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Processamento auditivo central: avaliação comportamental e eletrofisiológica de crianças e adolescentes diagnosticados com AVC Como citar este artigo: Berticelli AZ, Bueno CD, Rocha VO, Ranzan J, Riesgo RS, Sleifer P. Central auditory processing: behavioral and electrophysiological assessment of children and adolescents diagnosed with stroke. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:512–20.

Resumo

Introdução:

O processamento auditivo central refere-se à eficiência e eficácia com que o sisPotenciais evocados tema nervoso central usa informações auditivas e pode estar alterado em distúrbios neurológicos e lesões cerebrais, como acidentes vasculares cerebrais. No entanto, apesar das evidências de Distúrbios possíveis alterações na população pediátrica, as habilidades funcionais e as limitações pósperceptivos -acidente vascular cerebral ainda não estão bem documentadas na literatura.

Objetivo:

Analisar os achados das avaliações eletrofisiológicas e comportamentais do procesDoenças auditivas samento auditivo central de crianças e adolescentes diagnosticados com acidente vascular cerebral em um ambulatório de referência, bem como investigar possíveis associações com Criança as variáveis: tipo e localização do acidente vascular cerebral e faixa etária.

Método:

Estudo transversal comparativo. A amostra, por conveniência, incluiu indivíduos de 7 a 18 anos, divididos em dois grupos: grupo de estudo (GE), composto por indivíduos com diagnóstico de acidente vascular cerebral, e grupo controle (GC), composto por indivíduos com desenvolvimento típico. A avaliação consistiu nos seguintes procedimentos: anamnese, avaliação audiológica básica, avaliação comportamental do distúrbio de processamento auditivo (teste dichotic digit, dichotic consonant-vowel, synthetic sentence identification/pediatric speech intelligibility, gaps in noise, pitch pattern sequence, masking level difference) e avaliação eletrofisiológica (P300 e mismatch negativity -).

Resultados:

Dezenove crianças e adolescentes foram incluídos no GE. O GC foi composto por 19 crianças e adolescentes com desenvolvimento típico. Na comparação entre os grupos, observa-se pior desempenho para o GE em todos os testes avaliados, comportamentais e eletrofisiológicos. Na avaliação comportamental do processamento auditivo central, houve diferença estatística para todos os testes, exceto masking level difference e teste dichotic digit, na fase de separação binaural na orelha esquerda. Na avaliação eletrofisiológica, houve diferença estatística na latência do mismatch negativity e P300. Não foram encontradas associações entre os achados comportamentais e eletrofisiológicos e as variáveis localização do acidente vascular cerebral e faixa etária.

Conclusão:

Crianças e adolescentes diagnosticados com acidente vascular cerebral apresentam pior desempenho nas avaliações eletrofisiológicas e comportamentais do processamento auditivo central quando comparados a um grupo controle.

PALAVRAS-CHAVE
Acidente vascular cerebral; Potenciais evocados auditivos; Distúrbios perceptivos auditivos; Doenças auditivas centrais; Criança

Abstract

Introduction:

Central auditory processing refers to the efficiency and effectiveness with which the central nervous system uses auditory information: it may be altered in neurological disorders and brain injuries, such as strokes. However, despite evidence of probable alterations in the pediatric population, functional abilities and post-stroke limitations are still not well documented in the literature.

Objective:

To analyze the findings of the electrophysiological and behavioral evaluations of central auditory processing of children and adolescents diagnosed with stroke from a reference outpatient clinic, as well as to investigate possible associations with the variables: type and location of the stroke and age group.

Methods:

The present study is characterized as comparative cross-sectional. The sample, for convenience, included individuals aged 7–18 years divided into two groups: study group, composed of individuals with a diagnosis of stroke, and control group, composed of individuals with typical development. The evaluation consisted of the following procedures: anamnesis, basic audiological evaluation, behavioral evaluation of the auditory processing disorder (dichotic digit test, dichotic consonant-vowel, synthetic sentence identification/pediatric speech intelligibility, gaps in noise, pitch pattern sequence, masking level difference), and electrophysiological evaluation (P300 and mismatch negativity).

Results:

Nineteen children and adolescents were included in the study group. The control group was composed of 19 children and adolescents with typical development. In the comparison between the groups, a worse performance is observed for the study group in all the evaluated tests, behavioral and electrophysiological. In the behavioral evaluation of central auditory processing, there was a statistical difference for all tests, except for masking level difference and dichotic digit test, binaural separation step on the left. In the electrophysiological evaluation, there was a statistical difference in the latency of mismatch negativity and P300. No associations were found between the behavioral and electrophysiological findings and the location of the stroke and age group variables.

Conclusion:

Children and adolescents diagnosed with stroke present a worse performance in the electrophysiological and behavioral evaluations of central auditory processing when compared to a control group.

KEYWORDS
Stroke; Evoked potentials; auditory; Auditory perceptual disorders; Auditory diseases; central; Child

Introdução

A informação auditiva processada no cérebro é uma informação complexa que integra estímulos auditivos e operações cognitivo-linguísticas simultânea e sequencialmente. O processamento auditivo central (PAC) refere-se à eficiência e eficácia com as quais o sistema nervoso auditivo central (SNAC) usa informações auditivas.11 American Speech-Language-Hearing Association. (Central) Auditory Processing Disorders; 2005. Available at: http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/. Acessed March 01, 2018.
http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/...

O PAC envolve uma gama complexa de estruturas e funções que necessitam da integridade do sistema auditivo periférico e maturação do sistema nervoso auditivo central.22 Bellis TJ. Assessment and management of central auditory processing disorders in the educational setting: from science to practice. 3rd ed San Diego: Plural Publishing; 2011. Assim, todas as estruturas do sistema auditivo, da orelha externa ao córtex auditivo, devem estar intactas para que as informações auditivas possam ser detectadas, transmitidas e interpretadas.33 McPherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular; 1996.,44 Sleifer P, da Costa SS, Cóser PL, Goldani MZ, Dornelles C, Weiss K. Auditory brainstem response in premature and full-term children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007;71:1449–56.

O PAC pode ser acessado através de medidas comportamentais e eletrofisiológicas. Os testes comportamentais avaliam diferentes habilidades auditivas e têm como objetivo investigar como os indivíduos prestam atenção, organizam, memorizam e percebem detalhes de informações auditivas verbais e não verbais.55 Ramos BD, Costa-Ferreira MID, Guedes MC, Alvarez AM. Processamento auditivo e transtornos de aprendizagem. In: Campos Júnior D, Burns DAR, Lopez FA, editors. Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4th ed Barueri: Manole; 2017. p. 1639–49. Os testes eletrofisiológicos permitem medir a atividade neuroelétrica ao longo da via auditiva, fornecem mais informações sobre o funcionamento do SNAC. Portanto, o processamento de informações auditivas pode ser observado no domínio do tempo.66 Pereira LD, Frota S. Avaliação do processamento auditivo: testes comportamentais. In: Boéchat EM, Menezes PL, do Couto C, Frizzo A, Scharlach R, Anastácio A, editors. Tratado de Audiologia. 2nd ed. São Paulo: Santos; 2015. p. 160–70.,77 Sleifer P. Avaliação eletrofisiológica da audição em crianças. In: Cardoso MC, editor. Fonoaudiologia na infância: avaliação e terapia. Rio de Janeiro: Revinter; 2015. p. 171–94.

O transtorno do processamento auditivo (TPA) pode ser causado por atraso na maturação das vias auditivas centrais, distúrbios neurológicos e lesões cerebrais.88 Pereira LD. Introdução ao processamento auditivo central. In: Bevilaqua MC, Martinez MAN, Balen SA, Pupo AC, Reis ACMB, Frota S, editors. Tratado de Audiologia. 1st ed São Paulo: Santos; 2011. p. 279–91. Portanto, consi- derando as alterações neurológicas como fator de risco para alterações no PAC, as crianças com diagnóstico de acidente vascular cerebral (AVC) fazem parte do grupo de risco.11 American Speech-Language-Hearing Association. (Central) Auditory Processing Disorders; 2005. Available at: http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/. Acessed March 01, 2018.
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O AVC é definido como uma súbita oclusão ou ruptura de veias ou artérias cerebrais, com interrupção do fluxo sanguíneo para o cérebro, resulta em lesão cerebral focal e déficits neurológicos clínicos.99 Kirton A, deVeber G. Cerebrovascular disease in children. In: Swaiman KF, Ashwal S, Ferriero DM, Schor NF, editors. Swaiman’s pediatric neurology: principles and practice. 5th ed. St Louis: Elsevier Saunders; 2012. p. 1395–436.,1010 World Health Organization. Stroke, Cerebrovascular accident. Available at: http://www.who.int/topics/cerebrovascular_accident/en/. Acessed July 22, 2015.
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Estudos recentes indicaram uma taxa de incidência de 1,2 a 13 casos por 100.000 crianças por ano.11 American Speech-Language-Hearing Association. (Central) Auditory Processing Disorders; 2005. Available at: http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/. Acessed March 01, 2018.
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1414 DeVeber GA, Kirton A, Booth FA, Yager JY, Wirrell EC, Wood E, et al. Epidemiology and outcomes of arterial ischemic stroke in children: the canadian pediatric ischemic stroke registry. Pediatr Neurol. 2017;69:58–70. Em crianças, os mecanismos subjacentes à fisiopa- tologia do AVC ainda são pouco compreendidos.1111 Krishnamurthi RV, de Veber G, Feigin VL, Barker-Collo S, Fullerton H, Mackay MT, et al. Stroke prevalence, mortality and disability-adjusted life years in children and youth aged 0-19 years: data from the Global and Regional Burden of Stroke 2013. Neuroepidemiology. 2015;45:177–89.,1515 Ranzan J, Rotta NT. Ischemic stroke in children: a study of the associated alterations. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62:618–25.,1616 Kirton A, deVeber G. Paediatric stroke: pressing issues and promising directions. Lancet Neurol. 2015;14:92–102. Além disso, a etiologia, apresentação, evolução e o resultado do AVC em crianças são diferentes das descritas em adultos.1717 Bernard TJ, Goldenberg NA. Pediatric arterial ischemic stroke. Pediatr Clin North Am. 2008;55:323–38.

Na população pediátrica, as habilidades funcionais e as limitações pós-AVC ainda não estão bem documentadas na literatura. Estudos anteriores relataram alterações neurológicas, como déficits motores, linguísticos e cognitivos.1818 Avila L, Riesgo R, Pedroso F, Goldani M, Danesi M, Ranzan J, et al. Language and focal brain lesion in childhood. J Child Neurol. 2010;25:829–33.,1919 Tsze DS, Valente JH. Pediatric stroke: a review. Emerg Med Int. 2011;2011:1–10. Embora dificilmente sejam investigados na população pediátrica, há evidências de comprometimento das habilidades auditivas do PAC em crianças diagnosticadas com AVC.2020 KMIF Elias, Moura-Ribeiro MVL. Stroke caused auditory attention deficits in children. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71:11–7.,2121 KMIF Elias, Oliveira CC, Airoldi MJ, Franco KMD, Rodrigues SD, Ciasca SM, et al. Central auditory processing outcome after stroke in children. Arq Neuropsiquiatr. 2014;72:680–6.

Como há evidências de possíveis efeitos do AVC nas habilidades auditivas do PAC, esses efeitos devem ser levados em consideração na avaliação das crianças, devido às limitações funcionais que resultam dessas deficiências, principalmente na escola e no ambiente social.

Diante das considerações acima, o presente estudo tem como objetivo investigar os achados das avaliações comportamentais e eletrofisiológicas do processamento auditivo central de crianças e adolescentes diagnosticados com AVC em um ambulatório de referência. Outro objetivo foi investigar possíveis associações com as variáveis tipo de AVC, lado da lesão do AVC e faixa etária.

Método

Estudo transversal comparativo, feito de acordo com as diretrizes para pesquisa em seres humanos e com a Resolução n 466/12 e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sob o número de protocolo 77900517.2.0000 .5334.

A amostra, por conveniência, incluiu indivíduos de 7 a 18 anos, divididos em dois grupos: grupo de estudo (GE), composto por indivíduos com diagnóstico de acidente vascular cerebral, acompanhados no ambulatório de doenças cerebrovasculares da unidade de neuropediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, Brasil, e o grupo controle (GC), composto por crianças e adolescentes com desenvolvimento típico. O GC foi composto por crianças com bom desempenho acadêmico, recrutadas em escolas públicas e privadas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, pareadas por idade e sexo. Os participantes com menos de 12 anos foram considerados crianças e os de 12 a 18 anos foram considerados adolescentes. A coleta de dados ocorreu entre maio e dezembro de 2018.

Para ambos os grupos, os critérios de inclusão foram: crianças e adolescentes de 7 a 18 anos, presença de limiares auditivos normais2222 Northern JL, Downs MP. Hearing in children. 3rd ed Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 1984. e curva da timpanometria tipo A.2323 Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1970;92:311–24. Além disso, a presença de atividade do reflexo acústico bilateralmente, ausência de queixas otológicas e audiológicas ou queixas de dificuldades de aprendizagem na escola foram levadas em consideração para o grupo controle. Para os dois grupos, os critérios de exclusão foram: presença de sequelas neurológicas que impedissem avaliações audiológicas.

Todos os participantes foram submetidos a avaliação médica. A entrevista do histórico médico, avaliação audiológica básica (audiometria tonal e vocal e medidas de imitância acústica), avaliação comportamental do PAC e avaliação eletrofisiológica foram feitas nessa sequência. Os participantes foram encaminhados pelos seus neuropediatras assistentes.

A bateria escolhida para avaliar o PAC foi composta pelos seguintes testes: SSI (synthetic sentence identification) ou PSI (pediatric speech intelligibility), DD (teste dichotic digits), DCV (teste dichotic consonant-vowel), GIN (gaps in noise), PPS (pitch pattern sequence) e MLD (masking level difference), de acordo com as recomendações da Academia Brasileira de Audiologia (2016).2424 Academia Brasileira de Audiologia. Fórum de diagnóstico audiológico. São Paulo: 31◦ Encontro Internacional de Audiologia; 2016. Available at: http://www.audiologiabrasil.org.br/31eia/pdf/forumf.pdf. January 20, 2018.
http://www.audiologiabrasil.org.br/31eia...
Os testes comportamen- tais foram feitos em uma cabine à prova de som, com um audiômetro Harp (Inventis), conectado a um notebook que continha os direcionamentos do teste comportamental.

O teste DD foi feito a 50 dBNS (nível de sensação de decibéis), com apresentação binaural para as etapas de integração binaural e separação binaural. O DCV foi feito a 55 dBNS. Os testes SSIe PSI foram feitos a 40 dBNS para a mensagem principal, com uma mensagem competitiva ipsilateral apresentada em duas condições (0 e−15 dB). Os testes GIN, PPS e MLD foram feitos a 50 dBNS. A gravação e a análise foram feitas de acordo com as diretrizes dos testes. O cálculo da intensidade de apresentação (dBNS) foi baseado na média de três tons da via aérea nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz. Todos os testes feitos foram previamente treinados com os pacientes para garantir que eles haviam entendido as tarefas.

A avaliação eletrofisiológica consistiu nos testes P300 e MMN (mismatch negativity). Esses potenciais foram registrados com os participantes sentados em uma cadeira confortável. A pele foi limpa com gaze umedecida com uma solução antisséptica. Em seguida, os eletrodos foram afixados com pasta condutora de EEG (eletroencefalograma) e fita adesiva: o eletrodo terra foi fixado à testa e o eletrodo ativo (Fz), próximo ao couro cabeludo; o eletrodo (M1) foi fixado à mastoide direita e o eletrodo (M2), à mastoide esquerda; finalmente, fones de ouvido (EarphoneTONETM GOLD) foram colocados nas duas orelhas.

A avaliação foi iniciada apenas quando a impedância era menor ou igual a 5 (ohms). A varredura de EEG foi feita para verificar a presença de artefatos que pudessem interferir no teste. Uma varredura dos potenciais evocados auditivos do tronco encefálico (PEATE) foi feita a 80 dBNA para verificar a integridade da via auditiva.

O MMN foi obtido monoauralmente, com frequência de 1000 Hz para o estímulo frequente e 2000 Hz para o estímulo raro (50 ciclos cada), na intensidade de 70 a 80 dBNA para ambos os estímulos, com uma taxa de 1,8 estímulo por segundo. Foi calculada a média de 150 estímulos, com o paradigma do oddball (90% / 10%) e a polaridade alternada. A aquisição de dados usou escalas completas de 200 μV, filtro passa-alto de 1 Hz, filtro passa-baixo de 20 Hz, Notch-YES, janela de tempo de 500 ms e amplitude de traço de até 7,5 μV. Para fazer o MMN, as crianças assistiram a um vídeo (com o volume desligado) em um tablet para desviar a atenção dos estímulos auditivos.

Tabela 1
Caracterização da amostra

Para o P300, os estímulos foram binaurais, com burst de tom e platô de 20 ms e tempos de subida e descida de 5 m, nas frequências de 1000 Hz para os estímulos frequentes (80% das apresentações) e 2000 Hz para os raros (20% dos apresentações), a 80 dBNA para os dois. Com polaridade alternada, o ritmo de apresentação do estímulo ocorria em intervalos regulares de 0,8 pulso por segundo. Durante a aquisição dos dados, a escala completa foi de 200 μV, filtro passa-alto de 0,5 Hz, filtro passa-baixo de 20 Hz, Notch-YES e janela de leitura de 1000 ms. As crianças foram orientadas a prestar atenção aos estímulos auditivos apresentados, inclusive os estímulos raros. A latência do P300 foi marcada no ponto de amplitude máxima da onda.

Antes do início da coleta dos dados eletrofisiológicos, todos os indivíduos foram informados sobre as etapas de execução dos testes, para que pudessem entender as instruções corretamente. O MMN foi feito antes do P300 para garantir a conclusão da tarefa solicitada, uma vez que no MMN nenhuma atenção deve ser dada ao estímulo, ao contrário do P300. Para aumentar a confiabilidade, os registros eletrofisiológicos foram analisados por dois avaliadores em momentos diferentes. É importante ressaltar que o MMN foi coletado com estímulos monoaurais e o P300 com estímulos binaurais, porque os mesmos parâmetros de coleta de dados foram mantidos para o grupo controle e essa coleta já havia sido iniciada. Foi usado o sistema Contronic® Masbe ATC Plus. Pelo menos duas amostras foram coletadas para cada onda, a fim de verificar a replicabilidade.

As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio-padrão e as variáveis categóricas, por frequências absolutas e relativas. O teste t de Student foi usado para comparação das médias e os testes qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher foram aplicados para comparação de proporções. O teste t de Student para amostras pareadas foi usado para comparação entre os lados direito e esquerdo. Os dados foram analisados com o software statistical package for the social sciences (SPSS), versão 21.0 para Windows. Para os critérios de decisão estatística, foi adotado o nível de significância de 5%.

Resultados

Trinta e quatro crianças e adolescentes diagnosticados com AVC em um ambulatório de referência foram convidados a participar do estudo. Considerando os critérios de inclusão e exclusão, 19 crianças e adolescentes foram incluídas no GE. O GC foi composto por 19 crianças e adolescentes com desenvolvimento típico, pareados por idade e sexo. A tabela 1 mostra as características da amostra.

As tabelas 2 to 3 mostram os achados dos testes comportamentais para o PAC e a avaliação eletrofisiológica de ambos os grupos.

A tabela 4 mostra as comparações dos achados comportamentais e eletrofisiológicos entre as crianças e os adolescentes do GE.

Tabela 2
Comparação de testes comportamentais entre os grupos estudo e controle

Como a amostra de crianças e adolescentes diagnosticados com AVC e TSVC era pequena, não foi possível investigar possíveis associações com o tipo de AVC.

A tabela 5 mostra os achados comportamentais e eletrofisiológicos de acordo com o lado da lesão do AVC. Foram incluídos cinco participantes com diagnóstico de acidente vascular cerebral do lado direito e oito participantes com acidente vascular cerebral do lado esquerdo. Na comparação entre os locais, houve diferença significante apenas para a amplitude do MMN na OE.

Os achados do teste DVC foram analisados de acordo com o lado da lesão do AVC. As respostas foram predominantes na orelha direita (OD) em 4 dos 5 indivíduos com acidente vascular cerebral do lado direito, mas na orelha esquerda (OE) em um indivíduo. As respostas foram predominantes na OE para 7 dos 8 indivíduos com acidente vascular cerebral do lado esquerdo, mas na OD para um indivíduo.

Discussão

Embora exista uma alta prevalência, bem como alto impacto funcional de deficiências no PAC, os déficits presentes em crianças e adolescentes com AVC ainda são pouco explorados.2525 Bamiou DE, Werring D, Cox K, Stevens J, Musiek FE, Brown MM, et al. Patient-reported auditory functions after stroke of the central auditory pathway. Stroke. 2012;43:1285–9.,2626 Bamiou DE, Murphy CFB. Neurological brain damage and its impact on auditory processing. In: Geffner DS, Ross-Swain D, editors. Auditory processing disorders: assessment, management, and treatment. 3rd ed. San Diego: Plural Publishing; 2018. p. 269–87. Em um estudo recente, Barros2727 Barros SS. Achados audiológicos e eletrofisiológicos em crianças que sofreram acidente vascular cerebral [graduação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014. analisou os achados audiológicos de crianças com história de acidente vascular cerebral e concluiu que os pacientes não apresentavam comprometimento auditivo ao nível periférico, o que sugeriu a necessidade de avaliação do PAC.

Tabela 3
Comparação de testes eletrofisiológicos entre os grupos estudo e controle

De acordo com a literatura, as alterações neurológicas resultantes do acidente vascular cerebral variam de acordo com a localização e extensão da lesão. No presente estudo, crianças e adolescentes diagnosticados com AVC – isquêmico, hemorrágico ou trombose do seio venoso cerebral – foram avaliados. Segundo os registros médicos, os acidentes vasculares cerebrais foram classificados de acordo com o nível da lesão no sistema nervoso central. Devido à variação nos dados de localização e extensão, optamos por descrevê-los apenas de acordo com a lateralização hemisférica – hemisfério direito ou esquerdo. Os casos em que o acidente vascular cerebral foi descrito em outro nível do SNC, eles foram classificados como ‘‘Outros’’.

No presente estudo, as habilidades do PAC foram investigadas em crianças e adolescentes com AVC através de testes comportamentais e eletrofisiológicos.

Os testes comportamentais usados foram selecionados para avaliar a integração binaural e separação binaural, figura-fundo, resolução e ordenação temporal e habilidades de interação binaural. Na análise dos achados, o GE apresentou pior desempenho em todas as tarefas, quando comparado ao GC. Os resultados foram significantes para os testes PSI /SSI, GIN e PPS, indicaram uma perda na figura-fundo, resolução temporal e habilidades de ordenação. Para o teste DD, houve diferença estatística para o estágio de integração binaural, indicou comprometimento nessa capacidade. Na etapa de separação binaural, não houve diferença significante para a OE. Embora o GE tenha apresentado pior desempenho no teste MLD, não houve significância, indicou menor comprometimento na capacidade de interação binaural.

Embora os estudos com crianças diagnosticadas com AVC sejam escassos na literatura, eles relataram um comprometimento moderado das habilidades auditivas.2020 KMIF Elias, Moura-Ribeiro MVL. Stroke caused auditory attention deficits in children. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71:11–7.,2121 KMIF Elias, Oliveira CC, Airoldi MJ, Franco KMD, Rodrigues SD, Ciasca SM, et al. Central auditory processing outcome after stroke in children. Arq Neuropsiquiatr. 2014;72:680–6. Danos na escuta dicótica foram relatados em tarefas que requerem separação e integração de informações auditivas verbais e não verbais.2020 KMIF Elias, Moura-Ribeiro MVL. Stroke caused auditory attention deficits in children. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71:11–7.,2828 KMIF Elias, Santos MFC, Ciasca SM, Moura-Ribeiro MVL. Processamento auditivo em criança com doença cerebrovascular. Pro Fono. 2007;19:393–400. No presente estudo, a escuta dicótica nas tarefas de integração e separação binaural foi avaliada pelo teste DD. Na comparação entre o GE e o GC, crianças e adolescentes com AVC apresentaram pior desempenho, o que corroborou achados na literatura.2020 KMIF Elias, Moura-Ribeiro MVL. Stroke caused auditory attention deficits in children. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71:11–7.,2828 KMIF Elias, Santos MFC, Ciasca SM, Moura-Ribeiro MVL. Processamento auditivo em criança com doença cerebrovascular. Pro Fono. 2007;19:393–400. Não houve diferença estatística somente para a etapa de separação binaural (orelha esquerda).

Por se tratar de um teste dicótico verbal, o hemisfério dominante da linguagem (em geral, o hemisfério esquerdo) é necessário para a percepção verbal e caracterização de estímulos linguísticos. Assim, um bom desempenho na OD exige integridade das vias que atingem diretamente o hemisfério esquerdo (HE), enquanto um bom desempenho na OE exige integridade das vias que atingem o hemisfério direito (HD), além de eficiência do corpo caloso e integridade do HE.2929 Costa-Ferreira MID. Reflexões sobre a avaliação de processamento auditivo na infância. In: Cardoso M, editor. Fonoaudiologia na infância: avaliação e terapia. 1a ed Rio de Janeiro: Revinter; 2015. p. 61–71. Isto é, em casos de lesão unilateral no HD, são esperados limiares auditivos mais baixos na OE, pois nos casos de lesão unilateral no HE são esperados limiares inferiores na OD ou nas duas orelhas. Nos casos de acidente vascular cerebral unilateral, esse padrão foi encontrado no presente estudo, com achados de limiares mais baixos na orelha contralateral à lesão. Esses achados estão alinhados com os de estudos anteriores.22 Bellis TJ. Assessment and management of central auditory processing disorders in the educational setting: from science to practice. 3rd ed San Diego: Plural Publishing; 2011.,2020 KMIF Elias, Moura-Ribeiro MVL. Stroke caused auditory attention deficits in children. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71:11–7.,2121 KMIF Elias, Oliveira CC, Airoldi MJ, Franco KMD, Rodrigues SD, Ciasca SM, et al. Central auditory processing outcome after stroke in children. Arq Neuropsiquiatr. 2014;72:680–6.,3030 Murphy CFB, Stavrinos G, Chong K, Sirimanna T, Bamiou D-E. Auditory processing after early left hemisphere injury: a case report. Front Neurol. 2017;8:226.

Murphy et al.,3030 Murphy CFB, Stavrinos G, Chong K, Sirimanna T, Bamiou D-E. Auditory processing after early left hemisphere injury: a case report. Front Neurol. 2017;8:226. ao analisar os achados do DD em uma criança com história de acidente vascular cerebral unilateral no HE, encontraram 100% de desempenho na OE e 0% na OD. Os autores sugeriram que esses achados podem indicar reorganização e desenvolvimento da linguagem no HD, como resultado de forte plasticidade, geralmente ocorrem após lesão cerebral precoce.

No teste DCV, são esperadas respostas assimétricas, com predominância de respostas em uma das orelhas. Em geral, o HE é o hemisfério dominante para a linguagem e, portanto, costuma haver mais respostas para as sílabas ouvidas na OD.2929 Costa-Ferreira MID. Reflexões sobre a avaliação de processamento auditivo na infância. In: Cardoso M, editor. Fonoaudiologia na infância: avaliação e terapia. 1a ed Rio de Janeiro: Revinter; 2015. p. 61–71. Nos casos de lesões neurológicas, essa assimetria pode mudar.2020 KMIF Elias, Moura-Ribeiro MVL. Stroke caused auditory attention deficits in children. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71:11–7. No presente estudo, os achados foram ana- lisados de acordo com o lado da lesão do AVC. Havia um padrão de respostas: quando a lesão ocorria no HD, as respostas eram predominantes na OD e quando a lesão estava presente no HE, a OE apresentava maior desempenho.

Em um estudo recente, ao usar o DCV para avaliação de crianças com AVC, os autores também encontraram tendência para mais respostas na OD quando a lesão estava no HD. No entanto, em crianças com lesões de HE, as respostas foram mais heterogêneas. Os autores se referem a esses achados como uma reorganização da linguagem após o evento vascular e podem estar associados a múltiplos fatores, inclusive localização, extensão e tipo de lesão.2020 KMIF Elias, Moura-Ribeiro MVL. Stroke caused auditory attention deficits in children. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71:11–7.

Tabela 4
Comparação dos testes entre as faixas etárias no GE

De acordo com a literatura, crianças com AVC também apresentam déficits significativos no processamento temporal.2121 KMIF Elias, Oliveira CC, Airoldi MJ, Franco KMD, Rodrigues SD, Ciasca SM, et al. Central auditory processing outcome after stroke in children. Arq Neuropsiquiatr. 2014;72:680–6. O processamento temporal é crítico para uma ampla gama de tarefas auditivas diárias, como discriminação de sinais sutis e discriminação de palavras semelhantes. Pode ser subdividido em duas habilidades: ordenação temporal e resolução temporal, avaliadas neste estudo pelos testes PPS e GIN, respectivamente.22 Bellis TJ. Assessment and management of central auditory processing disorders in the educational setting: from science to practice. 3rd ed San Diego: Plural Publishing; 2011.

No presente estudo, houve diferença estatística entre os grupos para o teste PPS, em ambas as tarefas, humming e labeling (p <0,001). Essa diferença indica um déficit na capacidade de ordenação temporal. A ordenação temporal é baseada no princípio de que indivíduos com audição normal são capazes de perceber, associar e interpretar os padrões não verbais da mensagem recebida, por exemplo, ritmo, entonação e melodia. Como o PPS é um teste complexo, um bom desempenho requer integridade de ambos os hemisférios cerebrais. Como o estágio de humming não requer uma tarefa verbal, a distinção entre tons é mediada pelo hemisfério não dominante para a linguagem (geralmente o HD). A tarefa de labeling, por sua vez, depende não apenas do HD para fazer a análise e o reconhecimento do contorno acústico, mas também da eficiência do corpo caloso e do HE, para verbalização do padrão tonal.2929 Costa-Ferreira MID. Reflexões sobre a avaliação de processamento auditivo na infância. In: Cardoso M, editor. Fonoaudiologia na infância: avaliação e terapia. 1a ed Rio de Janeiro: Revinter; 2015. p. 61–71.,3131 Delecrode CR, Cardoso ACV, Frizzo ACF, Guida HL. Testes tonais de padrão de frequência e duração no Brasil: revisão de literatura. Rev CEFAC. 2014;16:283–93.

Em um estudo recente,3030 Murphy CFB, Stavrinos G, Chong K, Sirimanna T, Bamiou D-E. Auditory processing after early left hemisphere injury: a case report. Front Neurol. 2017;8:226. os autores encontraram desem- penho normal no teste PPS ao avaliar uma criança com história de acidente vascular cerebral no HE. Seus resultados são diferentes dos encontrados no presente estudo.

Na análise do GIN, o GE teve desempenho significantemente pior do que o GC (p <0,001), indicou um déficit na capacidade de resolução temporal. As alterações nessa capacidade podem causar dificuldade de identificar pequenas variações acústicas da fala e dificuldade de produzir sons corretamente ou em interpretar a mensagem ouvida.3232 Shinn JB, Chermak GD, Musiek FE. GIN (Gaps-In-Noise) performance in the pediatric population. J Am Acad Audiol. 2009;20:229–38.

Segundo a literatura, achados de baixo desempenho nas avaliações comportamentais do PAC indicam funções auditivas comprometidas, o que pode impactar o desempenho de diversas atividades da vida diária, com implicações para o aprendizado e a socialização.2121 KMIF Elias, Oliveira CC, Airoldi MJ, Franco KMD, Rodrigues SD, Ciasca SM, et al. Central auditory processing outcome after stroke in children. Arq Neuropsiquiatr. 2014;72:680–6. Limitações funcionais podem ser observadas na dificuldade das pessoas de seguir instruções orais e entender a fala, mesmo na ausência de comprometimento auditivo periférico.3030 Murphy CFB, Stavrinos G, Chong K, Sirimanna T, Bamiou D-E. Auditory processing after early left hemisphere injury: a case report. Front Neurol. 2017;8:226.

Tabela 5
Comparação de testes entre os hemisférios afetados

Como a combinação de métodos objetivos e subjetivos aumentou a precisão do diagnóstico audiológico, as avaliações eletrofisiológicas do MMN e do P300 foram incluídas no presente estudo. Medidas eletrofisiológicas têm sido usadas para avaliar a eficiência das medidas comportamentais, bem como para verificar a integridade funcional e estrutural dos componentes neurais da via auditiva.11 American Speech-Language-Hearing Association. (Central) Auditory Processing Disorders; 2005. Available at: http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/. Acessed March 01, 2018.
http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/...
,77 Sleifer P. Avaliação eletrofisiológica da audição em crianças. In: Cardoso MC, editor. Fonoaudiologia na infância: avaliação e terapia. Rio de Janeiro: Revinter; 2015. p. 171–94.,3333 Kraus N, Kileny P, McGee T. Potenciais auditivos evocados de média latência (MLR). In: Katz J, editor. Tratado de Audiologia Clinica. 4th ed. São Paulo: Manole; 1999. p. 384–402.

Devido à sua demanda cognitiva, o P300 é crucial para capturar potenciais relacionados à cognição gerados no SNAC. Reflete essencialmente a atividade das áreas auditivas corticais responsáveis pelas habilidades de atenção, discriminação, integração e memória.3434 Panassol PS, Sleifer P, Costa-Ferreira MID. Avaliação eletrofisiológica: aplicabilidade em neurodiagnóstico e nos resultados da reabilitação. In: Costa-Ferreira MID, editor. Reabilitação auditiva: fundamentos e proposições para atuação no Sistema Único de Saúde (SUS). Ribeirão Preto: Book Toy; 2017. p. 123–41. O MMN, por sua vez, reflete a discriminação pré-atentiva e a memória auditiva dos sujeitos avaliados e também se refere às habilidades de processamento e atenção involuntária.3535 Ferreira DA, Bueno CD, Costa SS, Sleifer P. Applicability of Mismatch Negativity in the child population: systematic literature review. Audiol Commun Res. 2017;22:e1831.3737 Schwade LF, Didoné DD, Sleifer P. Auditory evoked potential mismatch negativity in normal-hearing adults. Int Arch Otorhinolaryngol. 2017;21:232–8.

O P300 e o MMN são analisados quanto à latência, que representa a velocidade do processamento da informação, e a amplitude, que parece estar diretamente relacionada à quantidade de estrutura neuronal envolvida nas respostas. No entanto, por se tratar de um parâmetro altamente variável, poucos estudos até o momento incluíram uma análise deles.77 Sleifer P. Avaliação eletrofisiológica da audição em crianças. In: Cardoso MC, editor. Fonoaudiologia na infância: avaliação e terapia. Rio de Janeiro: Revinter; 2015. p. 171–94.,3636 Ferreira D, Bueno C, Costa SS, Sleifer P. Mismatch negativity in children: reference values. Int Arch Otorhinolaryngol. 2018, http://dx.doi.org/10.1055/s-0038-1667313.
http://dx.doi.org/10.1055/s-0038-1667313...
,3838 McPherson DL, Ballachanda B, Kaf W. Middle and long latency auditory evoked potentials. In: Roeser RJ, Valente M, Dunn H, editors. Audiology Diagnosis. 2nd ed. New York: Thieme; 2007. p. 443–77.,3939 Romero ACL, Regacone SF, Lima DDB, Menezes PL, Frizzo ACF. Event-related potentials in clinical research: guidelines for eliciting, recording, and quantifying Mismatch Negativity, P300, and N400. Audiol Commun Res. 2015;20:VII–II. Achados de latência aumentada ou amplitude reduzida podem indicar um declínio na ativação neuronal e são considerados indicadores objetivos de alterações clínicas e subclínicas.4040 Jaramillo M, Paavilainen P, Näätänen R. Mismatch negativity and behavioural discrimination in humans as a function of the magnitude of change in sound duration. Neurosci Lett. 2000;290:101–4.4242 Koravand A, Jutras B, Lassonde M. Abnormalities in cortical auditory responses in children with central auditory processing disorder. Neuroscience. 2017;346:135–48.

No presente estudo, crianças e adolescentes com AVC apresentaram resultados de latência significativamente mais lentos para MMN e P300 quando comparados ao GC. Isso é indicativo de possíveis déficits nas habilidades avaliadas por esses potenciais. Quanto à amplitude, não houve diferença estatística entre os valores de amplitude do GE e do GC.

Devido à complexidade das áreas envolvidas, sabe-se que o P300 é importante para fornecer informações adicionais sobre os processos neurais. Pode ser usado para medir e monitorar alterações neurofisiológicas no SNAC, especialmente em casos de déficit de processamento auditivo.4343 Santos TS, Mancini PC, Sancio LP, Castro AR, Labanca L, Resende LM. Findings in behavioral and electrophysiological assessment of auditory processing. Audiol Commun Res. 2015;20:225–32. No entanto, não foram encontrados outros estudos para incluir essa avaliação na população pediátrica pós-AVC.

Os valores de latência e amplitude do MMN encontrados no presente estudo concordam com os da literatura. Em um estudo recente, foram analisados os achados do MMN de 18 crianças e adolescentes diagnosticados com AVC. Quando comparados a um grupo controle, foram encontrados valores maiores de latência para o grupo de estudo. Houve diferenças estatísticas, indicaram que habilidades de discriminação, atenção involuntária e memória sensorial podem estar comprometidas. Não foram encontradas diferenças estatísticas para amplitude entre os grupos.4444 Bueno CD. Mismatch Negativity em crianças e adolescentes acometidos por acidente vascular encefálico [graduação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2017.

Outros estudos que incluíram avaliação eletrofisiológica nessa população não foram encontrados na literatura.

Como resultado do tamanho da amostra, a associação entre os achados comportamentais e eletrofisiológicos e o tipo de acidente vascular cerebral não pôde ser investigada. Além do tamanho da amostra, outras limitações do presente estudo incluem a heterogeneidade das características do AVC e sua apresentação clínica. Por essas razões, não foram encontradas associações entre os achados comportamentais e eletrofisiológicos e as diferentes faixas etárias do estudo, nem houve qualquer associação dos presentes achados com o lado da lesão do AVC como variável, exceto pela amplitude do MMN na OE, possivelmente devido à alta variabilidade, como mencionado acima.

Poucos estudos na literatura incluíram a avaliação do PAC em crianças e adolescentes diagnosticados com AVC, seja por testes comportamentais ou eletrofisiológicos. Assim, o presente estudo pode oferecer dados relevantes para estudos futuros nessa população.

Conclusão

Portanto, pode-se concluir que crianças e adolescentes diagnosticados com AVC apresentam pior desempenho nas avaliações eletrofisiológicas e comportamentais do PAC quando comparadas a um grupo controle.

  • Financiamento
    Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    4 Maio 2019
  • Aceito
    28 Out 2019
  • Publicado
    9 Dez 2019
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
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