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Indicadores de qualidade em um serviço de triagem auditiva neonatal

Resumos

INTRODUÇÃO:

Programas de Triagem Auditiva Neonatal (TAN) são implantados em todo mundo objetivando a detecção precoce da deficiência auditiva. A qualidade destes programas deve ser monitorada utilizando indicadores reconhecidos internacionalmente, para que este objetivo seja alcançado.

OBJETIVO:

Avaliar um Serviço de Triagem Auditiva Neonatal (STAN) com base nos indicadores internacionais de qualidade.

MÉTODO:

Coorte retrospectiva com análise dos atendimentos realizados por um STAN de Minas Gerais entre 2010 a 2011. Os resultados foram analisados segundo critérios da American Academy of Pediatrics e do Joint Committee on Infant Hearing.

RESULTADOS:

Foram avaliadas 6.987 crianças. As proporções de encaminhamento para reteste, adesão ao reteste e encaminhamento para diagnóstico foram 8,0%, 71,9% e 2,1%, respectivamente. A proporção de crianças avaliadas nos primeiros 30 dias de vida foi 65,0%. A mediana de idade das crianças que falharam na TAN e no reteste foi significativamente maior do que para as demais. O risco de uma criança com indicador de risco para deficiência auditiva (IRDA) falhar na TAN foi 2,4 vezes maior do que para as demais.

CONCLUSÃO:

O STAN alcançou 3 dos 4 indicadores avaliados. No entanto, ainda são necessários esforços para captação precoce de neonatos para a triagem auditiva e adesão às etapas subsequentes.

Triagem neonatal; Lactente; Perda auditiva; Indicadores de qualidade em assistência à saúde; Avaliação de programas e projetos de saúde


INTRODUCTION:

Newborn hearing screening (NHS) programs are implemented across the globe to detect early hearing impairment. In order to meet this objective, the quality of these programs should be monitored using internationally recognized indicators.

OBJECTIVE:

To evaluate a newborn hearing screening service (NHSS) using international quality indicators.

METHODS:

A retrospective cohort study on the NHSS of Minas Gerais was conducted, analyzing the services performed between 2010 and 2011. Results were analyzed according to criteria from the American Academy of Pediatrics and the Joint Committee on Infant Hearing.

RESULTS:

This study assessed 6987 children. The proportions of cases that were referred for a retest, that followed through with retest, and that were referred for diagnosis were 8.0%, 71.9%, and 2.1%, respectively. The proportion of assessed newborn children in the first 30 days of life in this study was 65%. The median age of those children who failed both the NHS and the retest was significantly higher than the other children. The chance of a child with a hearing impairment risk indicator to fail the NHS was 2.4 times higher than of those without a risk indicator.

CONCLUSION:

NHSS achieved three of four evaluated indicators. Despite this, it is still necessary to perform NHS earlier and to ensure that the subsequent steps are followed.

Neonatal screening; Infant; Hearing loss; Quality indicators of health care; Program evaluation


Introdução

A audição é o sentido que conecta o indivíduo com o mundo sonoro. A perda auditiva no neonato, quando não detectada e tratada precocemente, compromete não apenas o desenvolvimento da linguagem da criança, mas também seu desenvolvimento emocional e social.1Yoshinaga-Itano C. Levels of evidence: universal newborn hearing screening (UNHS) and early hearing detection and inter- vention systems (EHDI). J Commun Disord. 2004;37:451-65.

Programas de identificação precoce de perdas auditivas no período neonatal vêm sendo implantados em todo o mundo, objetivando a intervenção precoce e, consequentemente, o desenvolvimento da linguagem pela criança com perda auditiva.2Aurélio FS, Tochetto TM. Triagem auditiva neonatal: exper- iências de diferentes países. Arq Int Otorrinolaringol. 2010;14:355-63. , 3Olusanya BO, Swanepoel de W, Chapchap MJ, Castillo S, Habib H, Mukari SZ, et al. Progress towards early detection services for infants with hearing loss in developing countries. BMC Health Serv Res. 2007:7-14.

A avaliação de serviços e programas de saúde se faz necessária como elemento cotidiano do trabalho em saúde, para permitir a identificação de falhas e a visualização de oportunidades de melhorias. O planejamento das ações de saúde e o direcionamento do recurso financeiro devem, preferencialmente, ter como base as evidências encontradas em estudos de avaliação.4Bevilacqua MC, Melo TM, Morettin M, Lopes AC. A avaliação de serviços em Audiologia: concepções e perspectivas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14:421-6.

De acordo com o Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde, as avaliações podem abordar quatro aspectos: a estrutura, o processo de trabalho, os resultados e a satisfação dos pacientes e dos profissionais.5Ministério da Saúde - Brasil. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde; 2007. Grande parte dos estudos que objetiva a avaliação de programas de triagem auditiva neonatal (PTAN) enfoca principalmente as esferas do processo de trabalho e dos resultados, em que é possível verificar a qualidade da assistência e a mudança da condição de saúde do paciente, respectivamente.6Gaffney M, Green DR, Gaffney C. Newborn hearing screening and follow-up: are children receiving recommended services? Public Health Rep. 2010;125:199-207. , 7Shulman S, Besculides M, Saltzman A, Ireys H, White KR, Forsman I. Evaluation of the universal newborn hearing screening and intervention program. Pediatrics. 2010;126 Suppl 1:S19-27.

Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) implantou o Programa Estadual de Triagem Auditiva Neonatal (PETAN) com modelo ambulatorial em outubro de 2007.8Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução SES n 1321 de 18 de outubro de 2007. Institui o Programa Estadual de Triagem Auditiva Neonatal, define critérios, normas opera- cionais e procedimentos para a prestação de serviços. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais; 2007. O programa está em fase de implantação com o credenciamento de maternidades como serviços de referência de triagem auditiva neonatal (SRTAN).

O município de Belo Horizonte possui seis SRTANs credenciados. Esses serviços funcionam em rede, de acordo com o fluxo de referência e contrarreferência estabelecido pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e são credenciados pelo Programa Estadual de Triagem Auditiva Neonatal, instituído pela Resolução SES 1.321 de 2007, seguindo, portanto, suas diretrizes, protocolos de avaliação, fluxo assistencial e nomenclaturas.

Ao receberem alta das maternidades, os neonatos são referenciados para realização da triagem sorológica ("Teste do Pezinho") e outros cuidados neonatais na unidade básica de saúde (UBS) mais próxima à residência da família. Na UBS, a triagem auditiva neonatal (TAN) é agendada por qualquer profissional de saúde, para qualquer um dos seis SRTANs do município. Portanto, embora a TAN seja realizada nas dependências da maternidade, o programa do município segue o modelo ambulatorial para os neonatos sem o indicador de risco para deficiência auditiva (IRDA) e o modelo hospitalar para avaliação dos neonatos com IRDA.

Os neonatos sem alteração na TAN (passam) são contrarreferenciados para as UBSs para acompanhamento do desenvolvimento global pela equipe de saúde da família. Os neonatos com indicador de risco que passam na TAN são encaminhados para uma reavaliação no próprio serviço seis meses após a TAN, para monitoramento auditivo.

Os neonatos que "falham" na TAN (alteração no exame) são agendados para um reteste em 15 a 20 dias no próprio serviço. Os que falham no reteste são referenciados para o serviço de diagnóstico audiológico infantil em hospital público do município. Os neonatos identificados com perda auditiva neurossensorial são oficializados para a Junta Reguladora de Saúde Auditiva de Belo Horizonte, e referenciados para um dos dois serviços de atenção à saúde auditiva de alta complexidade em Belo Horizonte para realização de exames complementares; seleção, adaptação e fornecimento de aparelho de amplificação sonora individual; terapia e acompanhamento fonoaudiológico. Ressalta-se, portanto, que as fases de diagnóstico e de intervenção não são realizadas na própria maternidade, e sim em instituições distintas e especializadas.

Este estudo teve por objetivo avaliar um serviço de referência de triagem auditiva neonatal do município de Belo Horizonte, no período de janeiro de 2010 a fevereiro de 2011, tendo como referência os indicadores de qualidade - índice de encaminhamento para reteste, idade do neonato no momento da TAN, índice de comparecimento para o reteste e índice de encaminhamento para diagnóstico - propostos pela American Academy of Pediatrics (AAP)9Erenberg A, Lemons J, Sia C, Trunkel D, Ziring P. Newborn and infant hearing loss: detection and intervention. American Academy of Pediatrics. Task Force on Newborn and Infant Hear- ing, 1998-1999. Pediatrics. 1999;103:527-30. e pelo Joint Committee on Infant Hearing (JCIH).1010 American Academy of Pediatrics JCIH. Year 2007 position state- ment: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120:898-921.

Método

Trata-se de estudo de coorte histórica longitudinal, no qual foi analisado o banco de dados de um SRTAN do município de Belo Horizonte, referente aos atendimentos realizados no período de janeiro de 2010 a fevereiro de 2011. Foram analisadas informações desde a TAN até a etapa de reavaliação e encaminhamento para diagnóstico nos serviços especializados.

O SRTAN onde este estudo foi realizado está integrado a um hospital filantrópico vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), é referência em ginecologia e obstetrícia no município de Belo Horizonte e referência em alto risco também para os demais municípios do estado. A maternidade possui 134 leitos e realiza, em média, 850 partos por mês. O SRTAN tem capacidade para avaliação de 700 crianças/mês, sendo responsável por, aproximadamente, 35% dos exames de TAN faturados em Belo Horizonte.

A estratégia de avaliação das crianças no serviço é a recomendada pelo programa estadual: medida das emissões otoacústicas evocadas por estímulos transientes (EOAT), associada à observação do comportamento da criança frente a estímulos sonoros não calibrados. Para medida das emissões foram utilizados os equipamentos Audix Pluss Bio-logic(r) ou Accuscreen Madsen(r), ambos aferidos e calibrados anualmente. Os instrumentos utilizados para observação do comportamento auditivo foram o chocalho com quatro guizos e o agogô (campânula grande). As crianças foram consideradas sem alteração quando o reflexo cócleo-palpebral (RCP) e as EOAT estavam presentes bilateralmente. Neste caso, receberam a denominação "passaram" no teste. Os demais casos foram considerados como "falha" na TAN.

Como critério de avaliação das EOAT considerou-se presença de diferença entre sinal e ruído maior que 6 em 1,5; 2,0; 3,0 e 4,0 KHz, e reprodutibilidade maior do que 70% quando exame realizado com Audix e protocolo "passa/falha" quando exame realizado com Accuscreen.

Como indicadores de risco para deficiência auditiva, foram considerados: história de surdez permanente na família com início desde a infância; permanência em unidade de tratamento intensivo neonatal por mais de cinco dias; uso de ventilação assistida; exposição a drogas ototóxicas, como antibióticos aminoglicosídeos e diuréticos de alça; hiperbilirrubinemia com necessidade de exsanguíneo transfusão; infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes, sífilis, HIV); anomalias craniofaciais envolvendo orelha e osso temporal; síndromes genéticas e distúrbios neurodegenerativos que usualmente se expressam com deficiência auditiva; e infecções bacterianas ou virais pós-natais.1111 Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:121-8.

Do banco de dados do serviço, não foram incluídas no estudo 21 crianças por ausência de informação da data de nascimento e/ou resultado dos exames (0,3%) e 58 que foram submetidas à TAN com mais de 180 dias de vida (0,8%), totalizando uma população de 6.987 crianças.

Os dados foram organizados em planilha do software Excel(r), e as informações foram processadas e analisadas no programa PASW Statistics 18.

Foi realizada análise descritiva da distribuição de frequência das variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e dispersão para as variáveis contínuas. O teste Qui-quadrado foi utilizado para análise da associação entre o resultado da TAN e o do reteste, o absenteísmo no reteste e na reavaliação, com a presença de indicadores de risco para deficiência auditiva. O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para análise da associação dessas mesmas variáveis com a idade da criança no momento da TAN. Foi calculado o risco relativo (RR) como medida da magnitude das associações. Para todas as análises, o nível de significância adotado foi de 5% e intervalo de confiança de 95,0%.

Foram utilizados os indicadores de qualidade propostos por comunidades científicas internacionais9Erenberg A, Lemons J, Sia C, Trunkel D, Ziring P. Newborn and infant hearing loss: detection and intervention. American Academy of Pediatrics. Task Force on Newborn and Infant Hear- ing, 1998-1999. Pediatrics. 1999;103:527-30. , 1010 American Academy of Pediatrics JCIH. Year 2007 position state- ment: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120:898-921.:

• Fase 01: Triagem auditiva neonatal

- Índice de encaminhamento para reteste entre 5,0% e 20,0% das crianças que falharam na TAN;

- Conclusão da TAN nos primeiros 30 dias de vida em 95,0% das crianças avaliadas.

• Fase 02: Reteste

- Follow-up de, no mínimo, 95,0% das crianças que não passaram na TAN. Para início de programas, considerar mínimo de 70%;

- Porcentagem de encaminhamento para diagnóstico menor que 4,0% do total de crianças avaliadas.

Este estudo recebeu anuência da instituição onde o SRTAN se insere e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob o parecer nº. ETIC 0143.0.203.439-11.

Resultados

Foram analisadas as informações referentes a 6.987 crianças avaliadas no ambulatório do SRTAN, no período de janeiro de 2010 a fevereiro de 2011. A tabela 1 apresenta as principais características das crianças incluídas no estudo.

Tabela 1
Características gerais da população incluída no estudo, Belo Horizonte, 2010-2011

Observou-se que 33,6% das crianças avaliadas nasceram na instituição onde foi realizada a pesquisa. A maioria das crianças (89,7%) fez a TAN no ambulatório após a alta hospitalar e 83,6% eram procedentes do município de Belo Horizonte. O percentual de crianças com indicadores de risco para deficiência auditiva foi de 13,0%.

A figura 1 apresenta a distribuição das crianças conforme o resultado dos testes nas diversas etapas da triagem auditiva neonatal e a presença de indicadores de risco. Das 6.987 crianças, 6.425 (92,0%) "passaram" e 562 (8,0%) "falharam" na TAN. Das que passaram, 766 (11,9%) possuíam IRDA. Dessas, 761 foram encaminhadas para reavaliação seis meses após a TAN, e cinco receberam alta por já estarem com idade próxima aos seis meses.

Figura 1
Percurso assistencial das crianças avaliadas por um serviço de triagem auditiva neonatal no município de Belo Horizonte, 2010-2011.

Dentre as 562 crianças que falharam, 139 (24,9%) tinham IRDA. Dessas, quatro foram encaminhadas diretamente para o diagnóstico sem a etapa do reteste, devido às ótimas condições de avaliação e ao momento tardio do exame (crianças com idade próxima aos três meses). Apenas seis crianças não apresentaram RCP, embora tenham apresentado EOAT bilateralmente. Destas, cinco compareceram para o reteste e apenas uma manteve o RCP ausente e foi encaminhada para o diagnóstico.

Foram encaminhadas 558 crianças para o reteste, correspondendo a 8,0% do total de crianças avaliadas. Dessas, 401 (71,9%) compareceram, 262 (62,6%) passaram e 139 (37,4%) mantiveram o resultado alterado e foram encaminhadas para o diagnóstico.

Foram encaminhadas 825 crianças de alto risco para reavaliação (761 que passaram na TAN e 64 que passaram no reteste). Dessas, 150 (143 que passaram na TAN e sete que passaram no reteste) ainda não haviam completado os seis meses para a reavaliação até o fechamento deste estudo. Das 675 que já haviam completado os seis meses, 218 compareceram para a reavaliação, correspondendo a um absenteísmo de 67,7%. Das crianças que compareceram, 209 (95,9%) passaram e nove (4,1%) tiveram avaliação alterada, sendo que quatro foram encaminhadas para diagnóstico. As cinco crianças restantes foram encaminhadas para uma segunda reavaliação no próprio SRTAN, mas não compareceram para a conclusão dos testes.

O absenteísmo nas fases do reteste e da reavaliação correspondeu, respectivamente, a 28,1% e 67,7% das crianças encaminhadas.

Foram encaminhadas 147 crianças para o diagnóstico audiológico (quatro que falharam na TAN, 139 que falharam no reteste e quatro que falharam na reavaliação), correspondendo a 2,1% do total de crianças incluídas no estudo. Não foi possível a obtenção do número de crianças com perda auditiva confirmada devido ao fato das etapas de diagnóstico e tratamento serem realizadas em instituições distintas e à inexistência de sistema de informação.

O estudo da associação entre os indicadores de risco para deficiência auditiva e o resultado da TAN está descrito na tabela 2. No momento da TAN, o risco de falhar no exame foi 2,4 vezes maior no grupo de crianças com indicador de risco do que no grupo sem IRDA (IC 95%: 2,0-3,0). Não houve diferença com significância estatística entre os grupos na fase do reteste.

Tabela 2
Associação entre os indicadores de risco para deficiência auditiva e o resultado da triagem auditiva neonatal e do reteste, Belo Horizonte, 2010-2011

A mediana de idade de realização da TAN foi 23 dias, variando de 1 a 180 dias. A maioria das crianças (65,0%) fez a TAN nos primeiros 30 dias de vida.

Na fase do reteste, 208 crianças (51,9%) foram avaliadas após os 50 dias de vida, e 82,3% antes dos 90 dias de vida. A mediana da idade da etapa de reavaliação foi de 209 dias, ou seja, próximo a sete meses de idade.

A tabela 3 apresenta a análise da associação entre a idade da criança e o resultado da TAN, resultado do reteste, procedência da criança e IRDA. As crianças que "falharam" na TAN foram avaliadas com idade superior às que "passaram" (p < 0,0001). As crianças procedentes de Belo Horizonte foram avaliadas com idade inferior às do interior (p < 0,0001). As crianças com IRDA foram avaliadas com idade superior às demais (p < 0,0001).

Tabela 3
Associação entre a idade da criança e o resultado da triagem auditiva neonatal e do reteste, procedência da criança e indicador de risco para deficiência auditiva, Belo Horizonte - 2010-2011

Quanto aos indicadores de qualidade propostos pela comunidade científica, o SRTAN alcançou os seguintes resultados:

• Fase 01: Triagem auditiva neonatal

- Índice de encaminhamento para reteste igual a 8,0%;

- Conclusão da TAN nos primeiros 30 dias de vida em 65,1% das crianças avaliadas.

• Fase 02: Reteste

- Follow-up de 71,9% das crianças que falharam na TAN.

- Porcentagem de encaminhamento para diagnóstico igual a 2,1% do total de crianças avaliadas inicialmente.

Discussão

Indicadores são instrumentos constituídos de variáveis que permitem identificar e medir aspectos relacionados a uma determinada realidade e devem ser escolhidos para que apontem os problemas relevantes dos envolvidos na avaliação. Indicadores de qualidade para cada fase de um programa de triagem auditiva neonatal foram estabelecidos por instituições científicas e devem ser usados como ferramenta para controle da efetividade dos programas implantados.9Erenberg A, Lemons J, Sia C, Trunkel D, Ziring P. Newborn and infant hearing loss: detection and intervention. American Academy of Pediatrics. Task Force on Newborn and Infant Hear- ing, 1998-1999. Pediatrics. 1999;103:527-30.

10 American Academy of Pediatrics JCIH. Year 2007 position state- ment: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120:898-921.
- 1111 Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:121-8.

No Brasil, diversos programas de triagem auditiva neonatal têm utilizado os indicadores internacionais propostos pela American Academy of Pediatrics e pelo Joint Committee on Infant Hearing, obtendo resultados variados.1212 Barreira-Nielsen C, Futuro Neto HA, Gattaz G. Processo de implantação de Programa de Saúde Auditiva em duas mater- nidades públicas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12:99-105.

13 Dantas MBS, Anjos CAL, Camboim ED, Pimentel MCR. Resultados de um programa de triagem auditiva neonatal em Maceió. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75:58-63.
- 1414 Fernandes JC, Nozawa MR. Estudo da efetividade de um pro- grama de triagem auditiva neonatal universal. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15:353-61.

De acordo com o Programa Estadual de Triagem Auditiva Neonatal, os SRTANs contratados pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais são referência não apenas para avaliação dos neonatos nascidos na própria instituição, mas também para uma região de cobertura pré-definida. Os neonatos com IRDA são avaliados antes da alta hospitalar, independentemente do município de residência. Os seis SRTANs de Belo Horizonte são responsáveis pela cobertura da TAN na capital mineira e em três outros municípios da região metropolitana. Neste estudo, 83,0% das crianças avaliadas eram procedentes do município de Belo Horizonte e apenas 33,6% nasceram na própria instituição.

Embora a literatura recomende a realização da TAN antes da alta hospitalar,9Erenberg A, Lemons J, Sia C, Trunkel D, Ziring P. Newborn and infant hearing loss: detection and intervention. American Academy of Pediatrics. Task Force on Newborn and Infant Hear- ing, 1998-1999. Pediatrics. 1999;103:527-30. em algumas situações, o modelo ambulatorial pode ser o mais adequado ou mesmo o único viável. Em Recife, diante da ausência de recursos para implantação da TAN em três maternidades públicas do município, foi organizado um modelo ambulatorial único de forma oferecer o exame para os neonatos nascidos nessas maternidades.1515 Griz S, Merces G, Menezes D, Lima ML. Newborn hearing screening: an outpatient model. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2009;73:1-7. Considerando o alto índice de partos fora de unidades hospitalares na Nigéria, o programa de TAN foi implantado em centros de saúde responsáveis pela imunização das crianças.1616 Olusanya BO, Ebuehi OM, Somefun AO. Universal infant hear- ing screening programme in a community with predominant non-hospital births: a three-year experience. J Epidemiol Com- munity Health. 2009;63:481-7. Estudo do custo e efetividade dos programas de triagem auditiva neonatal da Inglaterra, considerando os modelos hospitalares e não hospitalares existentes, demonstrou não haver diferença significativa entre o custo e efetividade de cada um dos modelos.1717 Grill E, Uus K, Hessel F, Davies L, Taylor RS, Wasem J, et al. Neonatal hearing screening: modelling cost and effectiveness of hospital- and community-based screening. BMC Health Serv Res. 2006:6-14.

No estado de Minas Gerais, a grande maioria dos partos é realizada em hospitais. No ano de 2010, foram registrados 420 hospitais que realizaram partos no estado, sendo que em 33% deles a média foi inferior a 100 nascidos vivos por mês.1818 Ministério da Saúde - Brasil. DATASUS. Informações de Saúde. A implantação da TAN em todas essas maternidades seria inviável por ausência de recursos financeiros, o que direcionou o estado à escolha do modelo ambulatorial com unidades de referência para uma região considerando o princípio de regionalização do SUS e a hipótese de que a excessiva descentralização de serviços de saúde pode levar à perda de eficiência na assistência, aumentando os gastos sem, necessariamente, aumentar a qualidade, o que contraria o princípio da economia de escala. Estudo no Colorado revelou que as maternidades que realizavam maior número de exames por mês possuíam melhores indicadores de qualidade do que aquelas com poucas triagens mensais.1919 Mehl AL, Thomson V. The Colorado newborn hearing screening project, 1992-1999: on the threshold of effective population- based universal newborn hearing screening. Pediatrics. 2002;109:E7. No entanto, questiona-se se o modelo ambulatorial seria o mais indicado como estratégia para alcance da cobertura universal,2020 Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar con- ceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad Saúde Pública. 2013;29:847-9. sendo necessários estudos que objetivem a análise da cobertura do Programa Estadual de Triagem Auditiva Neo natal.

Observou-se que as crianças com indicador de risco para deficiência auditiva foram avaliadas com mais dias de vida do que aquelas sem IRDA, provavelmente pela necessidade de internação por tempo prolongado de algumas dessas crianças. A procedência da criança também foi uma variável que influenciou na idade de avaliação: crianças residentes em Belo Horizonte foram avaliadas mais novas do que as demais, sugerindo maior dificuldade de acesso ao serviço para crianças residentes no interior.

Em programas ambulatoriais de triagem auditiva neonatal da Nigéria e de Maceió, 86,4% e 73,5% das crianças, respectivamente, foram avaliadas nos primeiros 30 dias de vida, dados superiores ao encontrado no presente estudo.1212 Barreira-Nielsen C, Futuro Neto HA, Gattaz G. Processo de implantação de Programa de Saúde Auditiva em duas mater- nidades públicas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12:99-105. , 1616 Olusanya BO, Ebuehi OM, Somefun AO. Universal infant hear- ing screening programme in a community with predominant non-hospital births: a three-year experience. J Epidemiol Com- munity Health. 2009;63:481-7. Embora o indicador de qualidade de 95,0% de crianças avaliadas no primeiro mês de vida não tenha sido alcançado, considera-se que uma grande parcela das crianças tem sido avaliada em tempo hábil para permitir o diagnóstico nos primeiros três meses de vida. Percebe-se, no entanto, a necessidade de se investir em estratégias de facilitação do acesso, como adequação do fluxo de marcação, facilitação do transporte e descentralização do serviço, principalmente para as famílias residentes em outros municípios. Cabe ressaltar que, neste estudo, não foi possível a identificação do fluxo assistencial das crianças nas demais etapas de diagnóstico e intervenção, fundamentais para a avaliação da efetividade de um programa de identificação precoce.

Da população estudada, 13% das crianças apresentaram indicador de risco para deficiência auditiva. Esse valor é semelhante ao de estudos brasileiros que encontraram em Vila Velha e Maceió, respectivamente, 12,6% e 10,0% de crianças com IRDA.1111 Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:121-8. , 1212 Barreira-Nielsen C, Futuro Neto HA, Gattaz G. Processo de implantação de Programa de Saúde Auditiva em duas mater- nidades públicas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12:99-105.

Observou-se, no presente estudo, que o risco de falhar na triagem é 2,4 vezes maior no grupo de crianças com IRDA. Estudo em maternidade de São Paulo encontrou associação de falha na triagem auditiva com os indicadores prematuridade, história familiar de perda auditiva e sinais de síndrome.2121 Pereira PKS, Martins AS, Vieira MR, Azevedo MF. Programa de triagem auditiva neonatal: associação entre perda auditiva e fatores de risco. Pró-Fono R Atual Cient. 2007;19:267-78. A literatura indica que a prevalência de perda auditiva é maior em crianças com IRDA.2222 Tiensoli LO, Goulart LMHF, Resende LM, Colosimo EA. Triagem auditiva em hospital público de Belo Horizonte, Minas Gerais. Brasil: deficiência auditiva e seus fatores de risco em neonatos e lactentes. Cad Saúde Pública. 2007;23:1431-41. Em estudo com 53.121 neonatos triados em Rhode Island, foi encontrada prevalência de perda auditiva de 2,12:1.000, elevando-se para 9,75:1.000 no grupo de crianças com um ou mais IRDA.2323 Vohr BR, Carty LM, Moore PE, Letourneau K. The Rhode Island Hearing Assessment Program: experience with statewide hear- ing screening (1993-1996). J Pediatr. 1998;133:353-7. Na Turquia, estudo demonstrou frequência de perda auditiva em neotatos com IRDA de 2,9% e em neonatos sem IRDA de 0,19%.2424 Arslan S, Isik AU, Imamogiu M, Topbas M, Aslan Y, Urol A. Uni- versal newborn hearing screening: automated transient evoked otoacoustic emissions. B-ENT. 2013;9:122-31.

A literatura recomenda que as crianças com indicador de risco para deficiência auditiva tenham seu desenvolvimento auditivo e linguístico monitorados até os dois ou três anos de idade devido à maior possibilidade de desenvolvimento de perda progressiva.8Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução SES n 1321 de 18 de outubro de 2007. Institui o Programa Estadual de Triagem Auditiva Neonatal, define critérios, normas opera- cionais e procedimentos para a prestação de serviços. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais; 2007. , 1010 American Academy of Pediatrics JCIH. Year 2007 position state- ment: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120:898-921. De acordo com o estabelecido pelo programa estadual, os SRTANs devem reavaliar as crianças com IRDA seis meses após a TAN, tanto para monitoramento das perdas progressivas quanto para identificação dos casos de perda retrococlear, não identificados pela medida das emissões otoacústicas evocadas e observação do comportamento auditivo no período neonatal. No presente estudo, apenas 32,3% das crianças com IRDA compareceram à reavaliação, com mediana de idade de 209 dias (aproximadamente sete meses). A maioria dos estudos não apresenta os dados de comparecimento para reavaliação, provavelmente por não incluírem esta fase em seus respectivos protocolos assistenciais. Em estudo realizado em Vila Velha, cujo protocolo da TAN incluiu o monitoramento auditivo das crianças com IRDA semestralmente, durante período de três anos, foi encontrado índice de retorno de 52,6% na primeira reavaliação, e de 10,3% até o segundo ano.1212 Barreira-Nielsen C, Futuro Neto HA, Gattaz G. Processo de implantação de Programa de Saúde Auditiva em duas mater- nidades públicas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12:99-105. Diante desses resultados, pode-se questionar a organização assistencial que estabelece o SRTAN como local de realização da reavaliação e monitoramento da audição, e indicar a necessidade de se investir em estratégias de busca ativa para garantir o retorno da criança. O vínculo com as unidades básicas de saúde torna-se, portanto, fundamental para a continuidade da assistência em saúde auditiva infantil. Ações continuadas de orientação familiar e profissional sobre a possibilidade de desenvolvimento de perdas auditivas e suas consequências também podem reduzir o absenteísmo.

A Academia Americana de Pediatria orienta que, em programas de triagem com duas fases, deve-se esperar índice de encaminhamento para a segunda fase (reteste) entre 5% e 20% do total de crianças avaliadas. Neste estudo, foi encontrado índice de 8% de encaminhamento para o reteste, o que está de acordo com o proposto. No entanto, alguns programas de triagem com diferentes metodologias de avaliação alcançaram índices inferiores a 3% de encaminhamento para a segunda fase,2525 Basu S, Evans KL, Owen M, Harbotle T. Outcome of Newborn Hearing Screening Programme delivered by health visitors. Child Care Health Dev. 2008;34:642-7. o que sugere a possibilidade, ou mesmo necessidade da redução do mesmo. Embora os resultados dos programas de TAN encontrados na literatura apresentem grande variação, a maioria dos estudos apresenta índice de encaminhamento para reteste entre 6,0% e 10,0%.1212 Barreira-Nielsen C, Futuro Neto HA, Gattaz G. Processo de implantação de Programa de Saúde Auditiva em duas mater- nidades públicas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12:99-105. , 2626 Angulo CM, Linos AGA, Miera CB, Gutiérrez AM, Aja FJS, Benito JB, et al. Programa de detección precoz de la hipoacusia en neonatos en cantabria. Resultados del primer año de funcionamiento. Acta Otorrinolaringol Esp. 2003;54:475-82.

O alto índice de crianças que falham na TAN tem sido uma grande preocupação entre os profissionais. Altas taxas de encaminhamentos desnecessários aumentam o custo dos programas, considerando a necessidade de profissionais especializados e a utilização de procedimentos de alta complexidade,1919 Mehl AL, Thomson V. The Colorado newborn hearing screening project, 1992-1999: on the threshold of effective population- based universal newborn hearing screening. Pediatrics. 2002;109:E7. , 2727 Freitas VS, Alvarenga KF, Bevilacqua MC, Martinez MAN, Costa OA. Analise crítica de três protocolos de triagem auditiva neona- tal. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21:201-6. além de favorecer o aumento do absenteísmo nas diversas etapas do processo.

A proporção de falha na primeira etapa de um programa de TAN pode ser influenciada por vários fatores, dentre eles o protocolo de avaliação utilizado,2727 Freitas VS, Alvarenga KF, Bevilacqua MC, Martinez MAN, Costa OA. Analise crítica de três protocolos de triagem auditiva neona- tal. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21:201-6. a experiência profissional,1616 Olusanya BO, Ebuehi OM, Somefun AO. Universal infant hear- ing screening programme in a community with predominant non-hospital births: a three-year experience. J Epidemiol Com- munity Health. 2009;63:481-7. , 1919 Mehl AL, Thomson V. The Colorado newborn hearing screening project, 1992-1999: on the threshold of effective population- based universal newborn hearing screening. Pediatrics. 2002;109:E7. as condições fisiológicas da orelha externa2828 Marques TR, Mendes PC, Bochnia CFP, Jacob LCB, Roggia SM, Marques JM. Triagem Auditiva Neonatal: relação entre banho e índice de reteste. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74: 375-81. e a idade da criança no momento da avaliação.2929 Panosetti E, Shi BX, Eloy JP, Orband D, Rasque E. Oto-émissions provoquées à la naissance: l'expérience luxembourgeoise. Arch Pediatr. 1999;6:353-5.

Neste estudo, observou-se que a idade das crianças que falharam na TAN e no reteste foi maior do que as que passaram. Tais resultados estão de acordo com o encontrado por estudo na Nigéria.1616 Olusanya BO, Ebuehi OM, Somefun AO. Universal infant hear- ing screening programme in a community with predominant non-hospital births: a three-year experience. J Epidemiol Com- munity Health. 2009;63:481-7. Estudos vêm sendo realizados na tentativa de definir o melhor momento para a realização da triagem auditiva no neonato. Em Luxemburgo, 2.496 neonatos submetidos à TAN foram avaliados e observou-se que a proporção de resultados sem alteração subiu de 67,0%, entre 24 e 48 horas de vida, para 87,6%, acima de 72 horas e para 95,1%, entre o quarto e o quinto dias de vida.2929 Panosetti E, Shi BX, Eloy JP, Orband D, Rasque E. Oto-émissions provoquées à la naissance: l'expérience luxembourgeoise. Arch Pediatr. 1999;6:353-5.

Apesar da recomendação de se realizar a TAN no primeiro mês, a medida das emissões otoacústicas transientes nas primeiras horas de vida não tem sido aconselhada devido à possibilidade de presença de vérnix na orelha externa do neonato, prejudicando a qualidade do exame.3030 Simonek MCS, Azevedo MF. Respostas falso-positivas na triagem auditiva neonatal universal: possíveis causas. Revista CEFAC. 2011;13:292-8. Os dados do presente estudo também indicam que o resultado do exame também é influenciado pela idade da criança. Sabe-se que a medida das emissões otoacústicas é fortemente influenciada pelas condições clínicas do lactente, como alterações condutivas e refluxo gastroesofágico,3030 Simonek MCS, Azevedo MF. Respostas falso-positivas na triagem auditiva neonatal universal: possíveis causas. Revista CEFAC. 2011;13:292-8. bem como influenciada pelo ruído interno, mais comum em crianças mais agitadas. É possível que lactentes após período neonatal estejam mais propensos a essas condições clínicas e, portanto, com maior probabilidade de "falha" na TAN. Tais argumentos reiteram a necessidade de realização da TAN nos primeiros 30 dias de vida da criança.

De acordo com recomendação da Academia Americana de Pediatria, os programas de triagem auditiva neonatal com duas fases, recém-implantados, devem alcançar mais de 70% de comparecimento para a segunda fase. Programas com maior tempo de implantação devem alcançar índice superior a 90%. No presente estudo, no primeiro ano de funcionamento, apresentou 71% de comparecimento para a fase do reteste. Valores semelhantes foram encontrados em estudo de São Paulo (73,1%).3131 Durante AS, Carvallo RMM, Costa MTZ, Cianciarullo MA, Voegels RL, Takahashi GM, et al. A implementação de programa de triagem auditiva neonatal universal em um hospital univer- sitario brasileiro. Pediatria (São Paulo). 2004;26:78-84. Melhores resultados foram encontrados em pesquisa na Espanha, correspondendo a 95,9%.2626 Angulo CM, Linos AGA, Miera CB, Gutiérrez AM, Aja FJS, Benito JB, et al. Programa de detección precoz de la hipoacusia en neonatos en cantabria. Resultados del primer año de funcionamiento. Acta Otorrinolaringol Esp. 2003;54:475-82.

O investimento em sistemas de follow-up para aumento do índice de comparecimento no reteste e também na etapa de diagnóstico tem sido um grande desafio para os programas de triagem, inclusive em países desenvolvidos com programas estruturados há mais de uma década.6Gaffney M, Green DR, Gaffney C. Newborn hearing screening and follow-up: are children receiving recommended services? Public Health Rep. 2010;125:199-207. , 7Shulman S, Besculides M, Saltzman A, Ireys H, White KR, Forsman I. Evaluation of the universal newborn hearing screening and intervention program. Pediatrics. 2010;126 Suppl 1:S19-27. O absenteísmo nas fases subsequentes à TAN compromete seriamente o diagnóstico e a intervenção precoces das crianças com perdas auditivas.3Olusanya BO, Swanepoel de W, Chapchap MJ, Castillo S, Habib H, Mukari SZ, et al. Progress towards early detection services for infants with hearing loss in developing countries. BMC Health Serv Res. 2007:7-14. , 6Gaffney M, Green DR, Gaffney C. Newborn hearing screening and follow-up: are children receiving recommended services? Public Health Rep. 2010;125:199-207. O índice de comparecimento ao reteste é um indicador que mensura a real adesão da família e a efetividade da logística de retorno implantada pelo programa.3Olusanya BO, Swanepoel de W, Chapchap MJ, Castillo S, Habib H, Mukari SZ, et al. Progress towards early detection services for infants with hearing loss in developing countries. BMC Health Serv Res. 2007:7-14.

Estudos têm sido realizados para verificar as variáveis que podem influenciar na adesão da família. Foi observada diminuição com significância estatística da adesão nos grupos de crianças com idade maior que 30 dias,1616 Olusanya BO, Ebuehi OM, Somefun AO. Universal infant hear- ing screening programme in a community with predominant non-hospital births: a three-year experience. J Epidemiol Com- munity Health. 2009;63:481-7. de neonatos não primogênitos,1414 Fernandes JC, Nozawa MR. Estudo da efetividade de um pro- grama de triagem auditiva neonatal universal. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15:353-61. , 1616 Olusanya BO, Ebuehi OM, Somefun AO. Universal infant hear- ing screening programme in a community with predominant non-hospital births: a three-year experience. J Epidemiol Com- munity Health. 2009;63:481-7. neonatos com mães sem companheiro na família, com baixa frequência ao pré-natal e baixa escolaridade.1414 Fernandes JC, Nozawa MR. Estudo da efetividade de um pro- grama de triagem auditiva neonatal universal. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15:353-61. Em análise qualitativa, foram considerados obstáculos ao acesso ao reteste: restrição do horário de atendimento, insuficiência de informação sobre a importância da TAN, a carência de recursos materiais para deslocamento até o local do exame, a necessidade de conduzir todos os filhos para o local do exame por ausência de familiar que auxilie com os filhos mais velhos, a observação domiciliar de reação da criança frente a estímulos sonoros de maior intensidade e, principalmente, o fato de os pediatras que acompanhavam a criança não terem reiterado a necessidade de comparecimento ao reteste.1414 Fernandes JC, Nozawa MR. Estudo da efetividade de um pro- grama de triagem auditiva neonatal universal. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15:353-61. Nesse aspecto, torna-se fundamental a participação de todos os profissionais envolvidos com os cuidados neonatais, sejam da maternidade ou da unidade básica de saúde, de forma que as orientações sobre a importância do retorno para nova avaliação não tenham divergência. Para tanto, é necessário que as informações do resultado de exame e respectiva conduta sejam devidamente registradas, preferencialmente na caderneta de saúde da criança, de forma a facilitar o trabalho interdisciplinar.3232 Alves CRL, Lasmar LMLBF, Goulart LMHF, Alvim CG, Maciel GVR, Viana MRA, et al. Qualidade do preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2009;25:583-95.

Embora o absenteísmo no presente estudo tenha sido significativo (29% na fase de reteste e 67,7% na reavaliação), as informações disponíveis permitiram apenas observar que não houve influência da procedência da família, da idade da criança e da presença de indicador de risco para deficiência auditiva no comparecimento ao reteste.

O percentual de crianças encaminhadas para diagnóstico neste estudo (2,1%), embora esteja de acordo com o recomendado pela Academia Americana de Pediatria, pode estar subestimado, ao se considerar o elevado absenteísmo na fase do reteste. Valores de encaminhamento para diagnóstico semelhantes aos do presente estudo foram encontrados em São Paulo, onde foi observado 1,1% de encaminhamento para diagnóstico, com taxa de absenteísmo no reteste de 26,9%.3131 Durante AS, Carvallo RMM, Costa MTZ, Cianciarullo MA, Voegels RL, Takahashi GM, et al. A implementação de programa de triagem auditiva neonatal universal em um hospital univer- sitario brasileiro. Pediatria (São Paulo). 2004;26:78-84.

A realização do diagnóstico e da intervenção em instituições distintas à do SRTAN e a ausência de sistema informatizado de controle das crianças triadas têm dificultado o conhecimento do número de crianças com perdas auditivas confirmadas e da idade da mesma no momento do diagnóstico e no início da intervenção. No primeiro ano de implantação do programa municipal, correspondente ao ano de 2010, não houve padronização dos registros de pacientes entre os SRTAN e os serviços de diagnóstico e intervenção, comprometendo seriamente o fluxo de referência e contrarreferência e, consequentemente, o conhecimento do número de crianças identificadas de cada SRTAN.

Diante da ausência de informações das fases posteriores ao reteste, o presente estudo limitou-se à análise dos dados até o momento do encaminhamento para diagnóstico. A literatura é clara ao afirmar que a detecção precoce por si só não garante o desenvolvimento auditivo da criança com perda, sendo necessária efetiva intervenção terapêutica, bem como interface com o sistema educacional.1Yoshinaga-Itano C. Levels of evidence: universal newborn hearing screening (UNHS) and early hearing detection and inter- vention systems (EHDI). J Commun Disord. 2004;37:451-65.

Desde 1999, a Academia Americana de Pediatria e o Joint Committee on Infant and Hearing já recomendavam a implantação de programas de triagem com uso de sistema de informação para consolidação e análise dos dados. Essa mesma recomendação vem sendo reiterada por diversos estudos e organizações nacionais e internacionais.1010 American Academy of Pediatrics JCIH. Year 2007 position state- ment: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120:898-921. A ausência de um sistema informatizado tem claramente dificultado ou mesmo impossibilitado a obtenção dos resultados assistenciais. O desconhecimento da trajetória das crianças após o encaminhamento para diagnóstico compromete seriamente a medida da eficácia do programa de triagem auditiva neonatal, ou seja, a identificação do número de crianças com deficiência auditiva que alcançaram um bom desenvolvimento auditivo e linguístico. A falta de informação também compromete o processo de avaliação dos programas pela gestão e dificulta o melhor direcionamento de recursos e ações corretivas para a garantia da assistência integral às crianças com deficiência auditiva.

Pode-se pensar ainda em estratégias de regionalização dos serviços de referência, de forma que os exames sejam agendados no serviço de maior facilidade de acesso para a família. Ações de informação da população e dos profissionais de saúde sobre a importância da detecção precoce das deficiências auditivas são fundamentais para o entendimento da necessidade do comparecimento, não apenas no primeiro exame, mas também no reteste e/ou reavaliação, caso sejam necessários.

Estudos futuros são necessários para se conhecer não apenas a evolução do processo de trabalho do SRTAN, mas também os indicadores de qualidade dos demais serviços de TAN do município e do estado. O conhecimento das limitações e dos avanços desses programas é fundamental para o embasamento das ações das respectivas esferas de gestão. Estratégias de implantação de sistemas de integração entre o serviço e os demais pontos de assistência da rede de saúde auditiva são indispensáveis para consolidação e análise dos dados, de modo a permitir o conhecimento de um dos principais indicadores de qualidade propostos pela comunidade científica: o percentual de crianças com deficiência auditiva ao nascimento que tiveram intervenção, ou seja, adaptação de aparelho de amplificação sonora individual e terapia fonoaudiológica, em tempo hábil para o desenvolvimento satisfatório da linguagem oral.

Conclusão

O serviço de referência de triagem auditiva neonatal onde este estudo foi realizado alcançou três dos quatro indicadores de qualidade avaliados. Os índices de encaminhamento para reteste, comparecimento no reteste e encaminhamento para diagnóstico estão de acordo com o recomendado pelas comunidades científicas. No entanto, a TAN não foi realizada dentro do prazo recomendado em 35% das crianças avaliadas, sugerindo a necessidade de ações que proporcionem a facilitação do acesso ao exame em menor tempo. Embora tenham sido alcançados mais de 70% de comparecimento no reteste, no primeiro ano de programa, espera-se mais de 90% de comparecimento nos períodos seguintes.

Tornam-se, portanto, importantes o investimento em estratégias de busca ativa e o estudo de protocolos de avaliação que reduzam o número de crianças encaminhadas para o reteste. A integração da saúde auditiva infantil nas ações da atenção primária deve ser fortalecida para garantia da continuidade da assistência.

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  • Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
  • ☆☆
    Como citar este artigo: Januário GC, Lemos SMA, de Lima Friche AA, Alves CR. Quality indicators in a newborn hearing screening service. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:255-63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2013
  • Aceito
    24 Maio 2014
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