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Diagnosticando sífilis adquirida através de lesões orais: a experiência de 12 anos de um Centro de Medicina Oral Como citar este artigo: Matias MD, Jesus AO, Resende RG, Caldeira PC, Aguiar MC. Diagnosing acquired syphilis through oral lesions: the 12 year experience of an Oral Medicine Center. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:358-63.

Resumo

Introdução:

Um ressurgimento da sífilis no Brasil tem sido relatado nos últimos anos.

Objetivo:

Investigar a frequência, as características demográficas e clínicas dos pacientes com sífilis adquirida com envolvimento oral que receberam atendimento médico em um centro de referência em medicina oral em um hospital público brasileiro.

Método:

Estudo retrospectivo, abrangeu 12 anos, feito para identificar tendências de mudança na sífilis. Registros médicos de todos os pacientes diagnosticados com sífilis adquirida que receberam atendimento médico na clínica de medicina oral do hospital de 2005 a 2016 foram revisados e os dados demográficos e clínicos foram coletados.

Resultados:

Foram diagnosticas 85 pacientes com sífilis adquirida, com um aumento significativo no número de casos nos últimos 5 anos. A idade dos pacientes variou de 16 a 76 anos, com pico na terceira e quarta décadas; 48 casos eram do sexo masculino (56,5%) e 37 do sexo feminino (43,5%). A maioria das lesões orais apareceu como úlceras ou placas únicas, os lábios e a língua representaram os locais mais afetados. Todos os casos foram positivos para Venereal Disease Research Laboratory e Fluorescent Treponemal Antibody Absorption Test e o tratamento foi feito com penicilina G benzatina na maioria dos casos (84,7%).

Conclusão:

A frequência da sífilis oral tem aumentado com o tempo e as lesões orais podem representar uma pista diagnóstica; portanto, os profissionais de saúde bucal devem ser conscientizados e devidamente treinados na tentativa de desenvolver um alto grau de suspeição clínica no diagnóstico da sífilis.

PALAVRAS-CHAVE
Infecção por sífilis; Lesões orais; Diagnóstico; Epidemiologia

Abstract

Introduction:

A resurgence of syphilis in Brazil has been reported in recent years.

Objective:

With this in mind, the present study sought to investigate the frequency, demographics, and clinical characteristics of patients with acquired syphilis with oral involvement who received medical care at an Oral Medicine Reference Center in a Brazilian Public Hospital.

Methods:

A retrospective study, spanning a period of 12 years, was performed to identify changing trends in syphilis over time. Medical records from all patients diagnosed with acquired syphilis who received medical care at the Hospital's Oral Medicine Clinic from 2005 to 2016 were reviewed, and the demographic and clinical data were collected.

Results:

A total of 85 patients had been diagnosed with acquired syphilis, with a significant increase in the number of cases over the past 5 years. Patients ranged from 16 to 76 years of age, with a peak in the third and fourth decades. Forty-eight cases affected males (56.5%), while 37 cases affected females (43.5%). Most of the oral lesions appeared as unique ulcers or plaques, with the lips and tongue representing the most affected sites. All cases were positive for Venereal Disease Research Laboratory or Fluorescent Treponemal Antibody Absorption, and treatment was performed with Penicillin G benzathine in most cases (84.7%).

Conclusion:

The frequency of oral syphilis has been rising over time and oral lesions may well represent a diagnostic clue; therefore, oral health professionals must be made aware and properly trained in an attempt to develop a high degree of clinical suspicion in the diagnosis of syphilis.

KEYWORDS
Syphilis infection; Oral lesions; Diagnosis; Epidemiology

Introdução

A sífilis é uma doença sexualmente transmissível causada pelo espiroqueta Treponema pallidum, inclui a infecção por contato orogenital. Outra via de transmissão é a congênita, na qual a doença é transmitida durante a gravidez.11 Kaur G, Kaur P. Syphilis testing in blood donors: an update. Blood Transfus. 2015;13:197-204. Em ambas as formas, congênita ou adquirida, a cavidade bucal é o local mais frequente da manifestação extragenital da sífilis.22 Leão JC, Gueiros LA, Porter SR. Oral manifestations of syphilis. Clinics (São Paulo). 2006;61:161-6. Os locais mais afetados por lesões sifilíticas secundárias são língua, gengiva, palato mole e lábios. As lesões orais geralmente aparecem como úlceras e placas mucosas.33 Ficarra G, Carlos R. Syphilis: the renaissance of an old disease with oral implications. Head Neck Pathol. 2009;3:195-206.

Na década de 1950, a sífilis foi erradicada nos países desenvolvidos e, devido à descoberta da penicilina, foi observada uma redução significativa na incidência da doença.44 Kent ME, Romanelli F. Reexamining syphilis: an update on epidemiology, clinical manifestations, and management. Ann Pharmacother. 2008;42:226-36. Entretanto, um ressurgimento da doença foi relatado nos últimos anos.55 Baigalmaa J, Erdenechimeq C, Narantuya J, Bulbul A, Tuqsjargal J, Dolgion E, et al. Increasing syphilis notifications in Mongolia: results from national surveillance for 2001-2011. Western Pac Surveill Response J. 2012;3:86-93. Muitos estudos descrevem esse problema na França, Holanda, Suécia, Alemanha, Irlanda, Noruega e Reino Unido.66 Cohen SE, Klausner JD, Engelman J, Philip S. Syphilis in the modern era: an update for physicians. Infect Dis Clin North Am. 2013;27:705-22.

7 Casanova AP, Guaita Calatrava R, Soriano Llinares L, Miquez Santiyán A, Salazar Cifre A. Epidemiological surveillance of syphilis in the city of Valencia. Impact and evolution of the period 2003-2014. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2016;34:52-8.

8 Peat I. The resurgence of syphilis. Br J Nurs. 2016;26:73.
-99 Halatoko WA, Landoh DE, Saka B, Akolly K, Layibo Y, Yaya I, et al. Prevalence of syphilis among female sex workers and their clients in Togo in 2011. BMC Public Health. 2017;17:219. Esses estudos acreditam que o aumento do número de casos de sífilis está associado ao comportamento sexual de alto risco, coincide com a era da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).1010 Hook EW. Syphilis. Lancet. 2017;398:1550-7.

Nesse sentido, a sífilis continua a ser um grande problema de saúde pública no Brasil. A taxa de detecção da sífilis adquirida foi de 43,7 casos por 100 milhões de habitantes em 2015. De 2010 a 2016, 227.663 casos foram diagnosticados.1111 Miranda AE, Figueiredo NC, Pinto VM, Page K, Talhari S. Risk factors for syphilis in young women attending a family health program in Vitória, Brazil. An Bras Dermatol. 2012;87:76-83.

12 Baptista CJ, Dourado I, Brignol S, Andrade TM, Bastos FI. Factors associated with syphilis seroreactivity among polydrug users in Northeast Brazil: a cross-sectional study using Respondent Driven Sampling. Int J Drug Policy. 2017;39:37-42.
-1313 Domingues RM, Szwarcwald CL, Souza Junior PR, Leal Mdo C. Prevalence of syphilis in pregnancy and prenatal syphilis testing in Brazil: birth in Brazil study. Rev Saude Publica. 2014;48:766-74. Esse cenário aponta para a necessidade de amplas campanhas informativas, aliadas a ações preventivas do governo e de organizações não governamentais.1111 Miranda AE, Figueiredo NC, Pinto VM, Page K, Talhari S. Risk factors for syphilis in young women attending a family health program in Vitória, Brazil. An Bras Dermatol. 2012;87:76-83.

O presente estudo procurou descrever a frequência, as características demográficas e clínicas da sífilis adquirida, diagnosticada através de manifestações orais em um centro de referência em medicina oral em um hospital público. Melhorias no conhecimento das manifestações epidemiológicas e bucais da sífilis são essenciais para orientar os cirurgiões-dentistas e os profissionais de saúde para um diagnóstico correto e imediato e prevenção da doença.

Método

O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê institucional de ética em pesquisa (protocolo n° 55609516.1.0000.5149).

Um estudo retrospectivo foi feito no serviço de medicina oral do Hospital Metropolitano Odilon Behrens, em Belo Horizonte, Brasil. Esse hospital é um centro de referência regional em medicina oral. Nenhum dos pacientes havia procurado tratamento médico antes de ser tratado nesse centro de referência. Os prontuários de todos os pacientes diagnosticados com manifestações orais de sífilis adquirida (CID-10-A53.9) entre janeiro de 2005 e dezembro de 2016 foram recuperados. Casos sem confirmação sorológica (VDRL - Venereal Disease Research Laboratory ou Fluorescent Treponemal Antibody Absorption [FTA-ABS]) foram excluídos. Os seguintes dados foram coletados dos prontuários médicos: idade, sexo, descrição da lesão oral, local afetado, estágio da doença, testes sorológicos e tratamento.

Os dados foram organizados em um banco de dados e análises descritivas foram feitas. Os testes qui-quadrado de Pearson e t de Student foram usados para avaliar a associação entre as variáveis sexo, idade, local, apresentação clínica e estágio das lesões. O nível de significância foi estabelecido em 5%. As análises foram feitas com o software SPSS® versão 19.0 for Windows.

Resultados

Um total de 85 diagnósticos de sífilis adquirida foram registrados de 2005 a 2016, com um aumento acentuado no número de diagnósticos por ano nos últimos 5 anos (fig. 1).

Figura 1
Número de casos diagnosticados como sífilis adquirida com manifestações orais entre 2005 e 2016 no Serviço de Medicina Oral (HMOB).

Dos pacientes, 48 eram do sexo masculino (56,5%) e 37 do feminino (43,5%). A tradicional predominância masculina mudou nos últimos dois anos, nos quais pacientes do sexo feminino começaram a superar os do sexo masculino (fig. 2). A idade dos pacientes variou de 16 a 76 anos, com média de 29,58 anos. As mulheres apresentavam uma média mais baixa de idade (26,46) em relação aos homens (31,98) (p < 0,05) no momento do diagnóstico. A maioria dos pacientes foi diagnosticada na terceira década de vida (40%-47%), seguida da quarta década (21% ?24,7%), porém o número de mulheres acometidas na segunda década (n = 14) foi maior do que o dos homens (n = 4) (p < 0,05). Portanto, o total de pacientes de 21 a 40 anos foi de 61 casos, representou 71,7%. Idades abaixo ou acima dessa faixa representaram 24 casos (28,3%). A sífilis adquirida foi mais frequente em homens do que em mulheres em quase todas as faixas etárias, exceto na segunda e quarta décadas de vida (p < 0,05) (fig. 3).

Figura 2
Distribuição anual de frequência da sífilis adquirida com manifestações orais de acordo com o sexo do paciente.

Figura 3
Distribuição de frequência de sífilis adquirida com manifestações orais entre 2005 e 2016 de acordo com sexo e idade.

A maioria dos pacientes (72%-84,7%) residia na cidade de Belo Horizonte (capital do estado onde o hospital está localizado), embora 13 indivíduos (15,3%) fossem de cidades vizinhas.

Os pacientes procuraram o serviço de medicina oral devido a lesões orais. Alguns deles relataram sintomas dolorosos ou dificuldade de engolir. A maioria percebeu a presença das lesões duas semanas antes da consulta.

As lesões orais foram descritas principalmente como únicas (96,5%) e ulcerações (78,8%). Os locais mais afetados foram a língua e os lábios (23% e 27,1% cada) (fig. 4). Quando as lesões eram observadas em vários locais, eram geralmente representadas por placas mucosas (p < 0,05). Comparações entre as outras variáveis não mostraram associação estatística.

Figura 4
Sífilis oral representada por úlceras e placas mucosas múltiplas (A) e única (B).

Um diagnóstico do estágio secundário da sífilis foi estabelecido em 94,1% dos casos e todos os pacientes tiveram resultado positivo para VDRL e FTA-ABS. Todos os 5 casos de sífilis primária foram diagnosticados em homens (p < 0,05). Trinta pacientes (35,3%) fizeram exames sorológicos adicionais, como hemograma e anti-HIV. É importante notar que entre todos os 28 pacientes testados para o anti-HIV um resultado foi positivo.

Penicilina-G benzatina (84,7%) e doxiciclina (15,3%) foram os fármacos usados para o tratamento. O resumo dos resultados do nosso estudo pode ser visto na tabela 1.

Tabela 1
Características clínicas de 85 pacientes diagnosticados com sífilis adquirida devido a manifestações orais

Discussão

A sífilis adquirida é uma doença sexualmente transmissível que se desenvolve em três estágios. Na fase primária, o complexo sifilítico é a principal característica. Isso engloba o "cancro", que aparece no local de inoculação do T. pallidum, juntamente com a linfadenopatia. Não importa qual o tratamento, essas lesões iniciais podem se resolver naturalmente, enquanto o T. pallidum se dissemina ainda mais. O estágio secundário é caracterizado por múltiplas lesões mucosas e cutâneas, juntamente com linfadenopatia. Mais uma vez, essas lesões podem se resolver espontaneamente e o T. pallidum permanece como uma infecção latente; no entanto, cerca de um terço de todos os pacientes com sífilis secundária não tratada desenvolve a forma terciária.22 Leão JC, Gueiros LA, Porter SR. Oral manifestations of syphilis. Clinics (São Paulo). 2006;61:161-6.

A mucosa oral de um paciente pode ser afetada em todos os três estágios, mas é mais comumente afetada no estágio secundário, o que foi confirmado no presente estudo. Lesões orais sifilíticas secundárias são geralmente múltiplas e mais diversificadas do que a úlcera única do estágio primário. No entanto, uma lesão isolada pode ser a única manifestação que aparece no estágio secundário. As lesões orais incluem manchas na mucosa, máculas, pápulas e uma forma nodular/ulcerativa. A presença de lesões cutâneas maculopapulares, linfadenopatia e histórico médico geralmente direciona o clínico para o diagnóstico adequado da sífilis secundária.33 Ficarra G, Carlos R. Syphilis: the renaissance of an old disease with oral implications. Head Neck Pathol. 2009;3:195-206.

Sabe-se que as lesões sifilíticas na mucosa oral são bastante variáveis, simulam diversas doenças,1414 Lazarini FM, Barbosa DA. Educational intervention in Primary Care for the prevention of congenital syphilis. Rev Lat Am Enfermagem. 2017;25:e2845. como o HIV, líquen plano, úlceras eosinofílicas, úlceras traumáticas, linfomas, leucoplasia, gonorreia, carcinoma de células escamosas e sialometaplasia necrosante. Consequentemente, a apresentação clínica encontrada aqui incluiu úlceras, placas mucosas e lesões verrucosas. Como o exame histopatológico de rotina é inespecífico, os testes sorológicos são essenciais para obter-se o diagnóstico final.

Os testes sorológicos usados para diagnosticar a sífilis são classificados como não treponêmicos e treponêmicos.44 Kent ME, Romanelli F. Reexamining syphilis: an update on epidemiology, clinical manifestations, and management. Ann Pharmacother. 2008;42:226-36. Os testes não treponêmicos (VDRL e Rapid Plasma Reagin - RPR) são inespecíficos, embora sejam mais rápidos e mais baratos,66 Cohen SE, Klausner JD, Engelman J, Philip S. Syphilis in the modern era: an update for physicians. Infect Dis Clin North Am. 2013;27:705-22. e são amplamente usados na triagem e detecção da doença. Esses testes são reativos nas fases secundária e latente e são menos sensíveis em pacientes com sífilis primária. O VDRL e o RPR podem ser reativos em outras doenças, como lúpus eritematoso sistêmico, colite ulcerativa e rickettsiose.1515 Ratnam S. The laboratory diagnosis of syphilis. Can J Infect Dis Med Microbiol. 2005;16:45-51. Os testes treponêmicos (FTA-ABS, o ensaio de hemaglutinação de T. pallidum - TPHA) e o ensaio de micro-hemaglutinação para T. pallidum - MHA-TP são mais específicos e sensíveis e, portanto, tornam-se positivos nos estágios iniciais da doença. Entretanto, são mais caros. Apesar das limitações apontadas acima, os testes sorológicos, juntamente com um exame clínico bem conduzido, desempenham um papel crucial no diagnóstico da sífilis.33 Ficarra G, Carlos R. Syphilis: the renaissance of an old disease with oral implications. Head Neck Pathol. 2009;3:195-206. Todos os pacientes investigados no presente estudo apresentaram confirmação sorológica pelos testes VDRL e FTA-ABS.

A ocorrência de sífilis costumava ser um grande problema de saúde antes da descoberta da penicilina.1616 Neto BG, Soler ZASG, Braile DM, Daher W. Syphilis in the 16thcentury: the impact of a new disease. Arq Ciênc Saúde. 2009;16:127-9. Após a era dos antibióticos, a sífilis permaneceu uma infecção controlada por algumas décadas. Entretanto, uma nova carga da doença tem sido relatada em todo o mundo.55 Baigalmaa J, Erdenechimeq C, Narantuya J, Bulbul A, Tuqsjargal J, Dolgion E, et al. Increasing syphilis notifications in Mongolia: results from national surveillance for 2001-2011. Western Pac Surveill Response J. 2012;3:86-93.,88 Peat I. The resurgence of syphilis. Br J Nurs. 2016;26:73. É importante notar que este ressurgimento da sífilis também coincide com o ressurgimento do HIV na sociedade.66 Cohen SE, Klausner JD, Engelman J, Philip S. Syphilis in the modern era: an update for physicians. Infect Dis Clin North Am. 2013;27:705-22.,1010 Hook EW. Syphilis. Lancet. 2017;398:1550-7.

O presente estudo confirmou esse ressurgimento da sífilis, como pode ser visto no aumento alarmante da doença nos últimos cinco anos. Aspectos sociais e comportamentais parecem desempenhar papéis importantes nesse cenário e têm sido apontados como os principais motivos para esse ressurgimento. A diminuição das práticas sexuais seguras, o otimismo com o tratamento antirretroviral, o uso de drogas recreativas e o uso de medicamentos para disfunção erétil são alguns exemplos de mudanças comportamentais que acarretam riscos mais altos.66 Cohen SE, Klausner JD, Engelman J, Philip S. Syphilis in the modern era: an update for physicians. Infect Dis Clin North Am. 2013;27:705-22.

Os casos foram pesquisados no presente estudo através de um estudo retrospectivo baseado no diagnóstico de sífilis adquirida (CID-10-A53.9). Todos os casos notificados eram de pacientes com lesões orais, ressaltam a importância do treinamento dos profissionais de saúde oral para identificação da sífilis adquirida.

O presente estudo identificou a faixa etária mais afetada como a de 20 a 39 anos, exatamente a idade reprodutiva.55 Baigalmaa J, Erdenechimeq C, Narantuya J, Bulbul A, Tuqsjargal J, Dolgion E, et al. Increasing syphilis notifications in Mongolia: results from national surveillance for 2001-2011. Western Pac Surveill Response J. 2012;3:86-93. Além disso, o aumento da frequência da doença em pacientes do sexo feminino também abre a porta para o risco de sífilis congênita. Portanto, é fundamental oferecer à população ações preventivas e educativas para evitar a transmissão vertical da sífilis.1111 Miranda AE, Figueiredo NC, Pinto VM, Page K, Talhari S. Risk factors for syphilis in young women attending a family health program in Vitória, Brazil. An Bras Dermatol. 2012;87:76-83.,1414 Lazarini FM, Barbosa DA. Educational intervention in Primary Care for the prevention of congenital syphilis. Rev Lat Am Enfermagem. 2017;25:e2845. Pacientes acima de 60 anos representaram apenas 3,5%, enquanto os jovens no início da segunda década de vida representaram 14,2%. Embora os casos mais frequentes tenham sido observados em indivíduos de 20 a 39 anos, há estudos que mostram um aumento de casos entre os idosos (60 a 76 anos de idade).77 Casanova AP, Guaita Calatrava R, Soriano Llinares L, Miquez Santiyán A, Salazar Cifre A. Epidemiological surveillance of syphilis in the city of Valencia. Impact and evolution of the period 2003-2014. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2016;34:52-8.,1717 Berinstein D, Dehertogh D. Recently acquired syphilis in the elderly population. Arch Intern Med. 1992;:152330-2. Isso pode ser explicado pelo aumento da população idosa, pelo desenvolvimento de medicamentos para o tratamento da disfunção erétil, bem como outras possibilidades de contato sexual.1818 Gao J, Xu J, Shwnq Y, Zhanq X, Zhanq C, Li Y, et al. Increasing trends of syphilis and infection resistence: a retrospective study. Int J Infect Dis. 2013;17:e971-6. O envolvimento desses extremos em idades destaca a necessidade de ações mais amplas de saúde pública.

Relatos na literatura mostram uma importante associação entre a sífilis e a infecção pelo HIV.1919 Mamoojee Y, Tan G, Gittins S, Sarfo S, Stephenson L, Carrington D, et al. Diagnosis of treponemal co-infection in HIV-infected West Africans. Trop Med Int Health. 2012;17:1521-6.,2020 Gonzáles-Domenech CM, Antequera Martín-Portugués I, Clavijo-Frutos E, Marquez-Solero M, Santos-Gonzáles J, Palacios-Muñoz R. Syphilis and human immunodeficiency virus infection: an endemic infection in men who have sex with men. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2015;33:32-6. Acredita-se que as lesões sifilíticas representam uma porta para o HIV, que, por sua vez, facilita a infecção. Além disso, ambas as doenças compartilham a via sexual da infecção.1010 Hook EW. Syphilis. Lancet. 2017;398:1550-7.,2121 Chesson HW, Pinkerton SD, Irwin KL, Rein D, Kassler WJ. New HIV cases attributable to syphilis in the USA: estimatives from a simplified transmission model. AIDS. 1999;13:1387-96. Outros estudos apontaram que é essencial que todos os pacientes suspeitos de infecção por sífilis sejam submetidos a testes de HIV.1818 Gao J, Xu J, Shwnq Y, Zhanq X, Zhanq C, Li Y, et al. Increasing trends of syphilis and infection resistence: a retrospective study. Int J Infect Dis. 2013;17:e971-6. No Brasil, o teste anti-HIV tem sido recomendado em casos de suspeita de doença sexualmente transmissível desde 2016, de acordo com recomendação do Conselho Federal de Medicina. Isso explica por que apenas alguns pacientes fizeram esse teste. Da mesma forma, no presente estudo, todos os pacientes testados para HIV apresentaram sorologia positiva. Assim, ações informativas sobre sexo seguro podem ser eficientes na redução da sífilis, HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, é importante que todos os parceiros sexuais de pacientes com sífilis também sejam testados.

A penicilina continua a ser o tratamento de escolha para a sífilis2222 Gállego-Lezáun C, Arrizabalaga Asenjo M, González-Moreno J, Ferullo I, Teslev A, Fernández-Vaca V, et al. Syphilis in men who have sex with men: a warning sign for HIV infection. Actas Dermosifiliogr. 2015;106:740-5.,2323 Morales-Múnera CE, Fuentes-Finkelstein PA, Vall Mayans M. Update on the diagnosis ans treatment of syphilis. Actas Dermosifiliogr. 2015;106:68-9. e a maioria dos pacientes foi tratada com penicilina-G benzatina. Curiosamente, um protocolo de dose única ou dupla de azitromicina também tem sido recomendado para melhorar a adesão ao tratamento.2424 Hook EW, Martin DH, Stephens J, Smith BS, Smith K. A randomized, comparative pilot study of azithromycin versus bezathine penicillin G for treatment of early syphilis. Sex Transm Dis. 2002;29:486-90.,2525 Hook EW, Behets F, Van Damme K, Ravelomanana N, Leone P, Sena AC, et al. A phase III equivalence trial of azithromycin versus benzathine penicillin for treatment of early syphilis. J Infect Dis. 2010;201:1729-35.

Estudos retrospectivos que usaram registros médicos têm a vantagem de fornecer informações a baixo custo; entretanto, os dados coletados dependem de quão completa é a informação. Além disso, no presente estudo, casos de sífilis adquirida em pacientes sem lesões orais não puderam ser diagnosticados e os números poderiam ser subestimados. Apesar dessas limitações, os resultados descritos neste trabalho estão de acordo com a literatura.

Conclusão

Em conclusão, o presente estudo corrobora relatos sobre a nova carga de sífilis nos últimos anos. O estudo relatou 85 casos de sífilis adquirida diagnosticados através de lesões orais, destacou a necessidade da educação continuada e capacitação dos profissionais de saúde oral. Pacientes de todas as idades e sexos foram afetados, o que reforça a necessidade de ações preventivas mais disseminadas.

  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
  • Como citar este artigo: Matias MD, Jesus AO, Resende RG, Caldeira PC, Aguiar MC. Diagnosing acquired syphilis through oral lesions: the 12 year experience of an Oral Medicine Center. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:358-63.
  • Financiamento
    Este trabalho recebeu o apoio da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e subsídio # 05/2016 da PRPq/UFMG (Pró-Reitoria de Pesquisa, Universidade Federal de Minas Gerais. Michelle Danielle Porto Matias é bolsista da Fapemig.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2018
  • Aceito
    19 Dez 2018
  • Publicado
    23 Fev 2019
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