Acessibilidade / Reportar erro

Rede de saúde auditiva: uma análise espacial

Resumos

INTRODUÇÃO:

Para atender às demandas da população com deficiência auditiva, o SUS criou as Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva, compostas por ações na atenção básica, média e alta complexidade. Uma forma de se compreender a organização desses serviços nos territórios de saúde é utilizando-se análise espacial, realizada por meio do geoprocessamento.

OBJETIVO:

Analisar a organização da Rede Estadual de Atenção à Saúde Auditiva em Minas Gerais.

MÉTODO:

Estudo analítico transversal, utilizando-se técnicas de geoprocessamento. Foram analisadas a frequência absoluta e frequência por mil habitantes das variáveis: avaliação e diagnóstico, seleção e adaptação de AASI, acompanhamento e terapia fonoaudiológica. A unidade de análise espacial foi a microrregião de saúde.

RESULTADOS:

Os procedimentos avaliação e diagnóstico, seleção e adaptação de AASI e acompanhamento tiveram maior número absoluto nas microrregiões onde há Serviços de Saúde Auditiva credenciados. O procedimento de acompanhamento apresentou a menor ocorrência no Estado. O procedimento terapia fonoaudiológica apresentou maior ocorrência, tanto em valor absoluto quanto por população.

CONCLUSÃO:

A utilização do geoprocessamento permitiu identificar o fluxo do atendimento em função da frequência de realização dos procedimentos, concentração populacional e distribuição territorial. Todos os procedimentos analisados são realizados em usuários em todas as microrregiões do Estado.

Atenção à saúde; Audiologia; Avaliação de serviços de saúde; Saúde pública; Sistema único de saúde


INTRODUCTION:

In order to meet the demands of the patient population with hearing impairment, the Hearing Health Care Network was created, consisting of primary care actions of medium and high complexity. Spatial analysis through geoprocessing is a way to understand the organization of such services.

OBJECTIVE:

To analyze the organization of the Hearing Health Care Network of the State of Minas Gerais.

METHODS:

Cross-sectional analytical study using geoprocessing techniques. The absolute frequency and the frequency per 1000 inhabitants of the following variables were analyzed: assessment and diagnosis, selection and adaptation of hearing aids, follow-up, and speech therapy. The spatial analysis unit was the health micro-region.

RESULTS:

The assessment and diagnosis, selection, and adaptation of hearing aids and follow-up had a higher absolute number in the micro-regions with hearing health services. The follow-up procedure showed the lowest occurrence. Speech therapy showed higher occurrence in the state, both in absolute numbers, as well as per population.

CONCLUSION:

The use of geoprocessing techniques allowed the identification of the care flow as a function of the procedure performance frequency, population concentration, and territory distribution. All procedures offered by the Hearing Health Care Network are performed for users of all micro-regions of the state.

Health care (public health); Audiology; Health services evaluation; Public health administration; Health surveys


Introdução

A perda auditiva caracteriza um déficit sensorial que limita as atuações do indivíduo em qualquer faixa etária, tendo efeitos adversos na qualidade de vida, na função cognitiva e no bem-estar emocional, comportamental e social.1Butugan O, Santoro PP, Rezende E, Silveira JA, Medicis JA, Grasel SS. Diagnóstico precoce da deficiência auditiva no primeiro ano de vida de crianças com alto risco através de audiometria de tronco cerebral. Pediatria (Santiago). 2000;22:115-22. , 2Reis ATPS, Silva FGF, Farias RB. Perfil epidemiológico dos pacientes atendidos no centro auditivo de Petrolina - PE. Rev CEFAC. 2012;14:79-83.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no Brasil, a deficiência auditiva ocupa o terceiro lugar entre as deficiências no país, sendo que metade dos casos de perdas auditivas é evitável através de ações de prevenção, diagnóstico precoce e de gestão.3World Health Organization. Deafness and hearing impair- ment; 2006. Available from http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs300/en/index.html [accessed 14.11.11].
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
Para atender às demandas dessa população, uma das estratégias de atenção à saúde foi a criação de redes estaduais de atenção à saúde auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS), instituída por meio da Portaria Ministerial nº 587 de 7 de outubro de 2004, que determina a organização e a implantação das ações na atenção básica, e de serviços de atenção na média e na alta complexidade dessas redes. Tais ações buscam ofertar um processo de cuidado integral, de promoção à saúde auditiva, de prevenção e identificação precoce de problemas auditivos junto à comunidade, assim como ações informativas e educativas, orientação familiar e encaminhamentos, quando necessário, para o serviço de atenção à saúde auditiva.4Pupo AC, Mendes BCA, Manzoni CRCT, Lewis DR, Machado MAMP, Martinez MANS, et al. Guia de orientação para fonoaudiólogos sobre a implantação e desenvolvimento da saúde auditiva na atenção primária. Conselho Federal de Fonoaudiologia. 2011.

Frente ao recente processo de criação dessa política, a avaliação das ações em saúde ganham destaque no setor,5Bosi MLM, Uchimura KY. Avaliação da qualidade ou avaliação qualitativa do cuidado em saúde? Rev Saúde Publica. 2007;41:150-3. uma vez que fornece informações relevantes para o processo de tomada de decisão baseado em evidências.6Soárez PC, Padovan JL, Ciconelli RM. Indicadores de saúde no Brasil: um processo em construção. Rev Adm Saúde. 2005;7:57-64. Uma forma de compreender como se organizam esses serviços nos territórios de saúde é utilizando a análise espacial dos elementos que compõem a rede de atenção, realizada por meio do geoprocessamento, um conjunto de tecnologias que analisa e avalia informações referentes a um espaço geográfico com determinado objetivo.7Barcellos C, Ramalho WM, Gracie R, Magalhães MAFM, Fontes MP, Skaba D. Georreferenciamento de dados de saúde na escala submunicipal: algumas experiências no Brasil. Epidemol Serv Saúde. 2008;17:59-70.

Para tanto, é necessária a localização geográfica dos eventos, associando informações gráficas (mapas) à base de dados de saúde e a utilização de ferramentas para a manipulação das informações espacialmente apresentadas.8Hau LC, Nascimento LFC, Tomazini JE. Geoprocessamento para identificar padrões de perfil de nascimentos na região do Vale do Paraíba. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31:171-6. Dentre os diversos modelos de sistemas de informação, o Sistema de Informação Geográfica (SIG) permite a coleta, o armazenamento, a manipulação, a análise, a visualização e a produção de dados referenciados geograficamente,9Graham AJ, Atkinson PM, Danson FM. Spatial analysis for epi- demiology. Acta Trop. 2004;91:219-25. tornando possível a qualificação e a organização dos serviços de saúde de acordo com as particularidades de cada área geográfica,1010 Bonfim C, Medeiros Z. Epidemiologia e geografia: dos primór- dios ao geoprocessamento. Rev Espaço apara a Saúde. 2008;10:53-62. o que contribui para uma melhor compreensão dos problemas atuais de saúde.

As técnicas de geoprocessamento vêm sendo aplicadas à saúde pública e à saúde coletiva, uma vez que tornam possível a análise das relações entre o ambiente e os eventos relacionados à saúde, auxiliando no planejamento, monitoramento e avaliação das ações de saúde e contribuindo para a estruturação e análise de riscos socioambientais.8Hau LC, Nascimento LFC, Tomazini JE. Geoprocessamento para identificar padrões de perfil de nascimentos na região do Vale do Paraíba. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31:171-6. , 1111 Camara G, Monteiro AMV. Geocomputation techniques for spa- tial analisys: are they relevant to health data? Cad Saúde Pública. 2001;17:1059-81. Além disso, a aplicação de tais técnicas busca identificar espacialmente áreas com características específicas, a fim de subsidiar programas ou políticas voltadas para a melhoria da saúde, visando aumentar a eficiência na utilização de recursos públicos, definindo áreas prioritárias de atuação.1212 Hayes MV. On the epistemology of risk: language, logic and social science. Soc Sci Med. 1992;35:401-7.

O presente estudo teve como objetivo analisar a organização da Rede Estadual de Atenção à Saúde Auditiva em Minas Gerais nas microrregiões de saúde e verificar a existência de padrão espacial entre os procedimentos de avaliação e diagnóstico, seleção e adaptação de aparelho de amplificação sonora individual (AASI), acompanhamento e terapia fonoaudiológica realizados nos pontos de atenção.

Método

O presente estudo faz parte do projeto "Avaliação da implementação da Rede de Atenção à Saúde Auditiva: um estudo de caso das microrregiões de Sete Lagoas e Curvelo, Minas Gerais", financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição sob parecer nº ETIC 186-10.

Trata-se de estudo analítico transversal que utilizou técnicas de geoprocessamento. Foram usados os dados do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS) para construção das variáveis por micro e macrorregião de saúde, considerando o Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais e o município de residência dos usuários da rede. Foram utilizadas as variáveis de avaliação e diagnóstico, seleção e adaptação de aparelho de amplificação sonora individual (AASI), acompanhamento e terapia fonoaudiológica referentes ao ano de 2010 (tabela 1), de modo a permitir a compreensão do itinerário do usuário nos principais pontos da rede de atenção.

Tabela 1
Descrição dos procedimentos considerados para cálculo das variáveis do estudo

Essas variáveis foram convertidas posteriormente em indicadores ao incorporarem a grandeza original do dado à variação populacional relativa, utilizando para tanto os dados do censo de 2010 (IBGE). As variáveis, representadas em mapas coropléticos, foram compreendidas a partir de seis intervalos de classes definidos pela distribuição natural breaks, que faz as fronteiras dos intervalos através de quebras reais no histograma por meio da visualização dos pesquisadores. Após a representação das variáveis em índices (1.000 hab./ano) foi estabelecida uma representação cartográfica pontual da frequência absoluta. Neste procedimento metodológico foram utilizados quatro intervalos de classe, também definidos pelo método de distribuição natural breaks.

Resultados

No ano de 2010, o estado de Minas Gerais possuía 15 serviços de saúde auditiva credenciados, distribuídos por 14 microrregiões, dos quais oito eram de alta complexidade (localizados nos municípios de Belo Horizonte, Uberlândia, Alfenas, Pouso Alegre, Montes Claros, Governador Valadares, Ponte Nova e Juiz de Fora), e sete de média complexidade (localizados nos municípios de Formiga, Santa Luzia, Uberaba, Patos de Minas, Diamantina e Teófilo Otoni). Foram realizados todos os procedimentos analisados em todas as microrregiões de saúde do estado, apesar da frequência de ocorrência não ter sido homogênea em todo o território, principalmente ao se comparar os quatro momentos da atenção prestada ao paciente na rede (desde o diagnóstico até a terapia fonoaudiológica) (figs. 1 a 4).

Figura 1
Distribuição espacial conforme micro e macrorregião do procedimento "Avaliação e Diagnóstico" por 1.000 hab./ano e frequência.

Figura 2
Distribuição espacial conforme micro e macrorregião do procedimento "Seleção e Adaptação de AASI" por 1.000 hab./ano e frequência.

Figura 3
Distribuição espacial conforme micro e macrorregião do procedimento "Terapia Fonoaudiológica" por 1.000 hab./ano e frequência.

Figura 4
Distribuição espacial conforme micro e macrorregião do procedimento "Acompanhamento" por 1.000 hab./ano e frequência.

A variável avaliação e diagnóstico ocorreu com maior valor de frequência absoluta nas microrregiões de Belo Horizonte/Nova Lima/Caeté, Juiz de Fora/Lima Duarte/Bom Jardim Minas, Uberlândia/Araguari, Governador Valadares e Patos de Minas, sendo que estas duas últimas apresentaram, também, maior número de indivíduos que realizaram tal procedimento, juntamente com as microrregiões de Ponte Nova e Viçosa. Apesar de ter apresentado maior valor de frequência absoluta de avaliações e diagnósticos realizados, a microrregião de Belo Horizonte/Nova Lima/Caeté foi apontada no mapa como uma das microrregiões com menor valor por população que realizou tais procedimentos (fig. 1).

A distribuição espacial do procedimento seleção e adaptação de AASI apresentou maior número de procedimento em função da densidade populacional por 1.000/habitantes nas microrregiões de Ponte Nova, Viçosa, Formiga, Alfenas/Machado, Itajubá, Governador Valadares, Patos de Minas, Montes Claros/Bocaiúva, Pouso Alegre e Uberlândia/Araguari. Destas, apenas as cinco últimas também apresentaram maior valor de frequência absoluta desse procedimento. Além das já citadas, as microrregiões de Belo Horizonte/Nova Lima/Caeté e Juiz de Fora/Lima Duarte/Bom Jardim Minas apresentaram alto valor de frequência absoluta de seleção e adaptação de AASI realizados em 2010. Observou-se maior número por mil habitantes e frequência absoluta deste procedimento entre as microrregiões em comparação com a variável de avaliação e diagnóstico (fig. 2).

O procedimento de acompanhamento ocorreu com maior valor de frequência absoluta nas microrregiões de Belo Horizonte/Nova Lima/Caeté, Juiz de Fora/Lima Duarte/Bom Jardim Minas e Pouso Alegre, enquanto as microrregiões de Itajubá, Poços de Caldas e Pouso Alegre apresentaram maior valor por população submetida a tal procedimento. Foram observadas no mapa grandes áreas com baixa produção desse procedimento por mil habitantes, assim como baixos valores de frequência absoluta do mesmo, sendo esta a variável de menor ocorrência no estado (fig. 3).

O procedimento de terapia fonoaudiológica ocorreu em maior número absoluto nas microrregiões de Juiz de Fora/Lima Duarte/Bom Jardim Minas e Conselheiro Lafaiete/Congonhas, sendo esta última a única microrregião destacada por população. Observou-se no mapa que esse procedimento correspondia ao procedimento ocorrido com maior frequência por mil habitantes, sendo seu valor máximo de 41,42 sessões de terapia fonoaudiológica/1.000 habitantes (fig. 4).

Não foi observada relação diretamente proporcional entre o número absoluto de procedimentos das variáveis analisadas e o número de procedimentos por mil habitantes, ou seja, as regiões de saúde com maior produção relativa às variáveis não necessariamente apresentaram maior número de procedimentos em relação à população. Além disso, nenhuma microrregião foi destacada em todas as variáveis analisadas.

As tabelas 2 e 3 apresentam os valores mínimo, máximo, média e desvio-padrão apresentados em cada variável analisada e sua respectiva microrregião de ocorrência com relação ao número de procedimentos, em função da densidade demográfica por 1.000 hab./ano e ao número absoluto de procedimentos, respectivamente.

Tabela 2
Valores mínimo, máximo, média e desvio-padrão em função do número de procedimentos realizados sob a densidade demográfica por 1.000 hab./ano, no estado de Minas Gerais

Tabela 3
Valores mínimo, máximo, média e desvio-padrão em função do número absoluto dos procedimentos realizados no estado de Minas Gerais

Discussão

Ainda que de maneira heterogênea, foram realizados todos os procedimentos relativos aos quatro momentos de atenção do serviço de saúde auditiva em usuários residentes em todas as microrregiões de saúde do estado. O princípio de regionalização do SUS assegura que os serviços de saúde devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescentes, dispostos em uma área geográfica e uma população a ser atendida delimitadas.1313 Conselho Nacional de Secretários de Saúde - Brasil. Legislação do SUS/Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: CONASS; 2003. Dessa forma, os usuários devem encontrar serviços de atenção secundária dentro da microrregião correspondente ao município de sua residência.1414 Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais - Brasil, 2010. Available from: http://www.saude.mg.gov.br/politicasdesaude/plano-diretor-de-regionalizacao-pdr [accessed 14.05.12].
http://www.saude.mg.gov.br/politicasdesa...

Embora tenha produção em todas as microrregiões de saúde, nenhuma microrregião apresentou valores de produção por população significativos nos quatro momentos de atenção à pessoa com deficiência auditiva, conforme observado nas figuras 1 a 4. Isso pode indicar que a Rede de Atenção à Saúde Auditiva não esteja plenamente implementada em nenhuma microrregião do estado, conforme o preconizado pela Portaria Ministerial nº 587 de 7 de outubro de 2004. O formulário para vistoria do gestor de saúde para fins de credenciamento dos serviços de audiologia na média e alta complexidades4Pupo AC, Mendes BCA, Manzoni CRCT, Lewis DR, Machado MAMP, Martinez MANS, et al. Guia de orientação para fonoaudiólogos sobre a implantação e desenvolvimento da saúde auditiva na atenção primária. Conselho Federal de Fonoaudiologia. 2011. avalia questões estruturais que podem ser suficientes na habilitação dos centros, mas pode levar a conclusões errôneas quando utilizado como único instrumento para acreditação dos serviços já existentes, uma vez que este formulário não avalia o desempenho do serviço no que se refere à oferta e à demanda da microrregião pelo mesmo. Dessa forma, verifica-se a necessidade de criação de indicadores objetivos para avaliação do nível de implementação da Rede de Saúde Auditiva nas microrregiões do estado.

Apesar de em 2010 a microrregião de Belo Horizonte/Nova Lima/Caeté ser a única a possuir dois serviços de saúde auditiva credenciados e vinculados a instituições de ensino, essa microrregião apresentou baixos valores por população que realizou o procedimento de avaliação e diagnóstico em relação às demais.

O aumento da utilização de serviços de saúde podem estar relacionados ao crescimento da oferta,1515 Oliveira EXG, Travassos C, Carvalho MS. Acesso à internação hospitalar nos municípios brasileiros em 2000: territórios do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2004;20 Supl.2:298-309. , 1616 Castro MSM, Travassos C, Carvalho MS. Efeito da oferta de serviços de saúde no uso de internações hospitalares no Brasil. Rev Saude Publica. 2005;39:277-84. o que torna possível a existência de demandas e necessidades reprimidas pela insuficiente oferta de ações e de serviços públicos de saúde. Esses dados sugerem a existência de uma demanda reprimida e uma oferta de serviços ainda insuficiente, considerando a população de 3.186.312 habitantes que era abrangida por essa microrregião em 2010.

As microrregiões destacadas quanto ao maior número absoluto de realização dos procedimentos de avaliação e diagnóstico, seleção e adaptação de AASI e acompanhamento são microrregiões onde há serviços de saúde auditiva de média ou alta complexidade credenciados, o que pode ter ocorrido devido à maior facilidade de acesso dos usuários, levando-se em consideração a menor distância da residência ao serviço. Cabe ao município garantir o acesso de usuários em tratamento ambulatorial a outras localidades quando o município de origem não oferece o grau de resolutividade demandado.1313 Conselho Nacional de Secretários de Saúde - Brasil. Legislação do SUS/Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: CONASS; 2003.

No entanto, o Sistema Estadual de Transporte em Saúde (SETS) ofertado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais atendia, em 2009, apenas 21 (27,63%) das 76 microrregiões do estado. Em 2010 era previsto que 41 (53,94%) das microrregiões fossem atendidas pelo SETS,1717 Borges JF. As redes de proteção social e a redução das desigualdades regionais em Minas Gerais. In: Brandão E, editor. Redução das desigualdades regionais: uma das faces do choque de gestão. Belo Horizonte: SEVAN/IDENE; 2009. Available from: http://www.bibliotecaidene.org/arquivos/album/381/arq2535.pdf [accessed 14.05.12].
http://www.bibliotecaidene.org/arquivos/...
o que pode dificultar ou até mesmo impossibilitar o acesso dos usuários aos serviços de atenção à saúde auditiva. Somente o procedimento de terapia fonoaudiológica foi destacado também na microrregião de Conselheiro Lafaiete/Congonhas, a qual não possui esse serviço credenciado. No entanto, tal fato é justificado pela ocorrência de terapia fonoaudiológica de maneira descentralizada, que pode ser realizada pelas referências municipais de saúde auditiva.1818 Minas Gerais. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Resolução SES n◦ 1669 de 19 de novembro de 2008 - Aprova o fluxo de inclusão na Rede Estadual de Saúde Auditiva de Minas Gerais e define atribuições do Fonoaudiólogo Descen- tralizado, da Junta de Saúde Auditiva Microrregional e da Junta Reguladora da Saúde Auditiva. Brasília, DF; 2008.

A maior frequência do procedimento de seleção e adaptação de AASI em relação ao procedimento de avaliação e diagnóstico pode ser justificada levando em consideração que a maioria dos usuários com perda auditiva realiza adaptação binaural de AASI, fazendo com que, nesses casos, o procedimento seja contabilizado duas vezes para um mesmo indivíduo, enquanto o procedimento de avaliação e diagnóstico é contabilizado uma única vez, independentemente se a perda auditiva é uni ou bilateral.

No entanto, a confirmação dessa hipótese não é possível, uma vez que nos dados disponibilizados no sistema de informação ambulatorial não há separação referente à seleção e adaptação de AASI mono ou binaural por usuário. Além disso, há também a possibilidade de o usuário realizar a avaliação e o diagnóstico por meio de convênio ou consultas particulares, havendo interposições de usuários que utilizam os serviços públicos e os privados, como é o caso dos que procuram o centro de saúde somente para vacinação por indicação do médico do convênio, mas quando necessitam de consultas médicas ou exames para apoio diagnóstico e terapêutico recorrem a convênios médicos.1919 Assis MMA, Villa TCS, Nascimento MAA. Acesso aos serviços de saúde: uma possibilidade a ser construída na prática. Ciênc Saúde Coletiva. 2003;8:815-23.

Neste estudo observamos que o acompanhamento corresponde ao procedimento de menor ocorrência no estado. O acompanhamento do usuário é imprescindível para que ocorra o uso efetivo do AASI e o consequente sucesso na adaptação com o mesmo,2020 Ribas A, Rosa M, Dante G, Martins-Bassetto J. SOS prótese auditiva: relato de um estudo de caso realizado na clínica de fonoaudiologia da UTP. Ciência e Cultura. 2006;38: 9-18. o que se torna viável por meio dos retornos periódicos ao programa de saúde auditiva, que tem como objetivo monitorar a perda auditiva e verificar a efetividade do uso do AASI.4Pupo AC, Mendes BCA, Manzoni CRCT, Lewis DR, Machado MAMP, Martinez MANS, et al. Guia de orientação para fonoaudiólogos sobre a implantação e desenvolvimento da saúde auditiva na atenção primária. Conselho Federal de Fonoaudiologia. 2011. Tem sido observado que a produção ambulatorial referente aos atendimentos de acompanhamento reduziu ao longo dos anos,2121 Bevilacqua MC, Morettin M, Melo TM, Amantini RCB, Martinez MANS. Contribuições para análise da política de saúde auditiva no Brasil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16:252-9. apresentando frequência espontânea de retorno para acompanhamento inferior ao valor de evasão do programa de atenção à saúde auditiva.2222 Lanzetta BP, Frota S, Goldfeld M. Acompanhamento da adaptação de próteses auditivas em crianças surdas. Rev CEFAC. 2010;12:360-70.

A baixa adesão dos pacientes ao processo de reabilitação auditiva pode ser causada por diversos fatores, como falta de esclarecimento sobre o fato de que a adaptação do AASI é somente uma etapa do processo, ou a dificuldade de acesso ao serviço, nos casos de pacientes que precisam realizar o serviço fora do município de sua residência.2323 Morettin M [dissertation] Avaliação dos benefícios e satisfação dos usuários de aparelhos de amplificação sonora individuais nos serviços de audiologia do SUS. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública; 2008. Além disso, o procedimento de acompanhamento deveria ocorrer pelo menos uma vez por ano, sendo esperado, portanto, que o mesmo ocorresse em maior frequência absoluta e em maior número populacional.4Pupo AC, Mendes BCA, Manzoni CRCT, Lewis DR, Machado MAMP, Martinez MANS, et al. Guia de orientação para fonoaudiólogos sobre a implantação e desenvolvimento da saúde auditiva na atenção primária. Conselho Federal de Fonoaudiologia. 2011. Embora não seja o suficiente, a busca ativa de usuários do serviço de atenção à saúde auditiva para retorno e realização do procedimento de acompanhamento tem se mostrado eficaz,2222 Lanzetta BP, Frota S, Goldfeld M. Acompanhamento da adaptação de próteses auditivas em crianças surdas. Rev CEFAC. 2010;12:360-70. e pode ser uma alternativa para aumentar a adesão ao serviço.

Em contrapartida ao baixo número de realizações do procedimento de acompanhamento no estado, observou-se que a terapia fonoaudiológica ocorre com grande frequência em todas as microrregiões, o que se observa também em nível nacional, onde 61,77% dos procedimentos realizados se referem à terapia fonoaudiológica, ocorrendo também redução na produção ambulatorial referente aos atendimentos de acompanhamento ao longo dos anos.2121 Bevilacqua MC, Morettin M, Melo TM, Amantini RCB, Martinez MANS. Contribuições para análise da política de saúde auditiva no Brasil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16:252-9.

O alto valor de ocorrência por frequência absoluta e por população desse procedimento justifica-se pelo fato de ser indicado que a terapia fonoaudiológica ocorra mais de uma vez, levando em consideração características e necessidades individuais do usuário, e também pela possibilidade de realização desse procedimento pelas referências municipais de saúde auditiva,1818 Minas Gerais. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Resolução SES n◦ 1669 de 19 de novembro de 2008 - Aprova o fluxo de inclusão na Rede Estadual de Saúde Auditiva de Minas Gerais e define atribuições do Fonoaudiólogo Descen- tralizado, da Junta de Saúde Auditiva Microrregional e da Junta Reguladora da Saúde Auditiva. Brasília, DF; 2008. o que reduz possíveis dificuldades de acesso ao serviço. Tais justificativas explicam também o maior valor desse procedimento em relação aos demais avaliados.

Diversos fatores, como acesso, existência de demanda reprimida, dificuldade de adesão ao tratamento, dentre outros fatores, parecem influenciar a forma de utilização dos serviços existentes pela população. Isso aponta a necessidade de se compreender melhor a associação entre tais fatores e a utilização dos serviços de saúde auditiva, bem como de se definir indicadores de processo que permitam monitorar e avaliar o processo de implementação dessa Rede no estado.

É necessária a realização de outros estudos avaliativos da Rede de Atenção à Saúde Auditiva, tanto no âmbito estadual como no nacional, para definição de áreas e serviços que necessitem de maiores recursos para otimização da Rede, e consequente melhoria na qualidade de vida da população.

Conclusões

Os procedimentos de avaliação e diagnóstico, seleção e adaptação de AASI, acompanhamento e terapia fonoaudiológica oferecidos pela Rede de Atenção à Saúde Auditiva foram realizados em todas as microrregiões do estado, sendo a terapia fonoaudiológica o procedimento de maior e o acompanhamento de menor representatividade. Não foi observada existência de padrão sistemático de distribuição espacial entre os procedimentos nas microrregiões de saúde nos quatro momentos de atenção à pessoa com deficiência auditiva. Embora exista oferta de serviços de saúde auditiva seguindo a diretriz organizativa da regionalização, a utilização dessa Rede ainda apresenta padrões muito heterogêneos, se comparados às microrregiões de saúde no estado.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pela concessão do auxílio financeiro para o desenvolvimento do projeto "Avaliação da implementação da Rede de Atenção à Saúde Auditiva: um Estudo de Caso das microrregiões de Sete Lagoas e Curvelo, Minas Gerais", processo: A PQ-03622-10, Edital PPSUS MS/CNPq/FAPEMIG/SES 2008-2009.

References

  • 1
    Butugan O, Santoro PP, Rezende E, Silveira JA, Medicis JA, Grasel SS. Diagnóstico precoce da deficiência auditiva no primeiro ano de vida de crianças com alto risco através de audiometria de tronco cerebral. Pediatria (Santiago). 2000;22:115-22.
  • 2
    Reis ATPS, Silva FGF, Farias RB. Perfil epidemiológico dos pacientes atendidos no centro auditivo de Petrolina - PE. Rev CEFAC. 2012;14:79-83.
  • 3
    World Health Organization. Deafness and hearing impair- ment; 2006. Available from http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs300/en/index.html [accessed 14.11.11].
    » http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs300/en/index.html
  • 4
    Pupo AC, Mendes BCA, Manzoni CRCT, Lewis DR, Machado MAMP, Martinez MANS, et al. Guia de orientação para fonoaudiólogos sobre a implantação e desenvolvimento da saúde auditiva na atenção primária. Conselho Federal de Fonoaudiologia. 2011.
  • 5
    Bosi MLM, Uchimura KY. Avaliação da qualidade ou avaliação qualitativa do cuidado em saúde? Rev Saúde Publica. 2007;41:150-3.
  • 6
    Soárez PC, Padovan JL, Ciconelli RM. Indicadores de saúde no Brasil: um processo em construção. Rev Adm Saúde. 2005;7:57-64.
  • 7
    Barcellos C, Ramalho WM, Gracie R, Magalhães MAFM, Fontes MP, Skaba D. Georreferenciamento de dados de saúde na escala submunicipal: algumas experiências no Brasil. Epidemol Serv Saúde. 2008;17:59-70.
  • 8
    Hau LC, Nascimento LFC, Tomazini JE. Geoprocessamento para identificar padrões de perfil de nascimentos na região do Vale do Paraíba. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31:171-6.
  • 9
    Graham AJ, Atkinson PM, Danson FM. Spatial analysis for epi- demiology. Acta Trop. 2004;91:219-25.
  • 10
    Bonfim C, Medeiros Z. Epidemiologia e geografia: dos primór- dios ao geoprocessamento. Rev Espaço apara a Saúde. 2008;10:53-62.
  • 11
    Camara G, Monteiro AMV. Geocomputation techniques for spa- tial analisys: are they relevant to health data? Cad Saúde Pública. 2001;17:1059-81.
  • 12
    Hayes MV. On the epistemology of risk: language, logic and social science. Soc Sci Med. 1992;35:401-7.
  • 13
    Conselho Nacional de Secretários de Saúde - Brasil. Legislação do SUS/Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: CONASS; 2003.
  • 14
    Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais - Brasil, 2010. Available from: http://www.saude.mg.gov.br/politicasdesaude/plano-diretor-de-regionalizacao-pdr [accessed 14.05.12].
    » http://www.saude.mg.gov.br/politicasdesaude/plano-diretor-de-regionalizacao-pdr
  • 15
    Oliveira EXG, Travassos C, Carvalho MS. Acesso à internação hospitalar nos municípios brasileiros em 2000: territórios do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2004;20 Supl.2:298-309.
  • 16
    Castro MSM, Travassos C, Carvalho MS. Efeito da oferta de serviços de saúde no uso de internações hospitalares no Brasil. Rev Saude Publica. 2005;39:277-84.
  • 17
    Borges JF. As redes de proteção social e a redução das desigualdades regionais em Minas Gerais. In: Brandão E, editor. Redução das desigualdades regionais: uma das faces do choque de gestão. Belo Horizonte: SEVAN/IDENE; 2009. Available from: http://www.bibliotecaidene.org/arquivos/album/381/arq2535.pdf [accessed 14.05.12].
    » http://www.bibliotecaidene.org/arquivos/album/381/arq2535.pdf
  • 18
    Minas Gerais. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Resolução SES n◦ 1669 de 19 de novembro de 2008 - Aprova o fluxo de inclusão na Rede Estadual de Saúde Auditiva de Minas Gerais e define atribuições do Fonoaudiólogo Descen- tralizado, da Junta de Saúde Auditiva Microrregional e da Junta Reguladora da Saúde Auditiva. Brasília, DF; 2008.
  • 19
    Assis MMA, Villa TCS, Nascimento MAA. Acesso aos serviços de saúde: uma possibilidade a ser construída na prática. Ciênc Saúde Coletiva. 2003;8:815-23.
  • 20
    Ribas A, Rosa M, Dante G, Martins-Bassetto J. SOS prótese auditiva: relato de um estudo de caso realizado na clínica de fonoaudiologia da UTP. Ciência e Cultura. 2006;38: 9-18.
  • 21
    Bevilacqua MC, Morettin M, Melo TM, Amantini RCB, Martinez MANS. Contribuições para análise da política de saúde auditiva no Brasil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16:252-9.
  • 22
    Lanzetta BP, Frota S, Goldfeld M. Acompanhamento da adaptação de próteses auditivas em crianças surdas. Rev CEFAC. 2010;12:360-70.
  • 23
    Morettin M [dissertation] Avaliação dos benefícios e satisfação dos usuários de aparelhos de amplificação sonora individuais nos serviços de audiologia do SUS. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública; 2008.
  • Como citar este artigo: de Rezende CF, Carvalho SAS, Maciel FJ, de Oliveira Neto R, Pereira DVT, Lemos SMA. Hearing health network: a spatial analysis. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:232-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2013
  • Aceito
    12 Jan 2014
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br