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Homenagem à Professora Elisa Frota-Pessôa

A TRIBUTE TO PROF. ELISA FROTA-PESSÔA

Homenagem à Professora Elisa Frota-Pessôa

ABSTRACT

Durante o XXIV Encontro Nacional de Física de Partículas e Campos foi realizada uma homenagem aos 80 anos da Professora Elisa Frota-Pessôa, por suas contribuições pioneiras à física experimental de partículas no Brasil. Nessa ocasião, sua obra científica e seu empenho na formação de pesquisadores brasileiros foram objeto de discursos dos professores Carlos Alberto Lima, Sérgio Joffily e Roberto Salmeron.

Homenagem do Professor Carlos Alberto da Silva Lima à Professora Elisa Frota-Pessôa

Carlos Alberto da Silva Lima

Universidade Estadual de Campinas - Campinas - SP

1. A importância de ser Elisa

Elisa, para mim, é uma pessoa singular. Professora, pesquisadora, amiga e conselheira, conheço-a há mais de 41 anos, ou seja há tanto tempo quanto faz desde minha primeira real introdução, por suas mãos, a um dos templos da ciência brasileira, na época em que iniciei meu curso de Física: a gloriosa Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), de Tiomno, Lattes, Leite Lopes e Elisa, entre outros luminares da Universidade do Brasil, que tive a honra de ter como meus professores, exceto o Lattes que já não estava ali quando cheguei, mas que reencontrei, vários anos depois, já como meu colega na Unicamp. Portanto, meus amigos, se em algum momento meu discurso claudicar, ou minha voz embargar, venceu-me a profunda emoção que experimento neste momento. Sei, também, que muitos amigos de longa data, alguns deles presentes aqui mesmo nesta sala, agora, e outros, muitos outros, distribuídos pelo Brasil afora, estão, ou estariam, se aqui presentes, vivendo a mesma emoção, o mesmo momento de entrega, de carinho e de homenagens à nossa inesquecível "Professora Elisa". São muitas as razões que despertam sentimentos tão profundos e tão duradouros como esses que aqui descrevo. No caso dos ex-alunos de Elisa para com ela, este sentimento de profunda reverência nasce do reconhecimento da legitimidade com que a intitulamos Professora de Física. Poucos são aqueles que merecem tal título, no cenário científico brasileiro atual. Seus muitos amigos, e colegas físicos e matemáticos, da nova e das precedentes gerações, aqui presentes, igualmente a destacam por isso. Professores (os de fato) são entes mágicos! Donos de um talento inato, reúnem qualidades extraordinárias: a capacitação para uma comunicação fácil, direta e eficiente com seus alunos, à capacidade rara de estimular-lhes a criatividade, a preocupação com o seu bem estar físico e o desejo de que sejam expostos, enquanto aprendizes da ciência, ao conhecimento científico em suas múltiplas facetas, teóricas e experimentais, tudo isto envolto pelo manto da ética cientí fica e a importância de que identifiquem, por seus próprios meios, a relevância da ética para a ciência e a responsabilidade social que os cientistas devem observar no desenvolvimento de seus trabalhos. No entanto, tão ou mais importante que tudo isso, no meu entendimento, destaca-se no professor sua capacidade em plasmar em seus alunos o desejo de se tornarem multiplicadores do conhecimento científico, tanto na geração como na sua difusão, tornando-se novos professores, sem o que a Ciência, eventualmente, sucumbiria. Este é o retrato vivo e fiel do talento pessoal de Elisa, de sua importância para nós, de sua obra maravilhosa, da singularidade dela ser quem é, da importância de ser Elisa!

2. O desafio de enfrentar e destacar-se "numa profissão de homens"

Foi na FNFi, duas décadas antes de lá chegarmos, que Elisa realizou o sonho de ser Física, acalantado desde o ginásio, do qual nunca se apartou, mesmo quando sua família se opusera, pois aquela era "uma profissão de homens". A FNFi sucedeu à Universidade do Distrito Federal (UDF), fundada no Governo de Pedro Ernesto, sob a liderança do indomável espírito de Anísio Teixeira e tendo as Ciências como carro-chefe sob a direção do inesquecível Luiz Freire, Contribuíram para fortalecer seu pendor pela ciência o contato com grandes professores seus no ginásio: Antonio Houaiss, Raimundo Paesler, Alcides Caldas e Oswaldo Frota-Pessôa, que veio ser seu primeiro marido, e com quem teve dois filhos: Sonia Frota-Pessoa, hoje uma talentosa física, hoje professora e pesquisadora aposentada do IFUSP, já ela mesma tendo formado sua própria Escola e Roberto Frota-Pessoa, um renomado médico, com exercício profissional no Rio de Janeiro. Fechada em 1939, sob a acusação de agasalhar atividades subversivas, a UDF antecipou, em vinte e cinco anos, o que se passaria na Universidade de Brasília, fundada logo apos a inauguração da nova capital, criação de Darci Ribeiro e do mesmo Anísio Teixeira. Para lá foram, a partir de 1964, numa saga sem precedentes, Roberto Salmeron, Jayme Tiomno, Fernando e Suzana de Sousa Barros e é claro, a indômita Elisa Frota-Pessôa, então já esposa de Jayme Tiomno. Elisa iria para a UDF por recomendação de Plínio Sussekind Rocha, seu ex-professor no ginásio, que reconhecendo suas habilidades assegurou-lhe "Nada de Engenharia, você vai fazer Física". Com o fechamento da UDF Elisa fez exame para a FNFi, em 1940 sendo a única aprovada para o curso de Física. Ali teve o contato com mestres memoráveis como José Abdelhay, Henrique Fialho e Costa Ribeiro, vindo a ser convidada, junto com Jayme Tiomno, para ser Assistente deste último, um convite muito honroso, premiando seu destaque como aluna. Ali começava, brilhantemente, sua carreira, com um trabalho envolvendo dosagem de minerais radiativos. Sua amostra, oriunda de algumas que Costa Ribeiro obtivera do Laboratório de Produção Mineral (LPM), no Rio, cuidadosamente examinada, revelou uma atividade acima de qualquer outra citada na literatura e imediatamente decidiu-se publicar os resultados. Foi procurar a identificação da rocha no LPM e para sua angústia a ficha do mineral havia sido perdida. Em que pese não poder fazer pública externa, ali ficou o registro do encontro de uma amostra altamente radioativa. Ali, também, começava sua saga científica, abrindo caminho para outras mulheres que logo vieram, nos anos seguintes, como sua querida amiga e colaboradora, Neusa Margem. Foi assim que Elisa, ao demonstrar-se uma talentosa Física Experimental, a primeira no país, quebrou definitivamente, o tabu da Física no Brasil, principalmente a Física Experimental, ser "uma profissão de homens".

3. Ensino e Pesquisa: o binômio imprescindível para formar uma escola

Desde aluna da FNFi, Elisa já reclamava da inexistência de Laboratórios para o trabalho experimental na Faculdade. Este reconhecimento da necessidade desta simbiose aula teórica+aula experimental era uma obsessão, para ela. Não podia ela compreender o ensino da Física Básica sem que os alunos sentissem o desafio pessoal (único e insubstituível) de realizar experimentos para estudar o comportamento fenomenológico dos materiais sob diversas condições experimentais e inferir leis físicas a partir do estudo detalhado dos resultados. Como nossa Professora (turma de Física Geral e Experimental I a IV, com inicio em 1962), e já membro da equipe científica do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Elisa contornou a dificuldade de classes experimentais levando-nos para fazer experiências nos Laboratórios de Ensino que Tiomno fez instalar no CBPF, aos quais nos anos seguintes, para nossa alegria e enriquecimento como futuros físicos, o Horacio Macedo, em estreita cooperação e permanente incentivo e apoio da Elisa, fazia suplementar nosso conhecimento experimental, no prédio do "Centrinho" mantido pelo CBPF, onde, voluntariamente, os alunos mais destacados (todos, no caso dos alunos da Elisa) da Física da FNFi, recebiam problemas experimentais e, autonomamente, buscavam soluções para os mesmos, exercitando ao limite sua criatividade e engenhosidade experimental. Ali, lembro-me nitidamente, éramos levados a conjugar nossa compreensão dos princípios fundamentais da Física que discutíramos em classe (nossas aulas com Elisa eram sempre verdadeiros fóruns de discussão) com a interpretação de dados experimentais para gerar uma análise crítica do fenômeno físico que estivéssemos estudando. Este binômio "aula teórica" / "trabalho experimental" era a base do ensino da Física para Elisa, bem distanciado do ensino livresco, tomista, insípido e despido totalmente da emoção da descoberta, portanto uma metodologia aniquiladora da criatividade e da curiosidade, irmãs siamesas da descoberta científica. Neste binômio, impulsionado à exaustão em sua estratégia de ensino universitário, Elisa vivia seus melhores momentos como professora e como cientista, pois formava Escola. De fato, qualquer aluno (como os dela) que aprendeu por este método, jamais aceitaria ensinar senão por ele. Assim, criava-se uma Escola de Física e Elisa certamente teve a sua, hoje espalhada por seus alunos e alunos dos seus alunos por todo este nosso Brasil, onde os Físicos (os formados pela Elisa, principalmente), ocupando hoje papéis destacados no cenário de Ciência e Tecnologia no nosso país, continuam levando avante a sua Escola, explorando o inseparável binômio de Ensino-Pesquisa.

4. Garimpando talentos: os alunos da Elisa

A história pessoal de Elisa, sua saga para impor-se, e fazê-lo brilhantemente, no meio de talentosos físicos como os de sua geração, é exemplar para todos nós, pois mostra a importância que tem, para que ocorra esse reconhecimento, que sejam criadas as oportunidades para que um talento aflore e que haja alguém atento para identificá-lo e criar as condições para sua lapidacão. As turmas de Elisa na FNFi, alternavam-se a cada ano com a de um outro professor. De fato, uma vez iniciando o curso de Física no ano X com Elisa, outra turma só a teria como professora no ano X+2, pois ela levava seus alunos, durante dois anos, através de todo o ensinamento de Física Básica (Mecânica, Eletricidade, Ótica, Calor e Acústica e Elementos de Física Moderna). Elisa os recebia com inaudita satisfação. No primeiro dia de aula incentivava o reconhecimento mútuo entre todos e a aula era sempre uma "palestra" sobre a Física, qual sua importância no mundo moderno, qual a responsabilidade social do cientista. Uma rápida pincelada sobre o programa para os próximos dois anos, sua metodologia de ensino e avaliação, a importância de que todos nos compreendêssemos, desde o primeiro dia de aula, de que ela estava ali para ajudar-nos a "aprender a aprender", e que portanto nada resultaria de positivo para nós se não nos conscientizássemos que éramos os principais responsáveis por nosso aprendizado, que os exercícios e os experimentos laboratoriais eram cruciais para nosso desenvolvimento e, portanto, para o processo de nossa avaliação. A primeira aula era sempre UMA AULA MAGISTRAL! Isto colocava desde o início um pano de fundo onde a capacidade individual e o esforço pessoal de cada um passava a assumir um papel fundamental. As provas de avaliação eram preparadas com muito cuidado. Não raro podiam ensejar respostas cuja elaboração poderia fugir ao processamento linear de idéias, de informações derivadas do conteúdo do tema envolvido. Eram plantadas assim mesmo, de propósito (pelo menos eu assim as via, e vibrava com elas) para estimular uma resposta ou um tratamento diferenciado, criativo. Ainda que a resposta numérica pudesse estar errada, contava ponto uma elaboração criativa, pois Elisa poderia usar isto como um indicador de potência, de diferença, de criatividade, uma qualidade pessoal do aluno que poderia sugerir dar-se-lhe uma leitura suplementar, alguns exercícios extras, ou algo equivalente. Começava ali, muitas vezes, um processo de lapidação de um talento, capturado no lançar da rede de Elisa, a mestra de garimpagem de novos talentos para a Física. Mais de 40 jovens cientistas vieram a ser formados, seus mais destacados alunos, hoje lideranças de pesquisa no Brasil e no exterior. Eu e Marcelo viemos do Pará, com o firme propósito de promover a nucleação de um grupo de excelência em Geofísica, em Belém. Sorte nossa chegar em um ano da Elisa. Ela logo se interessou e se solidarizou com a consecução de nosso projeto.

5. Uma carreira de triunfos: a trajetória científica de Elisa Frota-Pessôa

A primeira metade da carreira científica da Elisa (1942-1965) é uma história de sucessos pessoais, mas também de lutas, muitas lutas e seguidas decepções que iam desde o preconceito contra o trabalho da mulher, passando pelo pouco interesse que a ciência despertava nos meios oficiais, nas décadas de 40 e 50 e terminando com o desastre que foi o incêndio da Biblioteca do CBPF que redundou na total destruição de seu recém montado Laboratório de Emulsões Nucleares, que ficava no andar de baixo. Mas, de luta em luta, ia acumulando, também, pequenas conquistas. Sua história, em muitos momentos, confunde-se com o próprio desenvolvimento da Física no Brasil, ela que foi partícipe de suas primeiras grandes investidas. Em suas próprias palavras: "Comecei com o Costa Ribeiro. Professor no estilo que eu gostava, que dava liberdade aos seus estudantes para criarem. Jayme e eu fomos assistentes dele na FNFi. Desde quando ainda éramos alunos, o Leite Lopes organizou, estimulado pelo Luigi Sobrero, seminários semanais sobre Física Moderna, com adesão do Costa Ribeiro, Oliveira Castro e Bernhard Gross, ao quais Jayme Tiomno, Leopoldo Nachbin, Maurício Peixoto e José Leite Lopes e eu sempre frequentávamos. Consistia basicamente em selecionar artigos recentemente publicados sobre Física Moderna e distribui-los entre nós mesmos, indicando um do grupo para expô-lo no Seminário. Santiago Dantas, quando Diretor da FNFi, um diretor diferente, que se interessava pelo que os alunos faziam, de vez em quando ia assisti-lo. Com a chegada do Guido Beck e o retorno do Leite que tinha ido fazer o Doutorado em Princeton, os seminários ganharam mais força e conteúdo. Ganhamos bolsa eu e Jayme e fomos para São Paulo com o apoio do Costa Ribeiro. Ali estava o Wataghin, que havia trazido o Damy e o Schemberg para trabalhar com ele. Em S. Paulo trabalhei com o Damy, mas interagia muito com o Wataghin. Às vezes, tarde da noite, ele aparecia no Laboratório para bater papo, saber o que estávamos fazendo, dar idéias, conversar. Ele tinha um entusiasmo contagiante pela pesquisa. Quando concluí minha bolsa, Wataghin me convidou para ficar lá, mas como já havia sido decidido que o CBPF iria ser criado no Rio, resolvi voltar para lá. Este era um desejo, um sonho, que vinha sendo compartilhado há tempos entre Lattes, Leite Lopes, Jayme Tiomno e eu, entre outros. O Jayme já tinha ido para Princeton doutorar-se e eu iria em breve para a França, o que acabou não acontecendo. Deu-se aí uma frustração: algumas pessoas queriam que o CBPF fosse criado dentro da FNFi, mas a falta de dinheiro e o engessamento das cátedras o impediram. O CBPF acabou criado fora, mas ainda no Rio, com a participação, também, do Nelson Lins e Barros e de seu irmão João Alberto, e teve o apoio da indústria, que fora procurada, por esses dois, a pedido do Lattes, feito quando ele se encontrou com o Nelson, na Califórnia, e falou-lhe na possibilidade da criação do Centro, sem mais demora. Já com o CBPF instalado, no galpão recém construido, em 1950, eu termino e publico o primeiro trabalho de pesquisa do CBPF: um trabalho meu e da Neusa Margem, uma jovem pesquisadora que eu convidara para trabalhar comigo. Nessa época nasce, também, o Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq, algo que foi fundamental para a continuidade do CBPF. Em 1951 eu casei com Jayme e continuamos a trabalhar na FNFi e no CBPF. Uma de nossas brigas com a direção da FNFi era para levar os alunos para fazer trabalho experimental no Centro. Apesar das dificuldades, o apoio do Costa Ribeiro, que faleceu em 1960, tinha sido fundamental. Após sua morte ficou tudo ainda mais difícil, mas até 1964 continuamos a levar nossos alunos para o CBPF. Sempre tive pouco interesse em reuniões: acho que o pessoal fala muito e faz pouco. Não gostava de perder tempo com bla, bla, bla . Preferia ficar no Laboratório trabalhando. Passei os anos 1958/59 trabalhando na Inglaterra, no London University College. Foram ótimos. Na minha volta, com a morte do Costa Ribeiro, fui convidada para assumir a Cátedra de Física Geral e Experimental, vaga com a sua morte, mas só com muita relutância e a insistência dos amigos eu concordei em assumi-la, malgrado minha posição contrária à Cátedra como instituição. Foi a época em que tive que conviver com o Eremildo, Diretor da FNFi, com o qual tive muitas brigas. Isso só acabou quando, anos depois, no regime militar, ele me denunciou, ao Jayme e muitos outros, e mais tarde acabamos demitidos pelo AI-5. Minhas brigas com ele eram sempre por melhoria das condições de ensino na Faculdade e concessão de bolsas de estudo para os estudantes. Saímos, eu e o Jayme, com licença da FNFi, em 1965, e fomos para a Universidade de Brasília. Levamos conosco nossos melhores estudantes. Um outro mundo! Professores e alunos irmanados num grande ideal. Ensino e Pesquisa eram vistos como prioridades fundamentais para uma Universidade que nascia com um conceito moderno de carreiras e de ensino e de perspectivas sólidas para o desenvolvimento científico e tecnológico dos país. O que de melhor existia em termos de recursos humanos no Brasil, e entre os brasileiros que viviam no exterior, foi sendo conquistado por Brasília. Montou-se ali o que viria a ser, no futuro imediato, a maior e mais bem equipada Universidade da América Latina. Foi muito bom, muito entusiasmante, enquanto durou. Desgraçadamente, tal como a UDF, em l939, também a UnB foi virtualmente fechada quando quase 250 cientistas, artistas, médicos, etc. pediram demissão coletiva em protesto pela demissão, pelo Reitor, sem consulta aos colegiados competentes, por serem supostamente comunistas, de 10 colegas, expoentes em suas respectivas profissões. Acabou, outra vez, porque era vista como subversiva. Saímos do Brasil e fiquei um ano na Itália, em 1967, no Istituto Nazionale per la Fisica Nucleare e Jayme foi para o International Centre of Theoretical Physics, ambos em Trieste. De volta ao Brasil, fui para S. Paulo, onde Jayme resolveu disputar a cátedra de Física Superior. Ele ganhou o concurso e eu fui convidada pelo Ernesto Hamburger, para reorganizar o Laboratório de Espectroscopia Nuclear. Logo, infelizmente, o AI-5 nos alcançava e aposentava compulsoriamente. Fomos para o Rio onde a PUC nos recebeu. Depois fomos para os EUA, em Princeton, por dois anos, até 1972. Quando voltamos a PUC nos convidou outra vez para trabalhar lá. Jayme aceitou, mas eu não. Não estava querendo mais dar aulas. Estava muito decepcionada. A direção da PUC foi extremamente gentil comigo, deram-me sala e apoio para remontar o Laboratório e continuar minhas pesquisas, paga pelo projeto de pesquisa meu e do Hamburger, na USP, que pagava também meus auxiliares. Veio então, em 1979, a anistia, e podíamos voltar para as Universidades. Mas, dada a exigência de ter de pedir para voltar, eu não voltei, porque me recusei a pedir o reingresso na UFRJ. Jayme, também, com relação a USP. Recusávamo-nos a pedir para reingressar! Voltamos em 1980 ao CBPF onde reimplantei e dirigi, até minha aposentadoria, o Laboratório de Espectroscopia Nuclear do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Em 1992, o CBPF outorgou-me o título de Pesquisador Emérito, após uma carreira científica de 50 anos dedicados à Física." É importante que sublinhemos que, em que pesem todas essas vicissitudes, a carreira científica de Elisa está marcada por inúmeros trabalhos importantes e pioneiros, realizados enquanto a mesma Elisa com um desvelo sacerdotal, se entregava, concomitantemente à faina de formar seus estudantes, com a melhor qualidade que se poderia oferecer nas melhores escolas por aí afora! Para ressaltar, porém, o aspecto da Pesquisa Científica, permita-me indicar apenas alguns dos pontos singulares de sua produção cientifíca. Antes de qualquer coisa, é importante que se ressalte, outra vez, ter sido ela a autora do primeiro "paper" publicado pelo CBPF, "Sobre a Desintegração do Meson Pesado Positivo" Elisa Frota-Pessôa e Neusa Margem, Anais da Academia Brasileira de Ciências, 22, 371 (1950). Este trabalho obteve, pela primeira vez, resultados que poderiam ser considerados significativos para apoiar experimentalmente a teoria "V-A" das interações fracas. Igualmente, coube-lhe a primazia de introduzir, no país, a técnica de emulsões nucleares, orientando e organizando a implantação de vários desses laboratórios e impulsionando sua aplicação em vários campos: Biologia, Dosagem Química, Partículas Elementares, Física Nuclear e Propriedades de Emulsões Nucleares. Na 1st. International Conference for Peaceful Applications of Atomic Energy, em Genebra, 1955, o único trabalho brasileiro selecionado para apresentação e discussão em plenário, foi "A new Radioactive Method for Marking Mosquitoes and its Application, by M.B.Aragão, Elisa Frota-Pessôa, Neusa Margem". Seu trabalho "Isotropy in p ® m decay" Elisa Frota-Pessoa, Phys. Rev. 177, 5, 2368 (1969) pôs fim a uma longa e controversa disputa sobre a possibilidade do meson p ter spin não nulo. No trabalho "Detecção de Níveis Fracamente Excitados na Reação Sn122(d,p) Sn123", por T. Borello, O. Dietzsch, E. Frota-Pessôa E. W. Hamburger e C. Q. Orsini, em Ciência e Cultura, 21, (2), 170 (1969) e em Proceedings of the International Conference on Nuclear States, Montreal (1969), pag. 250, ela utiliza pela primeira vez sua invenção "Método da Soma", posteriormente adotada por vários pesquisadores, em trabalhos de Física Nuclear, subsequentemente publicados no país, para detectar níveis e sub-níveis nucleares fracos. Estes destaques cobrem uma pequena amostragem de um trabalho de fôlego, pioneiro, realizado em tempos onde, se hoje os pesquisadores reclamam de pobres condições para realizar trabalhos experimentais de ponta, imaginem o que passaram aqueles dos anos 50 e 60, tentando fazer Física de Primeiro Mundo em condições de Terceiro. Elisa e seus companheiros o conseguiram. Merecem nossos aplausos!

6. O repouso da guerreira: a alegria e o orgulho do dever cumprido

Elisa recebeu, como dissemos antes, a láurea máxima reservada para professores e pesquisadores de excepcional desempenho, de parte do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, a outorga do título de PESQUISADOR EMÉRITO. Nada mais merecido. Nada mais consentâneo com uma vida inteiramente dedicada ao ensino e a pesquisa em Física, a geração do conhecimento acompanhada pela intensa preocupação de formar novos geradores. E o recebeu, em 1992, precisamente quando eram completados exatos 50 anos desde que concluiu seu Bacharelado em Física, em 1942, iniciando sua brilhante carreira como Física. Em Julho de 2002, um grupo de oito de seus estudantes, que se auto-intitularam "Os Oitos da Elisa", parte da sua turma de Física de 1962, que são Carlos Alberto da Silva Lima, Mario Novello, Sergio Joffily, José Carlos Valladão de Mattos, Marcelo Gomes, Miguel Armony, Maria Helena Poppe de Figueiredo e Sonia Frota-Pessoa, reuniram-se no Rio de Janeiro, para com ela brindarem e homenagearem-na pelo privilégio de há 40 anos passados, terem se iniciado nos segredos da Física, através de suas mãos. Lembraram a professora dedicada, exigente mas paciente, intensa mas determinada a não deixar ninguém para trás, certa de que tinha nas mãos um precioso grupo de jovens, com os quais não poderia falhar. Como se antevisse que nenhum deles a decepcionaria, na tarefa de formação de multiplicadores que sempre a motivou, deu-lhes o melhor de si, num arroubo extra de criatividade e dedicação a sua tarefa de educadora. Foi algo que não nos escapou da percepção, certamente, pois lhe retribuímos com igual intensidade, esforçando-nos para estar entre os melhores alunos que ela jamais pudesse ter. Um dia, numa dessas muitas surpresas que ela reservava aos seus alunos, entrou em sala e disse-nos: hoje a aula será dada por um velho e querido amigo, um físico extraordinário, um ser humano como poucos. Meus queridos alunos apresento-lhes (e seu convidado irrompe porta adentro) o Prof. Richard P. Feynman. Ainda absortos no inusitado e inesperado da preciosíssima visita, Feynmam sobe ao pódio e inicia uma aula sobre "The Minimum Action Principle". Foi extasiante confirmar que somente alguém que, como ele, tinha sido e vinha sendo o responsável pelo desenvolvimento de teses fundamentais sobre os princípios básicos da ciência física, que sublinharam sua concepção sobre a eletrodinâmica quântica, que o elevariam ao pódio dos diferenciados entre os cientistas modernos, poderia entregar em menos de 50 minutos uma visão tão clara e fundamentada de um dos pilares conceituais da Física. Disse-nos, ao terminar, que havia antecipado para nós a aula que dentro de poucos dias entregaria aos seus alunos de Mecânica no Caltech, no curso que estava sendo a primeira apresentação do 1º Volume da série que logo viria a tornar-se famosa em todo o mundo: "The Feynmam Lectures in Physics" . Só Elisa poderia proporcionar-nos tal presente! Aqui está você hoje - minha Mestra e Amiga, outra vez contemplando seus muitos alunos, alunos de seus alunos e alunos dos alunos de seus alunos. Esteja certa de que a cadeia não se interromperá jamais pois sua escola está formada! Você pode, justificada e merecidamente, observar esta plêiade de novos cientistas, e de candidatos a novos cientistas, e dizer que seu dever está cumprido, e galhardamente. Desfrute, minha amiga o prazer, reservado a poucos como você, de dizer com absoluta convicção, que contribuiu para o crescimento, hoje exponencial, do número de cientistas ativos em nosso país. O merecido repouso da guerreira, que você é, foi e sempre será, em todos os fronts da ciência é seu agora! Ao lado deste outro ícone da ciência brasileira que é o meu, também, querido Professor, Jayme Tiomno, vocês podem navegar pelas águas tranquilas do sucesso, do dever cumprido, pois ambos ajudaram a forjar esta nação naquilo que ela tem de mais importante, mais precioso e mais indestrutível: sua capacidade científica instalada para a pesquisa científica e tecnológica criativa, independente e soberana.

Parabéns Professora Elisa!

Honra ao Mérito!

Discurso do Professor Sérgio Joffily em Homenagem à Professora Elisa Frota-Pessoa

Sérgio Joffily

Centro Brasileiro de Pesquisasa Físicas, Rio de Janeiro - Brasil

Em primeiro lugar quero agradecer a honra do convite que me foi feito pelos organizadores do XXIV-ENFPC, para fazer parte desta homenagem da SBF à Professora Elisa Frota-Pessôa.

Trata-se de uma das pioneiras da Física Brasileira. Docente da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) a partir de 1944. Uma das fundadoras do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Professora Titular da Universidade de Brasília em 1965. Trabalhou, também, nas Universidades de São Paulo, Londres, Trieste e na PUC do Rio de Janeiro. Deu especial atenção à formação básica e contribuiu para a Iniciação Científica de vários físicos atualmente em posições de destaque no Brasil e no exterior.

Suas contribuições científicas cobrem vários campos da física. Na internet, ao abrirmos o site da Academia Brasileira de Ciências, em campos de pesquisa de Elisa Frota-Pessôa, lê-se: 1) Estudos de radioatividade com emulsões nucleares. 2) Estudo de reações e desintegrações de mésons K e p em emulsões nucleares. 3) Estudo de reaçções de próton e dêuterons com núcleos de massas intermediárias. Elisa Frota-Pessôa introduziu a técnica das emulsões nucleares no Brasil, em diferentes áreas da Física: Radiotividade, Física de Partículas, Física Nuclear e ainda, como veremos em seguida, na Biologia e na Química.

Na Biologia, através de um novo método radioativo para marcar mosquitos, em colaboração com Mário Aragão e Neusa Margem, publicado na Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, em janeiro de 1953, e no trabalho intitulado: "A new radioactive method for markings mosquitoes and its application", também em colaboração com Mário Aragão e Neusa Margem, sendo este o único trabalho do Brasil selecionado para apresentação em plenário na 1ª conferência sobre aplicações da energia atômica para a paz, em Genebra, em 1955. Na Química, através do trabalho intitulado: "On the Employment of Liquid Emulsion in the Titration of Uranium from Radioactive Minerals", em colaboração com F. Brandão, Neusa Margem e Waldyr Perez, publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, em 1953 , como também nos Proceedings da 1ª conferência sobre as aplicaçções da energia atômica para a paz, em Genebra, em 1955.

Elisa Frota-Pessôa pertence a uma geração de físicos pioneiros, como Jayme Tiomno e José Leite Lopes, todos formados nas primeiras turmas da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, criada com a desativação da famosa Universidade do Distrito Federal (UDF). Ali se destacavam os Professores Luigi Sobrero (matemático italiano), Plínio Sussekind da Rocha (físico teórico) e Joaquim da Costa Ribeiro (precursor da Física do estado sólido no Brasil).

Em 1942, ainda estudante, Elisa já auxiliava o Professor Costa Ribeiro em suas pesquisas com minerais radioativos. Em 1944, foi nomeada assistente da Cadeira de Física Geral e Experimental, tendo realizado, naquele ano, o seu primeiro trabalho científico intitulado "Estudo Matemático da Disjunção Mendeliana", publicado na Revista da FNFi, em colaboração com seu primeiro marido, o biólogo Oswaldo Frota-Pessôa.

Durante o ano de 1948, trabalhou como pesquisadora visitante na USP. Como membro fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, em 1949, voltou para o Rio implantando a Divisão de Emulsões Nucleares no CBPF e reassumiu na Faculdade de Filosofia.

Nesta ocasião foi autora do primeiro trabalho científico realizado no CBPF (em colaboração com Neusa Margem) sobre a desintegração do méson p, publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, em 1950. Neste trabalho mostrou que a taxa de desintegração eletrônica do pion em relação à desintegração muônica era, no máximo, da ordem de 10-2. Antecedendo de oito anos a famosa experiência realizada no CERN, pelo grupo de G. Fidecaro e A. W. Merrison, que obtiveram a taxa atual de 10-4. Esses resultados favoreceram o modelo V-A de Feynman e Gell-Mann para as interações fracas.

Posteriormente, Elisa, em dois trabalhos com Neusa Margem sobre a distribuição angular do muon obtido pela desintegração do pion em emulsão nuclear, publicados em Il Nuovo Cimento, em 1961, e nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, em 1963, respectivamente, colocou em questão as medidas da época que verificavam uma assimetria indicando spin 2 para o pion. Em seguida, em seu trabalho intitulado: "Isotropy in p ® m decay", publicado no Physical Review, em 1969, Elisa encerrou a longa controvérsia sobre a possibilidade do spin 2 para o méson p.

Na área da Física Nuclear, estudando o espectro de núcleos com massas intermediárias a partir de reações diretas, Elisa descobriu empiricamente o "Método da Soma" para análise de reações com alvos pesados em relação à partícula emergente. Este método, onde os níveis fracamente excitáveis podem ser facilmente distinguidos do background, tornou possível a descoberta de mais de 100 níveis nucleares através de seus vários trabalhos, com diferentes colaboradores da USP ou do CBPF.

Conheci a Professora EFP, ainda que virtualmente, em 1958, através de seu filho Roberto Frota-Pessoa, quando este (em decorrência da viagem de sua mãe para o "University College" de Londres nos anos 1958/1959, onde trabalhou com grupo do Professor Eric Burhop), chegou no internato em que eu estudava. No Colégio Nova Friburgo, Centro de Estudos Pedagógicos, fomos cobaias de experiências sobre o ensino. Frota, como era chamado por seus colegas, hoje um renomado Médico-Cirurgião no Rio de Janeiro, gostou tanto daquele internato que mesmo após o retorno de sua mãe ali permaneceu até o fim do ginásio. Meu segundo encontro com a Professora Elisa foi também virtual. No pré-vestibular do Diretório da FNFi, tornei-me colega da irmã do Frota, Sônia Frota-Pessoa, hoje Pesquisadora do Instituto de Física da USP. Meu primeiro encontro real com a Professora Elisa Frota-Pessôa se deu quando do meu ingresso no curso de Física da FNFi. Tive, então, o privilégio de fazer parte do "grupo dos oito", como foi denominado pelo colega aqui presente, Carlos Alberto Lima, em recente homenagem à Professora Elisa, durante a comemoração dos 40 anos de nosso ingresso no curso de Física.

Trabalhando em pesquisa no CBPF e dando aulas na Faculdade de Filosofia, Elisa costumava levar seus alunos da Faculdade para o CBPF, para aulas práticas de laboratório e maior contato com cientistas. Ali no CBPF Jayme Tiomno, com quem casou-se em segundas núpcias, havia criado um laboratório de ensino onde os alunos estagiavam. Estas aproximação dos alunos da Faculdade com o CBPF foi de grande importância para a formação de novos físicos. Na luta pela melhoria do ensino da Física, Elisa e Tiomno se basearam na filosofia do "é fazendo que se aprende", tanto no Laboratório de Ensino no CBPF, como também através da introdução da prática de exercícios nos cursos da Faculdade .

Nesta convivência, quando terminamos o segundo ano do curso de Física, já estávamos familiarizados com a rotina dos diferentes laboratórios do CBPF, e aptos a optar por este ou aquele grupo de pesquisas. No terceiro ano, Elisa passava sua turma ao Tiomno e ao Leite, os quais nos levavam ao final do bacharelado através dos seus cursos de Eletromagnetismo e Estrutura da Matéria. Por este esquema, que já vinha funcionando há algum tempo, em cada dois anos tinha-se mais uma geração de alunos da Professora Elisa, prontos para serem iniciados na pesquisa científica. Isso só foi possível, após a criação do CBPF, pois antes não existia ambiente de pesquisa na FNFi; ali faltava o regime de dedicação exclusiva, em contraste, por exemplo, com o que ocorria na USP. A Professora Elisa também levava professores do CBPF para palestras com seus alunos da FNFi. Foi assim que conhecemos Richard Feynman, no ano de 1963.

A liderança e o prestígio da Professora Elisa, determinaram a ida, em 1965, de vários estudantes da FNFi para a Universidade de Brasília, juntamente com Jayme Tiomno, quando ambos decidiram para lá se transferir. Na UnB já se encontrava, como coordenador do Instituto Central de Ciências, o Professor Roberto Salmeron, o que possibilitou ao curso de Física iniciar-se completo, com todas as turmas. Na UnB funcionava o sistema de departamentos, em substituição à cátedra, onde os docentes também eram pesquisadores. Como bolsista e monitor da UnB, tínhamos obrigações de ensino, auxiliando em aulas de exercício e acompanhando os alunos nas aulas de laboratório. Entretanto, lamentavelmente o sonho durou pouco, com a crise e a demissão em massa dos professores fomos obrigados a deixar Brasília.

Retornamos ao CBPF. Naquela ocasião, Elisa foi trabalhar no Instituto Nacional de Física Nuclear, enquanto Jayme Tiomno ficou no Centro Internacional de Física Teórica, ambos em Trieste.

Em 1968, a convite do Professor Ernest Hamburger, Elisa foi trabalhar no IF da USP, na organização do laboratório para o estudo de espectroscopia nuclear, usando emulsões nucleares expostas na Universidade de Pittsburgh.

Com o AI-5, em abril de 1969, Elisa, juntamente com seu marido, foram atingidos pela aposentadoria compulsória decretada pelo governo militar, afastando-os das atividades de Professor da UFRJ e USP, respectivamente. Logo em seguida, juntamente com Jayme Tiomno e José Leite Lopes, foi também demitida do CBPF, alegadamente com base no Ato Complementar 75.

Em 1975, Elisa Frota-Pessôa iniciou a montagem de um laboratório de emulsões na PUC, continuando a trabalhar em espectroscopia nuclear em colaboração com o grupo de Ernest Hamburger do IF da USP, resultando na descoberta de vários níveis espectrais.

Em agosto de 1977, Elisa teve seu nome sugerido, por intermédio do CNPq, para fazer parte do Women's Book of World Records and Achievements, editado pela Editora Doubleday, NY (1978), em colaboração com a National Science Foundation, dedicado às mulheres que se destacaram na Ciência e Tecnologia.

Em 1980, após a abertura política, retornou ao CBPF, iniciando a implantação de um laboratório de emulsões nucleares para estudo de espectroscopia nuclear. Em fins de 1981, recebe do Professor Olácio Dietzsch um conjunto de chapas expostas no espectrógrafo magnético do Pelletron da USP, dando início ao estudo de espectros nucleares a partir de reações diretas no CBPF. Naquela ocasião, entrei para o seu grupo. Num de nossos trabalhos, mostramos que o estado fundamental do 95Zr era, na realidade, um dubleto com separação em energia da ordem de 25 KeV, graças ao uso do Método da Soma. Em 1986, junta-se ao grupo João Carlos dos Anjos, quando se reatou uma colaboração com Thereza Borello-Lewin do IF da USP e passamos a fazer novas exposições no Pelletron cujas emulsões eram lidas pelos espectroscopistas do Laboratório no CBPF.

Em 1991, ao completar 70 anos, Elisa Frota-Pessôa foi aposentada compulsoriamente como Pesquisadora Titular do CBPF, recebendo em seguida, o título de Pesquisadora Emérita do CBPF, o que lhe permitiu continuar efetivamente pesquisando até o ano de 1995. Hoje ainda recebe pesquisadores, amigos e antigos colaboradores em busca de esclarecimentos e depoimentos históricos, em sua residência na Praia da Barra da Tijuca, onde mora com Jayme Tiomno, seu companheiro de vida e de lutas pela implantação da pesquisa e ensino em Física no Brasil, por mais de meio século.

Em verdade, a minha pretensão era a de relatar o muito que ela fez por várias gerações de fíisicos. Entretanto, estou convencido de que, todos aqui presentes entendem a minha emoção e o meu orgulho em estar, nesta noite, homenageando quem tanto fez pela ciência brasileira.

Discurso de Homenagem do Professor Roberto Salmeron à Professora Elisa Frota-Pessoa

Roberto Salmeron

Escola Politécnica - Paris - França

Elisa querida,

Infelizmente não me é possível estar presente na homenagem tão merecida que a comunidade de físicos lhe presta em Caxambu, mas daqui de longe quero lhe enviar minhas saudações.

Lembro-me de nossa amizade de tantos anos, e de tantas coisas que ocorreram durante esses anos. Lembro-me de quando nos conhecemos em São Paulo, quando você foi passar um ano no Departamento de Física da ex-Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que funcionava numa casa alugada na rua Brigadeiro Luiz Antônio, você batalhando com uma experiência em Física Nuclear. Foi naquele ano que nasceu a nossa e a sua amizade com o Paulo Saraiva, amigo querido que nos deu tanto suporte moral no início de nossas carreiras. Lembro-me das conversas que tínhamos, sobre a Física e sobre a Física no Brasil, com a incerteza do futuro.

Logo depois nos encontramos no Rio, no início do CBPF, quando você trabalhava nesse laboratório e lecionava na ex-Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da ex-Universidade do Brasil, atual UFRJ. Você organizou o primeiro grupo de Física Experimental no CBPF, introduziu a técnica de emulsões nucleares, não somente no CBPF mas no País, e publicou o primeiro trabalho em Física experimental do CBPF. É difícil alguém de hoje avaliar corretamente o que esse sucesso representa, por que hoje não se pode imaginar que naquela época você não tinha com quem se orientar ou até com quem discutir a organização do seu laboratório. Poucos são os que têm o privilégio de serem pioneiros como você o foi.

Desde cedo você compreendeu a importância do ensino de qualidade. Os seus cursos marcaram época na Faculdade de Filosofia no Rio de Janeiro, não somente devido ao grande cuidado com que você os preparava, na parte teórica e nas aplicações, mas também pela atenção toda especial que você dava aos estudantes, procurando conhecer cada um, as suas qualidades e os seus problemas. Você lecionava aos estudantes dos dois primeiros anos, período crucial, em que o jovem é formado e deve adquirir a base sólida para prosseguir com sucesso os estudos nos anos seguintes. Os estudantes tinham o privilégio de serem moldados por você. E os seus alunos que se tornaram professores universitários tomaram você como exemplo, como o professor padrão, procurando reproduzir com os alunos deles o que viveram com você.

Mais tarde nos encontramos na Universidade de Brasília. Ah, aquele sonho de Brasília! O belo esforço de toda a Universidade de aliar o ensino à pesquisa, obrigatoriamente, em todas as disciplinas. Que trabalho intenso você fazia! Em condições precárias, você retomou os cursos com o nível que dava no Rio, entusiasmando jovens que depois decidiram se tornar físicos. O difícil em Brasília não eram as condições precárias, eram as condições morais da luta contra as pressões exercidas sobre a Universidade, contra a arrogância, o arbitrário e a ignorância, para se manter com dignidade a posição de professor. Depois de luta intensa, demos nossa demissão coletiva, e o sonho acabou.

Você voltou para o Rio e foi depois para São Paulo. Mas naqueles anos de chumbo as perseguições seguiam as pessoas. Veio a aposentadoria compulsória. Sem emprego, você e o Jayme foram para os Estados Unidos, poderiam ter lá permanecido, mas vocês não conseguem viver fora do Brasil.

Voltaram, sem terem onde trabalhar. Depois de algum tempo foram para a PUC do Rio até serem readmitidos no CBPF. Com grande coragem, você reassumiu o trabalho de pesquisa, continuou a produção científica e a formação de jovens. Elisa querida, sua vida de professora é um exemplo. A nova geração precisa conhecê-la. Não podendo estar aí, daqui de longe vai um abraço amigo, apertado e saudoso, do Roberto.

Agradecimento da Professora Elisa Frota-Pessôa

Centro Brasileiro de Pesquisasa Físicas, Rio de Janeiro - Brasil

Começo agradecendo esta homenagem, que muito me honra, da Sociedade Brasileira de Física. Em 1935 estava no 2º ano do curso ginasial da Escola Paulo Frontin e comecei a pensar em fazer Engenharia. Porquê? Porque gostava de Física (rudimentos que aprendi no Curso de Ciências Naturais) e de Matemática. Naquela época não via outra escolha. A minha opção não agradava à maioria das pessoas que achavam Engenharia uma carreira masculina. No 3º ano comecei a ter o curso de Física. O professor, Plínio Süssekind Rocha, era um jovem entusiasmado com a Física. Começamos nossa relação da seguinte maneira: ele passou uns problemas para casa e, quando ao devolvê-los corrigidos, ele me fez a seguinte pergunta: "Quem gosta de Física, seu pai ou seu irmão mais velho?" Perguntei porquê. Ele respondeu: "Os problemas estão muito bem resolvidos!". Eu disse que gostaria mais que ele me argüisse, o que fez me chamando ao quadro. Quando se deu por satisfeito falou: "Foi você mesma quem resolveu os problemas!". Daí por diante, ficamos amigos e ele disse que era assistente de Física na Universidade do Distrito Federal (UDF) e que eu poderia fazer um curso de Física lá. Achei ótimo. Física, como Engenharia, não foi bem recebida, ninguém conhecia uma mulher brasileira Física. Não podiam conhecer mesmo, pois creio que fui a primeira mulher no Brasil a fazer um curso de Física e continuar trabalhando no campo. Nada me demoveu da idéia. No 4º ano veio para a Paulo de Frontin um grupo de recém-formados pela UDF e foram meus professores Raimundo Paesler (Física), Antônio Houaiss (Literatura) e Oswaldo Frota-Pessôa (História Natural). Todos eles interessados em ensino e pesquisas. Fizemos amizade e comecei a encontrar apoio para meus planos e estudos. Minha amizade com eles e ex-colegas deles na UDF me estimulava grandemente, me parecia conhecer outro mundo, e continuou depois que terminei o curso. Aos 18 anos me casei com Oswaldo Frota-Pessôa. Quinze dias depois fiz exame para o curso de Física da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) que substituíra a UDF que foi extinta, infelizmente, por ser considerada subversiva. No 2º ano fui aluna do professor Joaquim Costa Ribeiro que me convidou para auxiliá-lo nos seus trabalhos de pesquisa. Durante todo o curso continuei como auxiliar dele. Oswaldo fazia pesquisas em genética e se dedicava ao ensino. Neste período tivemos dois filhos, e continuei sendo apoiada e incentivada por Oswaldo que até hoje é um grande amigo. Terminado o curso em 1942 fui convidada por Costa Ribeiro para ser sua assistente. Em 44 comecei a ensinar na FNFi. Outro assistente era Jayme Tiomno, nomeado dois anos antes de mim. Participamos, os dois, de lutas para melhorar o ensino de Física na Faculdade. Jayme foi com bolsa de estudos para a USP em 1946 e em 1948 para Princeton. Em 1948, também com bolsa de estudos, fui para a USP. Lá encontrei colegas que muito me estimularam: Roberto Salmeron, Paulo Saraiva de Toledo, Mário Alves Guimarães e Paulo Taques Bittencourt. Em 1949 Tiomno e eu fomos membros fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Conseguimos levar as aulas práticas de Física das minhas turmas para o CBPF o que resultou, num contato maior dos alunos com diversos pesquisadores, e grande melhoria do ensino. Em 1951 Jayme e eu juntamos nossas vidas. Trabalhei em 1958-59 na Universidade de Londres com o professor Éric Henry Stoneley Burhop. Guardo uma recordação muito boa de nossa colaboração e amizade. Em 1969 trabalhei um ano na USP colaborando com o professor Ernest Hamburguer que me facilitou o trabalho em horas difíceis de ditadura quando fui acolhida pela PUC depois de ser aposentada da FNFi pelo AI5 e afastada do CBPF. Em 1980 retornei ao CBPF juntamente com Tiomno.

Tiomno e eu fomos aposentados compulsoriamente por idade em 1991. Continuamos trabalhando no CBPF até 95 como Pesquisadores Eméritos.

Termino, estendendo esta homenagem às pessoas que aqui mencionei.

Received on 27 November, 2003

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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