oral cavity squamous carcinoma: current concepts supported by prospective studies. Br J Oral Maxillof Surg. 2009;47:5-9.,44 Kuriakose MA, Trivedi NP. Sentinel node biopsy in head and neck squamous cell carcinoma. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;17:100-10. Portanto, o manejo cervical desempenha um papel fundamental no planejamento terapêutico.

Nas décadas anteriores, a discussão sobre o manejo cervical para pacientes com carcinoma espinocelular oral T1/T2 N0 era polarizada entre esvaziamento cervical seletivo (ECS) e vigilância com observação rigorosa da evolução do paciente (“espera vigilante”), reservando-se o esvaziamento cervical apenas para aqueles pacientes que desenvolviam doença linfonodal metastática durante o seguimento.55 Iype EM, Sebastian P, Mathew A, Balagopal PG, Varghese BT, Thomas S. The role of selective neck dissection (I-III) in the treatment of node negative (N0) neck in oral cancer. Oral Oncol. 2008;44:1134-8.

Os que defendem o esvaziamento cervical seletivo baseiam seus argumentos em desfechos oncológicos aparentemente melhores.66 Ren ZH, Xu JL, Li B, Fan TF, Ji T, Zhang CP. Elective versus therapeutic neck dissection in node-negative oral cancer: Evidence from five randomized controlled trials. Oral Oncol. 2015;51:976-81.,77 Kligerman J, Lima RA, Soares JR, Prado L, Dias FL, Freitas EQ, et al. Supraomohyoid neck dissection in the treatment of T1/T2 squamous cell carcinoma of oral cavity. Am J Surg. 1994;168:391-4. A doença linfonodal não diagnosticada aumentou o risco de recorrência e diminuiu a sobrevida em 5 anos de 82% para 53%.88 Kluthcovsky ACGC, Kluthcovsky FA. O Whoqol-Bref, um instrumento para avaliar qualidade de vida: uma revisão sistemática. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2009;31:12-6. Além disso, em um estudo prospectivo e randomizado, D’Cruz et al.99 D’Cruz AK, Vaish R, Kapre N, Dandekar M, Gupta S, Hawaldar R, et al. Elective versus therapeutic neck dissection in nodenegative oral cancer. N Engl J Med. 2015;373:521-9. mostraram que o ECS para pacientes com CEC de cavidade oral em estágio inicial levava a uma maior sobrevida livre de doença, de 69,5%, quando comparado com 45,9% do método de espera vigilante.

Por outro lado, os defensores da vigilância chamam a atenção para possíveis sequelas causadas pelo esvaziamento cervical.1010 Elsheikh MN, Rinaldo A, Ferlito A, Fagan JJ, Suarez C, Lowri J, et al. Elective supraomohyoid neck dissection for oral cavity squamous cell carcinoma: is dissection of sublevel IIB necessary? Oral Oncol. 2008;44:216-9.,1111 Kuntz AL, Weymuller EA Jr. Impact of neck dissection on quality of life. Laryngoscope. 1999;109:1334-8. O ECS pode levar à ocorrência de parestesia de orelha e pescoço, paralisia do lábio inferior, dor cervical, deficiência do ombro, linfedema, retração cervical e mudanças na aparência do indivíduo.1212 Schiefke F, Akdemir M, Weber A, Akdemir D, Singer S, Frerich B. Function, postoperative morbidity, and quality of life after cervical sentinel node biopsy and after selective neck dissection. Head Neck. 2009;31:503-12. Leipzig et al.1313 Leipzig B, Suen JY, English JL, Barnes J, Hooper M. Functional evaluation of the spinal accessory nerve after neck dissection. Am J Surg. 1983;146:526-30. relataram que 30% dos pacientes submetidos a ECS desenvolveram síndrome do ombro no pós-operatório, mesmo quando o nervo acessório estava preservado. Além disso, aproximadamente 70% dos pacientes não apresentaram evidência de envolvimento de linfonodos após o exame histopatológico do produto do ECS.1414 Ross GL, Soutar DS, Gordon MacDonald D, Shoaib T, Camilleri I, Roberton AG, et al. Sentinel node biopsy in head and neck cancer: preliminary results of a multicenter trial. Ann Surg Oncol. 2004;11:690-6.

Com base nesses fatos, a biópsia do linfonodo sentinela (BLS) parece ser uma opção oncologicamente segura com menor morbidade do que o ECS.66 Ren ZH, Xu JL, Li B, Fan TF, Ji T, Zhang CP. Elective versus therapeutic neck dissection in node-negative oral cancer: Evidence from five randomized controlled trials. Oral Oncol. 2015;51:976-81.,1515 Cramer JD, Sridharan S, Ferris RL, Duvvuri U, Samant S. Sentinel Lymph Node Biopsy Versus Elective Neck Dissection for Stage I to II Oral Cavity Cancer. Laryngoscope. 2019;129:162-9. A maioria dos pacientes clinicamente N0 pode ser poupada do esvaziamento cervical, que é usado apenas para o estadiamento regional de pacientes pN0. Assim, a BLS traz a perspectiva de um menor impacto na qualidade de vida desse grupo de pacientes, sem comprometer a radicalidade oncológica. Entretanto, o real efeito da BLS na qualidade de vida desses pacientes permanece desconhecido.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade de vida de pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral T1/T2 N0 submetidos a BLS, em comparação àqueles com mesmo estágio clínico que foram submetidos ao ECS.

Método

Foi feito um estudo transversal que incluiu pacientes com carcinoma espinocelular T1/T2 N0 de cavidade oral, submetidos a biópsia de linfonodo sentinela ou esvaziamento cervical níveis I, II, e III. Após um seguimento de 36 meses, 24 pacientes foram incluídos, dos quais 15 foram submetidos à BLS e 9 ao ECS.

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional sob o número 018/15 e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os pacientes responderam o questionário de qualidade de vida da Universidade de Washington (UW-QOL), 4ª edição, traduzido para o português e validado para uso em território brasileiro.1616 Vartanian JG, Carvalho AL, Yueh B, Furia C, Toyota J, McDowell J, et al. Brazilian-Portuguese validation of the University of Washington Quality of Life Questionnaire for patients with head and neck cancer. Head Neck. 2006;28:1115-21. Ele é considerado o instrumento mais usado internacionalmente para avaliação da qualidade de vida de pacientes durante o tratamento do câncer de boca, laringe e faringe.1717 Rogers SN, Ahad SA, Murphy AP. A structured review and theme analysis of papers published on ‘quality of life’ in head and neck cancer: 2000-2005. Oral Oncol. 2007;43:843-68.

Pacientes que apresentaram recorrência da doença após o primeiro tratamento ou evidência de um segundo tumor primário foram excluídos do estudo. Além disso, os pacientes que necessitaram de uma abordagem composta na região cervical para ressecção do tumor primário, mesmo em estadiamento clínico T1/T2 N0, ou aqueles inicialmente submetidos à BLS, mas que necessitaram de esvaziamento cervical uma segunda vez, também não foram elegíveis para o estudo.

Os pacientes operados nos anos de 2014 e 2015, por ambas as técnicas, foram convidados a preencher o questionário de qualidade de vida 36 meses após a cirurgia. Durante esses dois anos, 51 pacientes foram submetidos a BLS ou ECS, mas 15 e 9 indivíduos foram entrevistados, respectivamente, total de 24 pacientes incluídos na avaliação tardia de qualidade de vida. Dos 27 pacientes restantes, 11 morreram, sete foram submetidos a esvaziamento cervical radical após a BLS, cinco apresentaram recorrência no momento da entrevista ou haviam sido submetidos a novo procedimento cirúrgico na região de cabeça e pescoço e apenas quatro não foram localizados.

Foram coletadas características clínicas como sexo, idade, subsítio do tumor primário, tipo histológico, estadiamento histopatológico (pTNM - AJCC sétima edição), presença de margem positiva, espessura do tumor, presença de infiltração perineural e/ou angiolinfática e tratamento adjuvante. A avaliação do status de desempenho no momento da aplicação do questionário foi feita com as escalas ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group) e KPS (Karnofsky Performance Status).1818 Oken MM, Creech RH, Tormey DC, Horton J, Davis TE, McFadden ET, et al. Toxicity and response criteria of the eastern cooperative oncology group. Am J Clin Oncol. 1982;5:649-55.,1919 Karnofsky DA, Burchenal JH. Evaluation of chemotherapeutic agents. The clinical evaluation of chemotherapeutic agents in cancer. New York, NY: Columbia University Press; 1949. p. 191-205.

Análise estatística

Os valores obtidos para cada variável contínua foram descritos pela média e desvio-padrão (DP) ou pela mediana seguida da amplitude, da distância interquartil (diferença entre os percentis 25 e 75) ou pelo intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Frequências relativas e absolutas foram usadas para descrever os dados qualitativos. As distribuições foram definidas como paramétricas ou não paramétricas pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As comparações da frequência de um fenômeno entre grupos de variáveis qualitativas foram feitas através do teste exato de Fisher ou teste do qui-quadrado. Nas comparações de uma variável quantitativa entre duas populações não paramétricas da amostra, o teste de Mann-Whitney foi usado, enquanto o teste t de Student foi usado nas populações paramétricas. Todas as análises foram feitas com o software SPSS, versão 24.0 (SPSS® Inc, Illinois, EUA) e valores de p menores que 5% (p < 0,05) foram considerados significativos.

Resultados

A avaliação da qualidade de vida com a aplicação do questionário da Universidade de Washington foi respondida por 24 pacientes: 15 foram submetidos à BLS e 9, a ECS. As características de ambos os grupos são apresentadas na tabela 1. Observou-se que os pacientes submetidos a ECS apresentavam tumores relativamente maiores (p < 0,001) e mais espessos (p = 0,001), estágios patológicos mais altos (p = 0,001), mais metástases cervicais (p = 0,003) e receberam mais radioterapia adjuvante (p = 0,004).

Tabela 1
Dados descritivos e análise da homogeneidade da avaliação da qualidade de vida nos dois grupos de pacientes submetidos a esvaziamento cervical seletivo (ECS) ou biópsia de linfonodo sentinela (BLS)

A comparação dos escores do status de desempenho avaliados pelas escalas ECOG e KPS, embora não estatisticamente significante, mostrou um maior comprometimento tardio dos pacientes submetidos a ECS quando comparados àqueles submetidos a BLS (para BLS = 93,3% foram classificados como ECOG 0 e 6,7% como ECOG 1 vs., respectivamente, 66,7% e 33,3% para ECS).

A avaliação do questionário UW-QOL evidenciou pioria dos domínios da aparência (p = 0,035) e da mastigação (p = 0,041), bem como diminuição de aproximadamente 10% na média final (p = 0,025) dos pacientes submetidos a ECS em comparação com aqueles submetidos a BLS. Os dados completos de todos os domínios do questionário de qualidade de vida são mostrados em detalhes na tabela 2.

Tabela 2
Avaliação comparativa dos domínios do questionário UW-QOL nos grupos submetidos a esvaziamento cervical seletivo (ECS) ou biópsia do linfonodo sentinela (BLS)

Na parte da avaliação qualitativa do questionário UW-QOL sobre os sete dias anteriores, a maioria dos pacientes de ambos os grupos classificou sua qualidade de vida como “boa” (53,3% para BLS e 66,7% para ECS), mas nenhum dos pacientes submetidos a ECS relatou uma qualidade de vida “excelente” (26,7% para BLS) e apenas um (11,1%) classificou sua qualidade de vida como “muito boa” (13,3% para BLS). Por outro lado, como demonstrado, 40% dos pacientes submetidos a BLS relataram que sua qualidade de vida atual era “excelente” ou “muito boa”.

Os pacientes foram questionados sobre tudo o que contribuiu para a qualidade de vida do indivíduo nos sete dias anteriores, o que inclui não apenas saúde física e mental, espiritualidade e lazer pessoal, mas também muitos outros fatores, como família, amigos e atividades importantes para satisfação com a vida. As respostas dos pacientes foram semelhantes às da pergunta anterior; nenhum dos pacientes submetidos a ECS relatou uma qualidade de vida “excelente” ou “muito boa”, ao contrário dos pacientes submetidos a BLS, dos quais 46,6% relataram que sua qualidade de vida geral atual era “excelente” ou “muito boa” (respectivamente, 33,3% e 13,3% para BLS vs. 66,7% e 33,3% para ECS).

Discussão

O presente estudo avaliou a qualidade de vida tardia em pacientes submetidos a ECS ou BLS para CEC de cavidade oral. Pacientes submetidos a BLS demonstraram superioridade da aparência e da mastigação e um aumento de aproximadamente 10% no escore médio da qualidade de vida medido pelo questionário UW-QOL. Além disso, alguns outros índices qualitativos demonstraram que a BLS foi superior ao ECS em termos de avaliação da qualidade de vida tardia.

O esvaziamento cervical tem tido um impacto positivo na sobrevida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço por quase um século.2020 Pagedar NA, Gilbert RW. Selective neck dissection: a review of the evidence. Oral Oncol. 2009;45:416-20. O procedimento é tão icônico que se tornou um símbolo de cirurgia de cabeça e pescoço.2121 Robbins KT, Medina JE, Wolfe GT, Levine PA, Sessions RB, Pruet CW. Standardizing Neck Dissection Terminology: Official Report of the Academy’s Committee for Head and Neck Surgery and Oncology. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991;117:601-5. Entretanto, desde sua descrição inicial na literatura em inglês em 1906 por George W. Crile,2222 Crile G. Excision of cancer of the head and neck with special reference to the plan of dissection based on one hundred and thirty-two operation. JAMA. 1906;47:1780-4. surgiram propostas para modificações derivadas da cirurgia original, o clássico esvaziamento cervical radical. Essas alterações visavam restringir a extensão da ressecção de estruturas linfáticas e não linfáticas, com o objetivo de reduzir a mortalidade e a morbidade associadas ao procedimento.2323 Bocca E, Pignataro O, Oldine C, Cappa C. Functional neck dissection: an evaluation and review of 843 cases. Laryngoscope. 1984;94:942-5.,2424 Shaha AR. Neck dissection: an operation in evolution. World J Surg Oncol. 2005;3:22.

Em caso de pacientes com tumores iniciais da cavidade oral e linfonodos cervicais clinicamente negativos, metástases ocultas podem ocorrer em 20% a 30% dos casos e o número de pacientes que não se beneficiariam de ECS corresponde a mais de dois terços dos casos. Além disso, alguns deles também sofrerão complicações com o procedimento.2525 Rodrigo JP, Shah JP, Silver CE, Medina JE, Takes RP, Robbins KT, et al. Management of the clinically negative neck in early stage head and neck cancers after transoral resection. Head Neck. 2010;33:1210-9. A BLS tem os requisitos para preencher essa lacuna, uma vez que sua finalidade é promover a remoção cirúrgica de linfonodos realmente sob risco de doença, poupar o paciente do esvaziamento cervical mais amplo e desnecessário e minimizar o risco de sequelas associadas ao tratamento.1111 Kuntz AL, Weymuller EA Jr. Impact of neck dissection on quality of life. Laryngoscope. 1999;109:1334-8.,2626 Saki N, Nikakhlagh S. Complications of Neck Dissection. London. United Kingdom. 2012:61-8.

O tratamento do câncer de cabeça e pescoço, devido à sua localização anatômica, pode levar a mudanças significativas nas funções vitais relacionadas à alimentação, comunicação e interação social dos indivíduos. Diante desse cenário, os tratamentos propostos nas últimas décadas também visam minimizar a morbidade de cada paciente. Essa morbidade pode ou não resultar em alteração da qualidade de vida. Portanto, os questionários de qualidade de vida são de fundamental importância, incorporam o ponto de vista do paciente e focam o tratamento no paciente, em vez de na doença.88 Kluthcovsky ACGC, Kluthcovsky FA. O Whoqol-Bref, um instrumento para avaliar qualidade de vida: uma revisão sistemática. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2009;31:12-6.,2727 Kluthcovsky ACGC, Takayanagui AM. Qualidade de vida - aspectos conceituais. Rev Salus. 2010:1.

Neste estudo, todos os pacientes foram avaliados pelo menos 36 meses após o término do tratamento para o câncer. Durante esse período, as sequelas foram minimizadas pela própria adaptação e através de programas de reabilitação que ajudaram a estabilizar as respostas do questionário.2828 Vartanian JG, Carvalho AL, Yueh B, Priante AV, Melo RL, Correia LM, et al. Long-term quality-of-life evaluation after head and neck cancer treatment in a developing country. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130:1209-13.

Os dois grupos apresentaram características semelhantes em relação a idade e sexo, fatores que frequentemente influenciam as respostas do questionário. Sabe-se que indivíduos do sexo masculino e pessoas jovens têm melhores escores em testes de qualidade de vida.2929 Andrade FP, Antunes JL, Durazzo MD. Evaluation of the quality of life of patients with oral cancer in Brazil. Braz Oral Res. 2006;20:290-6.

Houve diferença significante entre os grupos quanto à qualidade de vida. Estatisticamente, o grupo BLS apresentou uma qualidade de vida superior ao grupo ECS. Além disso, nos testes de status de desempenho das escalas KPS e ECOG, bem como nas questões qualitativas do questionário, embora não estatisticamente significantes, pudemos observar uma tendência de diferença entre os grupos, que corroborou os achados de uma qualidade de vida significativamente melhor em pacientes submetidos à BLS.

Essa diferença na qualidade de vida pior relacionada ao grupo com esvaziamento cervical pode estar relacionada à maior radioterapia nesse grupo, já que a doença mais agressiva estava presente no grupo com esvaziamento cervical. Não houve diferença significante em relação aos domínios avaliados entre os dois grupos, exceto em relação a aparência e mastigação. O grupo ECS apresentou pior qualidade de vida em ambos os domínios. Os achados em relação à aparência podem ser explicados pela própria incisão cervical, uma das principais alterações estéticas. Em relação à mastigação, os pacientes submetidos a ECS também tiveram escores significantemente mais baixos no questionário. Isso pode estar associado ao fato de que o grupo ECS apresentou maior necessidade de tratamento adjuvante pós-operatório. De acordo com a literatura, a radioterapia é a principal causa desse sintoma. Entretanto, a radioterapia não compromete apenas a mastigação. Diferenças entre os grupos também são esperadas nos domínios da saliva e deglutição.3030 Morton RP, Izzard ME. Quality-of-life outcomes in head and neck cancer patients. World J Surg. 2003;27:884-9.

Além da diferença observada para o tratamento adjuvante, também houve uma desproporção entre os grupos em relação ao estadiamento histopatológico, o que pode contribuir para os resultados encontrados. No grupo BLS, os casos pT1 predominaram, ao contrário do grupo ECS, onde os casos pT2 predominaram. Essa diferença é explicada pelo fato de muitos casos T2 terem sido alocados no grupo ECS, pois, devido à espessura do tumor primário, uma ressecção transoral oncologicamente segura não seria possível, era necessária uma abordagem combinada oral e cervical, que é uma condição de exclusão para a feitura de BLS em nosso hospital. Infelizmente, devido ao número reduzido de pacientes incluídos no presente estudo, uma vez que há muito poucos pacientes em estágio inicial de câncer oral, não foi possível fazer uma análise multivariada ou um ensaio prospectivo para explicar melhor o impacto dos diferentes aspectos clínicos, histopatológicos e dados demográficos como fatores de confusão na QV de pacientes submetidos a BLS ou ECS.

É importante ressaltar que o domínio relacionado ao ombro do paciente não apresentou diferença significante entre os grupos. A lesão do nervo acessório é um dos riscos do ECS, minimizado na BLS. Entretanto, esses achados podem ser atribuídos tanto à percepção do paciente sobre o que representa “dor no ombro” quanto ao pequeno número de pacientes avaliados. Esse número reduzido reflete um percentual rigoroso de pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral incluídos no estudo, uma vez que a apresentação em estágios iniciais representa uma minoria dos casos diagnosticados em nosso país.

Conclusão

Pacientes com carcinoma espinocelular inicial da cavidade oral submetidos a biópsia de linfonodo sentinela apresentaram melhores resultados tardios para a qualidade de vida geral, principalmente quanto à aparência e a mastigação, quando comparados aos pacientes submetidos a esvaziamento cervical seletivo.

  • Como citar este artigo: Seferin MR, Pinto FR, Leite AK, Dedivitis RA, Kulcsar MA, Cernea CR, et al. The impact of sentinel lymph node biopsy on the quality of life in patients with oral cavity squamous cell carcinoma. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:434-8.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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